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AV_morfologia_do_portugues

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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/324824196
Morfologia do Português
Book · January 2008
CITATIONS
5
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1,457
1 author:
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
Word reading - the interplay of morphological complexity and lexical access View project
Collaboration on the study of the Aquisition and Development of Lexical Knowledge (European Portuguese) View project
Alina Villalva
University of Lisbon
62 PUBLICATIONS   55 CITATIONS   
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Alina Villalva on 02 May 2018.
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https://www.researchgate.net/publication/324824196_Morfologia_do_Portugues?enrichId=rgreq-1a22e6549b8f122bcb39206fc298ec94-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNDgyNDE5NjtBUzo2MjE4OTYzMDMzOTQ4MTdAMTUyNTI4MzA0MTgxMQ%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf
https://www.researchgate.net/publication/324824196_Morfologia_do_Portugues?enrichId=rgreq-1a22e6549b8f122bcb39206fc298ec94-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNDgyNDE5NjtBUzo2MjE4OTYzMDMzOTQ4MTdAMTUyNTI4MzA0MTgxMQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf
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https://www.researchgate.net/project/Collaboration-on-the-study-of-the-Aquisition-and-Development-of-Lexical-Knowledge-European-Portuguese?enrichId=rgreq-1a22e6549b8f122bcb39206fc298ec94-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNDgyNDE5NjtBUzo2MjE4OTYzMDMzOTQ4MTdAMTUyNTI4MzA0MTgxMQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf
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https://www.researchgate.net/institution/University_of_Lisbon?enrichId=rgreq-1a22e6549b8f122bcb39206fc298ec94-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNDgyNDE5NjtBUzo2MjE4OTYzMDMzOTQ4MTdAMTUyNTI4MzA0MTgxMQ%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf
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Alina Villalva 
 
Morfologia do Português 
 
Universidade Aberta 
2007 
 
 
CAPÍTULO 1. SOBRE MORFOLOGIA 7 
Objectivos 9 
1.1 Definições de Palavra 10 
1.2 Análise Morfológica e Formação de Palavras 1 
1.2.1 Composicionalidade e lexicalização 22 
1.2.2 Palavras possíveis, existentes e atestadas 26 
1.2.3 Produtividade e bloqueio 27 
1.3 A Morfologia na Gramática 29 
1.4 Os Estudos de Morfologia 30 
Tópicos de Recapitulação Geral 32 
Exercícios 35 
Leituras Complementares 36 
CAPÍTULO 2. O LÉXICO DO PORTUGUÊS 37 
Objectivos 38 
2.1 Herança Latina, Substratos e Superstratos 40 
2.2 A Neologia 1 
2.3 Recursos Não-morfológicos na Formação de Palavras 44 
2.4 Os Empréstimos 56 
2.5 Sobre Arcaísmos e Dialectalismos 64 
Tópicos de Recapitulação Geral 64 
Exercícios 66 
Leituras Complementares 68 
Para Consulta 68 
CAPÍTULO 3. UNIDADES LEXICAIS E CONSTITUINTES MORFOLÓGICOS 70 
Objectivos 72 
3.1 Unidades lexicais: tipos e propriedades 74 
3.1.1 Propriedades inerentes 75 
3.1.2 Propriedades de selecção 81 
3.2 Radicais 84 
3.2.1 Propriedades dos radicais nominais 87 
3.2.1.1 Propriedades morfo-semânticas 87 
3.2.1.2 Género 89 
3.2.1.3 Classes temáticas 93 
3.2.2 Propriedades dos radicais adjectivais 98 
3.2.3 Propriedades dos radicais verbais 99 
3.2.4 Propriedades dos radicais adverbiais 102 
3.3 Afixos 102 
3.3.1 Sufixos especificadores 103 
3.3.1.1 Sufixos temáticos 103 
3.3.1.2 Vogal de ligação 107 
3.3.1.3 Sufixos de flexão 108 
3.3.2 Sufixos derivacionais 111 
3.3.3 Afixos modificadores 121 
3.3.3.1 Afixação avaliativa 122 
3.3.3.2 Prefixação 124 
3.4 Assinatura Categorial 128 
3.5 Relações lexicais 129 
3.5.1 Famílias de palavras 130 
3.5.2 Paradigmas lexicais 133 
Tópicos de Recapitulação Geral 134 
Exercícios 136 
Leituras Complementares 138 
Para Consulta 138 
CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA MORFOLÓGICA 140 
Objectivos 142 
4.1 Vazios morfológicos 148 
4.2 Flexão 152 
4.2.1 Sobre a variação em género 153 
4.2.2 Sobre a variação em grau 156 
4.2.3 Flexão em número 157 
4.2.4 Flexão verbal 164 
4.2.4.1 A flexão em tempo-modo-aspecto 164 
4.2.4.2 A flexão em pessoa-número 170 
4.3 Análise fonológica de processos morfológicos 174 
4.3.1 Formação do plural dos nomes e adjectivos 174 
4.3.2 Análise fonológica da flexão verbal 176 
4.3.2.1 Supressão da vogal temática 177 
4.3.2.2 Harmonização vocálica 179 
4.3.2.3 Abaixamento da vogal do radical 181 
4.3.2.4 Alterações da vogal temática 182 
4.3.2.5 Verbos irregulares 184 
ANEXO – Lista de Verbos Irregulares 186 
Tópicos de Recapitulação Geral 187 
Exercícios 190 
Leituras Complementares 192 
SUGESTÕES DE RESOLUÇÃO PARA AS ACTIVIDADES PROPOSTAS194 
Capítulo 1 196 
Capítulo 2 198 
Capítulo 3 202 
Capítulo 4 207 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 214 
 
 
Nota Prévia 
Este manual trata de aspectos básicos da análise das palavras, quer no que diz respeito à 
descrição da sua estrutura morfológica, quer quanto à caracterização lexical dos seus 
constituintes. As questões fundamentais aqui tratadas são, pois: 
 a distinção entre palavras simples e palavras complexas 
 a distinção entre palavras complexas com uma estrutura composicional e palavras 
complexas lexicalizadas 
 a identificação das principais propriedades dos constituintes morfológicos, ou seja, dos 
radicais (adjectivais, nominais e verbais) e dos afixos (temáticos, derivacionais e 
modificadores). 
 a descrição da flexão 
 
Complementarmente, apresenta-se uma breve síntese da história do léxico do Português 
e faz-se uma ligação à fonologia, olhando para os casos em que a flexão desencadeia a 
intervenção de processos dessa natureza. Esta matéria, apresentada na secção 4.3, é da 
autoria de Maria Helena Mateus. 
 
 
 
 
 
Siglas e Abreviaturas 
 
ADJ adjectivo 
ADV advérbio 
CT constituinte temático 
F frase 
FLEX flexão 
IT índice temático 
N nome 
P palavra 
PN pessoa-número 
PP particípio passado 
RAD radical 
RADJ radical adjectival 
RADV radical adverbial 
RN radical nominal 
RV radical verbal 
SN sintagma nominal 
SP sintagma preposicional 
SUF sufixo 
SUFADJ sufixo de adjectivalização 
SUFADV sufixo de adverbialização 
SUFN sufixo de nominalização 
SUFV sufixo de verbalização 
T tema 
TADJ tema adjectival 
TMA tempo-modo-aspecto 
TN tema nominal 
TV tema verbal 
V verbo 
VT vogal temática 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[± ac] acentuável / inacentuável 
[± animado] animado / inanimado 
[± anterior] anterior / não-anterior 
[± comum] comum / próprio 
[± contável] contável /massivo 
[± fem] feminino / não-feminino 
[± graduável] graduável / não-graduável 
[± grego] helenismo / não-helenismo 
[± humano] humano / não-humano 
[± I] primeira[± II] segunda 
[± inacabado] inacabado / acabado 
[± latino] latinismo / não-latinismo 
[± N] nominal / não-nominal 
[± necessário] necessário / não-necessário 
[± passado] passado / não-passado 
[± plu] plural / singular 
[± possível] possível / não-possível 
[± presente] presente / não-presente 
[± V] verbal / não-verbal 
[1ª conj] 1ª conjugação 
[2ª conj] 2ª conjugação 
[3ª conj] 3ª conjugação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
Capítulo 1. Sobre Morfologia 
 
 
8 
 
9 
Objectivos 
Neste capítulo inicial pretende-se mostrar o que fundamenta a 
consideração da morfologia como um domínio da linguística, 
identificando: 
 o seu objecto de conhecimento 
 o modo como se articula com os demais domínios da 
linguística 
 o caminho percorrido pela análise morfológica 
 
No final desta unidade, o aluno deverá: 
 conhecer diversas definições de palavra e a especificidade 
deste conceito em morfologia 
 compreender o que distingue a análise morfológica da 
descrição dos processos de formação de palavras 
 saber identificar: 
o palavras simples e complexas 
o palavras variáveis e invariáveis 
o palavras complexas composicionais e lexicalizadas 
o palavras possíveis, existentes e atestadas 
 entender o conceito de produtividade 
 saber caracterizar alguns fenómenos de bloqueio 
 compreender o lugar da morfologia na gramática 
 conhecer as principais características de alguns modelos de 
análise morfológica 
 
