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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CONSTRUÇÕES SUFIXAIS DE AUMENTATIVO: UMA ANÁLISE COM BASE NA GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES Regina Simões Alves Rio de Janeiro Março de 2016 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA REGINA SIMÕES ALVES CONSTRUÇÕES SUFIXAIS DE AUMENTATIVO: UMA ANÁLISE COM BASE NA GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Gonçalves Coorientadora: Professora Doutora Maria Lucia Leitão de Almeida Rio de Janeiro Março de 2016 3 Alves, Regina Simões Construções sufixais de aumentativo: uma análise com base na Gramática das Construções. / Regina Simões Alves. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016 XV, f.: 170 il.: 31cm Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Gonçalves Tese de doutorado – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2016 Referências Bibliográficas: f. 156-162 1, Linguística Cognitiva 2. Construções sufixais de aumento 3 Gramática das Construções 4 Redes construcionais. I. Gonçalves, Carlos Alexandre II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras, Pós- Graduação em Letras, Programa de Pós-Graduação de Leras Vernáculas. III Título 4 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CONSTRUÇÕES SUFIXAIS DE AUMENTATIVO: UMA ANÁLISE COM BASE NA GRAMÁTICA DAS CONSTRUCÕES Regina Simões Alves Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Gonçalves Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos quesitos necessários para a obtenção do Título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) Examinada por: _________________________________________________________________________ Presidente: Professor doutor Carlos Alexandre Gonçalves - Programa Letras Vernáculas - UFRJ – Orientador. _________________________________________________________________________ Professora Doutora: Katia Emmerick Andrade - UFRRJ _________________________________________________________________________ Professor(a) Doutora Sandra Pereira Bernardo - UERJ ________________________________________________________________________ Professor(a) Doutor Vitor de Moura Vivas - IFRJ _________________________________________________________________________ Professor(a) Doutora Ana Paula Victoriano Belchor - UFRJ _________________________________________________________________________ Professor(a) Doutora Suplente: Eliete Batista da Silveira - UFRJ _________________________________________________________________________ Professor (a) Doutor Suplente: Bruno Cavalcanti Lima - IFRJ Rio de Janeiro Março de 2016 5 AGRADECIMENTO A Deus por tudo e por mais uma vitória. À minha querida família pelo amor e carinho em todas as horas. Ao meu querido pai, José, que sempre me incentivou e acreditou em mim; à minha mãe, Wilma, que está aprendendo muito do amor de Maria Santíssima e torce para que eu seja feliz; aos meus irmãos: Rejane, Eliane, José Roberto, Vânia e Juliene por serem pessoas maravilhosas e ficarem felizes e orgulhosos com a minha felicidade e ao meu querido marido, Marcos Vinicius, pelo amor que nos fortalece e pelo esforço feito para entender que a pesquisa requer tempo e dedicação. E aos meus amados sobrinhos: Januir, Joice, Júnio, Beatriz, Samuel, Gabriel, Adriano e Anna Beatriz porque são fonte de inspiração para mim e de muitas alegrias para todos. Ao meu querido e dedicado orientador Carlos Alexandre Gonçalves. Meu muito obrigada com muito carinho e gratidão. À minha querida professora da época da graduação e, hoje, coorientadora, Maria Lucia Leitão de Almeida. Obrigada pela amizade. A todos os professores com quem tive o privilégio de trilhar o caminho do conhecimento e aos colegas com quem tive o prazer de conviver, em especial, aos colegas do NEMP. A minha querida amiga irmã Darci. Obrigada pelas orações que me fortalecem. Aos meus amigos e a todas as pessoas que, de alguma forma, participaram desse sonho ou que simplesmente torcem por mim. Em especial à Katia Emmerick Andrade pela força, incentivo, ajuda na correção deste trabalho e por ser essa amigona maravilhosa! Ao Silvio pelo incentivo e pela troca de conhecimentos. Aos colegas de trabalho que torcem por mim, especialmente, Sônia Matias, pelas mensagens carinhosas trocadas via whatsApp. Muito obrigada a todos por tudo. 6 Com todos esses bens, eu me alegrei, porque é a sabedoria que os guia, Mas, ignorava que ela fosse a sua mãe. Eu estudei lealmente e reparto sem inveja E não escondo a riqueza que ela encerra, Porque ela é para os homens um tesouro inesgotável; E os que a adquirem preparam-se para se tornar amigos de Deus, Recomendo (a ele) pela educação que ela lhes dá. Sabedoria, 7,12-14. 7 SINOPSE Análise, com base nos pressupostos da Linguística Cognitiva, mais precisamente da Gramática das Construções, das construções de aumentativo com os sufixos -ão, -aço, -eiro, -ada, -aria, -udo, -ento e -oso. Percurso histórico para comprovação de sua inflexão aumentativa. Reflexões das variações de significado, considerando sua anexação a uma mesma base. Proposta de uma construção genérica de aumentativo. Formação de uma rede por meio de links de herança. 8 RESUMO CONSTRUÇÕES SUFIXAIS DE AUMENTATIVO: UMA ANÁLISE COM BASE NA GRAMÁTICA DAS CONSTRUCÕES Regina Simões Alves Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Gonçalves Coorientadora: Maria Lucia Leitão de Almeida Resumo da Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos quesitos necessários para a obtenção do Título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) Este trabalho surge do questionamento sobre o porquê de se ter na língua portuguesa tantos afixos com sentido de aumento, a exemplo de -ão, -aço, -ada, -aria, -eiro (a), -udo, -ento e -oso. Estamos diante de diferentes sufixos que podem ser adjungidos a uma mesma base e cujos produtos não compartilham, na maioria das vezes, da mesma interpretação, como em “cabelão”, “cabelada”, “cabeleira”, “cabeludo”, “piolhão”, “piolhaço”, “piolhento”, “piolhada”, “piolhudo” etc. Alguns afixos passaram a imprimir o sentido de aumento, de acordo com a sua história, mesmo quando a língua já dispunha de outros formativos para esse fim. O trabalho visa a apresentar abordagens históricas desses afixos que figuram em construções de aumento e observar a inflexão aumentativa adquirida por eles ao longo da história através dos dados coletados em compêndios de gramática histórica (SAID ALI, 1966; COUTINHO, 1968; MACHADO, 1967) e, principalmente, em dicionários etimológicos e eletrônicos. Boa parte dos dados provém da consulta à base de dados de "Corpus do Português". A partir da constatação da afinidade semântica entre esses sufixos, é possível observar a relação semântica de aumento existente entre eles no processo de formação de palavras e defender que, de acordo com os princípios de Poder da Força Expressiva Maximizado e do Princípio de Não Sinonímia de Goldberg (1995), essas formas não são sinônimas e surgiram para atender as necessidades comunicativas dos falantes, fato que explicaria a mudança que os dotou da capacidade de atualizar essa noção de aumento numa mesma base, ora com especificidades semânticas, ora com diferenças pragmáticas. Também propomos a formalização da construção genérica de aumentativo e uma rede das construções de aumentativo, bem como os links de herança dessas construções. Palavras-chave: Construção aumentativa. Gramática das construções. Sufixo aumentativo 9 ABSTRACT CONSTRUCTIONS AUGMENTATIVE: ANALYSIS BASED ON THE GRAMMAR OF CONSTRUCTIONS Regina Simões Alves Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Gonçalves Coorientadora: Maria Lucia Leitão de Almeida The abstract of the Doctor Teses submitted to the Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, as part of the necessary requirements to obtain the Doctor Title in Portuguese Language. This Thesis arises from the question about why have so many suffixes in Language Portuguese with a sense of augmentative, like -ão, -aço, -eiro, -udo, -ada, -aria, -ento and -oso. We are facing different affixes that can be aggregated to the same base and whose products share not, in most case, the same interpretation as “cabelão”, “cabelada”, “cabeleira”, “cabeludo”, “piolhão”, “piolhaço”, “piolhento”, “piolhada”, “piolhudo” etc. Some affixes began to express a sense of augmentative, according to its history even when the language other already available for this purpose formative. The work aims present and observe the augmentative inflexion acquired throughout their history through data collected in compendiums of historical grammar (SAID ALI, 1966; COUTINHO, 1968; MACHADO, 1967) and mainly etymological dictionary and electronics, also a the database of "Corpus do Português", we defend, based on the data, which according to the principles of no-synonymy and the maximized power of Goldberg (1995), these forms not synonymous and emerged to meet the communication of the speakers, which would explain the change that made them the ability to update an augmentative sense semantic. It also proposes a generic construction of augmentative and a semantic network for them and their inheritance links. Keywords: Construction augmentative. Grammar constructions. Augmentative suffixes 10 RESUMEN CONSTRUCCIONES AUMENTATIVAS: UN ANÁLISIS BASADO EN LA GRAMÁTICA DE LAS CONSTRUCCIONES. Regina Simões Alves Orientador: Professor doutor Carlos Alexandre Gonçalves Coorientadora: Maria Lucia Leitão de Almeida. Resumen da Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos quesitos necessários para a obtenção do Título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Esta Tesis surge del cuestionamiento sobre porqué existen en la Lengua Portuguesa tantos afijos con sentido de aumento, por ejemplo, -ão, -aço, -ada, -aria, -eiro (a), -udo, -ento y -oso. Estamos delante de diferentes sufijos que se adjunge a una misma base y cuyos productos no comparten, en la mayoría de las veces, de la misma interpretación, como en “cabelão”, “cabelada”, “cabeleira”, “cabeludo”, “piolhão”, “piolhaço”, “piolhento”, “piolhada”, “piolhudo” etc. Algunos afijos empiezan a imprimir el sentido de aumento, de acuerdo con su historia, mismo cuando la lengua ya disponía de otros formativos para ese fin. El trabajo se propone presentar el abordaje histórico de estos afijos que figuran en construcciones de aumento y observar la inflexión aumentativa adquirida al lejos de la historia de los mismos a través de los datos colectados en compendios de gramática histórica (SAID ALI, 1966; COUTINHO, 1968; MACHADO, 1967) y, principalmente, en diccionarios etimológicos y electrónicos como también por consulta à base de datos de "Corpus do Português". Defendemos que de acuerdo con los principios de No Sinonimia y de Poder Expresivo Maximizado de Goldberg (1995) esas formas no son sinónimas y surgieron para atender a las necesidades comunicativas de los hablantes, lo que explicaría el cambio que los dotaran de la capacidad de actualizar ese sentido de aumento. También proponemos una construcción genérica de aumentativo e una red semántica de las construcciones de aumentativo y análisis de sus links de herencia. Palabras clave: Construcciones de aumentativo. Gramática de construcciones. Afijos aumentativos 11 SUMÁRIO LISTA DE QUADRO..................................................................................................... 14 LISTA DE FIGURA....................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................16 1.2 Hipóteses 17 1.3 Metodologia 18 1.4 Apresentação do Trabalho 20 CAPÍTULO 2 2. ABORDAGEM HISTÓRICA DOS AFIXOS DE AUMENTATIVOS: -ÃO, -AÇO, -ADA, -ARIA, -EIRO, -UDO, -ENTO E -OSO...................................................24 2.1 A visão dos sufixos de aumentativos na Gramática Tradicional 24 2.2 O afixo aumentativo -ão: primeiro estudos 27 2.3 O sufixo -aço e sua origem 35 2.4 O sufixo -ada e sua origem 37 2.5 O sufixo -eiro e sua origem 40 2.6 O sufixo -udo: sua origem 46 2.7 Sufixo -aria: sua origem 49 2.8 Sufixo -oso e sua origem 51 2.9 O afixo -ento e sua origem 53 2.10 O grau aumentativo de acordo com a Gramática de Mira Mateus (2003) e Villalva (2000) 55 2.11 Resumo do capítulo 59 12 CAPÍTULO 3 3. ABORDAGEMTEÓRICA....................................................................................61 3.1 Linguística Cognitiva 61 3.1.1 A categorização 62 3.1.2 Modelos Cognitivos Idealizados e Espaços Mentais 64 3.1.3 Frame semântico 67 3.2 A Gramática das Construções 70 3.2.1 Relações entre construções 75 3.2.2 Propriedade Geral da herança 78 3.2.3 Da integração conceptual das estruturas mentais 83 3.2.4 O continnum sintaxe – léxico – morfologia 87 3.3 Resumo do capítulo 89 CAPÍTULO 4 4. OUTROS TRABALHOS DESSA CORRENTE TEÓRICA..............................90 4.1 A escala Pragmática de Fauconnier (1975) e os Princípios de Grace (1975) 90 4.2 A mudança Linguística e o fenômeno da subjetificação segundo Langacker (1990, 1999) e silva (2006) 92 4.3 Domínios básicos: Espaço e tempo 94 4.4 Metáfora – Esquema Imagético e MCI de Tamanho 97 4.5 Resumo do capítulo 104 CAPÍTULO 5 5. APLICANDO A TEORIA AOS DADOS............................................................105 5.1 As construções de aumentativo 105 13 5.2 Os links de herança das construções de aumentativo 119 5.2.1 Link por Polissemia 123 5.2.2 Link por polissemia em construções com sentido de VALORAÇÃO 132 5.2.3 Link de herança por subparte 134 5.2.4 Link de herança por extensão Metafórica 137 5.2.5 Link de herança por instanciação 140 5.2.6 O caso de herança múltipla: Os deverbais 142 5.3 As formações concorrentes e a Escala Pragmática de Fauconnier 145 5.4 As motivações da inflexão aumentativa 147 5.5 Centro de prototipicidade e a rede de construção de aumentativo 148 5.6 Resumo do capítulo 152 6. CONCLUSÃO ......................................................................................................154 7. BIBLIOGRAFIA..................................................................................................156 8. ANEXOS................................................................................................................163 14 LISTA DE QUADROS Capítulo 2 Quadro 1. Tipos semânticos de produtos em -ão aumentativo 34 Quadro 2. Exemplares com sufixo -aço 37 Quadro 3. Produtos com o sufixo -ada com acepção aumentativa 40 Quadro 4. Produtos com os sufixo -eiro com semântica de aumento de excesso 46 Quadro 5. Produtos com o afixo -udo 48 Quadro 6. As acepções de aumentativo com -aria 50 Quadro 7. Produtos com o sufixo -oso 52 Quadro 8. O sufixo -ento e suas acepções 54 Capítulo 4 Quadro 9. Tipos de construções: Croft & Cruse (2004) 88 Quadro 10. Categoria dimensão de espaço: Ferrari (2011) 94 Quadro 11. Inventário de Esquema imagético 95 Capítulo 5 Quadro 12. Esquema abstrato da construção de aumentativo 115 Quadro 13. Esquema da construção herdada de -eiro 116 Quadro 14. Esquema construcional X -udo 119 Quadro 15. Esquema das construções de aumentativo: sentido central e sentidos periféricos 120 Quadro 16. Esquemas das formações deverbais 121 Quadro 17. Esquemas construcionais envolvendo processos metafóricos e metonímicos 122 Quadro 18. Relação de herança por polissemia 124 Quadro 19. Esquemas construcionais que figuram na construção herdada por polissemia 127 Quadro 20. Esquema construcional por polissemia com sentido de intensidade 130 Quadro 21. Esquemas formais da construção herdada por polissemia com sentido de intensidade 131 Quadro 22. Esquema da construção herdada de valoração 132 Quadro 23. Esquema formal da construção herdada com sentido de valoração 134 Quadro 24. Esquema construcional por subparte 136 Quadro 25. Afixos que figuram no esquema construcional por metonímia 137 Quadro 26. Esquema construcional de herança por metáfora 139 Quadro 27. Esquema formal da construção de herança por metáfora 140 Quadro 28. Esquema construcional da construção por instanciação 141 Quadro 29. A categoria dimensão relacionada a tempo 141 Quadro 