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262 Capítulo 27 Jairo Aparecido Ayres Benedito Barraviera Tétano 2727 INTRODUÇÃO O tétano é doença infecciosa, não contagiosa, causada pela ação da exotoxina liberada pela forma vegetativa do Clostridium tetani. Esta bactéria tem a capacidade de pro- duzir exotoxina composta de duas frações: tetanolisina e tetanospasmina. Esta última fração tem ação principal- mente no sistema nervoso central, provocando estado de hiperexcitabilidade, hipertonia muscular, hiper-reflexia, espasmos e contratura, podendo levar o doente ao óbito por distúrbios respiratórios ou metabólicos. Trata-se de doença prevenível por meio de vacina, que é segura e eficiente. Esta tem contribuído para a menor fre- qüência de casos nos países desenvolvidos, porém ainda está presente nas regiões subdesenvolvidas, representando um importante problema de saúde pública. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, no ano de 2000 ocor- reram 507 casos confirmados de tétano acidental. A maio- ria dos casos ocorreu nos estados do Nordeste. É uma doença infecciosa com alta letalidade, exigindo um trata- mento complexo, utilizando recursos técnicos e humanos de alta qualidade. Portanto, se o tratamento do tétano é muito oneroso, a profilaxia por meio do uso de vacinas é eficaz e de baixo custo, podendo contribuir de forma ade- quada para a erradicação da doença. ETIOLOGIA O Clostridium tetani é um bacilo Gram-positivo, anae- róbico estrito, com aspecto de baqueta de tambor, medin- do 2,5 µ de comprimento por 0,5 µ de largura. Sobrevive no meio ambiente sob a forma de esporos extremamente resistentes. Existem disseminados no solo, em terra fértil, areias contaminadas com fezes de animais ou humanas, águas putrefeitas, espinhos de arbustos, pregos ou latas enferru- jadas, agulhas de injeção esterilizadas indevidamente e ins- trumentos de lavoura. Podem permanecer latentes nos te- cidos em condições viáveis durante meses. As fezes de ani- mais, como cavalos, carneiros, bovinos, cães, gatos, cobai- as, galinhas e até o homem podem conter o bacilo. Dessa forma, em qualquer situação em que ocorra uma quebra da barreira da pele pode haver a inoculação dos esporos, que em condições favoráveis assumem a forma vegetativa. Há necessidade, nesse caso, de ocorrer diminuição do po- tencial de oxirredução local, propiciando, assim, condi- ções de anaerobiose, facilitando dessa forma o crescimento e o desenvolvimento da bactéria. A forma vegetativa do Clostridium tetani não é invasiva, mas é capaz de produzir exotoxinas altamente neurotrópicas, cuja potência só é superada pela toxina botulínica. EPIDEMIOLOGIA O tétano é uma doença grave, de distribuição universal, cuja maior ocorrência encontra-se nas áreas de baixa co- bertura vacinal e de deficiência dos serviços de saúde. Continua sendo um problema de saúde pública, apesar de tratar-se de uma doença imunoprevenível cuja vacina é se- gura e eficiente. Tem ocorrido numa freqüência cada vez menor nos países desenvolvidos, porém ainda é comum nos países pobres. O índice de mortalidade por tétano apre- sentou tendência decrescente ao longo dos anos. No Bra- sil, a mortalidade por tétano foi de 1,6/100.000 habitantes em 1993. Segundo a Fundação Nacional da Saúde, houve um decréscimo do número de casos. Em 1982, ocorreram 1.297 casos; em 2001, apenas 366, com um evidente des- locamento da faixa etária mais acometida para as pessoas idosas. Desta forma, a vacinação antitetânica foi introdu- zida na campanha do idoso, objetivando fortalecer a estra- Capítulo 27 263 tégica de um maior controle da doença. As mortes causa- das pelo tétano acidental também acompanharam uma tendência declinante, visto que no ano de 1982 foram re- gistradas 713 ocorrências anuais, com uma redução extre- mamente significativa no ano de 2001 para 86 casos. Por outro lado, o tétano neonatal, que em 1982 foi de 584 ca- sos, sofreu uma redução em 2001 para 34 casos. Isso de- veu-se à iniciativa do Ministério da Saúde de intensificar a vacinação entre mulheres em idade fértil, como compro- misso internacional de eliminar o tétano neonatal. Assim, o Brasil já atingiu a meta de incidência inferior a um caso por 1.000 nascidos vivos, considerada pela OPAS como in- dicativo de controle. Embora não se ignore a tendência de declínio da doen- ça no Brasil, permanece a necessidade de se instituírem medidas mais efetivas de vigilância e controle visando re- duzir as seqüelas e evitar a ocorrência de óbitos, em espe- cial na faixa etária entre 20 e 49 anos de idade, período mais produtivo da vida humana. PATOGENIA Havendo condições de anaerobiose, ou seja, queda do potencial de oxirredução, o esporo do tétano se transfor- ma na forma vegetativa no prazo de aproximadamente seis horas. Inicia-se assim a produção de sua potente exotoxi- na, cuja fração tetanospasmina é a responsável pela maio- ria das manifestações clínicas da doença. Em geral, a “por- ta de entrada” do esporo é a pele, onde irá desenvolver-se e produzir a toxina a partir do foco da infecção. A seguir, propaga-se até as células motoras do sistema nervoso cen- tral, interagindo no controle motor, na função autonômi- ca e na junção neuromuscular. Os efeitos no controle motor ocorrem uma vez que a toxina penetra no sistema nervoso, primariamente pela junção neuromuscular dos neurônios alfa-motores. A toxi- na move-se por meio do sistema de transporte retrógrado até o corpo da célula neuronal. No interior dos neurônios não é neutralizada pela antitoxina, o que explica a pro- gressão da doença por vários dias após o início do trata- mento do doente. Após ser transportada para a medula es- pinhal e daí para o tronco cerebral, a toxina é liberada para o espaço extracelular, migrando transinapticamente e penetrando a seguir para o interior das células inibido- ras. No interior destes neurônios, migra em direção às ve- sículas liberadoras de glicina, impedindo sua liberação. Acredita-se que a porção A da molécula de tetanospasmina seja a responsável pela inibição da liberação do neuro- transmissor. Schiavo et al. propõem que a cadeia leve da toxina, que possui atividade proteásica, cliva a proteína sinaptobrevin-2 da membrana das vesículas sinápticas, per- dendo assim a capacidade de liberar os neurotransmisso- res. Estas células, também conhecidas como neurônios internunciais, utilizam a glicina ou o ácido gama- aminobutírico (GABA) como neurotransmissor. As células produtoras de glicina são as