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texto 3 aula 3 02 Alice Casanova dos Reis

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Resumo
A partir da constatação de que o homem está corporalmente 
inserido no mundo, ou seja, de que suas relações com as outras 
pessoas e com os objetos são mediadas primordialmente pelo 
corpo, o presente trabalho tem como objetivo refletir sobre as 
possíveis relações entre o corpo e a subjetividade, baseando-se na 
fenomenologia de Merleau-Ponty. Para tanto, baseia-se 
principalmente nas idéias do autor acerca do corpo que se 
encontram na sua obra de maior repercussão: a Fenomenologia da 
Percepção. São analisados os conceitos de corpo-vivido, 
motricidade do corpo, corpo como expressão e corpo como obra de 
arte, articulando-os à questão da subjetividade. Conclui-se que a 
concepção de corpo em Merleau-Ponty desloca a subjetividade da 
interioridade para a corporeidade, instigando-nos a repensar a 
subjetividade como um processo aberto que se concretiza no 
corpo, a partir das suas vivências, seus movimentos, suas 
percepções, suas expressões e suas criações. 
Palavras-chave: subjetividade, corpo, Merleau-Ponty.
Abstract
From the observation that the man is bodily inserted in the world, or 
that their relationships with other people and objects are mediated 
primarily by the body, this paper has as objective to reflect on the 
possible relationship between body and subjectivity, based on the 
phenomenology of Merleau-Ponty. It is based mainly on the author's 
ideas about the body that are in his work of greatest impact: The 
Phenomenology of Perception. The concepts of body-lived, 
movement of body, body as expression and the body as art are 
analyzed, linking us to the question of subjectivity. It concludes that 
the conception of body in Merleau-Ponty moves the subjectivity from 
interiority to the corporality, instigating us to rethink the subjectivity 
as an open process that is actualized in the body, from their 
experiences, their movements, their perceptions, their expressions 
and their creations.
Keywords: subjectivity, body, Merleau-Ponty.
37-48n. 37 2011 p. 
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Alice Casanova dos Reis
Doutoranda em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de São Paulo. 
Pesquisadora do Laboratório de Psicologia da Arte (LAPA), do Instituto de 
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
A SUBJETIVIDADE COMO CORPOREIDADE:
o corpo na fenomenologia de Merleau-Ponty
“Quer se trate do corpo do outro ou de meu próprio corpo,
não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo”
(Merleau-Ponty, 2006, p.269).
Entranhando-se no corpo
Desde a associação do corpo à res extensa, o pensamento ocidental é 
perpassado pela idéia de uma divisão entre corpo e mente, corpo e alma, corpo e 
consciência. Assim, a ciência vê o corpo como objeto, despojando a subjetividade 
de sua essência encarnada. A Psicologia, por sua vez, pode ser definida como o 
estudo da subjetividade (Serbena & Raffaelli, 2003), mas, sendo herdeira daquela 
concepção de homem, corre o risco de reproduzir as clássicas dicotomias e de 
perder de vista um aspecto fundamental na compreensão do ser humano: sua 
corporeidade. 
O conceito de subjetividade, habitualmente usado como sinônimo de 
consciência (Maheirie, 2002; Amatuzzi, 2006), é criticado por remeter à idéia de 
uma instância interior abstrata e atemporal (Costa & Fonseca, 2008). No entanto, a 
Psicologia Social vem enfatizando a necessidade de se compreender a 
subjetividade como dimensão concreta, constituída historicamente na 
intersubjetividade das relações sociais (Molon, 1999; Zanella, 2005; Lane, 2006). 
A partir da constatação de que o homem está corporalmente inserido no 
mundo, ou seja, de que suas relações com o outro, com a cultura e com a natureza 
são mediadas primordialmente pelo corpo, o presente trabalho procura refletir 
sobre as possíveis relações entre corporeidade e subjetividade, baseando-se na 
concepção de corpo em Merleau-Ponty (2006). Embora Merleau-Ponty não tenha 
de fato sistematizado uma filosofia acerca do corpo, esta questão perpassa suas 
obras, sobretudo a Fenomenologia da Percepção e O visível e o invisível, cujas 
primeiras publicações datam respectivamente de 1945 e 1964. Estes dois livros 
representam fases diferentes do pensamento do filósofo. 
No primeiro, o corpo aparece como o sujeito da percepção e é analisado 
em seus aspectos concretos. Já o segundo se constitui como uma obra inacabada, 
cujo manuscrito só veio a público após a morte do autor e no qual ele esboça sua 
ontologia do ser bruto. Ali o corpo é abordado em toda sua ambigüidade, através de 
conceitos complexos que remetem a uma metafísica que desemboca no Ser. Uma 
vez que a comparação destas diferenças foge ao escopo deste trabalho, e que 
minha intenção é refletir acerca das possíveis relações da subjetividade com o 
corpo em sua dimensão fenomenológica, optei aqui por me basear apenas na 
Fenomenologia da Percepção. 