30. Esquema formal da construção por mesclagem (herança múltipla) 144 LISTA DE FIGURAS Capítulo 3 Figura 1. Processo de significação da Linguagem 66 Figura 2. Triângulo de Langacker 69 15 Figura 3. Interpretação do triângulo de acordo com Goldberg (1995) 69 Figura 4. Construção bitransitiva 72 Figura 5. Construção bitransitiva – entregar 72 Figura 6. A relação de herança 78 Figura 7. Link por polissemia - Goldberg 79 Figura 8. Link por subparte - Goldberg 80 Figura 9. Link de herança por metáfora - Goldberg 81 Figura 10. Link por instanciação - Goldberg 82 Figura 11. Processo de mesclagem conceptual 85 Figura 12. Mesclagem correspondente à palavra ‘Frescão’ 86 Capítulo 4 Figura 13. Sujeito e objeto da concepção 94 Figura 14. Imagem do fenômeno de Multiplexização adaptada de Talmy 96 Figura 15. Multiplexização 97 Capítulo 5 Figura 16. Buraco 109 Figura 17. Buracão 109 Figura 18. Relação não processual 111 Figura 19. Buraqueira 112 Figura 20. Buracada 113 Figura 21. Formalização da construção de aumentativo 114 Figura 22. Narigudo 118 Figura 23. Esquema metonímico 118 Figura 24. Processo metafórico 122 Figura 25. Processo metonímico 123 Figura 26. Dinheirada 126 Figura 27. Berreiro 127 Figura 28. Berraria 127 Figura 29. Gordurento 131 Figura 30. Frescão 135 Figura 31. Panelaço 135 Figura 32. Calçadão 136 Figura 33. Orelhão 139 Figura 34. Orelhão 139 Figura 35. Esquema de herança múltipla 142 Figura 36. O babão 144 Figura 37. Rede da construção de aumentativo 150 16 1. INTRODUÇÃO Este trabalho surge do questionamento sobre o porquê de se ter, na Língua Portuguesa, tantos sufixos com sentido de aumento, a exemplo de -ão, -udo, -eiro (a), -ada, -aço, -aria, -ento e -oso. Estamos diante de diferentes sufixos com sentido aumentativo que podem se agregar a uma mesma base e cujos produtos não compartilham, na maioria das vezes, da mesma interpretação, como em ‘cabelão’ (“cabelo grande ou bonito”), ‘cabeludo’ (“que tem cabelo grande”), ‘cabeleira’ (“excesso de cabelo na cabeça; cabelo bonito”), ‘cabelada’ (“excesso de cabelo, fora da cabeça”); ‘dinheirão’ (“papel-moeda de tamanho grande, alta quantia, valor excessivo”), ‘dinheirada’ (“grande quantidade de dinheiro”); ‘piolhão’ (“piolho grande”), ‘piolhaço’ (“piolho grande demais”), ‘piolheira’ (pediculose: infestação por piolhos; “excesso de piolho”), ‘piolhudo’ (“que tem muito piolho”), ‘piolhada’ (“conjunto de piolhos”), entre outros. Também se faz necessário questionar o porquê de ser possível agregar a uma mesma base afixos com o mesmo teor semântico, pois, como se observa em ‘cabelada’ e ‘cabeleira’, ‘buracada’ e ‘buraqueira’, ‘corpão’ e ‘corpaço’, a adjunção de um afixo a uma base não restringe a adjunção de outro, o que em princípio, contrariaria o Princípio do Bloqueio, de Aronoff (1976), segundo o qual um processo morfológico não se aplica quando já existe, no léxico, uma forma que cumpre aquela função/designação na língua. Buscamos explicar esse fato, tomando por base os pressupostos da Linguística Cognitiva (doravante LC), mais precisamente da Gramática das Construções, que nos oferece ferramentas necessárias para justificar que formas concorrentes e coocorrentes, como as citadas acima, encontram respaldo, principalmente, no Princípio do Poder da Força Expressiva Maximizado de Goldberg (1995), que leva em conta as necessidades comunicativas dos falantes, assim como pelo Princípio de Não Sinonímia, da mesma autora, que afirma que uma diferença na forma acarreta diferença de 17 ordem semântica ou pragmática. Nossa análise também será pautada na escala pragmática de Fauconnier (1975), para quem os significados podem ser descritos como a construção permanente de espaços mentais, de elementos, de papéis e de relações no interior desses espaços, a partir de índices gramaticais e pragmáticos. A justificativa para focarmos o fenômeno encontra respaldo em Rio-Torto (1998, p. 235), que questiona o fato de -eiro(a) passar a exprimir o sentido de aumento quando a Língua já dispunha de outros sufixos para esse fim. Nas palavras da autora, “Que razões explicam a inflexão na semântica de -eir- nos seus primórdios tão centrada na formação de nomes concretos (...) quando a língua já dispõe de tantos e tão expressivos sufixos de intensificação e de codificação da (inter)subjetividade?” Considerando que esse fenômeno tem muito a contribuir com a análise dos processos de formação de palavras e que a Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995, 2006) e outros aportes teóricos da LC (tais como o conceito de Modelos Cognitivos Idealizados - os MCIs - de Lakoff, 1987, e a Escala Pragmática de Fauconnier, 1975) nos proporcionam ferramentas que podem ser utilizadas para explicar o nosso objeto de estudo e mostrar que existe, no português, uma rede construcional envolvendo a construção de ‘aumento’ e de que há uma construção básica da qual as outras são decorrentes (herdadas). 1.1 Hipóteses Para direcionar a investigação do fenômeno, apresentamos algumas hipóteses: (1) A hipótese principal é a de que existiria, no português, uma rede construcional envolvendo a construção de ‘aumento’ e de que há uma construção básica da qual as outras são decorrentes (herdadas). 18 (2) O fato de os sufixos aumentativos possuírem afinidade semântica e serem agregados a uma mesma base, mas com interpretações diferentes, poderia ser explicado e justificado pelos Princípios da Força Expressiva Maximizado e o de Não Sinonímia de Goldberg (1995)? (3) O Princípio de Poder Maximizado, que leva em conta as necessidades comunicativas dos falantes, justificaria a motivação do uso? (4) O Princípio de Coerência Semântica e o Princípio de Correspondência (GOLDBERG, 1995, p. 50-51) legitimaria o uso dos afixos em formas como ‘cabeleira’, ‘cabelada’ e daria fundamento ao bloqueio desses mesmos sufixos nas formas ‘sanduicheira’ e ‘azulada’? (5) A possibilidade de formas como ‘socão’, socaço’, ‘socãozaço’ serem usadas revelam que objetivos semânticos, pragmáticos e estilísticos podem levar à criação de formas concorrentes (SANDMANN, 1991) – e formas coocorrentes também. Tal fato pode ser explicado com a escala pragmática de Fauconnier (1975) e pelo Princípio de Não Sinonímia de Goldberg? (6) “A diacronia tem muita importância para a compreensão da Gramática [...] e também para a compreensão de processos cognitivos”. (BYBEE, 2010, p. 96). Com base no que afirma Bybee, a origem do afixo influiria no significado atual que veicula como preveem pressupostos da Linguística Cognitiva que não entende sincronia sem a diacronia? (7) Por fim, trabalhamos com a hipótese de que analisar os afixos com base no MCI de tamanho ajudaria a explicar suas diferentes interpretações, o que corrobora os Princípios de Goldberg, e mostraria que esses sufixos contribuem sobremaneira com o processo de formação de palavras e que têm diversas funções além de especializar a semântica do nome. Tais questões serão abordadas tanto nos capítulos dois e três e, principalmente no capítulo quatro, que trata da análise dos dados. 