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CAP˝TULO 3 17 33 CAP˝TULOCAP˝TULO Puberdade Precoce Albertina Gomes Rodrigues INTRODU˙ˆO A puberdade normal nas meninas inicia-se entre os oito e os treze anos. Os sinais clínicos observados sªo a telarca, seguida pela pubarca e posteriormente menarca. JÆ nos meninos esta se dÆ entre os nove e os quatorze anos. Sua seqüŒncia habitual Ø crescimento testicular, pubarca, seguida pelo crescimento peniano. Os eventos da puberdade foram bem descritos por Marshall e Tanner, que identificaram cinco estÆdios dife- rentes, sendo o intervalo de tempo entre esses estÆdios de seis meses a um ano, aproximadamente. Durante a puberdade ocorre aumento da velocidade do crescimento, as- sociado ao aparecimento e evoluçªo destes caracteres sexuais secundÆrios, e na menina o período de maior velocidade de crescimento (estirªo puberal) ocorre entre estÆdios dois e trŒs de Tanner, jÆ no menino este se dÆ entre os estÆdios trŒs e quatro. CONCEITO O conceito clÆssico Ø de que a puberdade seja considerada precoce quan- do se inicia antes dos oito anos na menina e dos nove anos de idade no menino. Alguns estudos mais recentes demonstram que hÆ tendŒncia em vÆrios países e em alguns grupos raciais de um início puberal mais precoce. Telarca e pubarca que ocorram entre seis e oito anos teriam de ser mais bem avalia- das antes de serem consideradas precoces e instituído tratamento. 18 CAP˝TULO 3 Na puberdade precoce geralmente ocorre progressªo mais rÆpida que a habitual entre os estÆdios puberais. Como conseqüŒncia da exposiçªo pre- coce aos esteróides sexuais haverÆ prematura fusªo das epífises ósseas, oca- sionando perda estatural. CLASSIFICA˙ˆO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO A puberdade precoce Ø classificada em: central, perifØrica ou combinada PUBERDADE PRECOCE CENTRAL (PPC) Clinicamente observa-se a seqüŒncia habitual dos sinais puberais, porØm com início precoce e progressªo mais rÆpida. Ela ocorre pela ativaçªo pre- matura do eixo hipotÆlamo-hipófise-gônada. As principais causas sªo: idiopÆtica (forma mais comum no sexo feminino, correspondendo a 90% dos casos, sendo pouco freqüente nos meninos); secundÆria a lesıes do sistema nervo- so central (SNC) (a probabilidade de encontrarmos esse grupo de etiologias serÆ maior quanto menor for a faixa etÆria de início puberal), destacando-se os processos inflamatórios ou infecciosos do SNC, hidrocefalia, tumores. Estes podem ser encontrados em atØ 60% dos casos em meninos. Dentre os tumo- res encontrados, sªo citados o hamartoma, glioma, neurofibroma, astrocitoma, germinoma, craniofaringioma e o ependimoma. As lesıes do SNC, com exceçªo do hamartoma, levariam à puberdade precoce por destruir tratos ou fatores que habitualmente inibem os nœcleos hipota- lâmicos, responsÆveis pela secreçªo do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), desencadeando a puberdade precoce. JÆ o hamartoma hipotalâmico Ø tumor congŒnito constituído por neurônios neurossecretores ectópicos que produzem e secretam o GnRH. Uma causa muito rara de PPC Ø o hipotireoidismo primÆrio. Neste, o TSH em concentraçıes elevadas ocuparia os receptores do LH, agindo como tal. O diagnóstico laboratorial baseia-se em: Teste de estímulo com o GnRH: como a secreçªo de gonadotrofinas (LH e FSH) Ø pulsÆtil, a medida isolada delas pode nªo ser coincidente com seu pulso de secreçªo fisiológico, típico da puberdade. Desta forma, a determi- naçªo do LH e do FSH Ø feita após a