mais importantes células ini- bidoras, localizadas na medula espinhal, enquanto as cé- lulas produtoras de GABA são as responsáveis pela inibi- ção em nível de tronco cerebral. Dessa forma, os neurô- nios inibidores perdem a capacidade de destruir informa- ções indesejáveis que chegam ao sistema nervoso. Nesta situação, devido à falta de inibição fisiológica dos motoneurônios, o resultado será a rigidez muscular de re- pouso. Além disso, a qualquer estímulo do tipo aferente, o sistema motor responde com contrações simultâneas de músculos agonistas e antagonistas, o que caracteriza o es- pasmo tetânico. Além disso, outras conexões com neurô- nios interoceptivos e com o sistema reticular ascendente vão determinar o fato de estímulos viscerais como disten- são vesical, distensão abdominal, tosse e deglutição serem capazes de determinar espasmos. A toxina atua também sobre o sistema nervoso autôno- mo, determinando a síndrome da hiperatividade simpáti- ca. Atua ainda nos nervos periféricos e pares cranianos, principalmente no denominado tétano cefálico, em que, ao contrário das outras formas da doença, ocorrem manifes- tações paralíticas, decorrentes da ação da toxina sobre os pares cranianos. DIAGNÓSTICO O diagnóstico do tétano é basicamente clínico-epide- miológico, uma vez que esta doença não conta com apoio laboratorial para o seu diagnóstico. Os dados epidemiológicos auxiliam no diagnóstico da doença,pois traduzem aspectos da natureza do ferimento e da zona geográfica onde ocorreu o acidente. QUADRO CLÍNICO O tétano pode ser apresentado didaticamente em qua- tro tipos, a saber: localizado, cefálico, generalizado e neona- tal. A princípio, o tétano deve ser considerado uma doen- ça grave, pois sua evolução não pode ser prevista. Por esse motivo, todo paciente deve ser mantido em Unidade de Terapia Intensiva com pessoal médico e de enfermagem especializado. Para uma melhor classificação do quadro clínico do tétano, há necessidade de se definir o período de incubação e o período de progressão da doença. Período de incubação: é o tempo transcorrido desde o ferimento com a implantação do esporo do Clostridium tetani até o aparecimento do primeiro sintoma, que em geral é o trismo. O período de incubação em geral dura de sete a 10 dias, podendo estender-se até três ou quatro se- manas e reduzir-se, às vezes, para até três dias ou menos. O menor período de incubação relatado na literatura é de 18 horas. Período de progressão: é o tempo decorrido entre o pri- meiro sintoma clínico, que em 60% dos casos é o trismo, até o primeiro espasmo muscular. O período de progres- são varia de poucas horas a vários dias. Os períodos de incubação e de progressão estão rela- cionados à gravidade da doença. Assim, quanto menores os períodos de incubação e progressão, mais grave é o tétano. O inverso também é verdadeiro, ou seja, quanto maiores os períodos de incubação e progressão, menos grave é a doença. A gravidade do tétano também está relacionada à por- ta de entrada ou ao foco de infecção do bacilo tetânico. As lesões ocorridas na cabeça, no tronco e nos membros su- periores em geral são mais graves. Está incluído nessa si- tuação o tétano cefálico ou de Rose, no qual a porta de en- trada está situada na cabeça (face, ouvidos, amígdalas, den- 264 Capítulo 27 tes, boca, etc.). Em alguns casos de tétano cefálico, não é possível evidenciar a porta de entrada da bactéria. O téta- no cirúrgico, resultante da contaminação de feridas opera- tórias, apresenta elevado índice de letalidade. Essas carac- terísticas também são observadas no tétano obstétrico, que pode instalar-se nos abortamentos infectados. O tétano neonatal, causado pela aplicação de diversos tipos de substâncias no coto umbilical, apresenta um período de incubação de aproximadamente sete dias ou menos, daí ser denominado “mal dos sete dias”. No tétano localizado, o quadro clínico pode restringir- se a sintomas não-característicos e representados por mialgias decorrentes da contração involuntária dos grupos musculares vizinhos da fonte de infecção. O doente refe- re apenas “beliscões” ou discretos repuxamentos de gru- pos musculares de determinado membro. Esses doentes em geral são parcialmente imunes, devido à vacinação ter sido feita há mais de dez anos ou à aplicação recente de soro antitetânico ou imunoglobulina humana antitetânica. Uma outra possibilidade é a de que houve pequena produ- ção de toxina pelo bacilo, suficiente apenas para acome- ter determinados grupos musculares. Nestes doentes, o período de incubação costuma ser prolongado, podendo estender-se por vários meses. Um tipo especial de tétano localizado e grave é o téta- no cefálico de Rose, em que se observa a presença do tris- mo, paralisia de um ou mais nervos cranianos, entre eles o terceiro, quarto, sexto e 12o pares. A paralisia observada acomete o nervo localizado no lado do foco infeccioso. Esses casos são graves e, em geral, acompanhados de febre. O trismo é constituído pela contração permanente dos músculos masséteres, sendo o sinal mais característico tan- to do tétano cefálico quanto do tétano generalizado. Nes- te caso, pode haver também a contração concomitante dos músculos da mímica facial, configurando o “riso sardôni- co” próprio da doença. O tétano generalizado é a variedade clínica mais co- mum e é observado em cerca de 80% dos casos. Deve-se salientar que tanto o tétano localizado quanto o tétano ce- fálico podem generalizar-se. A evolução dessa forma clíni- ca da doença se inicia por febre pouco elevada e trismo. A seguir, ocorre enrijecimento da musculatura paravertebral, cervical e abdominal. Clinicamente, observam-se opistóto- no, rigidez de nuca e abdome em “tábua”. Dependendo da intensidade da rigidez de nuca e da contratura da muscula- tura paravertebral, o doente pode apresentar intensidade maior ou menor do opistótono. O fato é que, no tétano ge- neralizado, são acometidos todos ou quase todos os grupos musculares, variando a atitude tomada pelo doente de acor- do com a força de cada grupo muscular. As pernas perma- necem em extensão, por causa da maior potência dos mús- culos extensores destes segmentos. Em decorrência desses fatores, instalam-se flexões dorsais dos pés, dos braços e contratura dos músculos da parede abdominal. À medida que a doença evolui, surgem os espasmos, que são leves e transitórios no início, porém progridem rapidamente, com aumento de freqüência e intensidade. Como qualquer músculo pode ser atingido