10 
Morfologia não é um termo exclusivo dos estudos linguísticos: a 
botânica, a zoologia ou a geografia são algumas outras ciências que 
compreendem estudos desta natureza. Em sentido lato, morfologia remete 
para o conhecimento das formas, cabendo a cada domínio científico a 
explicitação de quais são as formas que constituem o seu objecto de 
estudo: a botânica poderá, então, reclamar para si, por exemplo, o estudo 
da „morfologia das fanerógamas‟, a zoologia tratará, entre outras, da 
„morfologia das aranhas‟ e a geografia ocupar-se-á, por exemplo, da 
„morfologia urbana‟. 
No âmbito dos estudos linguísticos, a morfologia dedica-se apenas 
ao conhecimento de um tipo específico de formas, que são as palavras. 
Mas dizer que a morfologia se ocupa do conhecimento da forma das 
palavras é, simultaneamente, dizer pouco e dizer demais: há aspectos da 
forma das palavras, como a sua realização fonética, que competem, não à 
morfologia, mas sim à fonologia ou à prosódia. E, inversamente, também 
não se pode afirmar que a morfologia se ocupa apenas da forma das 
palavras, dado que a morfologia também trata das relações que se 
estabelecem entre a forma, a função e o significado das palavras. 
O que constitui então o objecto de estudo da morfologia? Dois 
domínios distintos, embora fortemente inter-relacionados: o primeiro é o 
da análise da estrutura interna das palavras existentes e o segundo é o da 
descrição dos processos morfológicos de formação de novas palavras. 
Comecemos, então, por reflectir sobre o conceito de palavra, dado 
que a definição técnica exigida pela análise linguística se distingue do 
entendimento próprio do senso-comum e, ainda, porque uma definição 
técnica não é independente do subsistema da gramática que a propõe. 
1.1 Definições de Palavra 
As palavras não ocorrem isoladamente, ocorrem integradas em 
frases, ou seja, em contínuos sonoros que podem (embora não tenham de) 
ser interrompidos por pausas. É o que sucede numa sequência como: 
(1) Inesperadamente, o ministro-sombra convocou uma conferência de 
imprensa e no final demitiu-se. 
Para um falante do Português, a identificação das palavras da sua 
língua só é problemática num número relativamente pequeno de casos, 
como ministro-sombra, conferência de imprensa ou demitiu-se, que a 
contagem do número de palavras presentes em cada uma destas sequências 
 
11 
A etimologia de palavra relaciona-a com 
a forma grega PARABOLE, que também 
está na origem do cognato parábola. Do 
significado original (i.e. „comparação‟) 
só a segunda será herdeira, pela 
comparação verbal que estabelece com 
uma dada sequência de factos, mas há 
outros cognatos, como parola, parolar, 
parlar ou palrar que mostram uma maior 
proximidade do actual valor semântico 
de palavra. 
Curiosamente, a correlata forma 
masculina (i.e. parolo) adquiriu um valor 
depreciativo que terá estado relacionado 
com um modo de falar menos 
prestigiado, mas a actual interpretação já 
perdeu essa memória. 
poderá suscitar dúvidas. 
Esta margem de dúvida é 
suficiente para concluir 
que a intuição dos falantes 
não oferece um grau de 
fiabilidade razoável, 
devendo a análise 
linguística enunciar 
critérios rigorosos que 
permitam identificar 
qualquer palavra de 
qualquer língua, ou seja, 
que permitam explicitar o 
conhecimento intuitivo dos 
falantes nativos e 
esclarecer as suas dúvidas 
neste domínio. 
Mas a definição de palavra é, ainda assim, uma questão complexa e 
tem dado origem a variados debates, dado que os diversos níveis de 
análise linguística usam critérios e procuram respostas não 
necessariamente coincidentes. 
Antes de mais, deve compreender-se que o contínuo sonoro pode 
ser segmentado de várias formas, de acordo com o conhecimento que os 
falantes possuem do sistema linguístico a que esse enunciado pertence. A 
canção Joana Francesa
1
, cuja letra inclui versos em Francês e em 
Português, mostra que uma mesma sequência fonética pode receber 
diversas interpretações, consoante ela é identificada como uma sequência 
de uma ou da outra língua. 
(2) Tu ris, tu mens trop 
Tu pleures, tu meurs trop 
Tu as le tropique 
Dans le sang et sur la peau 
Geme de loucura e de torpor 
Já é madrugada 
Accord’accord’accorda 
Mata-me de rir 
Fala-me de amor 
Songes et mensonges 
Sei de longe e sei de cor 
Geme de prazer e de pavor 
Já é madrugada 
Vem molhar meu colo 
Vou te consolar 
Vem mulato mole 
Dançar dans mes bras 
Vem moleque me dizer 
Onde é que está 
Ton soleil, ta braise 
Quem me enfeitiçou 
O mar, marée, bateaux 
Tu as le parfum 
De la cachaça e de suor 
Geme de preguiça e de calor 
Já é madrugada 
 Accord’accord’accord’accord’accord’accord’accord’acorda 
 
12 
Esta transcrição respeita a grafia usada pelo autor, mas a grafia não 
condiciona a interpretação do oral: na sequência do verso dans le sang et 
sur la peau, geme pode ser compreendido como j’aime; tal como a 
sequência d’accord que sucede a já é madrugada não pode deixar de 
poder ser ouvida como acorda; e marée, bâteaux permite o 
reconhecimento como m(e) arrebatou. A segmentação do contínuo sonoro 
exige, pois, a identificação da língua em que é gerado, ou seja, é preciso 
reconhecer o sistema linguístico a que um dado contínuo sonoro pertence 
para conseguir identificar as palavras que o constituem. 
É claro que a ambiguidade fonética também pode afectar 
sequências pertencentes a um único sistema linguístico
2
. Rodrigues Lapa 
(1945, 1977: 61, 64) apresenta dois exemplos de equívocos de 
segmentação, sendo que o primeiro se apresenta como um caso de 
manipulação política e o segundo como uma pequena anedota: 
(3) No tempo das guerras liberais, por ocasião do cerco do Porto, os 
pregadores miguelistas diziam ao povo ignorante das aldeias que o 
liberal D. Pedro comia crianças assadas. E para prova desse crime 
abominável liam do alto do púlpito um número da Crónica 
Constitucional, onde se referia que Sua Majestade comia a cada jantar 
um pequeno assado. Faziam por sua conta e com fins de propaganda 
política o trocadilho, alterando a natureza gramatical e o sentido dos 
dois elementos: pequeno, de adjectivo passava a substantivo, com a 
significação de criança; assado, de substantivo passava a adjectivo-
particípio. 
- Minha senhora, eu queria a mala. 
- Que diz?! – exclama a senhora cheia de indignação. O senhor é muito 
atrevido. 
- Não sei porquê: desejo a mala, de queme ía esquecendo. 
- Ah! A mala... Está bem: tem-na ali ao canto. Leve-a. 
Estes exemplos servem ainda para mostrar que a segmentação não 
é uma mera operação mecânica, exigindo a intervenção de instrumentos de 
análise provenientes dos diversos subsistemas da gramática. Para que uma 
única sequência fonética possa ser ambígua é necessário mais do que uma 
simpes homofonia – é preciso que as propriedades gramaticais das 
diversas interpretações em jogo sejam compatíveis com o seu contexto de 
ocorrência, como se verifica nos exemplos de (4): 
(4) jantar um pequenoAdj assado N 
jantar um pequeno N assado Adj 
queria [a mala]SN 
queria [amá-la]F 
 
13 
Vejamos, então, que saberes requer a operação de segmentação de 
um enunciado. 
Para a fonologia, um tipo de unidades resultantes da segmentação 
do contínuo sonoro é definido como um domínio para a atribuição do 
acento principal de palavra. Os processos fonológicos que afectam os 
segmentos que se encontram no início ou no final desse domínio são, por 
vezes, distintos dos que afectam os segmentos no interior desse domínio, o 
que justifica a existência deste tipo de segmentação
3
. Retomando a 
sequência apresentada em (1), constata-se que os segmentos que os 
falantes geralmente reconhecem como palavras não coincidem sempre 
com os segmentos que constituem palavras fonológicas ou palavras 
prosódicas: 
(5) inesperada  
mente  
o ministro 
sombra 
convocou  
uma conferência  
de imprensa 
e no final 
demitiu-se 
Do ponto de vista da sintaxe, as palavras são as unidades que 
ocupam posições terminais na estrutura sintáctica, que são posições de 
núcleo de uma categoria sintagmática
4
. À semelhança de Di Sciullo e 
Williams (1987: 47-48), pode afirmar-se que as palavras são, pois, átomos 
sintácticos, ou seja, são unidades sintacticamente inanalisáveis: a sintaxe 
não tem acesso a qualquer informação sobre a sua estrutura interna e não 
pode operar sobre os seus constituintes. Considerando, de novo, a frase 
apresentada em (1) constata-se que, a esta luz, as sequências registadas em 
(6a) constituem inquestionavelmente palavras, que a sequência de (6b) 
integra mais do que uma palavra e que as sequências em (6c) ocupam uma 
única posição sintáctica terminal mas são formadas por várias palavras: 
(6) a. inesperadamente 
 o 
convocou 
 uma 
 e 
 final 
 demitiu 
 se 
 
14 
b. no = em o 
c. ministro-sombra 
 conferência de imprensa 
A sequência de (6b) é uma contracção
5
 desencadeada por razões de 
natureza fonética, que ocupa mais do que uma posição terminal na 
estrutura sintáctica. Note-se que, em alguns casos, as contracções fonéticas 
não são consagradas pela ortografia. Por exemplo, para a maioria dos 
falantes do Português, em de imprensa, a preposição está amalgamada 
com a palavra seguinte, mas a ortografia não dá conta desse fenómeno. 
Noutros casos, a grafia suscita dúvidas: 
(7) o facto de o / do apresentador não ter identificado todos os convidados 
deixou-me preocupada
6
 
gostei deste ensaio e também gostei daquele artigo. Não sei se gostei 
mais dum / de um se doutro / de outro / do outro 
Quanto à existência de grupos de palavras que ocupam uma única 
posição sintáctica terminal, ela deve-se à intervenção de dois tipos de 
fenómenos que os casos de (6c) exemplificam: ministro-sombra é um 
composto morfo-sintáctico, ou seja, é uma palavra gerada a partir de uma 
expressão sintáctica; conferência de imprensa é uma estrutura 
sintacticamente analisável, mas a sua interpretação semântica exige que 
ela ocupe uma única posição terminal, constituindo-se como uma 
expressão sintáctica lexicalizada
7
. 
A definição semântica de palavra é ainda mais complexa do que as 
anteriores, dado que, por um lado, a semântica identifica o valor 
referencial das unidades linguísticas e, por outro, trata de operações sobre 
esse valor, como a determinação ou a quantificação. Esta distinção não 
coincide necessariamente com aquela que é dada pela delimitação das 
palavras fonológicas, nem com a identificação produzida pela análise 
sintáctica, mas permite estabelecer um contraste entre lexemas e 
operadores gramaticais: copo, por exemplo, é um segmento do contínuo 
sonoro a que está associado um lexema que garante a sua interpretação 
como „recipiente geralmente utilizado para beber‟ e um operador que o 
quantifica como „singular‟. 
A identificação dos lexemas recorre frequentemente à chamada 
forma de citação das palavras (que é a forma utilizada nos verbetes dos 
dicionários para identificar todo um paradigma flexional), grafando-a 
frequentemente em maiúsculas, de modo a evidenciar a distinção entre 
lexemas e palavras. Assim, voltando à sequência (1), pode considerar-se 
que os segmentos em (8a) identificam os lexemas presentes e que (8b) 
 