Esta obra tem muito a contribuir neste sentido, pois aborda o corpo 
fenomenal, contrapondo-se ao pensamento científico clássico que vê o corpo como 
objeto. Nela o corpo aparece como nosso modo próprio de ser-no-mundo, levando-
nos a repensar a subjetividade em sua corporeidade, através de argumentos que 
sustentam a idéia de que não tenho um corpo, o corpo não é a morada do sujeito, 
não é algo de que posso me despir, me desvencilhar, mas sou meu corpo. Nesta 
perspectiva, apresento a seguir os conceitos ali desenvolvidos de corpo-vivido, 
motricidade do corpo, corpo como expressão e corpo como obra de arte. 
O corpo-vivido
Descartes (1596-1650), através do seu método, lançou as bases para a 
ciência moderna. Com a máxima “penso, logo existo”, o filósofo coloca o 
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pensamento como fundamento da existência do eu e divide a realidade em res-
extensa (matéria, ocupa um lugar no espaço, corpo) e res-cogitans (alma, 
consciência, substância pensante). Na esteira deste pensamento, o discurso 
científico contemporâneo considera o corpo como “uma matéria indiferente, 
simples suporte da pessoa. Ontologicamente distinto do sujeito, torna-se um objeto 
à disposição sobre o qual agir a fim de melhorá-lo” (Le Breton, 2008, p.15). A noção 
de corpo como objeto rompe a unidade fenomenológica do homem, cuja existência 
é corporal. 
Merleau-Ponty (1908-1961), em uma perspectiva fenomenológica, 
diverge desta visão dicotômica, inaugurando um novo modo de conceber o corpo. 
Para ele, antes de ser um objeto, o corpo é nosso modo próprio de ser-no-mundo. É 
o corpo que realiza a abertura do homem ao mundo, colocado-o em situação: “O 
corpo é nosso meio geral de ter um mundo” (Merleau-Ponty, 2006, p.203). 
Na Fenomenologia da Percepção, o corpo vem para o primeiro plano na 
reflexão do filósofo, revelando-se como o modo através do qual o homem percebe 
o mundo, assim como a si mesmo. Na visão tradicional, a percepção era explicada 
ora em uma abordagem intelectualista, considerando-se que o sentido do 
percebido está na consciência do sujeito, ora em uma empirista, entendendo-se 
que o sentido está no objeto. Contudo, a noção fenomenológica de 
intencionalidade considera que o sentido não se encontra em nenhum dos pólos 
considerados isoladamente, mas emerge na relação que se estabelece entre eles. 
O mérito de Merleau-Ponty está justamente em mostrar que esta relação é 
mediada primordialmente pelo corpo: “tenho consciência do mundo por meio de 
meu corpo” (Merleau-Ponty, 2006, p.122).
Se no pensamento clássico a consciência era um fenômeno mental, uma 
operação do espírito, em Merleau-Ponty a consciência só emerge como ato 
reflexivo a partir do que é percebido pelo corpo. O deslocamento da consciência de 
uma instância interior para a relação corpo-mundo traz relevantes implicações à 
Psicologia, pois então “O sujeito que percebe deixa de ser um sujeito pensante 
'acósmico'” (Merleau-Ponty, 2006, p.50), tornando-seum sujeito que por seu corpo 
está inexoravelmente enraizado no mundo, situado em um espaço-tempo 
determinado. Como, a partir daí, é possível compreender a subjetividade? 
A subjetividade pode ser definida como “a consciência de si, a auto-
consciência” (Amatuzzi, 2006, p.95). O problema está em, associando-se a 
subjetividade à consciência, tomá-la como algo inteiramente abstrato, perdendo-
se de vista a sua dimensão corpórea. Para Merleau-Ponty (2006) existe uma 
consciência pré-reflexiva, chamada por ele de consciência não-tética, que se 
constitui tendo como base a percepção, a qual “talvez não esteja 'em minha 
cabeça', não está em parte alguma a não ser em meu corpo como coisa do mundo” 
(Merleau-Ponty, 2005, p.21). A partir daí, considero plausível entender que a 
subjetividade não se opõe à objetividade, não se trata de algo “dentro” que se opõe 
ao “fora”, mas que a subjetividade se constitui na intersecção através da qual o 
corpo me ata ao mundo. 
Para nos auxiliar nesta tarefa, há um conceito merleau-pontyano 
especialmente importante: o corpo-vivido ou corpo-próprio. Esta noção explicita 
que o corpo, na experiência que dele tenho, não pode ser para mim um objeto. A 
percepção, segundo Merleau-Ponty (2006) possibilita esta experiência do corpo-
próprio, a qual: “opõe-se ao movimento reflexivo que destaca o objeto do sujeito e 
o sujeito do objeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo em 
idéia e não a experiência do corpo ou o corpo em realidade” (Merleau-Ponty, 2006, 
p.269). 