pelos espasmos, quando isso ocorre nos músculos respiratórios e da glote, indica-se a traqueostomia, pois pode evoluir para insufi- ciência respiratória e morte. Os espasmos podem ser desencadeados por qualquer tipo de estímulos: extereoceptivos (tato, pressão, dor, va- riações de temperatura ambiente, ruídos, etc.), interocep- tivos (de origem visceral) e proprioceptivos (dos múscu- los, tendões, etc.). Os espasmos são acompanhados por in- tensas mialgias e podem determinar fraturas, sobretudo em vértebras. Nos casos graves, os espasmos repetidos podem atingir os músculos respiratórios (intercostais e do diafrag- ma) e os constritores da faringe e da glote. Os músculos da deglutição (em particular os elevadores e constritores da faringe) sofrem espasmos dos músculos intercostais, do diafragma e da glote e podem determinar asfixia e anoxia – muitas vezes responsável pela morte do doente –, dire- tamente e em conseqüência da retenção de secreções na árvore brônquica. A incapacidade, comumente observada, de o paciente com tétano expelir ou deglutir secreções, às vezes até a própria saliva, contribui para o agravamento da insuficiência respiratória e propicia condições para a ins- talação de infecções secundárias, em particular a bronco- pneumonia. O tétano umbilical tem início, em geral, entre cinco e 13 dias, com uma média de sete dias, após a contaminação do coto umbilical. O primeiro sinal a denunciar o tétano neonatal é a dificuldade do bebê para sugar o seio mater- no ou o bico da mamadeira. Dentro de algumas horas, essa dificuldade se acentua, surgindo trismo e disfagia, com ausência dos reflexos da sucção. Os membros inferiores permanecem em hipotensão, e os superiores, em hiperten- são, colados ao tórax, com flexão forçada de difícil aber- tura das mãos. O opistótono é, geralmente, intenso; a mus- culatura da mímica facial se contrai, apresentando o riso sardônico, os olhos cerrados, a fronte pregueada e os lábios contraídos. Os doentes com a forma grave da doença podem evo- luir com a chamada “síndrome da hiperatividade simpá- tica”. Estes doentes em geral necessitam de traqueostomia, curarização e ventilação assistida. Muitas complicações e mortes observadas no tétano grave são atribuídas a essa sín- drome, que se caracteriza por variação nos níveis pressó- ricos, ou seja, hipertensão arterial seguida de hipotensão e vice-versa, taquiarritmias cardíacas, hipertermia poden- do chegar a 42°C, intensos aumentos dos níveis urinários de catecolaminas, vasoconstrição periférica, sudorese pro- fusa, excesso de secreções pulmonares, íleo paralítico e perda de pulso periférico. A síndrome da hiperatividade simpática parece ter pa- pel importante no prognóstico e na taxa de mortalidade. Assim, o controle farmacológico do sistema nervoso sim- pático pela depressãocontínua deste, pelo uso de agentes bloqueadores periféricos ou pela combinação de ambos parece justificado. A síndrome pode variar de poucos dias a duas semanas após o início dos sintomas da doença. Alguns autores têm sugerido que a variação da pressão arterial pode ser resul- tante da ação da toxina no nível do tronco cerebral, em vista da proximidade do 10o núcleo dorsal com o centro vasomotor. Acarretando prejuízos para o doente, princi- palmente durante os surtos de hipotensão, evoluindo para oligúria, anúria e conseqüente quadro de insuficiência re- nal aguda. O diagnóstico precoce e o tratamento adequa- do podem prevenir esse quadro. Capítulo 27 265 O uso de bloqueadores apenas tem sido preconizado por vários autores. Deve-se salientar que, no Brasil, essas drogas são veiculadas pela via oral, devendo o doente nessa situação estar com sonda nasogástrica. Além disso, o me- dicamento não deve ser administrado de maneira contí- nua, ou seja, deve ser suspenso ou ter a dose diminuída à medida que o doente responda com a normalização dos níveis pressóricos e do ritmo cardíaco. Deve-se avaliar previamente se o doente não é asmático e se está receben- do digitálicos e/ou bloqueadores de canais de cálcio. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS O diagnóstico diferencial do tétano deve ser feito com várias patologias, em particular com aquelas que cursam com trismo. Podemos destacar os abscessos amigdaliano, retrofaríngeo, periodontal e a parotidite epidêmica. As meningites devem ser diferenciadas do tétano, pois cursam com febre alta, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudizinsky, cefaléia e vômitos e, às vezes, opistótono sem apresentar o trismo. As meningoencefalites, entre elas a raiva, podem simular o tétano, porém, quando há ausên- cia de história de ferimentos provocados por animais, con- vulsão e alterações de comportamento, descarta-se esta hi- pótese. Na intoxicação por estricnina há ausência de tris- mo e de hipertonia generalizada. A hipocalcemia decorren- te de tetania ou alcalose apresenta espasmos de extremi- dades com ausência de trismo e os sinais de Chvostek e Trousseau positivos. A resposta à administração intraveno- sa de cálcio facilita o esclarecimento diagnóstico. A doença do soro pode cursar com trismo decorrente da artrite têmporo-mandibular, que se instala após o uso do soro heterólogo. Além disso, podem ser observadas lesões maculopapulares, adenopatias, alterações renais e artrites. EXAMES LABORATORIAIS O diagnóstico do tétano é fundamentalmente clínico, já que não se dispõe, na atualidade, de exame laboratorial de aplicação prática para demonstração do agente etioló- gico ou de sua toxina. O laboratório auxilia no controle das complicações e no tratamento do paciente, uma vez que o hemograma habitualmente é normal, exceto quando há infecção inespecífica associada. As transaminases e a uréia sangüíneas podem estar elevadas nas formas graves da doença. A dosagem de eletrólitos é importante nos casos de insuficiência respiratória. O controle radiológico se faz necessário para o diagnóstico de infecções pneumônicas e fraturas de vértebras. Hemoculturas, culturas de secreção e de urina são indicadas nos casos de suspeita de infecção secundária. TRATAMENTO O tratamento do tétano pode ser dividido didaticamen- te em específico, sintomático e intensivo. TRATAMENTO ESPECÍFICO O tratamento específico visa combater o bacilo e neu- tralizar a toxina que deverá ser feito pelo desbridamento do foco tetânico, pelo emprego de antibióticos e por soro- terapia específica. Desbridamento do Foco Tetânico Deve-se desbridar amplamente o foco suspeito, para retirar do local