15 
regista os operadores: 
(8) a. INESPERADAMENTE 
 MINISTRO-SOMBRA 
 CONVOCAR 
 CONFERÊNCIA DE IMPRENSA 
 FINAL 
 DEMITIR-SE 
 b. O 
 UMA 
 E 
 EM 
 SINGULAR 
 PRETÉRITO PERFEITO 
 3ª PESSOA-SINGULAR 
A definição de palavra em morfologia não coincide com nenhuma 
das anteriores. Para a morfologia, as palavras são estruturas, ou seja, são 
formas analisáveis em unidades menores a que se dá o nome de 
constituintes morfológicos
8
. No Português, por exemplo, para que uma 
dada estrutura seja reconhecida como uma PALAVRA é necessário que ela 
contenha um RADICAL (simples ou complexo, como veremos em seguida), 
um especificador morfológico, chamado CONSTITUINTE TEMÁTICO
9
, e um (ou 
dois) especificador(es) morfo-sintáctico(s), que realiza(m) a FLEXÃO 
MORFOLÓGICA
10
. Por outro lado, estes constituintes morfológicos são 
unidades lexicais, às quais estão associadas propriedades que condicionam 
A não coincidência do conceito de palavra nos domínios da análise 
fonológica e sintáctica pode ser observada numa palavra como 
ameixa, cuja forma é o resultado da intervenção de um processo de 
metanálise. Na definição de Mattoso Câmara (1956: 166), a 
metanálise é “um fenômeno que consiste em decompor mentalmente 
um vocábulo ou uma locução de maneira diversa do que determina a 
sua origem”. Com efeito, ameixa é uma palavra proveniente do 
adjectivo latino DAMASCEA (que ocorria na expressão PRUNA 
DAMASCEA), uma forma que pode ser traduzida pelo adjectivo 
damascena ou pela expressão de Damasco. Na evolução para o 
Português, a forma DAMASCEA foi provavelmente analisada como 
D’AMASCEA, ou seja, como uma sequência de duas palavras – 
preposição e nome. Só a segunda foi considerada na apropriação ao 
Português, pelo que a forma resultante é ameixa. 
A situação inversa também está atestada: a palavra alarme é o 
resultado de uma metanálise da expressão italiana all(e) arme „às 
armas‟, ocorrida no Francês, mas transmitida a muitas outras línguas, 
nomeadamente ao próprio Italiano em formas derivadas como 
allarmare e allarmista. 
 
 
16 
as suas possibilidades de ocorrência nas configurações aceites pelas 
condições sobre hierarquização dos constituintes, segundo as quais o 
constituinte temático deve associar-se ao radical para formar um tema e os 
sufixos de flexão devem associar-se ao tema para formar uma palavra. No 
Português, a estrutura morfológica básica
11
 pode, então, ser representada 
da seguinte forma
12
: 
(9) 
 
 
 
 bel o s 
maravilh]os 
 
 
 
 
 
 livr o s 
livr]eir 
 
 
 
 
 lig a va mos 
des]lig 
Note-se que, para a análise morfológica, as palavras são, 
obrigatoriamente, formas flexionadas e cada forma flexionada é uma 
palavra diferente. As formas não flexionadas não são palavras – são temas 
ou radicais, ou seja, são constituintes da palavra. Retomando a sequência 
(1), pode, então, afirmar-se que, para a morfologia, as palavras aí 
presentes são as seguintes: 
 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMARADICAL CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 
17 
(10) inesperadamente 
 o 
 ministro-sombra 
convocou 
uma 
conferência 
de 
imprensa 
e 
no 
final 
demitiu 
se 
A comparação do que pode ser considerado palavra em cada nível 
de análise linguística mostra que não existe coincidência absoluta de 
critérios em nenhum caso, justificando a necessidade de clarificar o 
conceito de palavra no que diz respeito à morfologia:
E
S
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sa
 
e 
n
o
 f
in
a
l 
d
em
it
iu
-s
e 
 
18 
Do ponto de vista da ortografia, as palavras são sequências 
semanticamente interpretáveis e delimitadas por espaços em branco ou 
sinais de pontuação. Estas unidades podem coincidir com algumas das 
unidades que os diversos níveis de análise linguística identificam como 
palavras, mas também existem muitos casos de discordância. 
No que diz respeito à relação com a fonologia, pode observar-se a 
ortografia das sequências verbo-clítico. Note-se que a convenção 
ortográfica é distinta nos casos de próclise e de ênclise, reconhecendo 
graficamente duas unidades onde a fonologia identifica apenas uma: 
(i) lhe disse [‟] 
disse-lhe [‟] 
Mas a inversa também é verdadeira no que diz respeito a algumas 
palavras complexas onde a ortografia reconhece uma única palavra e a 
fonologia encontra duas: 
(ii) claramente [„] [„] 
geofísica [„] [„] 
Quanto às discordâncias entre a sintaxe e a ortografia, por um lado, 
dizem respeito a todos os já referidos casos de contracção: 
(iii) de+outro doutro 
 em+uma numa 
Por outro, há casos em que a sintaxe encontra uma única palavra e a 
ortografia distingue várias, recorrendo ou não ao uso de um sinal 
gráfico específico (i.e. o hífen) para dar conta da atomicidade 
sintáctica: 
(iv) copo de água (no sentido de festa de casamento) 
livre-trânsito 
Quanto à variação na ortografia de sequências que a morfologia 
reconhece como palavras, ela diz particularmente respeito ao uso do 
hífen em palavras complexas, frequentemente motivada pela 
lexicalização de algumas destas palavras: 
(v) previsão 
pré-campanha 
sociologia 
sócio-cultural 
1.2 Análise Morfológica e Formação de Palavras 
Na secção anterior ficou estabelecido que a morfologia se dedica 
ao estudo das estruturas morfológicas, e que todas as palavras do 
Português são instâncias da configuração (9), seguidamente retomada: 
 
19 
(11) 
 
 
 
A existência de uma posição chamada FLEXÃO MORFOLÓGICA não 
deve ser entendida como uma exigência de realização morfológica de 
flexão, mas sim como uma restrição quanto ao lugar que a flexão pode 
ocupar na estrutura morfológica: a haver flexão, ela ocorre na sua posição 
canónica, que é a posição final. Com efeito, só há flexão 
morfologicamente realizada nos casos em que ela é solicitada pela 
categoria sintáctica do radical: os nomes e os adjectivos exigem flexão em 
número, os verbos flexionam em tempo-modo-aspecto e pessoa-número. 
Por outro lado, a existência de flexão não pode ser confundida com 
a existência de variação. Também nem todas as palavras admitem variação 
- há palavras variáveis e palavras invariáveis - mas a variação pode ser 
realizada pelo constituinte temático, como se verifica em alguns contrastes 
de género (cf. 12a), ou por flexão, como sucede com o contraste nominal 
de número (cf. 12b) e os contrastes verbais de tempo-modo-aspecto 
pessoa-número (cf. 12c): 
(12) a. bel]RADJ o 
 bel]RADJ a 
 mestr]RN e 
 mestr]RN a 
 doutor]RN Ø 
 doutor]RN a 
 b. belo]TADJ 
 belo]TADJ s 
 mestre]TN 
 mestre]TN s 
c. canta]TV va s 
 canta]TV va mos 
 canta]TV sse s 
 canta]TV sse mos 
A variação realizada por flexão é inerente a cada categoria 
sintáctica, e a variação temática é idiossincrática, ou seja, é lexicalmente 
determinada por cada radical. 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 
20 
A configuração (11) descreve plenamente a estrutura das palavras 
simples (e.g. claro, sistema ou ligar), palavras em que a relação entre a 
forma, o significado e as propriedades gramaticais que lhes estão 
associadas é uma relação arbitrária e imprevisível. Estas palavras possuem 
um único radical, que é uma unidade lexical inanalisável, e sufixos que o 
especificam morfológica e morfo-sintacticamente, variando nas suas 
categorias de flexão: 
(13) clar o cf. claro 
 sistem a s cf. sistemas 
 lig a r cf. ligar 
 
No caso das palavras complexas, a posição do radical domina 
uma nova estrutura morfológica, que pode integrar um radical e um afixo 
(cf. clar-ificar, des-ligar) ou dois radicais (cf. ec-o-sistem-as), sendo que 
cada um dos radicais encaixados pode, por sua vez, ser uma nova estrutura 
morfológica (cf. clar-ifica-dor, re-des-ligar, micro-ec-o-sistema). Nestes 
casos, a configuração é expandida por ramificação do RADICAL: 
(14) 
 
 
 
 
 
As palavras que possuem um RADICAL complexo são estruturas de 
afixação e de composição: as primeiras, predominantes no Português, 
resultam da concatenação de um afixo (prefixo ou sufixo) a um radical, 
um tema ou uma palavra; as segundas são geradas por concatenação de 
dois ou mais radicais: 
(15) 
 
 
 
 
 
 
 
clar ific a r 
clar ific a dor Ø 
RADICAIS 
SIMPLES 
ESPECIFICADORES 
MORFOLÓGICOS 
ESPECIFICADORES 
MORFO-SINTÁCTICOS 
 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL 
COMPLEXO 
CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 BASE 
 
 SUFIXO 
 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL 
DERIVADO 
CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 
21 
ESPECIFICAÇÃO 
DE RADICAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 des lig a r 
 re des-lig a r 
 
 
 