19 1.2 Metodologia Analisamos os formativos, observando a sua entrada na língua e seu significado nos dias atuais. Para tanto, utilizamos, como fontes de informações diacrônicas, compêndios de gramática histórica (SAID ALI, 1966; COUTINHO, 1968; MACHADO, 1967), manuais de filologia e linguística portuguesa (LAPA, 1971; CHAVES DE MELO, 1981) e, principalmente, dicionários etimológicos (NASCENTES, 1955; COROMINAS, 1987; BUENO, 1988; CUNHA, 1994) e dicionários morfológicos (GOÉS, 1937; 1945; HECKLER et al., 1981). Também consultamos as bases de dados de www.copusdoportugues.org, organizados por Michael Ferreira e Mike David, envolvendo fontes documentais desde o século XIII até o século XX. Com o objetivo de comprovar as hipóteses apresentadas acima, utilizamos os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva, principalmente a Gramática das Construções (GC) de Goldberg (1995), a noção de MCI (LAKOFF, 1987), a Escala Pragmática (FAUCONNIER, 1975) e o MCI de tamanho de Ruiz de Mendoza (2000). Para focar a integração conceptual dos elementos que figuram na construção aumentativa, incluímos os pontos de vista de Mendoza (2000) e ampliamos a análise para outros afixos aumentativos com base em Alves (2011). Os dados que embasam a análise foram recolhidos de dicionários eletrônicos (AURÉLIO, 1999; MICHAËLLIS, 2007; HOUAISS, 2001[2009]; AULETE, 2009); posteriormente, com o objetivo de chegar ao maior número possível de formações recentes, utilizamos os rastreadores eletrônicos google e yahoo, conseguindo, com isso, extrair dados de blogs, chats e posts nas redes sociais, bem como jornais e revistas on line. Uma coleta menos sistemática foi feita, paralelamente, a partir de fontes diversas: jornais e 20 revistas, além de dados ouvidos em diferentes situações de interação linguística, como conversas informais e programas de televisão. Sempre que possível, ilustramos as diferenças semânticas entras as palavras com imagens extraídas da Internet, não apenas para evitar que o ponto de vista do analista sobressaia nas descrições, mas também para orientar o leitor na interpretação de pares ou séries de palavras com a mesma base. Usos contextualizados, igualmente extraídos das fontes citadas, também acompanham as análises. 1.3 Apresentação do trabalho Esta Tese apresenta, no capítulo 2, uma pesquisa sobre o percurso histórico dos sufixos estudados porque trabalhamos com a hipótese de que a origem do afixo influi no significado atual que expressa. Propomos esse percurso para melhor compreensão do uso e do significado atual do formativo. Em outra pesquisa realizada (ALVES, 2011), a partir do percurso histórico do afixo -ão aumentativo, observou-se que algumas palavras que possuíam no latim os formativos -one, -onis não passaram ao português com a forma -ão, a exemplo de ‘capǐtō, ōnis’ que significa “o que tem a cabeça grande” (FARIA, 1994). Em português, a forma resultante é ‘cabeçudo’, que data de 1220 e possui o mesmo significado. A forma ‘cabeção’ (séc. XIII) significa “cabeça grande...” (HOUAISS, 2009) e não ‘aquele que possui a cabeça grande’, ou seja, não mais responde pelo sentido de posse, fato que nos leva a formular a hipótese de que a forma ‘capito, -onis’ passou ao português, como vimos mais acima, com o sufixo –udo. A partir do século XIV, ‘capitão’ nos remete também a uma patente militar. O mesmo se observa com palavras do tipo ‘lanǐo, -ōnis’, cuja tradução é ‘carniceiro, açougueiro’. Segundo Väänänen (1967), o sufixo -onis significava, primeiramente (grifo 21 nosso), nos sobrenomes derivados de nomes de objetos, a qualidade individualizada e o mesmo ocorreu com verbos, a exemplo de “bibere > bibo, -onis: beberrão; gluttire > glutto, -onis: glutão”. Em segundo lugar (grifo nosso), figura em palavras como ‘lanionis’ para indicar, nesse caso, uma atividade. O significado em português se materializou no sufixo -eiro, que, por sua vez, também tem, como -one, o significado de ‘aumento’, ‘grande quantidade de’, a exemplo de ‘lamaceiro’ e ‘aguaceiro’. Por não haver trabalho que relacione os sufixos apresentados, pretendemos mostrar essa relação, mas somente no que se refere à semântica de aumento. Para atingir nosso objetivo, faremos no capítulo 3, a fundamentação teórica da pesquisa, amplamente pautada nos pressupostos da Linguística Cognitiva, sobretudo na Gramática das Construções de Goldberg (1995) e na descrição do MCI que esses elementos ativam. Recorre-se à Escala Pragmática de Fauconnier (1975) para esclarecer a possibilidade de uso de afixos aumentativos concorrentes na mesma base e justificar por que não ocorre o bloqueio, nos termos de Aronoff (1976), ou não se aplica o Princípio de Economia Maximizado, que preconiza que o número de construções distintas é minimizado tanto quanto possível. Com base na constatação de que há afinidade semântica entre esses vários afixos, objetivamos, no capítulo quatro, analisar a relação semântica de ‘aumento’ existente entre eles no processo de formação de palavras e aplicar os Princípios do Poder da Força Expressiva Maximizado e de Não Sinonímia de Goldberg (1995). Os deverbais estão contemplados pela pesquisa, mas a exemplo dos agentivos, são alocados num ponto mais afastado na rede construcional, por se ligarem ao centro prototípico por meio de um sublink e por pertencerem também à outra construção (agentiva). Também incluímos na análise o conceito de MCI de tamanho e a integração conceptual de aumento desses formativos. Após a análise, mostramos que esses afixos contribuem de forma rica com a 22 descrição dos processos de formação de palavras e ampliação do léxico. A formalização da construção de cada um será feita com base em Goldberg (1995) e no modelo de Langacker (2009), que representa os processos morfológicos por meio de esquemas gerais (simbólicos). Importante se faz frisar que o conceito de aumentativo utilizado nesta pesquisa está baseado no conceito de Rosa (1982). A autora concebe o grau aumentativo como: Uma categoria que expressa relação existente entre um significado considerado normal e outro(s) considerado(s) acima, abaixo, ou no mesmo nível numa escala de intensidade (muito...pouco) ou de dimensão (pequeno...grande), incluindo os valores pejorativos e afetivos. (ROSA, 1982, p.14) Podemos acrescentar na escala os conceitos ‘mais’ e ‘menos’, ‘maior’ e ‘menor’; além de ‘muito’ e ‘pouco’; ‘grande ‘ e ‘pequeno’. Pontuamos que a este Trabalho somente interessa o valor aumentativo expresso pelos sufixos mencionados, pois sabemos que o acréscimo desse tipo de afixo a uma base não é a única forma de exprimir o grau aumentativo, o mesmo também pode ocorrer por meio da prefixação. Os prefixos mais utilizados para este fim são macro-, mega-, super-, ultra-, como em ‘megafeliz’, ‘supermãe’, ‘macrotexto’, ‘ultracansada’. Também se pode utilizar a forma analítica com os adjetivos ‘grande’, ‘enorme’ e ‘muito’; antepostos ou pospostos ao substantivo (Comprei um sofá enorme), e advérbios de intensidade para a gradação de adjetivos como ‘muito’, ‘mais’ e ’tão’, conforme se vê em ‘Ele é muito alto’. Entre outros mecanismos, identificamos a repetição de termos (Ela chegou linda, linda), comparações breves (Esse assunto está claro como água) e expressões (Ele é podre de rico), entre outros. Uma abordagem mais detalhada sobre a manifestação do grau em português se encontra em Gonçalves (2011). Gonçalves (2016) mostra que a materialização pode se dar por várias 23 formas: por meio de estruturas sintáticas estereotipadas (01), expressões exclamativas (02), palavras de conteúdo lexical (03), advérbios (04), formações X-mente (05), prefixos variados (06), sufixos diversos (07), símiles (08), repetição enfática (09), silabificação (10), alongamento da sílaba tônica (11), conforme os exemplos em (01) dados pelo autor: (01) É podre de rico; É linda de morrer. (02) Que aula!; Que doce! (03) Ele é um baita professor; Dá uma puta aula. (04) É inteligente pacas; É demais esperto. (05) É extremamente inteligente; É surpreendentemente bonita. (06) É megainteressante; É arquicompetente. (07) É inteligentíssima; É chiquérrima; É lindésima. (08) É forte como um touro; É gorda como uma baleia. (09) É pobre, pobre, pobre; É linda, linda, linda. (10) É es-pe-ta-cu-lar!; É ma-ra-vi-lho-sa! (11) Fulano coooome!; Era ôoooonibus que não acabava mais. Entre os exemplos de Gonçalves (2016), incluiríamos a forma analítica com os adjetivos ‘grande’, ‘enorme’ e ‘muito’; antepostos ou pospostos ao substantivo como em ‘Ela tem um cabelo enorme’; forma já explicitada anteriormente (p. 22). No capítulo cinco tecemos a conclusão deste trabalho e apresentamos as elucidações referentes aos questionamentos apresentados nas hipóteses e ao longo das diversas reflexões feitas, assim como a ratificação de todos os objetivos propostos na Tese. Também buscamos mostrar a relevância da pesquisa para os estudos em Linguística Cognitiva relacionados à morfologia. 