o agente etiológico e eliminar as condições de anaerobiose, imprescindíveis à transformação do esporo na forma vegetativa, aplicando-se previamente ao redor do local cerca de 5.000 a 10.000 unidades de soro antitetâni- co a fim de neutralizar a toxina difundida. Essa conduta deve ser realizada meia hora antes de proceder o desbri- damento, que deve ser amplo e profundo, com o objetivo de remover todo o tecido desvitalizado. Após a limpeza criteriosa, assegura-se a eliminação de todos os elementos que favorecem a anaerobiose. A seguir, aplicam-se substân- cias oxidantes, tais como a água oxigenada ou solução de permanganato de potássio a 1/5.000. O desbridamento do foco tetânico deve ser realizado sempre após o controle dos espasmos, sob anestesia local. Antibióticos Os antibióticos exercem ação bacteriostática e bacteri- cida sobre o Clostridium tetani e ainda têm ação em outros órgãos tais como os pulmões, onde freqüentemente ocor- rem focos pneumônicos, decorrentes da dificuldade na as- piração de secreções e na mobilização do paciente O antibiótico de escolha no Serviço de Moléstias Infec- ciosas e Parasitárias é a penicilina G cristalina na dose de 500.000 a 2.000.000 unidades cada quatro ou seis horas. Também é recomendado o uso de tetraciclina por via in- tramuscular ou endovenosa na dose de 2 a 4 gramas diá- rias. A penicilina ainda é amplamente utilizada em pacien- tes com tétano. Outros antibióticos podem ser adicionados quando houver necessidade de ampliação do espectro para o tratamento de outros agentes microbiológicos envolvi- dos, com base em critérios clínicos e laboratoriais. Segun- do, Cavalcante um outro antibiótico utilizado é o metro- nidazol por sete dias. Bleck justifica a escolha tomando como base três aspectos: inicialmente a penicilina tem ação antagonista ao GABA em neurônios corticais de coelho; Clarck & Hill (1972) descrevem que se poderia poten- cializar a ação da toxina reduzindo a eficácia do diazepam; a seguir, pacientes tratados com metronidazol no esquema de 500 mg de 6/6 horas apresentam maior sobrevida e me- nor tempo de hospitalização em comparação a outros tra- tados com penicilina procaína 1.500.000 de 8/8 horas por via intramuscular. Para indivíduos adultos, utilizar dois mi- lhões de unidades, diluídas em 250 mL de solução glicosada a 5%, por via intravenosa, de quatro em quatro horas, du- rante 10 dias. Em crianças, utilizar 150.000 unidades/kg/dia, diluídas em 50 mL de solução glicosada a 5%, por via intravenosa, de quatro em quatro horas, durante dez dias. Nos casos de alergia à penicilina, utilizar o cloranfenicol, nas doses de 0,5 a 1,0 g de seis em seis horas, por via intramuscular ou intravenosa, durante dez dias. Para crian- ças, empregar o cloranfenicol na dose de 30 a 50 mg/kg/dia. Por outro lado, Bleck tem preconizado o uso do metro- nidazol na dosagem de 500 mg por via intravenosa de seis em seis horas, durante sete a dez dias, isto porque, de acor- do com Clark e Hill, a penicilina atua como um antagonis- 266 Capítulo 27 ta central dos neurônios inibidores que utilizam o ácido gama-aminobutírico como neurotransmissor. De acordo com Bleck, a penicilina poderia atuar sinergicamente com a tetanospasmina, piorando a hipertonia muscular e dimi- nuindo a eficácia dos benzodiazepínicos. Soroterapia Específica Para neutralizar a toxina não ligada aos receptores, ad- ministra-se a imunoglobulina antitetânica humana ou heteróloga na dose de 500 a 1.000 unidades perilesional- mente e os 400 a 4.500 restantes nos demais membros. Recomenda-se que a imunoglobulina e as doses da vacina devem ser aplicadas em topografias diferentes. O soro homólogo (gamaglobulina hiperimune antite- tânica) é utilizado na dose de 2.500 unidades para crian- ças e de 5.000 unidades para adultos, por via subcutânea ou intramuscular. A utilização da via intratecal para admi- nistração de antitoxina seria uma forma de encurtar o tempo de internação, diminuir gravidade e, com isso, re- duzir a mortalidade do tétano. A toxina produzida pelo Clostridium tetani liga-se à junção neuromuscular e então consegue ser transportada para os neurônios alfa-motores, de onde entra pela espinha adjacente nos internunciais ini- bidoresimpedindo a liberação de neurotransmissores e bloqueando a inibição normal dos antagonistas muscula- res. Uma vez a toxina ligada ao axônio ascendente, a tera- pêutica da imunoglobulina antitetânica não pode se deter na aplicação sistêmica, provavelmente por via intratecal tem ação a esse nível. A antitoxina por via intra-raquidia- na agiria neutralizando a toxina já fixada no sistema ner- voso central e a toxina livre no líquido cefalorraquidiano, em virtude de seu acesso direto, sem ter que ultrapassar a barreira hematoliquórica. Esse mecanismo, porém, é teó- rico. Veronesi et al. preconizam a aplicação por via raqui- diana, preferencialmente por punção suboccipital, em dose única, de 1.000 unidades de antitoxina homóloga ou heteróloga, concomitantemente com a aplicação intrave- nosa de 10.000 unidades. Por outro lado, as complicações advindas da soroterapia intratecal em geral são discretas e transitórias, embora existam complicações psicomotoras, paraplegia dos membros, reações anafiláticas, parada respiratória e óbito. Por conseguinte, os autores que preconizam esse tipo de tratamento utilizam anti- histamínicos do tipo Fenergan, por via sistêmica, associados a corticosteróides sistêmicos e intratecais. Levin et al., em revisão recente do assunto, discutem a indicação desse tipo de tratamento e sugerem estudos prospectivos bem controlados e que levem em considera- ção as muitas variáveis envolvidas, para obtenção de con- clusões definitivas. TRATAMENTO S INTOMÁTICO O tratamento sintomático inclui as medidas gerais, a sedação e o relaxamento muscular. Medidas Gerais O doente deve ser internado em ambiente confortável e desprovido de iluminação intensa e direta. O local pre- cisa ser silencioso e deve-se manipular o doente o mínimo possível. Para tanto, é importante que se dê preferência à via intravenosa para infusão de medicamentos por meio de cateter central ou dissecção venosa. Aconselha-se estar atento ao ritmo respiratório, a fim de surpreender uma possível crise de depressão ou parada respiratória. Não es- quecer que o paciente com tétano permanece consciente durante todo o tratamento. A equipe deve ser orientada a manter a discrição em seus prógnósticos. Quanto à higie- ne, deve ser sacrificada, limitando-se ao mínimo a