 
 
 
ec o sistem a 
 micr o ec-o-sistem a 
As palavras complexas são (ou foram) geradas pela intervenção de 
processos de formação de palavras, cujo conhecimento constitui um 
segundo objecto de estudo da morfologia. Assim, de uma forma 
esquemática, pode dizer-se que a morfologia se ocupa, por um lado, da 
especificação (morfológica e morfo-sintáctica) do radical e, por outro, dos 
processos de formação de radicais complexos: 
(16) 
 
 
 
 
 
MORFOLOGIA 
ESPECIFICAÇÃO MORFOLÓGICA 
(FORMAÇÃO DO TEMA) 
ESPECIFICAÇÃO MORFO-SINTÁCTICA 
= FLEXÃO (FORMAÇÃO DA PALAVRA) 
FORMAÇÃO DE 
RADICAIS 
COMPLEXOS 
AFIXAÇÃO 
DERIVAÇÃO 
MODIFICAÇÃO 
COMPOSIÇÃO 
MORFOLÓGICA 
MORFO-SINTÁCTICA 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL 
MODIFICADO 
CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 PREFIXO 
 
 BASE 
 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL 
COMPOSTO 
CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 RADICAL 
 
 RADICAL 
 
 
22 
Nas palavras complexas, a relação entre a forma, o significado e 
as propriedades gramaticais que lhe estão associadas é uma relação 
motivada e previsível. Pelo menos no momento em que são geradas, já que 
a permanência no léxico pode afectar qualquerum destes aspectos, 
alterando apenas um deles ou uma combinação de vários. 
Consequentemente, é importante referir que os processos de formação de 
palavras disponíveis numa dada língua se baseiam no modelo das 
estruturas morfológicas existentes nessa língua, mas não em todas. A 
distinção crucial faz uso do conceito de composicionalidade: apenas as 
estruturas composicionais podem ser consideradas como base dos 
algoritmos de formação de palavras que possuem um índice de 
produtividade significativo.Vejamos, então, no que consiste esta 
propriedade de composicionalidade e como se caracterizam as estruturas 
que a não possuem, passando, seguidamente à distinção entre palavras 
possíveis, existentes e atestadas, ao cálculo da produtividade e à 
intervenção de factores de bloqueio na formação de palavras. 
1.2.1 Composicionalidade e lexicalização 
A distinção entre palavras simples e complexas estabelece uma 
divisão fundamental no domínio das estruturas morfológicas, a que se 
deve associar uma segunda, que traça um contraste entre palavras 
complexas com uma estrutura composicional e palavras complexas 
lexicalizadas. Composicionalidade é um princípio estabelecido para a 
semântica, segundo o qual o significado de um todo é uma função do 
significado das partes. Em morfologia, composicionalidade é um princípio 
de análise das palavras complexas, que identifica aquelas cujas 
propriedades são integralmente determinadas pela sua estrutura e pelas 
propriedades dos seus constituintes. Por outras palavras, a 
composicionalidade é uma propriedade das palavras cujas forma e 
interpretação são funções directas da forma e da interpretação dos seus 
constituintes. Vejamos os seguintes exemplos: 
(17) [ [ [ [gord] [ur] ] [os] ] [o] ] 
[ [ [janel] [inh] ] [a] ] 
[ [ [ [in] [ [ [evit] [a] ] [vel] ] ] [ment] ] [e] ] 
Estas palavras são estruturas composicionais: gorduroso, por 
exemplo, é um adjectivo masculino, derivado do radical do nome gordura, 
por intermédio do sufixo de adjectivalização denominal –os(o/a), que 
forma adjectivos parafraseáveis pela expressão „que contém X‟, em que X 
identifica a forma derivante; gordur- é o radical nominal de gordura, que, 
 
23 
por sua vez, deriva do radical do adjectivo gord(o/a), por intervenção do 
sufixo –ur(a), que gera nomes de qualidade parafraseáveis pela expressão 
„nome da propriedade do que é X‟, e X, uma vez mais, remete para a forma 
derivante. São as palavras composicionais que permitem identificar as 
propriedades dos constituintes morfológicos e estabelecer configurações 
gramaticais para a formação de novas palavras. 
Quanto à lexicalização, trata-se de um processo de perda da 
composicionalidade, que actua de forma aleatória e imprevisível, sempre 
que pelo menos um dos constituintes morfológicos sofreu alterações 
semânticas ou formais ou é desconhecido para os falantes. A lexicalização 
pode, pois, afectar a interpretação da palavra, a sua forma, as suas 
propriedades gramaticais ou uma conjugação destes factores. 
A lexicalização semântica, que pode ser exemplificada por formas 
como sombrinha ou obrigação, consiste na intervenção de operações de 
extensão ou substituição do significado original da palavra: sombrinha, 
que corresponde a um diminutivo de sombra, é lexicalizado quando passa 
também a referir um „objecto cuja utilização produz uma pequena sombra‟ 
e que acaba por referir um instrumento de protecção da chuva; obrigação, 
para além de referir „o acto ou efeito de obrigar‟, designa um „título de 
dívida‟ – neste sentido, é uma palavra lexicalizada. 
A lexicalização formal pode afectar qualquer uma das propriedades 
dos constituintes da palavra. A situação mais frequente diz respeito a 
palavras complexas, reconhecíveis como tal, mas cujos constituintes (ou 
algum deles) não correspondem a formas atestadas no Português. É o que 
se verifica com um grande número de palavras formadas noutras línguas e 
introduzidas no Português por empréstimo
13
. Os exemplos seguintes 
mostram as formas atestadas, a base disponível e a potencial forma 
composicional, que é agramatical
14
: 
(18) agressão agredi(r) > *agredição 
 cf. fundir > fundição 
construção construi(r) > *construição 
 cf. destruir > destruição 
governamental govern(o) > *governal 
 cf. teatro > teatral 
inimigo amig(o) > *inamigo 
 cf. verdade > inverdade 
surrealismo realismo > *sobre-realismo 
 cf. casaca > sobrecasaca 
 
24 
Uma palavra como portuguesmente exemplifica um outro tipo de 
lexicalização. Neste caso, tanto a base (i.e. português) quanto o sufixo (i.e. 
–mente) são formas atestadas no Português. O que aqui se verifica é a 
violação de uma restrição de selecção do sufixo: -mente selecciona 
adjectivos invariáveis e a forma feminina dos adjectivos variáveis. Sendo 
português um adjectivo variável (cf. português / portuguesa), a forma 
composicional deveria ser *portuguesamente. Esta, que é uma forma 
possível, não existe porque é bloqueada pela existência de 
portuguesmente, um advérbio formado muito provavelmente num 
momento em que os adjectivos em –ês eram invariáveis (o que ainda se 
verifica em alguns casos, como cortês). 
A lexicalização morfológica pode ainda afectar a totalidade de um 
paradigma flexional
15
. É o que se verifica, por exemplo, com os chamados 
verbos irregulares. Por outro lado, a lexicalização pode afectar uma dada 
forma flexionada, conduzindo à perda do vínculo com o seu paradigma 
flexional, o que se verifica com palavras como costas ou óculos, que 
permitem duas interpretações: ou se trata do plural composicional de costa 
e óculo; ou se trata de formas que não dispõem de uma contrapartida 
singular e às quais se associa um valor semântico completamente distinto: 
costas designa o „lado posterior do tronco‟ e óculos refere uma „prótese 
ocular‟. 
A lexicalização formal pode ainda afectar a realização fonética das 
palavras. É o que se verifica em casos como: 
(19) a. bondoso cf. bondad(e) > *bondadoso 
caridoso cf. caridad(e) > *caridadoso 
maldoso cf. maldad(e) > *madadoso 
b. previsão [] cf. [] 
 ecologia [] cf. [] 
 corrimão [] cf. [] 
matacão [] cf. [] 
Em (19a) verifica-se a intervenção de um processo de haplologia 
que consiste na supressão de uma das sílabas de um afixo que é 
foneticamente idêntica ou muito próxima da sílaba seguinte ou da anterior. 
(cf. femini(ni)smo, gratui(ti)dade, her(da)deiro, inven(ta)tivo ou 
tragi(co)comédia). A forma de base destas palavras truncadas (i.e. 
bondad-, caridad- e maldad-) é mais difícil de reconhecer do que nos 
casos em que a sua forma não sofre modificações (cf. cuidadoso). Em 
(19b), a lexicalização é desencadeada pelo desaparecimento de um 
domínio de acentuação: é o que se verifica nos casos de previsão, 
 
25 
O processo de lexicalização não afecta 
apenas estruturas morfológicas, como as 
palavras complexas que acabam de ser 
referidas. Pode também afectar unidades 
sintácticas como aquelas que estão na base 
de expressões como brincos de princesa, 
pés de galinha ou velho mundo. A 
lexicalização é, nestes casos, estritamente 
semântica, mas se se considerarem palavras 
como demão, fidalgo, aguardente ou 
clarabóia, conclui-se que que a 
lexicalização de expressões sintácticas 
pode também afectar a sua realização (cf. 
de mão, filho de algo, água ardente, clara 
bóia, mal me quer). 
Estes são casos tradicionalmente tratados 
como compostos, mas estas formas não são 
geradas por formação de palavras, resultam 
da intervenção de um processo de registo 
no léxico de uma convenção particular 
entre uma forma, um significado e uma 
função gramatical. A lexicalização de 
expressões sintácticas também está 
presente em casos como maria vai com as 
outras, esticar o pernil, levar a água ao 
seu moinho, para lá do sol posto ou lugar 
ao sol, que são,por vezes, designadas 
como expressões idiomáticas. 
 