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Se percebemos com nosso corpo, conclui Merleau-Ponty (2006): “o corpo 
é um eu natural e como que o sujeito da percepção” (p.278). Portanto, a percepção 
não é primariamente um ato de pensamento, mas um encontro entre homem e 
mundo que se concretiza no corpo-vivido. Esta vivência do corpo, ao mesmo tempo 
em que dá lugar a um saber sobre o objeto percebido, traz como correlato um saber 
sobre o próprio sujeito da percepção. Por isso Merleau-Ponty afirma que, no ato 
perceptivo, ao colocar o homem em contato com o mundo, o corpo conduz ao 
reencontro consigo mesmo e ao reconhecimento de que, afinal, “sou meu corpo” 
(Merleau-Ponty, 2006, p.269). 
Ao explicar a percepção, Merleau-Ponty reconhece o corpo como lugar 
de um conhecimento originário do mundo e de si próprio, um saber sensível que 
antecede o conhecimento reflexivo, mas, ao mesmo tempo, o possibilita. Isso não 
nos permite concluir que o homem seja somente corpo ou que o pensamento esteja 
excluído dos processos por meio dos quais a subjetividade se (re)constitui. O que o 
autor reitera diversas vezes é que, na percepção, na qual estão imbricados aquele 
que percebe e o percebido, opera uma forma de consciência pré-reflexiva, a qual 
não está “dentro”, habitando um corpo, mas que é corpo: “a consciência do corpo 
invade o corpo, a alma se espalha em todas as suas partes” (Merleau-Ponty, 2006, 
p.114). A partir daí, é possível à Psicologia repensar a subjetividade, buscando 
compreender “o sentido desta subjetividade instalada no corpo e não mais na 
transcendência de um eu interior pensante” (Dentz, 2008, p.296, grifo do autor). 
Este parece ter sido o caminho indicado pelo próprio Merleau-Ponty (2006): 
“Assim, a permanência do corpo próprio, se a psicologia 
clássica a tivesse analisado, podia conduzi-la ao corpo não 
mais como objeto do mundo, mas como meio de nossa 
comunicação com ele, ao mundo não mais como soma de 
objetos determinados, mas como horizonte latente de nossa 
experiência, presente sem cessar, ele também, antes de todo 
pensamento determinante” (p.136). 
Um aspecto essencial da experiência do corpo-próprio é a motricidade. 
Ela está diretamente envolvida na percepção, pois, para Merleau-Ponty (2006) ela 
é intencionalidade original. Por meio do movimento, o corpo nos situa no mundo, 
nos posiciona em relação às coisas, permite que as conheçamos por diferentes 
ângulos e revela que a visão se dá por perspectivas. Vejamos mais sobre a questão 
do corpo como ser-em-movimento e suas relações com a subjetividade. 
O corpo-movimento
Em Merleau-Ponty (2006), evidencia-se o deslocamento da consciência 
da interioridade para a corporeidade. A corporeidade, aqui usada como sinônimo 
de corpo-vivido, remete sempre ao corpo em movimento, ao corpo tal como o 
estamos vivendo em nosso movimento existencial. Existem muitas formas de 
vivenciar o corpo. No dia-a-dia, muitas vezes o corpo parece repousar em estado 
latente, “esquecido” nas inúmeras tarefas, seja por elas nos parecerem atividades 
“mentais”, seja por serem atividades físicas que executamos de modo quase 
automático. Outras vezes o corpo vem para o primeiro plano, quando, por exemplo, 
alguma doença nos acomete ou quando algo em especial nos sensibiliza: uma 
nova e bela paisagem, uma paixão ou outro acontecimento que nos afeta 
emocionalmente. Mas mesmo quando o corpo-próprio nos passa “despercebido”, 
é ele o “mediador ativo entre o sujeito e o mundo” (Dentz, 1999, p.5, grifo do autor). 
Como ser-no-mundo, o homem é um ser-em-movimento e o que o 
possibilita mover-se, dirigir-se a alguma coisa, seja caminhando até ela ou 
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simplesmente voltando-lhe o olhar, é o corpo. Neste sentido, mover-se é uma forma 
de sair de si para ser-com, abrindo-se à alteridade. O contato com o outro, seja ele 
uma pessoa, outro ser ou uma coisa, é possível porque tenho um corpo, que me 
torna sensível ao outro, possibilitando que dele eu tenha consciência. Merleau-
Ponty (2006) explica de que modo o movimento participa nesta forma de 
consciência: “A consciência é o ser para a coisa por intermédio do corpo... e mover 
seu corpo é visar as coisas através dele, é deixá-lo corresponder à sua solicitação, 
que se exerce sobre ele sem nenhuma representação” (p.193).
O movimento, portanto, é uma maneira de nos relacionarmos com as 
coisas e uma forma legítima de conhecê-las: uma cognição sensível. E, porque 
estamos implicados como um todo neste ato cognitivo mediado pelo sentir, ele 
reflete nosso movimento existencial, ele está carregado com nossos valores, 
afetos, desejos, de modo que o sentido emergente nesta relação é um sentido vital. 