24 2. ABORDAGEM HISTÓRICA DOS AFIXOS AUMENTATIVOS: -ão, -ada, -aria, -eiro, -udo, -aço, -ento e -oso. Neste capítulo, abordamos aspectos históricos dos afixos que figuram em construção de aumentativos estudados nesta Tese com o objetivo de observar a inflexão aumentativa adquirida e atestada através dos dados, ao longo da história dos mesmos. Antes vejamos como a gramática tradicional trata desses afixos 2.1 A visão dos sufixos na Gramática Tradicional É importante observar que a visão tradicional a respeito de tais afixos em muito difere da visão defendida por outros estudiosos e pelo presente trabalho. Bechara (2002, p. 362-363), no capítulo que trata dos processos de formação de palavras, precisamente na seção em que aborda a derivação por sufixação, separa os sufixos de acordo com sua finalidade ou acepção. É característica desses afixos, a exemplo de -ão, -udo, -eiro, apresentar mobilidade categorial, pois selecionam várias classes de palavras como base e propiciam produtos de várias categorias, sendo considerados, portanto, heterogramaticais. Vejamos em que grupo (s) o autor aloca os afixos estudados e os exemplos dados por ele: O sufixo -eiro(a), por exemplo, é alocado em cinco grupos diferentes: 1) como um dos principais sufixos formadores de substantivo (lavadeira, padeiro); 2) para significar abundância, aglomeração, coleção (desgraceira); 3) para significar causa produtora, lugar onde se encontra ou se faz a coisa denotada pela palavra primitiva (açucareiro, chocolateira); 4) para formar nomes de naturalidade (brasileiro); 25 5) para formar adjetivo (costumeiro, verdadeiro). O sufixo -ada é incluído em quatro grupos: 1) derivados de verbo (estada) [estadia na norma de Portugal], 2) derivados de substantivo (laçada, braçada, pousada), 3) para significar abundância, aglomeração, coleção (boiada), 4) para formar adjetivo (barbado). Os grupos do sufixo -aria são três: 1) para significar lugar, meio e instrumento (livraria, tesouraria); 2) para significar abundância, aglomeração, coleção (cavalaria, infantaria); 3) para significar causa produtora, lugar onde se encontra ou se faz a coisa denotada pela palavra primitiva (livraria, mercearia). São dois os grupos do sufixo -ão: 1) para formar nomes de naturalidade (coimbrão), 2) principais sufixos de nomes aumentativos muitas vezes tomados pejorativa ou afetivamente (cadeirão, homenzão, [formas encorpadas: vozeirão, coparrão, homenzarrão, grandalhão, chapeirão, toleirão]). O sufixo -aço(a) apresenta quatro grupos: 1) derivado de substantivo (vidraça); 2) para significar abundância, aglomeração, coleção (chumaço); 3) aumentativo (ricaço, barcaça, copaço); 4) diminutivo (fumaça). 26 O formativo -udo apresenta apenas um grupo: 1) para formar adjetivo (barrigudo, cabeçudo). São dois os grupos de -oso: 1) para formar nomes técnicos usados na ciência [NA.1, 123-124] (cloreto mercuroso); 2) para formar adjetivos (bondoso, fastoso, untuoso, espirituoso). O sufixo -ento também figura em dois grupos: 1) aumentativo (farturento); 2) para formar adjetivo (cruento, corpulento). Em suma, de acordo com Bechara (op. cit.), os afixos estudados são distribuídos da seguinte forma: a) -eiro, -aria e -ada (com acepção aumentativa) são colocados no grupo de sufixos que significam abundância, aglomeração, coleção; b) -ão, -aço e -ento são alocados nos grupos dos sufixos aumentativos e c) -udo e -oso são alocados no grupo de sufixos formadores de adjetivo, mas o autor não explica que -udo e -oso atualizam a semântica de aumento de tamanho para ‘mais’ ou ‘muito’ ou ‘grande’. Contudo, na seção em que descreve a gradação do adjetivo, indica três tipos de gradação: positiva, comparativa e superlativa. Na mesma seção, defende que ‘a positiva’ não constitui a rigor uma gradação, enunciando simplesmente a qualidade e exemplifica com ‘cuidadoso’; portanto, para ele, o sufixo -oso pode ser inserido entre os sufixos que indicam gradação, mas, ao mesmo tempo, restringe a noção aumentativa do formativo. Nesse caso, o afixo não é considerado um protótipo da categoria aumentativo e ocuparia um lugar na periferia 27 do centro prototípico. Quanto ao formativo -udo, o autor não explica a noção aumentativa e chega a excluí-lo da descrição no capítulo que trata da formação de adjetivos. Vejamos na seção abaixo, o percurso histórico do sufixo -ão considerado o prototípico dentro dessa categoria (aumentativo). 2.2. O sufixo aumentativo -ão: Primeiros estudos Apresentamos nesta seção o percurso histórico do afixo -ão de acordo com Alves (2011). A autora mostra um fato que influenciou a formação dita “encorpada” (MACHADO, 1941) da terminação (-onis) que mais tarde resultou no sufixo estudado. O desgaste fonológico sofrido pelos vocábulos, devido ao acento de intensidade do latim, reduziu, por vezes, esses nomes a uma única sílaba. Os monossílabos resultantes foram reforçados com o uso de sufixo e prefixo de várias espécies, assim surgindo, por exemplo, o aumentativo, usado, de acordo com Machado (op. cit.), apenas para dar corpo ao vocábulo original. Portanto, inicialmente, o afixo era adjungido a palavras tão somente para aumentá-las de tamanho. Como afirma Machado (1941, p. 352-353), “os sufixos primitivos -n- ĕn, -ŏn,-ōn entram na estrutura de palavras antigas para ampliá-las: sangu-is, sangu-in-is, car-o car-n-is, ingu-en-is> inguinis”. São, para ele, sufixos latinos que não possuem significado próprio. Segundo Machado, o sufixo ō (vogal média posterior longa) influiu, mais do que qualquer outro, na formação de substantivos de qualidade que originaram, depois, sobrenomes e apodos que designam a qualidade individualizada: Cícero Ciceronis, de cicer. Ciceronis significa “o mais brilhante orador de Roma” ou “oradores comparáveis a Cicero” ou ainda, “eloquentes como Cícero”. Machado (op. cit.) destaca ainda que, com 28 formação idêntica, o sufixo -ōn- forma substantivos que indicam uma espécie de aumentativo, como em edo > ed-on-is > edonis: “comilão”. Väänänen (1967) postula que os sufixos -o, -onis originalmente serviam para formar nomes que faziam pares com adjetivos em -us, -a, -um: manducus > manduco (“tragador” ou “comilão”) (cf FARIA, 1994, p.329). Esse sufixo, segundo ele expressivo, designa primeiramente (grifo nosso) a qualidade individualizada nos sobrenomes derivados de nomes de objetos: “frons - fronto : o que tem a frente grande; nasus - nāsō (Naso)” , em que Nasão é um sobrenome romano. Väänänen (op.cit) salienta que o mesmo ocorreu com os verbos: “bibere > bibo: beberrão; gluttire > glutto: glutão”. Devido ao exposto, é lícito dizer que a desinência –onis não se constituía, no latim clássico, em sufixo puro, mas como uma terminação do genitivo singular da terceira declinação para nomes terminados em –o, como por exemplo, Cícero – Ciceronis, Otto – Ottonis, Bruno – Brunonis. No latim medieval, essa terminação continua a ser usada com a mesma função, mas assume o estatuto de sufixo com característica de aumentativo, transmitindo a ideia de afeto, simpatia e benquerença quando aplicado a nomes próprios, conforme destacado acima. O latim vulgar conservou e ampliou (grifos nossos) as aplicações primitivas do sufixo “-o” com a terminação “-one”, desenvolvendo uma aplicação aumentativa, como atestam as línguas românicas: Italiano: boccone, espanhol: bocón, português: bocão, bocona (segundo a Gramática Tradicional, bocarra). Portanto, as terminações -one, -on e -ão são, respectivamente, os principais sufixos aumentativos dessas línguas. Coutinho (1971, p.240) afirma que sufixo aumentativo era raro no latim e que os escritores romanos tinham preferência pelo processo analítico: dorsum immane (“dor imensa”), altum dolorem (“alta dor, dor intensa / aguda / grande”). Destaca, ainda, que 29 alguns sufixos aumentativos usados no português “não passam de terminações latinas que significavam coisas ou objetos grandes” (COUTINHO, op. cit.). Quanto ao -ão, do latim -one, afirma que este se junta a temas verbais (designando agente, como em ‘brigão’, ‘chorão’) e nominais (designando tanto aumento de proporções como aumento de intensidade, a