ecologia, corrimão ou 
matacão mas não em 
casos equivalentes 
como pré-campanha, 
ecossistema, corre-
corre ou mata-ratos. 
Algumas 
palavras são objecto 
cumulativo de 
lexicalização formal e 
semântica. Veja-se, por 
exemplo, o caso de 
idoso, onde, para além 
da supressão de uma 
sílaba (cf. idad+oso), 
se verifica que o 
significado não é 
paralelo ao de bondoso 
ou cuidadoso: idoso 
não é uma 
„propriedade de quem 
tem idade‟, mas sim de 
quem tem „muita 
idade‟. 
As palavras 
são, pois, lexicalizadas 
quando a relação entre uma sequência de sons e o seu significado se torna 
uma relação arbitrária, o que é também uma característica das palavras 
simples. Pode, assim, concluir-se que a lexicalização é um processo de 
transformação de estruturas complexas em simples, por intervenção de 
operações de mudança fonológica, morfológica ou semântica, que 
obscurecem ou impedem mesmo o reconhecimento da palavra complexa a 
partir do conhecimento dos seus constituintes morfológicos. Em suma, 
trata-se de um fenómeno de mudança linguística. 
A análise morfológica permite tornar explícito o grau de 
composicionalidade, ou, inversamente, a lexicalização das palavras 
complexas. Como o nome indica, o processo de lexicalização sugere o 
registo das palavras no léxico. Assim, as palavras composicionais são 
estruturas transparentes que podem mas não precisam de estar registadas 
 
26 
O léxico de uma língua é uma entidade 
distinta da que constitui o léxico de um 
falante. O léxico de uma língua é uma 
entidade abstracta, que regista a 
totalidade das palavras possíveis nessa 
língua, sem fronteiras de tempo, espaço 
ou registo. O léxico de um falante, que é 
frequentemente designado como léxico 
mental, corresponde à apropriação que 
esse falante faz do léxico da sua língua e 
é constituído pelas palavras existentes 
para esse falante. 
no léxico. As palavras lexicalizadas, tal como as palavras simples, são 
estruturas opacas, obrigatoriamente registadas no léxico. 
1.2.2 Palavras possíveis, existentes e atestadas 
Para se saber se uma dada palavra existe, é necessário verificar se 
se trata de uma estrutura bem-formada e se está devidamente associada a 
um valor semântico preciso. Sequências como suna, gratificagem ou 
preduzir, por exemplo, são interpretadas, por um falante do Português, 
como inexistentes nesta língua. As operações desencadeadas para produzir 
este tipo de juízo são operações diversas. No caso de suna, é a 
impossibilidade de interpretação semântica que origina o juízo de 
agramaticalidade; quanto a gratificagem, a identificação das sequências 
gratific– e –agem e o conhecimento da incompatibilidade da sua 
coocorrência, por um lado, e da compatibilidade da associação entre 
gratifica– e –ção (cf. gratificação), por outro, permitem a sua exclusão; à 
forma preduzir, e apesar de ser possível identificar as sequências pre– e –
duzir que ocorrem em formas como preferir e produzir, não está associada 
qualquer interpretação semântica, o que, de novo, leva à sua exclusão. 
Mas não basta verificar se estão cumpridas as condições de boa-
formação. Os algoritmos de formação de palavras, construídos 
exclusivamente sobre estruturas morfológicas composicionais, têm uma 
capacidade de geração de novas palavras muito maior do que o que a 
realidade requisita. Estes algoritmos geram palavras potenciais, que, na 
sua totalidade, dificilmente são reconhecidas pelos falantes de uma língua 
como palavras existentes. 
Todas as palavras que correspondem a formações legítimas de um 
qualquer processo de formação de palavras recebem o nome de palavras 
possíveis. Palavras 
existentes são aquelas que 
formam um subconjunto 
das palavras possíveis 
porque são usadas ou 
reconhecidas pelos 
falantes. O juízo dos 
falantes é, pois, uma 
condição fundamental 
para a existência das 
palavras. Todas as 
palavras possíveis são 
 
27 
estruturas morfológicas complexas bem-formadas. Quanto às palavras 
existentes, trata-se de palavras simples e complexas bem-formadas, mas 
também de estruturas complexas tornadas agramaticais pela intervenção 
de fenómenos de lexicalização. 
Note-se que muitas das palavras que os falantes reconhecem como 
palavras existentes não estão registadas na generalidade dos dicionários. 
Veja-se, por exemplo, o caso dos diminutivos: formas como bolinha, 
dedinho ou florinha são certamente palavras existentes, mas não estão 
dicionarizadas. Pode então recorrer-se ao conceito de atestação para traçar 
uma distinção mais clara entre palavras possíveis e palavras existentes: 
palavras possíveis são palavras não atestadas e palavras existentes são 
palavras atestadas, podendo a atestação de uma palavra pode vir de 
fontes escritas ou de registos orais: por outras palavras, a atestação decorre 
do uso e a dicionariazação decorre do uso do lexicógrafo, ou dos usos que 
o lexicógrafo acolhe. 
1.2.3 Produtividade e bloqueio 
A produtividade é uma propriedade dos processos de formação de 
palavras que diz respeito à medida da frequência do seu uso. Se um dado 
processo de formação de palavras é muito frequentemente usado, então 
esse é um processo muito produtivo, se, pelo contrário, um processo de 
formação de palavras for raramente usado, então será um processo muito 
pouco produtivo. 
A identificação do grau de produtividade de um processo de 
formação de palavras não é uma operação fácil de definir, menos ainda de 
realizar e, no que diz respeito à morfologia do Português, está 
absolutamente por fazer. Com efeito, há diversos parâmetros de medida e 
a escolha de um ou de outro pode produzir resultados muito diferentes. O 
primeiro parâmetro é o da intuição dos falantes: para qualquer falante do 
Português, a formação de advérbios em –mente é sentida como muito 
produtiva; o mesmo se verifica com a formação de avaliativos em –inho 
ou –inha. No entanto, tanto um quanto o outro conhecem restrições (cf. 
*gordamente, *peruinho). Este é um parâmetro de avaliação subjectivo e 
inquantificável. 
Se a avaliação for feita em função do número de palavras 
possíveis, o resultado é virtual – nada obriga a que as palavras possíveis 
venham a tornar-se palavras existentes. A produtividade também pode ser 
medida por contagem das palavras formadas por um dado processo de 
 
28 
formação de palavras e reconhecidas como palavras existentes. Este é um 
parâmetro de avaliação quantificável, mas não mede a produtividade 
potencial. Se, no entanto, a contagem for feita com intervalos temporais 
regulares, a curva dos resultados obtidos é a que melhor se aproxima da 
avaliação da produtividade do uso. 
A produtividade dos processos de formação de palavras pode ser 
afectada por diversos factores. O primeiro diz respeito ao tipo e ao número 
de restrições que o processo impõe sobre a sua base e à existência de 
afixos concorrentes. A formação de nomes de qualidade, por exemplo, 
dispõe, no Português, de diversos recursos: 
(20) escass-ez 
rebeld-ia 
podr-idão 
debil-idade 
doç-ura 
A existência de tantos sufixos concorrentes, já que todos têm 
idênticas propriedades de selecção, associando-se a formas adjectivais, 
enfraquece a produtividade de cada um, havendo razões que levam ao 
favorecimento de alguns e razões que levam ao enfraquecimento de 
outros. O sufixo –idade, por exemplo, beneficia do facto de ser 
potenciado por um outro sufixo que é –vel
16
: 
(21) aceitabil-idade 
aplicabil-idade 
culpabil-idade 
infalibil-idade 
navegabil-idade 
Em contrapartida, a produtividade de um sufixo como –ez não 
pode deixar de ser afectada pelo facto de este sufixo dispor de um 
alomorfe (-eza) e da distribuição das duas formas ser sensível a uma 
propriedade prosódica da base, relacionada com a sua extensão
17
: 
(22) altiv-ez clar-eza 
avid-ez dur-eza 
limpid-ez fri-eza 
pequen-ez riqu-eza 
Umsegundo factor que pode perturbar a produtividade é o da 
utilidade ou necessidade de formação da nova palavra. Este tipo de 
restrição, que tem sido referido na literatura por bloqueio (cf. Aronoff 
1976: 43-45), é definido como um fenómeno que impede a ocorrência de 
uma palavra devido à existência de uma outra. É de admitir que seja por 
 
29 
bloqueio que a forma *portuguesamente não faz parte do léxico do 
Português. 
No entanto, este fenómeno de bloqueio tem uma intervenção 
frequentemente aleatória. Note-se que, num caso paralelo ao de 
portuguesmente, como o da formação de nomes em –ção a partir de 
verbos como construir ou destruir, o bloqueio intervém para impedir a 
ocorrência do nome *construição, mas não interfere na formação do nome 
destruição. Assim, e à semelhança de Di Sciullo e Williams (1987), deve 
concluir-se que o bloqueio não é um princípio geral, mas sim a expressão 
de uma tendência para a economia no léxico, que consiste em evitar 
situações de sinonímia. Evitar situações de sinonímia não significa, porém, 
impedi-las. Assim, e ainda que a tendência seja para a especialização de 
significados, é possível encontrar casos de sinonímia absoluta: 
(23) congelação / congelamento 
chavinha / chavezinha 
livrinho / livrito 
Um último factor de perturbação da produtividade dos processos 
de formação de palavras está relacionado com um fenómeno de moda ou 
popularidade do uso. Veja-se o caso de super- que tende a bloquear a 
formação do superlativo ou, mais notoriamente, a do aumentativo em –ão 
(cf. super-caro vs. caríssimo; super-carro vs. carrão). 
1.3 A Morfologia na Gramática 
A descrição das estruturas morfológicas e dos processos de 
formação de palavras são tarefas que cabem à morfologia num dado 
quadro teórico de análise gramatical. Tomemos como referência um 
modelo de gramática constituído por módulos com funções próprias e 
distintas, inspirado nas propostas da teoria generativa, cujos pressupostos 
e programa são assim formulados em Chomsky (1986: 3-4): 
 The generative grammar of a language (where ‘generative’ means 
nothing more than ‘explicit’) is a theory that is concerned with (...) those 
aspects of form and meaning that are determined by the ‘language 
faculty’, which is understood to be a particular component of the human 
mind. [...] The nature of this faculty is the subject matter of a general 
theory of linguistic structure that aims to discover the framework of 
principles and elements common to attainable human languages; this 
theory is now often called ‘universal grammar’ (UG). 
Este quadro permite conceber a morfologia como o subsistema da 
 