O sentir, como explica Merleau-Ponty (2006): “investe a qualidade de um valor 
vital; primeiramente a apreende em sua significação para nós, para esta massa 
pesada que é nosso corpo, e daí provém que ele sempre comporte uma referência 
ao corpo” (Merleau-Ponty, 2006, p.84).
Enquanto corporeidade, a subjetividade não é algo acabado, não é um eu 
interior, constituindo-se como processo em sínteses provisórias que se formam na 
medida em que o sujeito vivencia o sentido de si na relação com o mundo. No 
mundo percebido, 
“a coisa é o correlativo de meu corpo e, mais geralmente, de 
minha existência, da qual meu corpo é apenas a estrutura 
estabilizada, ela se constitui no poder de meu corpo sobre ela, 
ela não é em primeiro lugar uma significação para o 
entendimento, mas uma estrutura acessível à inspeção do 
corpo” (Merleau-Ponty, 2006, p.429).
A subjetividade, como consciência de si, emerge como síntese do corpo-
próprio, a partir do conjunto de significações vividas que constituem o eu em uma 
unidade existencial. É necessário que a Psicologia compreenda a natureza 
existencial concreta da experiência do corpo-próprio, como apontam Veríssimo e 
Furlan (2007), ao analisar o diálogo possível entre a filosofia de Merleau-Ponty e a 
Psicologia: “Para o pensamento não situado do psicólogo, a experiência do corpo 
degradava-se em 'representações' do corpo, deixando de ser um fenômeno para 
se transformar em um fato psíquico” (p.340). 
A crítica de Merleau-Ponty (2006) à Psicologia baseia-se em que ela se 
afasta da experiência do corpo próprio para encará-lo como um processo em 
terceira pessoa. Entretanto,o corpo não é um ele, mas um eu: “Sistema de 
potências motoras ou de potências perceptivas, nosso corpo não é objeto para um 
'eu penso': ele é um conjunto de significações vividas que caminha para seu 
equilíbrio” (Merleau-Ponty, 2006, p.212). Esta definição supera a dissociação 
clássica entre subjetividade e corpo, por meio da qual o segundo é tomado como 
objeto e a primeira é confinada em uma dimensão psíquica. Resgatar o mundo 
vivido e a subjetividade como experiência corporal mediada pelo movimento, eis a 
proposta que se depreende das palavras do filósofo: 
“Ser uma consciência, ou, antes, ser uma experiência, é 
comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os 
outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles. (...) O 
psicólogo não podia deixar de redescobrir-se enquanto 
experiência, quer dizer, enquanto presença sem distância ao 
passado, ao mundo, ao corpo e ao outro, no momento mesmo 
em que ele queria perceber-se como objeto entre os objetos” 
(Merleau-Ponty, 2006, p.142, grifo do autor).
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Seja elegendo como seu objeto de estudo a consciência, a subjetividade, 
ou o comportamento, buscar compreender a experiência do corpo traz para a 
Psicologia a dimensão vivencial, fundamental à compreensão de como o sujeito se 
constitui. O sujeito não é um espectador imparcial frente à vida, mas participa dela 
ativamente, por meio de seu corpo, com seus movimentos, afetos, pensamentos, 
percebendo, sendo percebido e se auto-percebendo, reconhecendo-se como ator 
e co-autor de sua história, ao lado dos outros significativos com os quais convive 
em sociedade. Em uma perspectiva fenomenológica, a pesquisa da subjetividade 
enfoca o vivido e pode se basear nos seguintes princípios: 
“restituir à coisa sua fisionomia concreta, aos organismos sua 
maneira própria de tratar o mundo, à subjetividade sua 
inerência histórica, reencontrar os fenômenos, a camada de 
experiência viva através da qual primeiramente o outro e as 
coisas nos são dados, o sistema 'Eu-Outro-as coisas' no 
estado nascente, despertar a percepção” (Merleau-Ponty, 
2006, p.90). 
Este tipo de pesquisa pressupõe que o psicólogo assuma uma postura 
diferente da tradicional neutralidade científica, afinal ele está lidando não com um 
objeto, mas com uma pessoa, com outro ser humano. Trata-se, portanto, de uma 
relação sujeito-sujeito, na qual ambos são reciprocamente afetados. Levar isso em 
consideração, contudo, não significa ausência de rigor metodológico, mas propõe 
como caminho possível ao pesquisador aproximar-se experencialmente da 
subjetividade, como nos indica Amatuzzi (2006): 
“Se o pesquisador não se deixar 'tocar' pela subjetividade do 
outro, permitindo que ela faça um sentido humano para ele, 
estará pesquisando a objetividade e não a subjetividade. É 
preciso sair da perspectiva convencional de ciência para fazer 
esse outro tipo de pesquisa. Eu diria que a subjetividade não 
se entrega como objeto de conhecimento se eu me aproximar 
dela de modo meramente cognitivo. Só posso me aproximar 
dela participativamente, mobilizando-a também dentro de 
mim. A pesquisa da subjetividade é diretamente mobilizadora 
do sujeito e não apenas instrumentalizadora dele” (p.95-96).