mani- pulação do doente. A alimentação deve basear-se na infusão venosa de 500 mL de solução glicosada a 50% a cada 12 horas para um indivíduo adulto. Em crianças, utiliza-se veia central para aplicar 130 a 150 mg/kg de peso/dia de solução de glico- se a 50%. Quando o tratamento for prolongado, isto é, por mais de dez dias, avaliar a necessidade de nutrição paren- teral total. A nutrição enteral preconizada por alguns autores deve ser utilizada somente após terem cessado to- talmente os espasmos, uma vez que pode haver risco de aspiração de conteúdo gastrintestinal. A hidratação com solução fisiológica deve ser adequada, devido à grande per- da de líquidos pela sudorese intensa, decorrente da própria doença. A avaliação hidroeletrolítica, com determinação dos níveis séricos de sódio, potássio e cálcio, deve ser diá- ria ou feita a cada dois dias. Sedação e Relaxamento Muscular A sedação e o relaxamento muscular são feitos de pre- ferência com a associação de hidrato de cloral e benzoa- diazepínicos. Estes últimos exercem seu efeito principal no relaxamento muscular. A dose habitual de diazepínicos varia de 1 a 10 mg/kg/dia. As doses iniciais são de 2 mg/ kg/dia. Tais doses são aumentadas gradativamente, de acor- do com a resposta terapêutica e a gravidade do caso. A apli- cação deve ser feita por via intravenosa, diluindo-se o me- dicamento em 250 mL de solução glicosada a 5%. Eventu- almente, durante uma crise de espasmo muscular, pode-se utilizar uma ampola de 10 mg de benzodiazepínico diluí- da em 10 mL de solução glicosada a 5% e aplicada lenta- mente por via intravenosa, até que cessem os espasmos. Em indivíduos idosos, deve-se ter o cuidado de não se induzir coma prolongado em virtude do uso de dose excessiva. O hidrato de cloral tem excelente efeito sedativo, além de potencializar os efeitos dos diazepínicos. A aplicação deve ser na forma de clister, de quatro a seis vezes por dia, na dosagem de: Hidrato de cloral 0,5 a 1g Julepo gomoso ou mucilagem de goma 20 mL Láudano de Sydenham ou elixir paregórico 30 gotas Os barbitúricos e a clorpromazina também podem ser utilizados como sedativos. Os barbitúricos podem deprimir o centro respiratório, porém estão indicados no controle de emergências, principalmente espasmos violentos e apnéias transitórias. Na prática, são utiliza- dos os de ação lenta, tais como o fenobarbital, nas do- ses de 10 a 20 mg/kg/dia. A clorpromazina apresenta sinergismo com outros depressores do sistema nervoso central. Entre os inconve- nientes que pode causar, mencionam-se taquicardia, pali- Capítulo 27 267 dez, hipotensão arterial, glicosúria, icterícia e sudorese. As doses preconizadas variam de 5 a 10 mg, a cada seis a oito horas, por via intramuscular ou intravenosa, para adultos, e 1 mg/kg de peso/dia para recém-nascidos. TRATAMENTO INTENSIVO O tratamento intensivo do tétano grave inclui a respi- ração assistida e o tratamento da síndrome da hiperativi- dade simpática. Respiração Assistida Quando se tratar de tétano grave, com espasmos incon- troláveis e/ou presença de depressão respiratória, não exis- te uniformidade quanto ao momento certo de realização de traqueostomia e com indicação quando há presença de apnéia, disfagia com acúmulo de secreções traqueobrôn- quicas, espasmos freqüentes e duradouros, parâmetros ga- sométricos indicam hipoxemia e hipoventilação. Por ou- tro lado, a traqueostomia permite a aspiração mais eficaz das secreções traqueobrônquicas e deve ser realizada com freqüência, empregando-se técnicas assépticas com uso de material esterilizado. Também se indica a instilação de solução fisiológica na traquéia, o que facilitará a remoção das secreções. O ar do aparelho deve ser umidificado. Em geral, o controle da hipertonia e dos espasmos musculares paroxísticos pode ser obtido com a adminis- tração de benzodiazepínicos de forma continua, e sua po- sologia variará conforme a intensidade dos espasmos e também de acordo com a resposta individual. Por vezes, quando não se consegue o controle sobre os espasmos mais intensos, há necessidade de administrar, associadamente, um sedativo do grupo dos fenotiazínicos. Mesmo assim, quando as contraturas são incontroláveis e já se atingiu o limite máximo das drogas, recomenda-se a curarização do paciente com instalação da respiração artificial. Entre os curares, dar preferência ao cloreto de alcurô- nio (Alloferine), que também pode ser utilizado em gestan- tes porque não atravessa a placenta, não libera histamina, não produz alterações hidroeletrolíticas e não tem efeitos simpaticomiméticos importantes. Essa droga está contra- indicada na insuficiência renal. A aplicação é feita inicial- mente diluindo-se duas ampolas (20 mg) em 10 mL de so- lução glicosada a 5% para infusão intravenosa de 0,08 a 0,15 mg/kg de peso. Após esta indução inicial, de acordo com a resposta clínica. Em crianças, utilizar 0,125 a 0,20 mg/kg de peso durante a indução e um terço da dose na fase de manutenção. Em vigência de insuficiência renal, utilizar o brometo de pancurônio. Na indicação, são diluídas duas ampolas (4 mg) em 10 mL de solução glicosada a 5% para infundir 0,08 mg/kg de peso. Na fase de manutenção, utiliza-se um terço da dose inicial a cada 45 minutos, de acordo com a resposta clínica. Em crianças, utilizar 0,04 mg/kg de peso durante a indução e um terço da dose na fase de manuten- ção. Outro curare útil é o besilato de atracúrio (Tracrium), que é um derivado da papaverina também utilizado em dosagens individualizadas por via endovenosa (0,08 a 0,5 mg/kg). Assim como o pancurônio, o besilatode atracúrio não pode ser administrado na gravidez. Os curares não de- vem ser administrados em pacientes portadores de mias- tenia gravis. Após a curarização, deve-se suspender as drogas ante- riormente citadas e usar os tiobarbitúricos, a fim de supri- mir o estado de consciência do doente. Para tanto, utilizar 100 mg de tionembutal diluídos em 50 mL de solução a glicosada a 5% por via intravenosa lenta. Para a fase de manutenção, utilizar 900 mg diluídos em 500 mL de so- lução glicosada a 5% nas 24 horas. Não se deve ultrapas- sar a dose de 1 g/dia. Em crianças, utilizar metade da dose preconizada para adultos. A curarização deve ser feita e orientada por anestesista. Quando o doente estiver sentindo dor intensa, princi- palmente se tiver sido submetido a cirurgia, utilizar a me- peridina, em doses variáveis, diluídas em 50 a 100 mL de solução glicosada a 5%. Aplicar 2 mL dessa mistura, por