30 
gramática que contém o conjunto de princípios responsável por uma boa 
parte dos processos de formação de palavras. Este subsistema da 
gramática que é a morfologia relaciona-se com outros subsistemas e, em 
particular, com o léxico, a fonologia e a sintaxe. O léxico, porque se trata 
de um repositório de unidades linguísticas aonde as estruturas 
morfológicas vão buscar as suas unidades terminais e porque é no léxico 
que a morfologia deposita o resultado das suas capacidades neológicas. 
Dado que a relação entre a morfologia e o léxico é uma relação 
multifacetada e de grande proximidade, dela se ocupará o capítulo 2. Por 
outro lado, a morfologia e a sintaxe são módulos de construção de 
expressões linguísticas: a morfologia gera palavras; a sintaxe gera frases. 
A relação entre a morfologia e a sintaxe assenta no facto de as unidades 
produzidas pela morfologia, ou seja, as palavras, serem as unidades 
terminais das estruturas sintácticas. 
(24) 
 
 
 
 
 
 
 
Quanto à fonologia, trata-se de um módulo que determina a 
realização fonética das unidades que constituem os enunciados 
linguísticos, em função das suas propriedades fonológicas inerentes e da 
sua integração em sequências. Consequentemente, a fonologia opera sobre 
as unidades geradas pela morfologia e pela sintaxe, mas também fornece 
informação necessária ao processamento morfológico, como, por exemplo, 
a que se relaciona com os fenómenos de alomorfia
18
. 
1.4 Os Estudos de Morfologia 
Durante séculos, os estudos de morfologia ocuparam um largo 
espaço na descrição gramatical, mas o grande número de páginas que lhes 
era dedicado era também quase exclusivamente utilizado para a 
… Radical = Núcleo 
morfológico 
Palavra= Núcleo sintáctico 
Tema 
… 
… 
Estrutura sintáctica 
 
31 
apresentação dos paradigmas regulares de variação das palavras (os verbos 
regulares da primeira conjugação, a flexão dos substantivos ou o grau dos 
adjectivos) e a exaustiva enumeração das chamadas „excepções‟ (os 
verbos irregulares da terceira conjugação ou o plural dos compostos). Pelo 
contrário, o conhecimento da formação de palavras, por afixação ou por 
composição, recebia, quase sempre, uma sumária atenção. A situação é 
assim referida por Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1913, 1946: 45, 
47-49), na introdução a uma das suas Lições: 
A história da sufixação, prefixação e composição portuguesa está por 
escrever. Há, isso sim, em cada gramática portuguesa destinada ao 
ensino secundário oficial, um capítulo sobre derivações e composição, 
com listas dos sufixos e prefixos que servem actualmente para a 
formação de substantivos, adjectivos e verbos, ordenados ora 
alfabeticamente, ora segundo as funções que eles exercem. Mas os fins 
práticos e restritos dessas obras não admitem que a matéria seja tratada 
exaustivamente, nem mesmo com certa extensão e intensidade. 
Na Gramática de Jules Cornu (...) os sufixos figuram apenas como 
material comprovativo das regras fonéticas. Nas obras de glotólogos 
portugueses (…) há bastantes informações acerca de processos de 
derivação e de composição. Mas só pormenores soltos. Nenhum estudo 
sistemático, como o exige a colheita abundante que se pode extrair dos 
textos arcaicos, dos dialectos, do idioma galego e dos seus congéneres 
em Leão e Astúrias; e em especial da linguagem portuguesa familiar, 
com os seus modos variadíssimos de acumular sufixos, ora segundo 
normas tradicionais, ora sem se importar com padrões preexistentes. (...) 
Esta terá sido uma lição propedêutica, já que termina com um 
apelo. Quase um século mais tarde, a situação não é muito diferente e que 
o convite pode ser reiterado: 
Não dizemos que alguém possa desde já fazer um trabalho completo, 
definitivo. Há muito que coleccionar e apurar ainda. (...) Os estudantes 
desta cadeira muito embora não queiram ser filólogos romanistas, 
aprenderiam praticamente algo de metodologia, se na sua carteira 
assentassem, não direi dia a dia, mas oportunamente, as formações 
familiares espontâneas, bem ou mal inventadas, que lêem, ouvem ou 
enunciam, e que lhes pareçam ser neologismos ou vulgarismos. (...) 
Coleccionações e análises morfológicas são relativamente fáceis, 
interessantes e compensadoras. E eu teria prazer e orgulho em ter 
discípulos que nos ajudassem a resolver problemas ainda pendentes. 
No século XX, o modelo de descrição da gramática tradicional, a 
que Hockett (1958) viria a dar o nome de Palavra e Paradigma, por 
privilegiar o conhecimento extensional dos paradigmas de flexão, vai 
encontrar alternativas. Talvez por reacção à posição central que a flexão 
ocupou nas gramáticas de modelo latino, a atenção dada à morfologia 
pelos estudos linguísticos foi quase nula até aos anos 80, diluindo-se nos 
 
32 
estudos de fonologia e sintaxe. No domínio da fonologia, surge o chamado 
modelo Item e Arranjo, que procede à segmentação das palavras em 
morfemas e descreve o modo como estes morfemas se organizam 
linearmente, ou seja, quais são as suas relações de precedência. O terceiro 
modelo de análise surge para tentar resolver os problemas da chamada 
morfologia não-concatenativa, ou seja, dos casos em que se pretende 
estabelecer uma relação morfológica entre palavras, mas essa relação nãopode ser descrita por adição, subtracção ou substituição de material 
morfológico. Este modelo, que opera por substituição de uma forma 
abstracta (como os lexemas, por exemplo) por uma palavra flexionada, é 
chamado Item e Processo. 
O contributo da teoria generativa, particularmente com Aronoff 
(1976), Selkirk (1982), Williams (1981) e Lieber (1992) consistiu em 
adoptar os métodos da análise sintáctica à análise morfológica. É neste 
quadro que surgem as propostas de análise X-barra em morfologia e a 
discussão acerca do conceito de núcleo morfológico, e é neste quadro de 
referência que se inscreve a presente descrição da morfologia do 
Português. 
Tópicos de Recapitulação Geral 
A morfologia trata de palavras e, neste domínio da análise 
linguística, as palavras são definidas como estruturas que nascem da 
especificação morfológica e morfo-sintáctica de um radical, 
respectivamente pelo constituinte temático e pelos sufixos de flexão, como 
veremos nos capítulos seguintes. 
 
 
 
 
Esta é a estrutura morfológica que descreve plenamente as 
palavras simples do Português, ou seja, as palavras cujo constituinte 
temático é formado por um único constituinte morfológico. A gramática 
das línguas naturais dispõe, no entanto, de diversos processos de 
formação de palavras, responsáveis pelo aparecimento de novas 
palavras. Alguns desses processos têm uma natureza morfológica, gerando 
palavras complexas. Neste caso, o radical é formado por mais de um 
PALAVRA 
FLEXÃO MORFOLÓGICA TEMA 
 
RADICAL CONSTITUINTE 
TEMÁTICO 
 
33 
MORFOLOGIA 
especificação de radicais formação de radicais 
complexos 
formação do tema 
por especificação 
morfológica 
formação da 
palavra por 
especificação 
morfo-sintáctica = 
flexão 
afixação 
composição 
derivação 
modificação 
morfo-sintáctica 
morfológica 
constituinte morfológico, que pode ser uma base (radical, tema ou palavra) 
e um afixo (prefixo ou sufixo), se se tratar de uma estrutura de afixação 
(derivação ou modificação), ou dois (ou mais) radicais, se for uma 
estrutura de composição (morfológica ou morfo-sintáctica). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os processos morfológicos de formação de palavras geram 
palavras composicionais, ou seja, palavras cuja estrutura e interpretação 
respeitam todas as propriedades dos constituintes presentes e do processo 
em questão. Todas as palavras que um processo morfológico pode gerar, 
independentemente do seu grau de produtividade, são palavras 
possíveis, ou seja, são palavras resultantes da intervenção de um processo 
morfológico disponível, mas nem todas são palavras existentes, ou seja, 
nem todas chegam de facto a ser usadas pelos falantes. A existência de 
uma palavra depende, pois, da sua boa-formação, da inexistência de 
qualquer factor de bloqueio ao seu aparecimento e da sua atestação. 
A existência de uma palavra complexa é frequentemente afectada 
por fenómenos de natureza formal ou semântica, como as assimilações 
fonéticas, o desrespeito pelas propriedades gramaticais dos constituintes 
ou as alterações do significado. A intervenção de um ou mais destes 
fenómenos provoca um efeito de erosão na palavra complexa, conduzindo 
à sua lexicalização, ou seja, à perda da informação sobre a sua estrutura 
interna, e, em última análise, à sua progressiva transformação em palavra 
simples. As palavras lexicalizadas podem ser analisadas 
morfologicamente, mas não podem determinar padrões de formação de 
 
34 
palavras. 
A análise morfológica, quer no que diz respeito à descrição das 
estruturas existentes quer no que toca à caracterização dos processos de 
formação de palavras, não pode ser feita fora de um modelo de análise 
linguística global, nomeadamente no que diz respeito ao léxico, à sintaxe e 
à fonologia. Ao léxico, a morfologia vai buscar as unidades lexicais que 
são os seus constituintes morfológicos terminais e que são portadores de 
um conjunto de informações determinantes para a sua ocorrência numa 
estrutura morfológica. À sintaxe, a morfologia entrega as palavras e a 
especificação que é sintacticamente relevante. E, por último, à fonologia a 
morfologia entrega uma estrutura abstracta que precisa de ser 
fonologicamente processada, de modo a poder vir a ser foneticamente 
realizada. 
 
35 
Exercícios 
1. O que é uma palavra? 
2. Como se define palavra em morfologia? 
3. As estruturas morfológicas podem ser simples ou complexas. Dê 
cinco exemplos de palavras simples (com três ou mais sílabas) e 
cinco exemplos de palavras complexas. 
4. Como classifica as seguintes palavras do Português no que diz 
respeito à complexidade da sua estrutura morfológica: 
abre-latas 
cantássemos 
clareza 
esclarecer 
livralhada 
mini-prato 
mordomia 
olhos 
reavaliação 
sintoma
 
5. Como se distingue uma palavra composicional de uma palavra 
lexicalizada? 
6. Impressão, solúvel e persecutório são palavras lexicalizadas. Que 
forma precisariam de ter para ser composicionais? 
7. Indique cinco palavras complexas composicionais e cinco palavras 
complexas lexicalizadas. 
8. Considerando que –ção é um sufixo que forma nomes a partir de 
temas verbais (e.g. continua-ção), indique cinco casos que 
correspondam a palavras bem-formadas por este sufixo, mas não-
atestadas no Português Europeu contemporâneo. 
9. As palavras imprimição, solvível e perseguitório são estruturas 
morfológicas bem-formadas, mas não são palavras existentes. O 
que impede o seu aparecimento? 
10. Tanto o sufixo –ção quanto o sufixo –mento se associam a temas 
verbais para formar nomes de acção (cf. continuação, 
fortalecimento). Procure avaliar a produtividade de cada um deles, 
tendo em conta os valores potenciais. 
 