infusªo do GnRH no paciente com o objetivo de induzir um pulso de LH e FSH, que serÆ elevado se o paciente jÆ estiver em puberdade. Os valores da resposta positiva, variarÆ de acordo com o mØtodo laboratorial utilizado. Testosterona: pode ser utilizada para identificar funçªo testicular puberal. Estradiol: sua secreçªo Ø tambØm pulsÆtil, sendo pouco œtil no diag- nóstico. Citologia vaginal hormonal e urocitograma: avaliam indiretamente a presença de concentraçıes maiores de estradiol, uma vez que identificam sua açªo (pela maturaçªo do epitØlio vaginal e das cØlulas do trígono vesical, respectivamente). Exames por Imagem: Idade óssea: exame que auxilia no diagnóstico e no seguimento do paciente durante o tratamento. Geralmente estÆ avançada em relaçªo à idade cronológica. Exames por Imagem do SNC: sempre devem ser realizados para pes- quisa de lesªo do SNC. O exame ideal Ø a ressonância nuclear magnØtica (RNM). Na impossibilidade de sua realizaçªo, poderemos investigar atravØs da tomografia. CAP˝TULO 3 19 O tratamento tem como objetivos: a) a regressªo dos caracteres sexuais ou a diminuiçªo da progressªo destes. Desta forma evitaríamos os proble- mas psicossociais que podem advir associados à puberdade precoce. b) a desaceleraçªo do fechamento epifisÆrio, evitando a perda estatural. Os agonistas do GnRH sªo os medicamentos de escolha no tratamento da puberdade precoce central. Agem, numa fase inicial, causando estímulo que tem duraçªo curta. Após, hÆ uma diminuiçªo de produçªo de gonadotrofinas. Esta segunda fase se dÆ inicialmente por uma reduçªo no nœmero de recep- tores do GnRH (down regulation) nos gonadotrofos hipofisÆrios, seguida pela dessensibilizaçªo dos receptores por desacoplamento do sinal de transduçªo celular. Os agonistas do GnRH de liberaçªo lenta (depot) para uso intramus- cular ou subcutâneo sªo os mais utilizados e sua administraçªo Ø feita a cada quatro semanas. A dose varia de acordo com o agonista utilizado. Em nosso meio, vÆrios serviços preconizam o acetato de leuprolida, na dose de 3,75mg, intramuscular a cada vinte e oito dias, podendo ainda ser utilizados a goserelina e a triptorelina. Os efeitos colaterais sªo raros, incluem eritema, enduraçªo, abscesso, cefalØia, ondas de calor e depressªo. Outros medicamentos, como o acetato de ciproterona e a medroxipro- gesterona, deixaram de ser utilizados nesta patologia por sua baixa efetividade e efeitos colaterais. PUBERDADE PRECOCE PERIFÉRICA (PPP) A etiologia para sua ocorrŒncia Ø variÆvel e nªo hÆ ativaçªo do eixo hipotÆlamo-hipófise-gônada. Clinicamente observa-se a presença precoce dos caracteres sexuais secundÆrios, porØm estes nªo surgem na seqüŒncia habi- tual esperada. Ela pode ser subdividida em isossexual (quando os sinais puberais sªo compatíveis com o sexo genØtico), ou heterossexual (quando nªo sªo). Menina PPP isossexual: clinicamente ocorre a telarca precoce, com progressªo do desenvolvimento mamÆrio, porØm nªo hÆ pubarca. A menarca precoce pode ocorrer isoladamente ou associada à telarca. As causas podem ser: Cisto folicular funcionante os cistos com diâmetro menor de 2,5cm devem ser monitorizados por USG, e a conduta Ø expectante. JÆ os maiores, mais raros, devem ser retirados cirurgicamente ou tratados com progesterona; Síndrome de McCune-Albright o ovÆrio tem uma funçªo autônoma, por uma mutaçªo do gene que codifica a subunidade a da proteína Gs a . A modificaçªo da proteína Gs acarreta aumento da atividade da adenilciclase e da geraçªo do AMPc em