Outro aspecto que nos leva a compreender a subjetividade como 
corporeidade é a capacidade expressiva do corpo, pois nele se revelam não 
somente aspectos objetivos como idade, sexo, cor, etc., mas também muitos 
aspectos subjetivos que remetem, em última instância, ao modo singular de ser de 
cada pessoa. Assim, o corpo, suas múltiplas formas de expressão, seja no 
cotidiano, no trabalho, nas artes, enfim, nas diversas práticas sociais, pode ser 
usado como uma significativa unidade de análise da subjetividade nas pesquisas 
em Psicologia. Vamos nos aprofundar na reflexão sobre o corpo como espaço 
expressivo da subjetividade. 
O corpo como expressão
Para Merleau-Ponty (2006) o corpo é sempre um espaço expressivo. O 
corpo não é uma capa exterior do ser, mas sua própria expressão, pois “a cada 
momento o corpo exprime as modalidades da existência” (Merleau-Ponty, 2006, 
p.223). Muito se pode inferir acerca do modo de ser de uma pessoa pela simples 
observação do modo como ela se coloca no mundo, como ela caminha, como 
gesticula, como se veste, como se senta à mesa, como olha as pessoas, com que 
tom de voz ela fala, como age. Às vezes, as ações dizem mais sobre alguém do que 
suas próprias palavras. Para o autor, “Se o corpo pode simbolizar a existência, é 
porque a realiza e porque é sua atualidade” (Merleau-Ponty, 2006, p.227). 
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Merleau-Ponty frisa a natureza corpórea da comunicação, mostrando 
que os movimentos e gestos têm um poder de significação intrínseca. Em se 
tratando do corpo, seja em sua expressão por meio de um simples olhar ou de um 
movimento elaborado como um passo ensaiado de dança, o expresso não existe 
separado da expressão, ou seja, o corpo não traduz uma significação, ele próprio a 
realiza: “aqui o signo não indica apenas sua significação, ele é habitado por ela; de 
certa maneira, ele é aquilo que significa” (Merleau-Ponty, 2006, p.222-223). 
Apenas didaticamente é possível separar signo e significação quando se 
trata do corpo, pois ele “exprime a existência total, não que ele seja seu 
acompanhamento exterior, mas porque a existência se realiza nele. Esse sentido 
encarnado é o fenômeno central do qual corpo e espírito, signo e significação são 
momentos abstratos” (Merleau-Ponty, 2006, p.229). A capacidade expressiva do 
corpo é, portanto, outro argumento que sustenta a idéia de uma subjetividade 
encarnada, uma subjetividade que se atualiza, se cria e se (re)cria a cada 
momento, no movimento existencial de uma corporeidade. 
 
Assim, 
tomemos de empréstimo o seguinte exemplo do filósofo: “eu não percebo a cólera 
ou a ameaça como um fato psíquico escondido atrás do gesto, leio a cólera no 
gesto, o gesto não me faz pensar na cólera, ele é a própria cólera” (Merleau-Ponty, 
2006, p.251, grifo do autor). 
Como fenômeno expressivo, o corpo nos revela seu aspecto simbólico: “o 
corpo é intencionalidade que se exprime e que secreta a própria significação” 
(Furlan & Bocchi, 2003, p.449). Nesta perspectiva, trata-se de reconhecer o corpo 
não como veículo de um significado, não como suporte, não como meio, pois ele é a 
mensagem: 
“Sempre observaram que o gesto ou a fala transfiguravam o 
corpo, mas contentavam-se em dizer que eles desenvolviam 
ou manifestavam uma outra potência, pensamento ou alma. 
Não se via que, para poder exprimi-lo, em última análise o 
corpo precisa tornar-se o pensamento ou a intenção que ele 
nos significa. É ele que mostra, ele que fala...” (Merleau-Ponty, 
2006, p.267).
O corpo fala, mas não fala sozinho, fala com alguém, fala para um outro, 
sua essência é dialógica. A capacidade expressiva do corpo transcende os 
mecanismos de sua fisiologia, revelando sua segunda natureza: o social. Merleau-
Ponty (2006) explica esta comunicação como uma forma de comunhão com o 
outro, na qual um sujeito retoma a intenção expressa no corpo do outro, permitindo 
que ela reverbere em seu próprio corpo:
“O sentido dos gestos não é dado mas compreendido, quer 
dizer, retomado por um ato do espectador. Toda dificuldade é 
conceber bem este ato e não confundi-lo com uma operação 
do conhecimento. Obtém-se a comunicação ou a 
compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas 
intenções e os gestos do outro, entre meus gestos e as 
atitudes legíveis na conduta do outro. Tudo se passa como se a 
intenção do outro habitasse meu corpo ou como se minhas 
intenções habitassem o seu” (p.251). 