via intravenosa, quando necessário. Para crianças, a dose recomendada é de 1,5 mg/kg de peso por dia. Atualmente, temos utilizado no Serviço de Molésti- as Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, para os casos de tétano grave, a as- sociação terapêutica entre os curares, o midazolam (de- rivado imidazobenzodiazepínico) (Dormonid) e o clo- ridrato de fentanila (analgésico potente) (Fentanil). As doses de curare já foram discutidas. O midazolam pode ser empregado nas doses entre 0,03 e 0,3 mg/kg de peso pela via intravenosa. A dose de manutenção preconiza- da varia entre 0,03 e 0,2 mg/kg de peso/hora. O cloridra- to de fentanila deve ser utilizado nas doses entre 0,002 e 0,02 mg/kg de peso corporal. O doente deve ser acom- panhado em regime de terapia intensiva, avaliando-se de hora em hora os estados de curarização e de consciên- cia. Avaliamos estas situações pela estimulação do ner- vo ulnar, com aparelho específico. A resposta ideal é aquela na qual apenas o dedo mínimo responde a um estímulo quando o nervo ulnar é estimulado pelo apa- relho. Quando os demais dedos apresentarem resposta após a estimulação adequada, estaremos diante de uma situação na qual o doente necessita de maiores doses das drogas preconizadas. Se, porventura, não houver res- posta após estimulação do nervo ulnar, estaremos diante de um caso de excesso de medicamento. Neste caso, de- vemos diminuir a infusão das drogas e esperar a super- ficialização do paciente. Além da traqueostomia com respiração assistida, curarização, uso de barbitúricos e/ou derivados benzodia- zepínicos e analgésicos, outros cuidados devem ser toma- dos, como exemplificados a seguir: • sondagem vesical, mantendo-se o volume urinário em torno de 0,5 a 1,0 mL/minuto; • controle da hidratação e da pressão venosa central; • aspiração de secreções traqueobrônquicas de hora em hora, momento em que o doente deve ser “desligado” do aparelho de respiração assistida por meio da utili- zação de ambu. Nessa ocasião, aproveita-se para desinsuflar o manguito da cânula de traqueostomia, para prevenir os efeitos colaterais tardios; • dosagem arterial de gases, mantendo-se a pressão par- cial de oxigênio acima de 70 mmHg e gás carbônico entre 30 e 40 mmHg; 268 Capítulo 27 • avaliação clínica e controle de pulso, pressão arterial, freqüência respiratória e freqüência cardíaca de hora em hora; • exame radiológico do tórax, para avaliar as condições pulmonares. Entre as complicações mais freqüentes, observam-se broncopneumonia, atelectasia, pneumotórax, embolia, fi- brose pulmonar, etc. • controle da hiperatividade simpática, caracterizada por elevação da freqüência cardíaca, da pressão arterial, pressão venosa central oscilante, febre, choque e su- dorese profusa. • Trujillo et al. avaliaram o impacto da terapia intensiva no prognóstico dos doentes com tétano e verificaram que a mortalidade decaiu de 43,58%, quando não se utilizava terapia intensiva, para 15,03% após a sua uti- lização. De acordo com estes autores a mortalidade do doente de tétano, após a indicação de terapia intensi- va, decaiu quatro vezes. Tratamento da Síndrome de Hiperatividade Simpática O tratamento da síndrome da hiperatividade simpáti- ca tem sido realizado com o emprego de drogas vasoati- vas, entre elas os betabloqueadores adrenérgicos (propra- nolol) só ou associados a drogas alfa-adrenérgicas (alpre- nolol). O propranolol tem sido utilizado na dose de 10 mg/dia. Domenighetti et al. trataram um doente de 74 anos de idade com tétano grave e utilizaram o labetalol, bloqueador alfa e beta do sistema nervoso, para o contro- le da hiperatividade simpática. Preconizam atualmente, de 0,25 a 1 mg/minuto da droga pela via intravenosa como tratamento de escolha para a síndrome. No Servi- ço de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina de Botucatu, temos utilizado o propranolol, pela via oral, na dose de 10 mg/dia, de acordo com a evo- lução clínica do doente. Infelizmente não dispomos des- tas drogas no Brasil pela via injetável. NOVAS PROPOSTAS TERAPÊUTICAS Dolar tem empregado a atropina, um potente agente anticolinérgico, em infusão contínua, para o tratamento do tétano grave. O autor acompanhou quatro casos, que, além do tratamento sedativo com tiopental em Unidade de Te- rapia Intensiva, receberam também a atropina. Ressalta que não foi necessária a curarização dos doentes. Bborgeat et al. utilizaram o propofol, um sedativo usa- do pela via injetável em Unidades de Terapia Intensiva, e observaram a redução dos espasmos musculares e da rigi- dez. Discutem a possibilidade do propofol ser um relaxan- te muscular com efeito promissor no tétano. Autores têm preconizado o sulfato de magnésio para os casos graves com disfunção autonômica, baseados nas se- guintes observações: • o magnésio é potente relaxante muscular; • bloqueia a liberação de catecolaminas pelas glândulas adrenais; • é vasodilatador e antagonista do cálcio, com conse- qüente efeito cardiovascular; • pode causar sedação e anestesia. James e Manson utilizaram o sulfato de magnésio asso- ciado a sedativos, bloqueadores neuromusculares e venti- lação mecânica em dez doentes com tétano grave. Dois de- les evoluíram para o óbito. Lipman et al. trataram um doente com sulfato de mag- nésio e demonstraram queda acentuada nos níveis de ca- tecolaminas. Deve ser salientado que o magnésio só foi efi- caz associado a sedativos. É possível que o sulfato de magnésio, associado aos agentes sedativos e músculo relaxantes, venha ser uma nova proposta no tratamento do tétano. COMPLICAÇÕES As complicações do doente com tétano podem ser atri- buídas ao efeito da própria doença ou ser inerentes à tera- pia intensiva a que muitas vezes o doente é submetido. As fraturas vertebrais são de intensidade variáveis e es- tão relacionadas a idade, grau de hipertonia e freqüência de espasmos musculares. As lesões são bastante freqüentes nos doentes adolescentes e adultos jovens, e quase inexistentes nos velhos e nos neonatos. As lesões atingem, de preferência, as vértebras dorsais, entre D1 e D8, e aco- metem as superfícies das mesmas. As complicações pulmonares, entre elas as bronco- pneumonias, as atelectasias, as embolias e o pneumotórax, podem ocorrer como decorrentes da hipersecreção pulmo- nar, associadas à manipulação da cânula de traqueostomia, com o objetivo de aspirar secreções. Em geral, no doente submetido a regime de terapia in- tensiva, o aparecimento de febre por volta do quinto ou sétimo