vÆrios tecidos endócrinos, na ausŒncia de estímulo hormonal. AlØm da puberdade precoce a paciente pode apresentar manchas cutâneas cafØ-com-leite, com bordas bem definidas e irregulares e displasia óssea poliostótica em crânio e ossos longos. Os exames hormonais tŒm resultados semelhantes aos descritos pelos tumores ovarianos. Para o tratamento, uma das opçıes Ø o cetoconazol, na dose de 200-600mg/dia em duas tomadas. Esta medicaçªo inibe a esteroidogŒnese por bloquear enzimas adrenais e gonadais. Tem como efeito colateral a hepatotoxicidade, nÆuseas e vômitos; Tumores ovarianos geralmente sªo unilaterais e benignos. O tratamento consiste na remoçªo cirœrgica. Laboratorialmente ocorre concentraçªo elevada do estradiol, enquanto a resposta das gonadotrofinas ao GnRH Ø baixa; 20 CAP˝TULO 3 Tumor adrenal feminilizante (muito raro); Contaminaçªo estrogŒnica atravØs de medicamentos deadministraçªo oral ou tópica e alimentos. PPP heterossexual: clinicamente a paciente apresentarÆ pubarca precoce, podendo ou nªo ser associada à clitoromegalia. As causas principais sªo: Hiperplasia adrenal congŒnita da supra-renal, forma nªo-clÆssica ou tar- dia (pode ocorrer por deficiŒncia da 21-hidroxilase, mais comum, da 3-beta- desidrogenase ou ainda da 11-hidroxilase). O diagnóstico Ø estabelecido por meio do teste de estímulo à adrenal com ACTH, avaliando-se indiretamente o defeito enzimÆtico pelas medidas de andrógenos, cuja concentraçªo aumenta muito após o estímulo exógeno com ACTH. O tratamento geralmente Ø feito com acetato de hidrocortisona, na dose que pode variar de 10-15mg/m2/dia, dividida em trŒs tomadas); Tumores adrenais (alØm da virilizaçªo, a paciente poderÆ apresentar sinais clínicos de Cushing. Habitualmente a progressªo dos sinais clínicos Ø rÆpi- da. O diagnóstico pode ser estabelecido atravØs de exames por imagem, como USG, tomografia ou RNM abdominais, bem como exames laboratoriais, como dosagem do sulfato de DHEA e teste de depressªo com dexametasona. No tumor adrenal, mesmo após o uso da dexametasona, hÆ a manutençªo da produçªo de hormônios adrenais (produçªo autônoma), o que nªo ocorre em outras patologias e em indivíduos normais. O tratamento Ø feito com a exØrese do tumor e complementado por quimioterapia, quando indicado). Menino PPP Isossexual: habitualmente o menino apresentarÆ como clínica a pre- sença de pubarca precoce e/ou o aumento de tamanho peniano, sem que ocorra o aumento do volume testicular. As principais causas sªo: Hiperplasia adrenal congŒnita (a causa mais comum). Neste caso, o paciente pode tanto apresentar a forma clÆssica, na qual o defeito enzimÆti- co Ø mais intenso e a sintomatologia Ø mais precoce, iniciando-se na fase de lactente, quanto a nªo-clÆssica ou tardia. Nesta, o diagnóstico e o tratamen- to sªo semelhantes ao sexo feminino. Na forma clÆssica, o diagnóstico Ø fei- to pela medida dos andrógenos adrenais, sem a necessidade de estímulo exógeno pelo ACTH sobre a adrenal. O tratamento neste tipo de hiperplasia tambØm Ø feito com o acetato de hidrocortisona, porØm inicia-se com doses maiores: 20-25 mg/m2/dia, divididos em trŒs tomadas; Tumores adrenais sªo a segunda causa mais freqüente (com diag- nóstico e conduta iguais ao sexo feminino); Tumores testiculares sªo causas menos freqüentes de puberdade precoce perifØrica isossexual. Deve-se pensar neste diagnóstico quando ocorre assimetria do volume testicular, porØm o tumor pode ser pequeno e detecta- do apenas pelo USG; Síndrome de McCune-Albright