O corpo é conectivo, ele me conecta com o outro e me (re)conecta comigo 
mesmo. Nele a subjetividade se expressa, se realiza e se (re)constitui a partirda 
intersubjetividade, pois como corpo estou atado ao mundo, em relação com os 
Furlan e Bocchi (2003) entendem que para Merleau-Ponty “o corpo 
encarna a possibilidade de compreensão dos gestos e das palavras, assinalando o 
caráter corpóreo da significação, cuja apreensão está na reciprocidade de 
comportamentos vividos na dimensão social” (p.445, grifo dos autores). 
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outros, convivendo em sociedade. O eu se constitui na relação com o outro. Este 
ponto vem sendo priorizado pela Psicologia Social, mas, ao menos em sua vertente 
histórico-cultural (Pino, 1991; Molon, 1999; Vygotski, 2000; Zanella, 2004; Beatón, 
2005), a ênfase recai quase sempre sobre o papel da mediação semiótica 
(linguagem, signos) nas relações sociais e processos de subjetivação. Tal 
mediação é sem dúvida muito importante para compreender processos 
psicológicos complexos como o pensamento, mas, por outro lado, não seria 
igualmente importante estudar o papel da corporeidade na constituição do sujeito? 
Para Merleau-Ponty (2006), mesmo as possibilidades de significação (do mundo, 
do outro, de si mesmo) distendidas pela linguagem verbal e o pensamento objetivo 
foram primeiramente abertas pelo corpo enquanto potência perceptiva e 
expressiva. Além disso, a reflexão intervém nas relações nas quais o homem está 
envolvido somente até certo ponto e nem sempre. A própria percepção, um 
processo vivido a todo instante no cotidiano, é o maior exemplo disso, uma vez que 
para o autor ela é uma forma de consciência não-reflexiva. Um exemplo específico 
neste sentido é a percepção erótica:
“Adivinha-se aqui um modo de percepção distinto da 
percepção objetiva, um gênero de significação distinto da 
significação intelectual, uma intencionalidade que não é pura 
'consciência de algo'. A percepção erótica não é uma cogitatio 
que visa um cogitatum; através de um corpo ela visa um outro 
corpo, ela se faz no mundo e não em uma consciência” 
(Merleau-Ponty, 2006, p.217). 
Para Merleau-Ponty (2006) o corpo é um ser sexuado. A vivência e a 
expressão da sexualidade humana, com suas diferentes possibilidades, 
igualmente apontam para uma subjetividade encarnada. Cada sujeito, ao mesmo 
tempo em que baliza sua expressão sexual a partir de modelos socialmente 
instituídos, também descobre por seu próprio corpo um modo também próprio de 
viver sua sexualidade: “Há uma 'compreensão' erótica que não é da ordem do 
entendimento, já que o entendimento compreende percebendo uma experiência 
sob uma idéia, enquanto o desejo compreende cegamente, ligando um corpo a um 
corpo” (Merleau-Ponty, 2006, p.217). 
Outro exemplo trazido por Merleau-Ponty acerca do corpo como espaço 
expressivo é a percepção estética. O tema aparece na Fenomenologia da 
Percepção, mas é mais bem desenvolvido posteriormente, no texto O Olho e o 
Espírito, de 1964, razão pela qual esse segundo trabalho foi aqui incluído. No 
entanto, a idéia central do autor sobre este assunto nasce na Fenomenologia da 
Percepção, minha principal referência, e pode ser sintetizada na afirmação de que 
o corpo, por sua potência expressiva, assemelha-se mais à obra de arte do que a 
um objeto. Vejamos o porquê. 
O corpo como obra de arte
Como vimos no item anterior, o corpo, por ser expressivo, possui função 
simbólica. Para Merleau-Ponty (2006), “Não é ao objeto físico que o corpo pode 
ser comparado, mas antes à obra de arte” (p.208). No texto O Olho e o Espírito, 
Merleau-Ponty (2004) reflete sobre as relações entre o corpo e a arte, tomando 
como exemplo especialmente a pintura. Para o autor, a pintura é uma técnica do 
corpo: os traçados da mão transubstanciam para a tela um certo impacto do 
mundo sobre o pintor. Contudo, não somente a pintura, mas “toda arte é corporal 
porque o artista se encontra corporalmente situado no mundo” (Andriolo, 2005, 
p.45) e porque é oferecendo seu corpo ao mundo que o artista transforma o 
mundo em arte. 
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A pintura torna visível para o espectador um sentido que emergiu para o 
pintor na sua percepção estética do mundo e que ele, por sua vez, busca imprimir 
na tela. Neste processo criativo, o corpo do artista está diretamente envolvido, seja 
percebendo um sentido estético, seja trabalhando sobre um material (a tela para o 
pintor, a página em branco para o escritor) para transformá-lo em objeto estético, 
seja sendo o próprio corpo a matéria a ser trabalhada pelo artista e transformada 
em obra de arte, como no caso da dança e das artes performáticas. 