dia pode ser decorrente de uma broncopneumonia causada por um germe hospitalar. Nesse caso, a etiologia recai sobre os Staphylococcus aureus e bactérias Gram- negativas. Antibióticos de amplo espectro do tipo cefalos- porinas de terceira geração, aminoglicosídeos ou tienami- cina devem ser associados à penicilina. Uma outra possi- bilidade para o aparecimento da febre é que a síndrome da hiperatividadesimpática esteja se instalando. Nesse caso, os antibióticos não terão efeito sobre os níveis febris. Outras complicações observadas nos doentes sob regi- me de terapia intensiva são as complicações cardiovascu- lares, infecciosas, respiratórias e outras tais como sangra- mentos intestinais e até ruptura de aneurisma cerebral. De acordo com Trujillo et al., a complicação mais freqüente- mente observada em doentes tratados em terapia intensi- va é a parada cardíaca. Esta ocorre de maneira inexplicada, sendo às vezes reversível, porém muitas vezes leva o doente ao óbito. Este tipo de complicação, de causa desconheci- da, tem sido atribuída à síndrome da hiperatividade sim- pática. Os encontros histológicos no miocárdio são seme- lhantes aos observados nos doentes com feocromocitoma, e ambas as doenças evoluem com níveis elevados de cate- colaminas séricas e urinárias, tendo estas talvez o papel etiopatogênico. Outras complicações cardiovasculares, tais como o in- farto do miocárdio, embolias pulmonares e hemorragias, também são observadas. Capítulo 27 269 As complicações respiratórias observadas são: bronco- pneumonias, pneumonite aspirativa, hemoptises, pneumo- tórax, broncoespasmos, atelectasias e, tardiamente, esteno- se de traquéia. A maioria destas complicações ocorre de- vido à dificuldade em se fazer adequadamente uma boa fi- sioterapia respiratória. Os doentes com tétano grave permanecem em média de 20 a 30 dias na Unidade de Terapia Intensiva. Após a total cessação dos espasmos musculares, é che- gado o momento da retirada das drogas sedativas e musculorrelaxantes. Assim que for possível, deve-se ini- ciar a fisioterapia, que em geral promove boa recuperação. Muitas vezes o doente acaba tendo alta hospitalar sem se- qüelas. PROFILAXIA A profilaxia do tétano consiste em vários recursos, que podem ser aplicados isoladamente ou associados, depen- dendo da situação ou do estado imunitário do indivíduo. Para tanto, se faz necessário um conhecimento prévio dos aspectos fisiopatológicos que desencadeiam tétano, e a implementação de ações que visem ao reconhecimento dos casos suspeitos, assegurando o diagnóstico e o tratamento precoces. Não há dúvida de que a vacinação com a utiliza- ção do toxóide tetânico é hoje uma das medidas mais efi- cazes e seguras em nosso meio, iniciando-se com a vacina- ção de recém-nascidos, gestantes e adultos (Tabela 27.1). A vacinação do recém-nascido é feita com a vacina tríplice (DTP), composta da associação do toxóide diftérico, Bordetella pertussis inativada e toxóide tetânico. O esquema básico consiste em três doses com intervalo de 60 dias, e nos casos incompletos, até seis anos e 11 meses, utilizar a vacina dupla tipo adulto (dT). A criança estará devidamente imunizada quando completar o esquema bá- sico, recebendo o primeiro reforço seis a doze meses após a vacinação básica e o segundo reforço aos cinco ou seis anos de idade. A cada dez anos deve-se fazer reforço com vacina dupla tipo adulto (dT). A vacina deve ser aplicada por via intramuscular profunda, na região glútea ou no vasto lateral da coxa; em crianças maiores de dois anos pode-se utilizar a região do deltóide. As reações que podem ocorrer com a vacina DTP rara- mente são de grande intensidade. Podemos ter dor local com vermelhidão, edema e induração, febrícula e sensação de mal-estar, com intensidade variável e passageira. Rara- mente a febre ultrapassa 39°C; nesses casos, consideramos a reação como intensa. A vacina dupla infantil (DT) deve ser usada somente em crianças que tenham contra-indicação para receber a vacina tríplice ou tenham tido coqueluche, com diagnós- tico bem fundamentado. Tanto a vacina tríplice quanto a vacina dupla infantil podem ser utilizadas em crianças que não completaram ainda sete anos de idade. Crianças aci- ma de sete anos, quando houver indicação, devem receber a vacina dupla do tipo adulto (dT), que contém dose redu- zida do componente diftérico, evitando-se assim a possi- bilidade do aparecimento de efeitos colaterais à vacina, mais comuns a partir desta idade. A criança adequadamente vacinada deve receber uma dose de reforço de antitetânica ou, idealmente, da dupla tipo adulto, a cada 10 anos. Deve-se tomar cuidado com a aplicação freqüente e desnecessária do toxóide tetânico, prática comum em nossos pronto-socorros, pois, na idade adulta, isto pode levar a quadros de neurite periférica. O esquema básico na gestação para adequada profila- xia do tétano neonatal compreende aplicação de duas do- ses da vacina dupla tipo adulto (dT). Na falta desta, utili- za-se a vacina contra o tétano (TT), com intervalo de dois meses ou mais entre as doses. A primeira dose deve ser ad- ministrada o mais precocemente possível, e a segunda dose até 20 dias antes do parto. Para a adequada proteção da mãe e prevenção do tétano neonatal em gestação futura, é importante a aplicação de uma terceira dose, que deverá ser feita seis meses após a segunda dose. Quando a gestante já estiver vacinada com três doses, aplicar uma dose de re- forço somente quando a última tiver sido aplicada há mais de cinco anos. Para a profilaxia do tétano após ferimentos sugerimos: 1. Limpeza do ferimento com água e sabão, seguido de desbridamento profundo, se necessário, o mais rápido possível. 2. Não há indicação para o emprego da penicilina benza- tina. Quando houver infecção no local do ferimento, utilizar antibióticos, tais como penicilina, eritromici- na, cefalosporinas ou tetraciclinas, com o propósito de tratar a infecção. 3. A necessidade de vacinação contra o tétano (VAT) com ou sem imunização passiva (SAT) depende do tipo e das condições do ferimento e da história de imuniza- ção prévia. 4. A imunoglobulina humana antitetânica deve ser admi- nistrada por via intramuscular, na dose de 250 U para as crianças e 500 U para os adultos. 