exemplo de ‘casarão’, ‘sabichão’, ‘pobretão’). Destaca, por fim, que entre o tema e o sufixo pode vir uma consoante de ligação (-r-, -ch-, -t-), como vemos nos exemplos acima. Rosa (1982), em sua dissertação, concorda com Rocha Lima (2006[1972]) para quem o sufixo formador de aumentativo, por excelência, é o -ão. A divergência maior de seu trabalho, comparado ao de Alves (2011), é que Rosa (op. cit.) defende, assim como Bechara (2002) e Rocha Lima (op.cit.), entre outros autores, que o grau aumentativo é utilizado como forma de depreciação e que “sua afetividade é tida como indicadora, em geral, de desprezo” (ROSA, 1982, p. 18). Rosa também exclui formas como ‘babão’, ‘reclamão’ e ‘esfregão’ da categoria ‘aumentativo’. Para a autora, o aumento tem de incidir sobre o referente para que o afixo seja considerado ‘aumentativo’, diferentemente de Alves (2011), que compartilha a opinião de Sandmann (1998) de que o sufixo de grau aumentativo se presta, especialmente, ao desempenho de funções expressiva e apelativa, centradas no emissor e receptor, e bem menos de função referencial, centrada no objeto ou referente. Assim também afirma Villalva (2003, p. 958): “[...] a descrição da interpretação da semântica das palavras que esses sufixos integram é complexa, não se esgotando na expressão de dimensão...”. Nessa mesma linha, Gonçalves (2011, p.33) defende que o grau pode servir de veículo para o falante exteriorizar sua impressão a respeito de algo ou de alguém. Em ‘chorão’, ‘beberrão, pidão’, o que se ressalta não é o tamanho do referente, e sim a intensidade da ação habitual. 30 Rio-Torto (1998) sustenta a homonímia presente no sufixo -ão. Segundo ela, esse formativo é analisado, no português contemporâneo, como quantificador aumentativo, sendo suscetível de se agregar a bases substantivas, adjetivas e verbais. Sublinha, categoricamente, que não se trata de apenas um sufixo e sim “de tantos outros homónimos quantas as diferentes relações categoriais e/ou semânticas envolvidas na sufixação de -ão” (p. 150). A autora separa os produtos de acordo com a categoria a que pertencem com relação às bases e não de acordo com as acepções que o afixo adquire. Nesse sentido, Rio- Torto (1998) distribui as formas derivadas X-ão em dois grandes grupos: a) isocategoriais (denominais, deadjetivais e diminutivo) e b) heterocategoriais (adjetivos denominais, nomina actionis [deverbais]). Observamos que, em palavras como ‘chorão’, ‘comilão’, ‘fujão’, casos chamados pela autora de incômodos e “derradeiros”, o sufixo acumula a função de agente e de intensidade, o que para Rio-Torto (op. cit.: 171) é impossível: De resto, uma solução deste tipo colide com o recorte semântico das operações derivacionais actuantes na língua portuguesa, porquanto nesta não há lugar para uma operação afixal que contemple simultaneamente uma relação heterocategorial e uma relação, também sistêmica, mas isocategorial, ainda que de intensificação. A solução encontrada pela autora é a de reconhecer que há um afixo -ão formador de adjetivos deverbais (“que V”), os quais, uma vez nominalizados, podem designar “aquele que V”. No caso dos deverbais, ainda há os nomes instrumentais, como ‘esfregão’, ‘pilão’, ‘podão’, cuja paráfrase é “instrumento com o qual um agente humano executa a ação denotada pelo verbo” ou “aquilo (com) que (se) V”. Segundo Rio-Torto (op.cit.) há argumentos contra e a favor da inclusão de sufixos com essa acepção no grupo dos “nomina agentis”, grupo esse, segundo a autora, marcado pelo traço [+-humano]. Em todos os exemplos citados acima, temos uma ação que exige força humana para ser executada. 31 Rio-Torto (1998) assevera que “o sistema derivacional do português contemporâneo não possui um só afixo -ão, mas vários sufixos homónimos com a mesma estrutura formal” (p.172-173). Segundo a autora, há homônimos no grupo dos isocategoriais: os que têm valores aumentativo-intensivo e diminutivo, com origem em -one. No grupo dos heterocategoriais, estão os sufixos -ão com valor relacional, cuja origem está em -anu e o -ão deverbal, que engloba os nomes de ação e os agentivos, todos com origem em -one1. Se tomarmos apenas o sufixo -ão aumentativo, conforme a divisão da autora, teríamos apenas os denominais, cuja operação semântica é de dimensão ou intensidade, já que para ela os deverbais formariam um grupo distinto. De acordo com Alves (2011), pontuamos que as várias acepções do afixo aumentativo não são casos de homonímia, mas de polissemia. Contudo, fazemos ressalva no que se refere à formação deverbal. Autores, como Mattoso Camara Jr., Said Ali e Coutinho, incluem a formação agentiva (‘babão’, ‘comilão’) na categoria aumentativo e correlacionam essas formações ao sufixo latino -one, com exceção de Said Ali que o liga a -onis (cf. SAID ALI, 1971, p.56). Porém, no que diz respeito a essas formações, podemos sim, admitir um caso de homonímia se concordarmos com Pharies (2002). O autor postula que o sufixo tem duas origens e funções: como sufixo nominal aumentativo, remonta a -ō -ōnis, sufixo latino utilizado para derivar majoritariamente designações de pessoas a partir de bases verbais e nominais; o outro (-iō, -ōnis) tem a função de derivar nomes de ações bruscas a partir de verbos. Os dois tipos acabam se influenciando mutuamente. Como afirma o autor, é costume dizer que -ō / -ōnis desempenha uma função “individualizadora” em latim e designa pessoas que se destacam por alguma ação ou característica habitual, geralmente indesejável. Como se trata de ação, o produto tem por base um verbo (errō -ōnis > 1 Ressaltamos que segundo Rio-Torto (1998), há vários afixos -ão (homônimos) resultantes de vários -one (também homônimos). 32 ‘vagabundo’; errō -āre > ‘vagar’), (bibō ōnis > beberrão’; bibō ere > ‘beber’), enquanto os derivados de radicais nominais, conforme destacamos anteriormente, fazem referência a sobrenomes baseados em características pessoais (frontō ōnis, ‘pessoa que tem a frente larga’; frons -ntis, ‘frente’). Por outro lado, –io –onis é sufixo latino de nomina actionis (-ção em português) e alguns derivados desse último afixo fazem referência a ações bruscas, violentas ou repentinas exemplificadas, inicialmente, com -ção que sofre mudança no final do século XV, época em que surgem nomes com -ão, a exemplo de ‘empurrão’, ‘encontrão’, ‘apertão’, de acordo com Pharies (2002). Há controvérsias também em relação à produtividade do sufixo -ão aumentativo entre os autores citados. Alguns o analisam como produtivo, mas Mattoso Câmara (1970, p.226) o analisa como pouco produtivo, bem como Coutinho (op.cit.). Na verdade, em Alves (2011), o afixo é considerado muito produtivo e, conforme observamos na pesquisa, os dados comprovam essa afirmação. O afixo é adjungido a diferentes tipos de bases (substantiva, adjetiva, verbal, adverbial) e possui várias acepções, como mostramos no quadro 1, abaixo. Esse afixo tem atualmente, juntamente com o diminutivo, uso extremamente enriquecedor no campo lexical e possui enorme expressividade. O formativo pode ser agregado a uma base numeral formando adjetivo, como por exemplo, a) ‘vintão’ (s/d), b) ‘trintão’ (s/d), c) ‘quarentão’ (1817-1819), d) ‘cinquentão’ (s/d), e) ‘sessentão’ (s/d), f) ‘setentão’ (s/d), g) ‘oitentão’ (1873) e ‘noventão’ (s/d). Observemos o dado abaixo, em (02). (02) “Ele é um sessentão2 requisitado no mercado de trabalho”. 2 Palavra usada por um jornalista da Rede Globo numa matéria que trata da falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho da construção civil exibido em 06/08/11. 