 Para Merleau-Ponty (2004), “a pintura jamais celebra outro enigma 
senão o da visibilidade” (p.20). Esta conclusão é válida também para outras formas 
de expressão artística, uma vez que a obra de arte dá a ver por si mesma, ou seja, 
nela o que se quer exprimir é indissociável de seu meio de expressão: o sentido da 
poesia deve ser buscado no texto; o da pintura, na imagem; o da dança, no corpo 
dos bailarinos. Do mesmo modo, o sentido de um gesto está no próprio corpo que o 
executa e é nisso que o corpo é comparável à obra de arte: 
“Um romance, um poema, um quadro, uma peça musical são 
indivíduos, quer dizer, seres em que não se pode distinguir a 
expressão do expresso, cujo sentido só é acessível por 
contato direto, e que irradiam sua significação sem abandonar 
seu lugar temporal e espacial. É nesse sentido que nosso 
corpo é comparável à obra de arte. Ele é um nó de 
significações vivas e não a lei de um certo número de termos 
co-variantes” (Merleau-Ponty, 2006, p.209). 
O corpo, por sua dupla potência perceptiva e expressiva, é que possibilita 
ao sujeito a vivência da experiência estética. Esta experiência se caracteriza como 
uma relação sensível na qual um objeto é percebido esteticamente por um sujeito 
(Dufrenne, 2008), percepção que é sensível, que se realiza no corpo. O objeto 
estético não é necessariamente uma obra de arte, reconhecida como tal pela crítica 
especializada, mas é um objeto que é percebido a partir de uma intencionalidade 
estética por parte do espectador, ou seja, ele é “o correlato específico da 
experiência estética do espectador” (Henriques, 2008, p.57). Veremos agora 
como esta experiência essencialmente corporal se relaciona com a subjetividade. 
No caso de um objeto produzido deliberadamente pelo homem com uma 
finalidade estética, nele se imprime e exprime a subjetividade do criador, que na 
matéria transformada por seu trabalho criativo deixa sua marca: a obra reflete o 
estilo do seu autor. No entanto, como adverte Merleau-Ponty (2004), a obra não é 
gestada nos recôncavos da subjetividade, mas no encontro do artista com o 
mundo, que ele transmuta por sua arte em um outro mundo: o mundo de Cézanne, 
por exemplo, é como reunimos o conjunto da obra deste pintor moderno, a quem 
freqüentemente se referia o filósofo em suas análises. 
Transpondo a reflexão para o campo da Psicologia Social da Arte, 
podemos afirmar que a obra é como uma metáfora da subjetividade de seu criador, 
entendendo, é claro, que esta subjetividade é sempre relacional, constituindo-se 
no encontro com a alteridade. A alteridade é a dimensão do contato com o outro, 
primordialmente mediado pelo corpo (Frayze-Pereira, 2004). Uma obra de arte 
tanto simboliza a existência, mais especificamente a visão de mundo de seu 
criador, que muitas vezes ela é tomada pelo nome de quem lhe assina: ao vermos 
um quadro o identificamos por seu autor e dizemos “este é um Cézanne”. 
A obra, se não revela o homem como um todo, pois não pretendemos aqui 
resvalar em um subjetivismo que reduziria o sentido do objeto estético à biografia 
de seu autor, ao menos deixa entrever o artista, o sujeito de uma experiência 
estética criativa. Por este motivo, Dufrenne (2008) define o objeto estético como um 
quase- sujeito, explicando que “quando o artista se verificaartista e se põe a criar, é 
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a si mesmo que ele descobre no seu fazer: uma visão singular que se certifica de si 
mesma num estilo singular” (p.135). Assim, na experiência estética há “um 
amálgama de objetividade e de subjetividade. A obra de arte permanece como 
irredutível referência objetiva, mas liga-se duplamente à subjetividade” (Henriques, 
2008, p.72), porque solicita a subjetividade do artista para sua criação, assim como 
a subjetividade do espectador para sua recepção estética. 
Anteriormente afirmei que a subjetividade se (re)constitui na experiência 
do corpo-próprio, do corpo que realiza o movimento existencial do sujeito. Agora, 
podemos avançar um pouco na reflexão e pensar que o corpo, na experiência 
estética, engendra um modo específico de subjetivação no qual o sujeito, via 
percepção estética, encontra outros sentidos para o mundo e para si mesmo. A 
percepção estética é uma percepção criativa, pois é mediada pela imaginação. 