5. O soro antitetânico heterólogo deve também ser apli- cado por via intramuscular, na dose de 3.000 U para crianças e 5.000 U para adultos. A administração si- multânea de vacina e imunoglobulina humana antitetânica e/ou soro antitetânico deve ser feita em lo- cais diferentes. Com o advento dos transplantes, Ljungman et al. ava- liaram a resposta à imunização tetânica em 48 doentes transplantados de medula óssea. Observaram que todos os doentes devem ser reimunizados contra o tétano e que o esquema de três doses proporciona resposta imune adequa- da. Nesse sentido, as crianças com AIDS devem receber a imunização antitetânica básica convencional. Recentemente, Crone e Reder divulgaram três casos de tétano grave em doentes previamente imunizados e com níveis adequados de anticorpos séricos. Sugerem que a fa- lha pode ter sido por variação antigênica entre a toxina e o toxóide empregado. Por fim, deve ser salientado que alguns autores têm proposto a avaliação do estado imunológico utilizando o teste da hemaglutinação, no que concerne ao nível de an- ticorpos protetores contra o tétano, para os doentes aciden- tados que procuram as unidades de emergência e que se- rão submetidos a imunização. Por outro lado, houve uma concordância de 82% entre níveis de anticorpos pesquisa- dos e indicação de imunização utilizando-se o quadro apresentado. Dessa forma, o método proposto necessita ser 270 Capítulo 27 barateado sobremaneira, a fim de que possa ser utilizado nos serviços de emergência dos países subdesenvolvidos. Nesse caso, a utilização do quadro apresentado ainda é a maneira mais eficaz, barata e adequada de se prevenir o tétano nos doentes acidentados. VACINA COMBINADA ACELULAR CONTRA D IFTERIA, TÉTANO E COQUELUCHE (DTPA) A vacina antipertussis de células inteiras combinada com os toxóides tetânico e diftérico (DTP) vem sendo uti- lizada desde a década de 1940. Nos países com elevada cobertura vacinal, a vacina DTP foi responsável por uma dramática redução no número decasos de coqueluche. Nesses países, com a diminuição da importância da coque- luche como um problema de saúde pública, surgiu a preo- cupação com os eventos adversos associados à vacina, que, apesar de eficaz, é bastante reatogênica, causando reações locais, sistêmicas e de caráter neurológico. Entre os eventos adversos, devemos lembrar das rea- ções locais ou sistêmicas, das convulsões e da síndrome hi- potônica-hiporresponsiva (SHH). A ocorrência destes even- tos e a suspeita de reações neurológicas graves, tais como a encefalite, foi responsável pela redução e/ou suspensão do uso da vacina de células inteiras em diversos países. Com o progresso no conhecimento dos constituintes mais importantes da Bordetella pertussis e do papel que eles têm na resposta imunológica, foi possível desenvolver va- cinas mais purificadas e menos reatogênicas – as vacinas acelulares (DTPa). Estas apresentam eficácia semelhante à das vacinas de células inteiras e causam menos efeitos co- laterais do que as vacinas celulares. Em alguns países de- senvolvidos, foram incorporadas ao calendário de rotina, substituindo a vacina DTP. No Canadá e nos Estados Uni- dos, após a substituição da vacina de células inteiras pelas vacinas acelulares no calendário de rotina, os episódios de convulsão e SHH associados à vacina contra coqueluche foram reduzidos em 80%. Por serem menos reatogênicas, as vacinas acelulares podem ser utilizadas na prevenção da coqueluche em ado- lescentes e adultos. Isto porque, na última década, em di- versos países, verificou-se um aumento na incidência de coqueluche nesses grupos. Apesar de os adolescentes e adultos apresentarem menores taxas de complicação da coqueluche do que os lactentes e crianças jovens, a doen- ça causa enorme morbidade em todas as faixas etárias. Enquanto a vacina DTP é contra-indicada para crianças maiores de sete anos, as vacinas acelulares combinadas com os toxóides tetânico e diftérico, em formulação para uso adulto (DTPa), apresentam excelente eficácia e são bem toleradas por adolescentes e adultos. Dessa forma, as vacinas acelulares podem ser recomendadas para indiví- duos com mais de sete anos de idade, como dose de refor- ço a cada 10 anos. Esta formulação previniria, além da co- queluche, ainda o tétano e a difteria. A indicação da vacina DTPa para adolescentes e adul- tos, em que pese seu custo ainda elevado, abre a perspec- tiva de erradicação da coqueluche, pois com a vacinação desses grupos seria possível eliminar as fontes de infecção para os lactentes. BIBLIOGRAFIA 1. Barone AA, Raineri HC, Ferreira JM. Tétano: aspectos epide- miológicos, clínicos e terapêuticos. Análise de 461 casos. Rev Hosp Clin Fac Med S. Paulo, São Paulo. 1976; v. 31, p. 215- 225. 2. Barraviera B, Peraçoli TS. Soroterapia heteróloga. 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Tabela 27.1 Imunização Antitetânica e Ferimentos História de Imunização Antitetânica Ferimento Limpo ou Superficial Outros Ferimentos VAT SAT VAT SAT Incerta ou menos de duas doses Sim Não Sim Não Duas doses Sim Não Sim Não Três doses ou mais Não Não Não Não VAT = Vacinação contra o tétano para crianças abaixo de sete anos: DTP (tríplice) ou DT (dupla infantil), se o componente pertussis for contra-indicado. A partir dos sete anos, dT (dupla adulto) ou, na falta destes, o TT (toxóide tetânico). SAT = Imunização passiva: de preferência à imunoglobulina humana antitetânica, na dose de 250 U por via intramuscular, ou ao soro antitetânico hete- rólogo na dose de 5.000 U por via intramuscular. Aplicar em lugar diferente da vacina. 1. Aproveitar a oportunidade para indicar a complementação do esquema de vacinação 2. Exceto quando o ferimento ocorreu há mais de 24 horas 3. Exceto quando a última dose tenha sido dada há mais dez anos 4. Exceto quando a última dose tenha sido dada há mais de cinco anos. Capítulo 27 271 7. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico. Brasília: FUNASA, 1999; p. 26. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília, 2002; v. 2, p. 776- 809. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de normas de vacinação. 3a ed. Brasília: FUNASA, 2001; 68 p. 10. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional Sanitária do Centro Nacional de Epidemiologia. Guia de Vigilância Epide- miológica. Brasília, 1994; p. 373. 11. Brasil. Ministério da Saúde. Situação epidemiológica das doen- ças transmissíveis no Brasil. Brasília: FUNASA, 2002; p. 9-43. 12. Cavalcante NJF. Incidência e fatores de risco para pneumonia hospitalar e complicações respiratórias em pacientes com té- tano. 2001; 129 p. Tese (Doutorado) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo. 13. 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