33 ‘Sessentão’ faz referência à quantidade de anos vividos por uma pessoa que a torna experiente, apesar de ser, em nossa cultura, uma idade já elevada para esse tipo de atividade laboral. No exemplo (03), a seguir, o afixo não atualizaria uma ideia de quantidade elevada: (03) “Bahia reduziu o ingresso pra 20 – “vintão” no setor popular” 3. Nesse caso, ‘vintão’ faz referência a um valor irrisório. O afixo não exprime uma ideia de grande quantidade, mas um teor avaliativo. Rio-Torto (1998) inclui essa acepção no grupo dos heterocategoriais e na subclasse dos adjetivos denominais com origem na forma latina -anu. A autora não o considera um exemplo de aumentativo e entende que esse -ão relacional seja uma forma homônima do afixo -ão aumentativo. Pharies (2002) afirma que o aumento, nesse caso, não recai no referente e sim no número de idade que é considerado demasiadamente grande, o que não seria verdade em ‘vintão’, conforme explicado acima. Em nosso trabalho, apesar de observarmos um sentido avaliativo nesse uso, não o colocamos na categoria aumentativo, pois percebemos que é o numeral que traz a semântica de quantidade e não o sufixo. Com a pesquisa histórica sobre o afixo, podemos afirmar que ele possui, desde sua origem, um teor semântico de aumento, o que corrobora o fato de ser considerado o prototípico entre todos os outros. Observando os dados, podemos afirmar que a datação nos fornece dois importantes esclarecimentos acerca das formas deverbais: (1) boa parte tem entrada anterior à das formas nominais e (2) a formação mais antiga com adjunção do afixo aumentativo é deverbal, a exemplo de ‘glutão’ (séc. XIV) e ‘beberrão’ (séc. XV). Vejamos alguns dados com -ão e suas respectivas datas: 3 Disponível em: globoesporte.globo.com/pr/torcedor de 18/11/2013. Acessado em 18/09/2015. 34 Afixo: -ão Base substantiva Base adjetiva Base adv. Base verbal Dimensão (tamanho) cachorrão (1922), narigão (1716), bundão (1913) carrão (1595), casarão, (s/ data), Altão, gordão (s/d) Intensidade calorão (s/ data) trabalhão (1881) felizão ( 1899), espertalhão (s/ d), lentão (não dicionarizada) pobretão( 1819), rapidão cedão, tardão Agentivo: babão (1712), beberrão (séc. XV), brigão (séc. XVI), cagão (a 1836), chorão (1562), fujão (1562), comilão (1603), vacilão Utensílio: podão (1720), esfregão (1562), pilão (1553). Ato ou efeito:chupão (1712), safanão (1874), puxão (1844) Quantidade dinheirão, pozão (s/ datação), loução (s/d) Valoração (afeto muito afeto, simpatia) filhão, mãezona, Marcão, amigão amigão Valoração: muita beleza, conforto, importância e grandeza bundão (1913), carrão (1595)*, feirão (1913), pernão ( 1899), mulherão (1881), Metonímia empadão (1890), salão (1672- 1693), paredão (1660) frescão (ônibus com ar condicionado – s/d), quentão (bebida)séc XX Metáfora cebolão (1258), orelhão(s/datação) , sapatão (1858*),), tijolão (celular grande) cagão (a 1836), galinhão Quadro 1: Tipos semânticos de produtos em -ão aumentativo 35 Outro sufixo, tradicionalmente, considerado formador de aumentativo é o -aço, que será descrito na seção seguinte. 2.3 O sufixo -aço e sua origem. O sufixo -aço vem do latim –āceus (var. ācius) e formava adjetivos que denotavam matéria, semelhança, pertencimento etc., a exemplo de ‘gallinācēus’ (pertencentes às galinhas). Segundo Maurer Junior (1959), o afixo, nas línguas românicas, tem muitas vezes sentido pejorativo e aumentativo. Observemos os exemplos (a): Vinaceus: (espécie de vinho), ‘vinho ruim’ (em português, ‘vinhaço’) e (b) carnaceus: (relativo à carne, carne de má qualidade, salsicha). De acordo com Pharies (2002), trata-se de um sufixo latino utilizado para derivar adjetivo e substantivos a partir de bases quase exclusivamente nominais, mas o sentido aumentativo se desenvolve pela primeira vez no latim falado ocidental. No que diz respeito à língua portuguesa, grande parte dos produtos com -aço se inclui na categoria dos substantivos. Em Rosa (1982), conseguimos visualizar, por meio da testagem que a autora fez, o processo de mudança na semântica de -aço e também o aumento de sua produtividade. Vejamos o que afirma a autora (p. 40): [...] somente falantes da faixa etária de sessenta anos fizeram leituras como: ‘mulheraço’ (mulher vagabunda, vulgar, debochada), ‘jogaço’ (jogo vagabundo), ‘maridaço’(marido mais ou menos), apartamentaço (apartamento mais ou menos) e ‘carraço’ (aumentativo de carro, mas bem pejorativo). (ROSA, 1982, p. 40). 36 Segundo Rosa (op.cit., 41), falantes adultos somente “aceitavam termos consagrados pelo uso: ‘golaço’, filmaço’, ‘jogaço’...” e rechaçavam termos como “’sonzaço’, ‘musicaço’, ‘solzaço’...”, que eram naturalmente utilizados pelos jovens. Em Bechara (2002), encontramos o exemplo ‘mulheraça’4 com significado pejorativo, o que vai de encontro com a pesquisa de Rosa (1982), que conseguiu identificar a mudança semântica do afixo, vinte anos antes da afirmação de Bechara (op. cit.). A autora afirma que os jovens reconheciam no sufixo -aço um valor positivo e que a noção pejorativa do afixo praticamente se perdeu. Para os jovens que participaram da pesquisa, ‘mulheraço’, por exemplo, é uma “mulher com físico perfeito” (p.41), bem como ‘apartamentaço’ é um “apartamento bem decorado” (p. 41). Tais definições irão corroborar a análise dos dados no capítulo quatro desta Tese, no qual defendemos o Princípio da Força Expressiva Maximizada de Goldberg (1995) e o valor positivo que o afixo possui atualmente. Concluímos, de acordo com a pesquisa histórica, que o afixo se prestava à função avaliativa, expressando um conteúdo pejorativo e mais tarde adquire, entre os jovens, a noção de avaliação positiva. Atualmente, o afixo possui um valor positivo independentemente da faixa etária. Também observamos que o formativo adquiriu a noção de aumento com acepção ‘dimensiva’ como em ‘piolhaço’, demonstrando um maior grau de informatividade ou de força semântica, conforme escala apresentada no capítulo 4. Há exemplos de palavras em -aço com sentido pejorativo, porém elas têm datação antiga, anteriores ao trabalho de Rosa (1982) como ‘gentaça’ (séc XV): conjunto de pessoas pertencentes às camadas mais baixas da sociedade e ‘doutoraço’ (s/d): homem que se cobre de ridículo ao se por pretensiosamente na pele de um sábio (HOUAISS, 2009). Ilustramos no quadro 2 alguns dados com -aço. 4 O exemplo está no feminino, diferentemente do citado por Rosa (1983). 37 Afixo -aço Base substantiva Base adj. Base adv. Base verbal Valor intensivo solzaço bonzaço, curtaço, felizaço, gordaço (1576) ricaço (c1570) cedaço puxaço Quantidade - - - - Dimensão balaço (1675), piolhaço, Gordaço (1576) Valoração (beleza, eficácia, qualidade positiva) apartamentaço, corpaço (s/datação), filmaço, golaço (s/ datação), jogaço, mulheraço , vidaço mulataço Metonímia balaço (1675), buzinaço (d1985), panelaço cagaço (1873) Quadro2: exemplares com afixo -aço Dando continuidade ao nosso propósito, que é desenhar sucintamente um panorama das investigações acerca dos formativos que exprimem aumento, na próxima seção abordamos o sufixo -ada. 2.4 O formativo -ada e sua origem O afixo -ada, consoante Maurer Jr (1959), tem sua origem no particípio passado latino na forma -ata, mais precisamente da forma de feminino; junta-se a princípio a temas substantivos para designar conteúdo e mais tarde, coleção e ato. É um formativo provindo de uma desinência latina com aspecto perfectivo (particípio passado ou supino de verbo da primeira conjugação). O afixo foi e continua sendo produtivo e se adjunge a diversos tipos de bases, conforme o lexicógrafo Houaiss (2009). Nesse caso, o sufixo pode ser (a) formador de adjetivo acrescido a formas verbais substantivadas do particípio passado na forma feminina, tendo a acepção de resultado de ação (incluindo golpe): ‘alfinetada’ (1858), ‘chegada’ (d.s.XIII), ‘misturada’ (1623); (b) conectado a uma base nominal 38 (substantivo) para formar substantivos ligados à culinária, como em ‘abacatada’ (sXIX), ‘laranjada’ (1640), ‘galinhada’ (s/d), (c) indicador de espaço de tempo: ‘alvorada’ (sXV), ‘noitada’ (1873), ‘temporada’ (sXIV); (d) relativo à taxionomia biológica (tendo como forma de output um substantivo): ‘coronada’, ‘cilioflagelada’; (e) medida: ‘braçada’, ‘polegada’, ‘trovada’[...]