Segundo Dufrenne (2008): 
“só a imaginação, para me grudar ao percebido, pode separar 
o objeto de seu contexto natural e ligá-lo a um horizonte 
interior, pode expandi-lo num mundo ao mobilizar, em mim, 
todas as profundezas onde ele possa ressoar e encontrar um 
eco. A imaginação (...) reúne as potências do eu para que se 
forme uma imagem singular. Ela tem o poder de unir, mas para 
fazer surgir a diferença e não para atenuá-la” (p.96).
A imaginação tem o poder de unificar o sensível em um sentido novo, 
conduzindo o sujeito a perceber as coisas de um modo singular, ou seja, ampliando 
suas possibilidades de significação e, com isso, abrindo-o para outros modos de 
ver e de ser. Se a experiência “nos abre para aquilo que não somos” (Merleau-
Ponty, 2005, p.156), colocando-nos em contato com a alteridade, a experiência 
estética, por sua vez, nos abre para o novo, o inédito, o único, para aquilo que 
“exige de nós criação para dele termos experiência” (Merleau-Ponty, 2005, p.187). 
Assim, ao comparar o corpo à obra de arte e ao situá-lo como fundamento primeiro 
do eu, que se descobre outro na experiência estética, Merleau-Ponty (2004, 2006) 
anuncia uma compreensão da subjetividade como devir, em uma estética da 
existência, na qual a própria vida pode se (re)criar. 
Considerações finais
A subjetividade, objeto de estudo da Psicologia, tem muitas facetas, 
revelando-nos a própria multiplicidade que constitui o ser humano. O pensamento 
é apenas uma delas, embora venha sendo sobrevalorizado no discurso científico 
moderno como aquilo que verdadeiramente nos caracteriza, como o processo 
psicológico que nos torna seres dotados de uma consciência. Todavia, a descrição 
fenomenológica da percepção, empreendida por Merleau-Ponty (2006), convida a 
um novo olhar sobre a subjetividade, um olhar que, superando a velha cisão entre 
mente e corpo, resgata a unidade fenomenológica do ser humano. 
Esta nova visão deixa de ser um pensamento de sobrevôo para se tornar 
um olhar situado, que busca compreender o que é o homem a partir dos fenômenos 
concretos por ele protagonizados, enfocando suas experiências, seu mundo 
vivido. Nesta perspectiva, emerge necessariamente o corpo, como defende 
Merleau-Ponty (2004): 
“É preciso que o pensamento da ciência – pensamento de 
sobrevôo, pensamento do objeto em geral – torne a se colocar 
num 'há' prévio, na paisagem, no solo do mundo sensível e do 
mundo trabalhado tais como são em nossa vida, por nosso 
corpo, não esse corpo possível que é lícito afirmar ser uma 
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máquina de informação, mas esse corpo atual que chamo 
meu, a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas 
palavras e meus atos” (p.14). 
É o corpo que nos abre inicialmente a possibilidade de vivenciar qualquer 
experiência nesta realidade mundana em que nos encontramos. Qualquer 
atividade que possamos realizar é concretizada pelo corpo, desde as coisas mais 
banais como amarrar um cadarço de sapato, até as ditas atividades “mentais” 
como ler um livro, escrever, e inclusive as atividades consideradas espirituais, 
como rezar ou se conectar pela fé com uma instância superior. O corpo não é uma 
simples máquina operada por um eu interior, por uma consciência imaterial, pois 
ele mesmo tem uma forma específica e originária de consciência, uma consciência 
sensível e pré-reflexiva que opera na percepção, e sobre a qual o pensamento 
objetivo irá sempre, de algum modo, se basear, conforme demonstra Merleau-
Ponty (2006). 
Neste ponto de vista, podemos afirmar que a subjetividade não é uma 
interioridade que se opõe à exterioridade, mas é corporeidade, constituindo-se na 
dinâmica das relações corporalmente mediadas que o homem estabelece com seu 
entorno. É na intersecção do corpo-próprio com o mundo, na tensão dialética entre 
o eu e o outro, entre o sujeito que percebe e o objeto percebido, entre o sentiente e o 
sensível, entre o tangente e o tangível, que emergem os sentidos, em sínteses 
abertas que constituem a subjetividade como devir. 
Os conceitos merleau-pontyanos de corpo-vivido, motricidade do corpo, 
corpo como expressão e corpo como obra de arte nos levam a repensar a 
constituição da subjetividade como um processo que se concretiza no corpo, a 
partir das suas vivências, seus movimentos, suas percepções, suas expressões e 
suas criações. Em suma, a subjetividade é a essência de cada um, não no sentido 
de algo que nos define de modo acabado, imutável ou atemporal, pois ela é 
histórica e socialmente construída, ela se (re)faz na existência, conforme o sujeito 
apreende seu contato com o mundo, com a alteridade. No fim, como aquilo que nos 
torna único, que nos singulariza, a subjetividade é impensável fora da 
intersubjetividade, por isso talvez mais ainda do que corporeidade, o termo que 
melhor poderia defini-la em sua natureza relacional seria intercorporeidade. Mas 
isso já é o mote para outro artigo...
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