sua ocorrŒncia Ø mais rara que na menina. Nos meninos hÆ discreto aumento do volume testicular, despropor- cional ao desenvolvimento puberal. TŒm testosterona com concentraçıes com- patíveis com a puberdade, mas gonadotrofinas nªo responsivas ao estímulo com GnRH; Testotoxicose a clínica Ø semelhante à da síndrome de McCune- Albright, bem como o padrªo laboratorial. Tanto na testotoxicose quanto na síndrome de McCune-Albright o tratamento pode ser realizado com CAP˝TULO 3 21 cetoconazole. Pode ainda ser empregada a testolactona, um inibidor com- petitivo da aromatase, enzima que converte a testosterona e androstenediona em estradiol e estrona. A dose preconizada Ø de 10 a 40mg/kg/dia, em qua- tro tomadas. Os efeitos colaterais mais freqüentes sªo dor abdominal, ele- vaçªo das transaminases e diarrØia. PPP heterossexual: Ø rara no menino. Pode ser causada tanto por tumor adrenal quanto testicular feminilizantes (25% dos tumores das cØlulas de Leydig produzem estradiol). PUBERDADE PRECOCE COMBINADA A fisiopatologia deste tipo de puberdade se dÆ em decorrŒncia de um amadurecimento precoce dos nœcleos hipotalâmicos produtores de GnRH (ge- rando uma puberdade precoce central) por esteróides sexuais oriundos de uma puberdade precoce perifØrica. O modelo clÆssico desta puberdade ocorre em pacientes com puberdade precoce central desencadeada por andrógenos adrenais numa hiperplasia adrenal congŒnita. O tratamento da puberdade precoce com- binada ao uso do agonista de GnRH (para bloqueio da PPC, jÆ descrito) asso- ciado ao tratamento específico da PPP que a desencadeou. VARIANTES DA NORMALIDADE Avanço Constitucional do Crescimento e Puberdade Existe um grupo de meninas normais que tambØm inicia a puberdade mais cedo, entre seis e oito anos, mas progride lentamente ou tem involuçªo dos sinais puberais. Nestas pacientes nªo hÆ perda estatural ou menarca preco- ce. Esta situaçªo requer seguimento clínico cuidadoso do especialista e ge- ralmente nªo necessita de tratamento medicamentoso. Essa antecipaçªo puberal nªo tem sido detectada em meninos com a mesma freqüŒncia. Telarca Precoce Isolada Caracteriza-se pelo crescimento mamÆrio antes dos oito anos. Logo após, hÆ involuçªo deste ou nªo progressªo. Nªo hÆ outros sinais de puberdade como pubarca, aumento da velocidade do crescimento, ou maturaçªo óssea precoce. É mais freqüente atØ os dois anos de vida, pelo fato de o eixo hipotÆlamo-hipófise-gônada poder estar ativo nesta fase. Adrenarca Precoce Nos pacientes com adrenarca precoce ocorre o aparecimento de pŒlos pubianos e/ou axilares entre seis e oito anos. Ocorre progressªo lenta e nªo hÆ concomitância com outros sinais clínicos puberais. A clitoromegalia tam- bØm nªo deve ocorrer nas meninas. HÆ, porØm, aumento da maturaçªo ós- sea. A adrenarca precoce Ø de causa idiopÆtica. Em nosso meio foi observada maior freqüŒncia de adrenarca precoce e pubarca precoce em meninas com ascendŒncia negra, porØm neste grupo Øtnico nªo foi observada maior freqüŒncia de telarca precoce. BIBLIOGRAFIA 1. Adan LF. Tratamento da Puberdade Precoce Verdadeira. Radar. 2:6-7, 2002. 22 CAP˝TULO 3 2. Carr BR. Disorders of the ovary and female reprodutive tract. In: Wilson JD, Foster MD eds. Textbook of Endocrinology. WB Saunders Company Philadelphia. 733- 798, 1992. 3. Damiani D. Diagnóstico Laboratorial da Puberdade Precoce. Arquivos Brasilei- ros de Endocrinologia e Metabologia. 2002, 46/1:85-90, 2002. 4. Feuillan PP. 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