. Neste mesmo grupo, incluiríamos outras formas de medida criadas metonimicamente como ‘colherada’ e ‘fornada’; (f) formador de coletivo: ‘aguaceirada’ (s/d), ‘baianada’ (1889), bicharada’ (a1776), ‘cariocada’ (s/d). Apresentamos as acepções do afixo de uma forma um pouco diferente do que se encontra no Houaiss (op. cit.). Como podemos perceber, o afixo apresenta vários matizes semânticos, inclusive o de aumento. O sufixo -ada em ‘chuvarada’ ou ‘chuvada’ não exprime conteúdo, coleção ou ato e sim uma noção de acúmulo, de grande quantidade ou coletividade e de acordo com o dicionário Houaiss (2009[2001]), ‘chuvarada’ ou ‘chuvada’ significam chuva abundante e datam de 1899. Pesquisas recentes confirmam o que se afirmou anteriormente. Becker (2014) implementa um estudo histórico do afixo e apresenta vários grupos de acepções e o único grupo que o autor não inclui em sua pesquisa é o grupo (d), descrito acima, referente à taxionomia biológica. Seguindo a mesma linha de classificação, Takahashi (2014) também exclui de seus grupos essa mesma acepção (taxionomia biológica). Os autores descrevem esses grupos de forma diferenciada, mas os exemplos são os mesmos, o que nos autoriza afirmar que a linha de raciocínio dos autores é a mesma que a nossa. A diferença consiste na descrição semântica do grupo, no que diz respeito ao domínio conceptual. Becker nomeia um determinado grupo (na divisão do autor, grupo 4) de “produto alimentar, bebida” e exemplifica com “bananada, laranjada”. Takahashi nomeia este mesmo grupo de “termos relacionados à culinária” e exemplifica com “feijoada, laranjada, cocada”. As datações do surgimento dos grupos (a partir do primeiro exemplar) diferem, no entanto. 39 Para Becker (op. cit), o grupo que designa “alimento e bebidas”, por exemplo, surgiu no século XV, já no trabalho de Takahashi (2014), esse mesmo grupo tem como data de aparecimento o século XIII. Becker aponta divergência no surgimento do afixo com a forma que tem hoje na língua. Segundo, o autor: Os estudos diacrônicos discordam bastante no que tange a gênese do procedimento derivacional em –ada. Basicamente, podem-se distinguir duas construções avançadas na literatura linguística. Por um lado tanto Meyer-Lübke (1894), quanto filólogos posteriores, como Rohlfs (1969, p. 444) e Tekavĕié (1972, p.67), defendem a hipótese de que o sufixo surgiu como particípio perfeito passivo dos verbos de 2ª e 3ª classes que ocorria junto com substantivos em expressões sintagmáticas... (BECKER, 2014. p.125-126). Ainda segundo o autor, Collin (1918) contesta essa etimologia e apresenta outra: Conforme sua reconstrução –ata- remonta ao sufixo –tus (com o alomorfe –sus), que, junto com –(t)io, formava nomina actionis (“ação ou efeito de X”) na língua latina. Os dois sufixos que, em um primeiro momento, distinguiam-se pelo conteúdo semântico (-tio: eventivo vs. –tus: resultativo), chegaram a forma dubletes como ‘abortio’, abortus.(COLLIN, 1918, p. 16s) O autor admite que a reconstrução da gênese de -ada proposta por Collin (que passa pela reanálise do plural do neutro, mas é demasiado complexa para ser particularmente atraente) fornece uma explicação do momento “coletivo / sumativo” das formações em -ada. Em nosso trabalho, temos uma visão diferente da de Becker no que diz respeito às formações aumentativas. Em suas “Considerações finais”, o autor afirma que a acepção aumentativa perde sua vitalidade no século XIX e estanca no século XX. Como a nossa acepção aumentativa inclui a ideia de quantidade e intensidade, além da dimensiva, como o próprio autor postulou, concluímos que a noção de aumento no sufixo não é a primeira, 40 mas o afixo foi utilizado para esse fim e hoje é utilizado com frequência, principalmente a partir do século XIX, como podemos ver nos exemplos no quadro 3 que apresenta formações, inclusive, sem datação por serem recentes: Afixo -ada : Base substantiva Base participial Base adj. Quantidade Concreta: buracada (s/d), cabelada (?), chuvarada (1899) goleada (1958), lamaçada (?), fumaçada (1899), panelada (a1858), poeirada (1858), piolhada (1899), fofocada (séc. XX). Intensidade abstrata: barulhada (1954), brigalhada (1885), mentirada (a1899), caozada Metonímia braçada (sXIII) fornada (sXV) burrada (1647) Quadro 3 : Produtos com o sufixo -ada com acepção aumentativa. Na seção que se segue mostramos a abordagem feita em vários trabalhos de cunho morfológico a respeito do sufixo -eiro. 2.5 O sufixo -eiro: sua origem O afixo -eiro se origina de -arium (arius no genitivo) da língua latina. Segundo Maurer Jr (1959), o sufixo formava adjetivos, depois nomes designativos de agente e ofício, nomes de árvores, nomes de lugar. Portanto, no próprio latim, o afixo já apresentava várias acepções. Nas línguas românicas, emprega-se o formativo -arius abundantemente para formar nomes de agente, a exemplo de ‘ferrarius’ e ‘porcarius’. Com a elipse do substantivo ‘arbor’ em nomes como arbor persicarius (árvore de ‘pêssego’) ou arbor persicaria, que passa a persicarius (‘pessegueiro’), ocorre a substantivação dos antigos adjetivos em -arius. O mesmo aconteceu com outros sufixos designativos de árvores. 41 Almeida & Gonçalves (2005) apresentam um estudo cognitivista das construções X-eiro e se propõem a investigar seu sentido mais básico; para isso, tomam por base a relação fillmoriana entre a cena de evento e os elementos básicos que integram a estrutura dessa cena, como (a) o agente, (b) a ação, (c) o local, (d) o objeto, etc., apresentando ao final do trabalho uma rede polissêmica com as várias acepções do sufixo, tendo no centro, como protótipo da categoria, a acepção agentiva. Os autores identificam seis acepções para o sufixo: agente profissional, agente habitual, agente natural, locativos, intensificadores e modais. Conceituam os intensificadores deste modo: “Esse grupo reúne formas que designam o modo da ação que pode ser intensificada com a metonímia ‘substância pelo seu excesso’: ‘lamaceiro’, nevoeiro’” (p. 243). Para ao autores: O grupo dos intensificadores deve ser derivado do grupo dos locativos porque nesse há uma noção de multiplicidade que é refocalizada como excesso de algo. Por serem menos tipicamente agentivos e por serem gerados por habilidades cognitivas diferentes das anteriores, são mais afastados do centro prototípico. (ALMEIDA & GONÇALVES, 2014, p.243). Rio-Torto (2008) faz uma reflexão em seu artigo sobre a relação entre as teorias e a realidade das mudanças linguísticas. Nesse trabalho, a autora toma como objeto de estudo o sufixo -eiro e elucida que o valor primeiro do afixo, atestado desde os primórdios da Língua Portuguesa, é o agentivo, fato que corrobora a descrição de Almeida & Gonçalves (2005), que colocam os agentivos no centro da rede polissêmica, porém não há consenso no que diz respeito aos intensificadores (a categoria que realmente nos interessa neste trabalho), pois para Rio-Torto (op.cit), não há como defender que os intensificadores tenham vindo da acepção locativa uma vez que os dados observados de acordo com a cronologia mostram que “desde sempre os locativos (lamaceiro, esterqueira) acusam 42 marcas de grande quantidade, de excessividade e de avaliação...” (RIO-TORTO, 2008, p. 239). Observamos, com base em dados históricos como os de Coelho (2004, apud Rio- Torto, 2008), que não há ocorrência de casos com a noção intensiva no Português arcaico até 1536. No quadro de Coelho (2004) são encontradas cinco acepções do afixo: a) nomes de agentes humanos, b) adjetivos, c) nomes de instrumentos, d) nomes locativos e e) nomes de árvores. Marinho (2004) também não encontrou formações intensivas X-eiro nas primeiras fases históricas do português em seu estudo sobre produtividade lexical, embora mostre ser essa acepção muito usual nos dias de hoje. Antes do século XIII, portanto, os produtos com -eir- são adjetivos (‘dianteiro’, ‘traseiro’) e agentivos profissionais (‘vaqueiro’), segundo Rio-Torto, dão continuidade ao valor latino de -ariu-. Ao longo da história, percebe-se um enriquecimento semântico do afixo que passa a figurar também em produtos com sentidos abstratos. A partir do século XIII, crescem numericamente os nomes locativos
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