36 
Leituras Complementares 
ARONOFF, M. E ANSHEN, F. 
1998 Morphology and the lexicon: lexicalization and 
productivity 
Spencer e Zwicky (1998: 237-247) 
BASÍLIO, M. 
2004 Formação e Classes de Palavras no Português do Brasil 
São Paulo: Contexto 
ROSA, M. C. 
2000 Introdução à Morfologia 
São Paulo: Contexto 
SPENCER, A. E ZWICKY, A. 
1998 The Handbook of Morphology 
Oxford: Blackwell 
VILLALVA, A. 
1994 Estruturas Morfológicas. Unidades e Hierarquias nas 
Palavras do Português 
2000 Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian 
 
37 
 
Capítulo 2. O Léxico do Português 
 
 
 
38 
Objectivos 
Neste segundo capítulo pretende-se apresentar os aspectos do 
conhecimento do léxico do Português. Aqui se inclui: 
 uma breve descrição da história do léxico do Português 
 uma explicitação dos conceitos de neologismo, arcaísmo, 
dialectalismo 
 a identificação de recursos não-morfológicos para a 
formação de palavras 
No final desta unidade, o aluno deverá conhecer: 
 as principais características históricas do léxico do 
Português 
o base latina 
o substratos 
o superstratos 
 o conceito de neologismo 
 alguns recursos não-morfológicos para a formação de 
palavras, como: 
o invenção de palavras 
o onomatopeia 
o redobro 
o amálgama 
o eponímia 
o extensão semântica 
o truncamento 
o acronímia 
o formação de siglas 
o abreviação 
o empréstimo 
 
39 
Existem muitas espécies de dicionários, que 
variam em função da cobertura que oferecem e do 
tipo de informação que disponibilizam. Quando se 
fala em dicionários, pensa-se quase sempre em 
dicionários monolingues, que registam o léxico 
geral de uma língua e veiculam uma informação 
gramatical sumária e paráfrases das diversas 
significações. De fora ficam, em geral, arcaísmos, 
dialectalismos e neologismos, ou seja, palavras 
consideradas como desvios à norma. Usos 
particulares podem, no entanto, recorrer a 
dicionários de outros tipos, como os dicionários 
plurilingues, os dicionários inversos ou dicionários 
especializados, como os etimológicos ou os 
dicionários técnicos dedicados a uma dada língua 
de especialidade. 
A vulgarização dos chamados dicionários 
electrónicos tem vindo a tornarpossível a 
concentração de informação num único objecto, o 
que constituía um obstáculo inultrapassável para 
os dicionários apresentados em suporte-papel. 
A identificação do conjunto de palavras que constitui o léxico de 
uma língua é uma tarefa difícil de cumprir. Num livro intitulado 
Catalogue des Idées Reçues sur la Langue, Marina Yaguello (1988: 87) 
afirma o seguinte
1
: 
Les mots de la langue constituent (...) un ensemble aux contours 
incertains. On ne peut pas dénombrer les mots d'une langue. Tout au 
plus peut-on donner un ordre d'idée. La diversité des registres, 
l'abondance des argots et jargons spécialisés, le fait que certains mots 
tombent en désuétude tandis que de nouveaux mots sont crées tous les 
jours rendent tout décompte arbitraire. 
É certo que para a maioria das línguas conhecidas existem 
dicionários, vocabulários e outros inventários de palavras, que recobrem 
partes mais ou menos extensas do léxico
2
, mas também é sabido que 
nenhum destes objectos é exaustivo e que a informação que facultam é 
seleccionada pelos seus autores e é frequentemente assistemática, variando 
de entrada a 
entrada. É, pois, 
difícil alcançar 
uma 
caracterização 
global do léxico 
de uma língua a 
partir da consulta 
deste tipo de 
objectos, devendo 
o conhecimento 
do léxico em 
extensão dar lugar 
a um 
conhecimento 
qualitativo. Mais 
do que a 
enumeração das 
palavras que o 
compõem, a 
caracterização do léxico exige o reconhecimento das suas principais 
propriedades históricas e sincrónicas, o que constitui o objecto de estudo 
da lexicologia. Vejamos, então, como se apresenta o léxico do Português. 
No presente capítulo começaremos por fazer uma breve descrição 
da evolução do léxico do Português, para, em seguida, identificar alguns 
dos fenómenos de perdas e ganhos no léxico desta língua, apresentando 
 
40 
conceitos como neologismo e arcaísmo. Dado que os capítulos seguintes 
se dedicam exclusivamente às questões morfológicas, veremos aqui que 
também existem recursos não-morfológicos de formação de palavras, 
sendo o empréstimo um dos mais relevantes. 
2.1 Herança Latina, Substratos e Superstratos 
Tal como a própria língua, o léxico do Português está ancorado no 
léxico latino e, em particular, no léxico do Latim falado no noroeste da 
Península Ibérica durante a vigência do Império Romano
3
, que, segundo 
Piel (1976), se começa a diferenciar do Latim falado noutras regiões por 
volta do século V d.C. Nem as línguas faladas nesta região antes da 
ocupação romana conseguiram subsistir à colonização linguística latina, 
nem as línguas dos posteriores ocupantes foram capazes de suplantá-la. 
Palavras como as de (1) exemplificam a monumental herança lexical latina 
e permitem observar algumas das alterações fonéticas que acompanharam 
a passagem do Latim ao Português: 
(1) CAPILLUM > cabelo 
CLAMARE > chamar 
DOLORE > dor 
FILIUM > filho 
LACTE > leite 
LUNA > lua 
PLACERE > prazer 
REGINA > rainha 
Há, no entanto, alguns vestígios das línguas pré-romanas existentes 
na Península Ibérica até ao século II a.C., habitualmente designadas por 
substratos: Castro (1991) refere as palavras camurça, esquerdo e 
chaparro, como exemplos dos substratos mediterrânico, proto-basco e 
ibero, respectivamente. Os superstratos, ou seja, as línguas faladas pelos 
ocupantes da Península Ibérica findo o domínio romano, também 
deixaram vestígios no Português
4
. Segundo Castro (1991: 151), as 
palavras registadas em (2) constituem verdadeiras formas de superstrato 
germânico na Península Ibérica, dado que não ocorrem fora deste 
território: 
(2) GASALJA companheiro > agasalhar 
SPITUS espeto > espeto 
GANS ganso > ganso 
LOFA palma da mão > luva 
RAUBA despojos tomados ao inimigo > roupa 
 
41 
Os vestígios lexicais do superstrato árabe são mais abundantes. Os 
exemplos seguintes mostram que estes empréstimos incorporam 
frequentemente um determinante com a forma al- (cf. 3a) ou esta mesma 
forma modificada por assimilações fonéticas desencadeadas pela palavra 
que precede, ocorridas na língua de origem (cf. 3b, 3c e 3d), ou outros 
tipos de alteração fonética (cf. 3f e 3g): 
(3) a. AL-QATIFA > alcatifa 
 AL-QUFFA > alcofa 
b. AR-RUZZ > arroz 
 AR-RABAD > arrabalde 
c. AS-SUTEYHA > açoteia 
 AS-SUKKAR > açúcar 
d. AT-TUNN > atum 
e. AL-MAHAZÉN > armazém 
 AL-GULLA > argola 
f. AD-DAYHA > aldeia 
 AD-DAHÁ'IM > andaime 
Os arabismos que não são precedidos pelo determinante são menos 
numerosos e podem ter sido integrados no Português de um modo 
diferente dos anteriores, nomeadamente em fase posterior ou por 
intermédio de uma terceira língua
5
. 
(4) a. HANBAR 1256 > âmbar
6
 
WA XÁ,LLÁH e queira Deus, 1495 > oxalá 
XARÁB bebida, poção, séc. xiii > xarope 
b. MISKIN pobre, infeliz, do Castelhano > mesquinho 
HAXXÍXÍN consumidor de haxixe, do Italiano > assassino 
SUFFA esteira; coxim, do Francês > sofá 
Cronologicamente, segue-se a constituição do Português como 
língua, facto localizável entre o século IX e o século XIII
7
. Mas a 
caracterização histórica do seu léxico não termina aqui. Dos contactos 
com outras línguas, ao sabor de alianças políticas, lutas pela preservação 
das fronteiras e da nacionalidade, ou desejos de conquista do mundo, 
surgem novas palavras a que se dá o nome geral de empréstimos e nomes 
particulares determinados pela designação na língua de origem
8
. 
 
42 
A etimologia é uma disciplina que procura informação acerca da 
história das palavras, até encontrar o seu étimo, que é a forma mais 
antiga da palavra, de que há conhecimento. 
O confronto da palavra com o seu étimo mostra, por vezes, alterações 
que não são meramente linguísticas. O nome de alguns meses do ano, 
por exemplo, preserva a memória de calendários já abandonados: é o 
caso de Setembro, o sétimo mês do ano romano, Outubro, o oitavo, 
Novembro, o nono e Dezembro, o décimo.Noutros casos, a distância 
fonética entre o étimo e a forma contemporânea só se compreende à luz 
de uma qualquer reinterpretação. Esse pode ser o caso de alfinete, 
proveniente do Árabe AL-HILÂL, mas talvez contaminado pela forma de 
fino, que é uma das suas propriedades (note-se que em Castelhano a 
forma cognata é alfiler). 
Etimologia popular é o nome dado a hipóteses etimológicas 
fantasiosas, geralmente associadas a uma história curiosa e plausível, 
mas que não encontra confirmação na observação dos dados 
conhecidos. É o que se verifica, por exemplo, com a filiação do 
adjectivo sincero na expressão SINE CERA („sem cera‟), que aludiria a 
um episódio sobre a qualidade de vasos em cera. Esta hipótese não é 
confirmada por etimologistas respeitados como Ernout e Meillet, 
autores de um dicionário etimológico do Latim. 
2.2 A Neologia 
As palavras que não fazem parte do léxico de uma língua desde a 
sua fundação como língua são ou foram neologismos. Neologismos são, 
pois, palavras que, num dado momento da existência de uma língua são 
consideradas palavras novas, como telemóvel, cujo aparecimento no final 
do século xx motivou a integração da palavra no léxico do Português. 
É fácil constatar que muitas das palavras que integram o léxico de 
uma língua foram, no passado, neologismos – basta olhar para a data da 
sua primeira atestação. Veja-se, por exemplo, a definição de Cunha (1996) 
para a palavra penicilina: 
(5) penicilina 
Substância formada no crescimento de certos fungos, com acentuada 
acção antibiótica, descoberta pelo inglês A. Fleming, em 1928, e obtida 
em 1941, pelo australiano Howard Florey e pelo alemão Ernst Chain. 
XX. Do lat. cient. penicillina, do nome científico do fungo Penicillium 
notatum. 
O aparecimento da palavra não pode ser anterior ao aparecimento 
da substância que ela refere. Com efeito, o Dicionário Houaiss data a 
palavra de 1929, filiando-a na palavra inglesa penicillin, por sua vez 
 
43 
formada a pertirdo radical latino PENICILL(IUM) e –in, um sufixo 
semelhante ao sufixo português –ina, responsável pela formação de nomes 
como propriedade de substância (cf. acromatina, dextrina), ou como efeito 
da substância (cf. morfina, ocitonina, narcotina, pepsina). 
Alguns dicionários registam justamente a data da primeira 
atestação de palavras que, nesse momento, eram neologismos. É o que se 
verifica no Oxford English Dictionary, que indica a primeira ocorrência 
das palavras, como se exmplifica em (6). O Dicionário Etimológico Nova 
Fronteira da Língua Portuguesa, de Cunha (1996), atribui às palavras 
portuguesas equivalentes datações bastante diferentes. Isto não significa 
que estas palavras tenham entrado no léxico do Português muito mais 
tarde do que os seus equivalentes ingleses no léxico do Inglês, mas indicia 
a fragilidade da lexicografia portuguesa
9
. Com efeito, as datas que 
ocorrem não referem necessariamente o documento que encerra a primeira 
atestação da palavra, embora tal possa suceder, mas, mais frequentemente, 
a data do primeiro registo lexicográfico da palavra
10
. 
(6) OED Cunha (1996) Houaiss (2001) 
 temperature 1531 temperatura 1813 temperatura 1813 
 logarithm 1615 logaritmo 1813 logaritmo 1676 
 neurosis 1776 neurose 1899 neurose 1899 
 oxygen 1790 oxigénio XIX oxigénio 1836 
 metabolism 1878 metabolismo 1899 metabolismo 1877 
 genetics 1901 genética XX genética 1939 
 
Independentemente do momento em que surgem, os neologismos 
devem ser analisados quanto à sua génese. Não existe uma só maneira de 
gerar neologismos, existem diversas: alguns neologismos são palavras 
inventadas ou criadas, de forma mais ou menos aleatória, a partir de 
palavras já existentes, outros são palavras introduzidas na língua por 
empréstimo a outras línguas e outros ainda são palavras formadas a partir 
dos recursos morfológicos disponíveis na língua. A criação de 
neologismos encontra na morfologia uma potente ferramenta, que tem 
como fortes aliados a sistematicidade e previsibilidade, mas não se esgota 
aí. 
 
44 
2.3 Recursos Não-morfológicos na Formação de Palavras 
Nesta secção, o propósito é mostrar alguns fenómenos de criação 
de palavras que por vezes são apresentados também como domínio da 
morfologia, mas que, em rigor, não o são. Formas como bezidróglio, que 
teve uma vida efémera num concurso de televisão dos anos 70 do século 
XX, ou como escanifobético, podem ser inventadas, sendo o produto da 
criatividade dos falantes, basta que a sequência fonética resultante seja 
reconhecível como uma palavra dessa língua e que a sua categorização 
sintáctica seja plausível. Este tipo de invenção de palavras, totalmente 
imotivado, é um processo por vezes utilizado na criação literária. É o que 
se verifica nos seguintes textos: 
Ditirambo, de Mário Cesariny 
meu maresperantotòtémico 
minha màlanimatógrafurriel 
minha noivadiagem serpente 
meu èliòtròpolipo polar 
meu fiambre de sol de roseira 
minha musa amiantulipálida 
meu lustrefrenado céu grande 
minha afiàurora manhã 
minha fôgoécia de estátuas 
minha labrioquimia cerrada 
minha ponta na terra meu arsgrima 
meu diamantermita acordado! 
 
Urânia, de Jorge de Sena 
Purília amancivalva emergidanto, 
imarculado e rósea, alviridente, 
na azúrea juventil conquinomente 
transcurva de aste o fido corpo tanto... 
Tenras nadáguas que oculvivam quanto 
palidiscuro, retradito e olente 
é mínimo desfincta, repente, 
rasga e sedente ao duro latipranto. 
Adónica se esvolve na ambolia 
de terso antena avante palpinado. 
Fímbril, filível, viridorna, gia 
em túlida mancia, vaivinado. 
Transcorre uníflo e suspentreme o dia 
noturno ao lia e luçardente ao cado. 
 
 
45 
Estórias Abensonhadas, de Mia Couto 
(…) Estava já eu predisposto a escrever mais uma crónica quando 
recebo a ordem: não se pode inventar palavra. (...) Siga-se o código e 
calendário das palavras, a gramatical e dicionárica língua. Mas ainda, 
a ordem era perguntosa: 'já não há respeito pela língua-materna?' 
Não é que eu tivesse a intenção de inventar palavras. (...) Mas a ordem 
me deixou desesfeliz. (...) sou um homem obeditoso aos mandos. 
Resumo-me: sou um obeditado. [...) Nunca ponho três pontos que é para 
não pecar de insinuência. (...) Agora acusar-me de inventeiro, isso é 
que não. Porque sei muito bem o perigo da imagináutica. Às duas por 
triz basta uma simples letra para alterar tudo. (...) Entijole-se o homem 
com tendência a imaginescências. 
Voltando à língua fria: não será que o português não está já feito, 
completo, made in e tudo? Porquê esta mania de usar os caminhos, 
levantando poeira sem a devida direcção? Estrada civilizada é a que tem 
polícia, sirenes serenando os trânsitos. Caso senão, intransitam-se as 
vias, cada um conduzindo mais por desejo que por obediência. (...) Por 
causa dessas contribuições dispérsicas que chegam à língua sem 
atestado nem guia de marcha. (...) E montavam-se postos de controlo, 
vigilanciosos.(...) Uma espécie de milícia da língua, com braçadeira, a 
mandar parar falantes e escreventes. (...) E mesmo antes da resposta, eu, 
arrogancioso: 
- Não pode passar. Deixa ficar tudo aqui no posto. 
(...) a vida é uma grande fábrica de imagineiros e há muita estrada para 
poucos vigilentos. 
Ainda que todos estes casos possam ser considerados como 
invenções, a verdade é que nem todas estas invenções correspondem a 
criação completamente original. O leque abre-se com a suposta motivação 
sonora da onomatopeia, e desvenda-se na utilização mais ou menos 
aleatória e assistemática de dados da própria língua, como se verifica nos 
casos de amálgama, eponímia ou de operações semânticas sobre as 
palavras. Vejamos, com um pouco mais de atenção, o que se passa em 
cada um destes domínios. 
As palavras onomatopaicas
11
 são formadas por uma sequência de 
sons da fala que pretende reproduzir um dado estímulo sonoro não-verbal. 
No Português Europeu, a criação de palavras onomatopaicas é muito 
pouco frequente e as formas atestadas também não são muito numerosas: 
(7) atchim ou atxim nome masculino 
chio nome masculino 
trás interjeição 
zás interjeição 
Em geral, estas palavras são usadas em registos particulares, como 
o da banda desenhada ou a interacção verbal com crianças, por exemplo, 
na designação de alguns animais ou das suas „vozes‟: 
 
46 
O redobro (também chamado 
reduplicação) é um processo de criação de 
palavras que consiste na repetição de uma 
palavra já existente e que é frequentemente 
uma forma verbal, como cai-cai ou dói-
dói. 
Aparece frequentemente associado a outros 
processos de criação de palavras, como a 
onomatopeia (cf. zunzum) e o truncamento 
(cf. vóvó), e particularmente na formação 
de hipocorísticos, que são a versão 
carinhosa de palavras existentes (cf. Nônô). 
 
(8) cocorócocó nome masculino = voz do galo 
 cricri nome masculino = voz do grilo 
 gluglu nome masculino = voz do perú 
 piopio nome masculino = ave 
 miau nome masculino = gato e voz do gato 
Excepcionalmente, a sequência fonética que reproduz o som é 
formada por uma expressão linguística: é o que se verifica com a 
designação informal do colibri como bem-te-vi, ou da galinha de angola 
como (es)tou-fraca (ambas atestadas no Português do Brasil). 
Note-se que estas 
palavras integram uma 
onomatopeia mas 
também. frequentemente, 
os constituintes 
morfológicos exigidos 
pela sua integração numa 
dada categoria (cf. miar, 
piar, zumbir, zurrar). As 
formas onomatopaicas 
podem também servir de 
base à formação de 
palavras, mas o formato é 
quase sempre aleatório, com inserção de sons que tornem a sequência 
fonética plausível, ou fazendo uso dos mecanismos de redobro: 
(9) clique → clicar 
 popó 
tautau 
tlim → tilintar 
 tique-taque 
 toctoc 
Em muitos casos, as formas onomatopaicas são empréstimos de 
outras línguas, inclusivamente do Grego Antigo e do Latim:

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