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38 Criptococose

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Capítulo 38 367
Flavio de Queiroz Telles Filho
Maria Luiza Moretti-Branchini
Criptococose 3838
INTRODUÇÃO
A criptococose é uma infecção fúngica sistêmica cau-
sada por uma levedura encapsulada, Cryptococcus neofor-
mans, que apresenta duas variedades: a variedade neoformans,
com os sorotipos A, D e AD, e a variedade gattii, com os
sorotipos B e C. Outras espécies de Cryptococcus, como C.
albidus e C. laurentis, foram esporadicamente relatadas
como agentes de infecção humana. Além da forma
leveduriforme, cuja reprodução é assexuada, o fungo pode
apresentar na natureza ou sob certas condições experi-
mentais a forma sexuada ou perfeita, denominada Filoba-
sidiela neoformans. A criptococose e seu agente são conhe-
cidos há mais de 100 anos, e da interação entre parasita e
hospedeiro pode resultar doença localizada ou disseminada,
de curso agudo ou crônico. C. neoformans var. neoformans
apresenta uma distribuição cosmopolita, e o fungo pode
ser isolado a partir de diversas fontes ambientais, incluin-
do fezes e ninhos de pombos e de outras aves gregárias. Já
C. neoformans var. gatti apresenta uma distribuição mais
restrita, tendo sido isolado de folhas e flores de Eucalyptus
camauldulensis na Austrália. Há outros relatos de isolamen-
tos desta variedade a partir de diversas fontes ambientais.
No Brasil, seu isolamento foi obtido a partir de ocos de ár-
vores (Cassia grandis e Ficus microcarpa).
Até a primeira metade do século XX, a criptococose
ocorria muito esporadicamente. Em 1919, foram relatados
somente 13 casos de meningite criptocócica. Em 1931,
Freeman et al. realizaram extensa revisão bibliográfica e
identificaram 43 casos. Já por volta da metade do século
XX, a casuística era de 300. Estima-se que a freqüência de
infecção por C. neoformans seja de dois casos por milhão
de habitantes por ano. A criptococose não é doença de no-
tificação obrigatória, portanto sua incidência não é conhe-
cida. A grande maioria dos indivíduos acometidos apresen-
ta alguma alteração de seus mecanismos de defesa, quer
por doença de base, quer pelo uso de drogas imunosupres-
soras. Entretanto, no final da década de 1970, ficou claro
que a criptococose estava se tornando mais freqüente.
Kaufman e Blumer, revisando sua epidemiologia, a chama-
ram de um “gigante acordando” entre as micoses sistêmi-
cas. O aumento progressivo de casos relatados de cripto-
cocose antes de 1981 foi provavelmente o resultado de uma
combinação de fatores, incluindo a melhora dos métodos
diagnósticos desta micose e as doenças de base, incluindo
a AIDS, transplantes de órgãos sólidos, linfomas e leuce-
mias crônicas, cirrose e sarcoidose.
Antes do início da pandemia de AIDS, a criptococose
ocorria esporadicamente e principalmente em pacientes
acometidos por doenças imunossupressoras graves. Com
o advento da AIDS, essa micose tornou-se a segunda causa
de infecção fúngica mais freqüente nesses pacientes, depois de
infecções por Candida. A criptococose, em especial a me-
ningite criptocócica, tem sido reconhecida como uma das
principais causas de morbidade e mortalidade em indiví-
duos com AIDS, com incidência estimada em torno de 4%
no Brasil, 15% nos Estados Unidos, de 6 a 10% na Europa
Ocidental e chegando a 15 a 30% nos países africanos lo-
calizados geograficamente abaixo do Saara. Além do cará-
ter oportunístico, a criptococose também pode acometer
indivíduos aparentemente hígidos em relação aos mecanis-
mos de defesa. Nesta situação, pode prevalecer a infecção
por C. neoformans var. gatti.
PATOGENICIDADE E MECANISMO DE
AQUISIÇÃO DA DOENÇA
A patogenicidade do Cryptococcus é determinada prin-
cipalmente por três fatores: as condições de defesa imune
368 Capítulo 38
do hospedeiro, o tamanho do inóculo e a virulência da
cepa. No entanto, a condição referente à imunidade do
hospedeiro parece ser o principal fator determinante para
o desenvolvimento da doença.
O mecanismo exato da aquisição da criptococose ain-
da não está completamente elucidado, porém a via inala-
tória tem sido a mais aceita. Por ser isolado de excretas de
pombos e do solo, C. neoformans var. neoformans tem nes-
ses substratos orgânicos seu principal reservatório natural.
Devido à alta concentração de leveduras no guano de pom-
bos e à alta prevalência dessas aves em muitas regiões ur-
banas, vários casos de criptococose têm sido relacionados
a essas fontes de exposição ambiental. No hospedeiro sem
imunodepressão, a infecção pulmonar inicia-se com o en-
volvimento de linfonodo pulmonar representado por um
pequeno granuloma pulmonar criptocócico ou uma peque-
na linfadenite pulmonar granulomatosa. O complexo pri-
mário pulmonar da criptococose é semelhante ao mecanis-
mo fisiopatogênico observado na paracoccidioidomicose,
na histoplasmose e em outras micoses sistêmicas. No hos-
pedeiro imunocomprometido, o complexo linfonodo-pul-
mão pode tornar-se uma pneumonia difusa com linfadeni-
te. Essa fase é silenciosa e muito pouco diagnosticada.
Atualmente, a hipótese para a aquisição da doença ba-
seia-se na infecção do hospedeiro pela inalação de levedu-
ras medindo 1 a 2 mm, que determinam um complexo
primário pulmonar-linfático. Na maioria dos casos, os fun-
gos morrem ou permanecem dormentes, porém pode ha-
ver reativação e doença posteriormente, se o paciente apre-
sentar imunossupressão. Na infecção primária, podem
ocorrer sintomas pulmonares se o paciente for imunode-
primido ou se receber um grande volume de inóculo
fúngico. A disseminação para demais órgãos e sistemas
ocorre como resultado tanto de uma infecção primária
como de uma infecção secundária. Do pulmão, a infecção
pode disseminar-se por via hematogênica, acometendo ou-
tros órgãos, mas com especial tropismo pelo sistema nervo-
so central, cujo acometimento é responsável pela principal
manifestação clínica da doença, a meningoencefalite
criptocócica. As causas do neurotropismo ainda não são
bem conhecidas. O segundo órgão mais acometido é o pul-
mão, onde podem ser observadas imagens nodulares únicas
ou múltiplas, grandes massas pulmonares e, mais raramen-
te, derrame pleural. A concomitância de acometimento
neurológico e pulmonar é mais freqüentemente observada
na infecção por C. neoformans var. gatti (Fig. 38.1).
A criptococose é relativamente rara na faixa etária pe-
diátrica, ocorrendo principalmente em crianças com defi-
ciência da defesa celular. Entretanto, relatos recentes des-
crevem vários casos de infecção por C. neoformans var. gatti
em crianças aparentemente sem deficiência imunológica.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS GERAIS DA
CRIPTOCOCOSE
A criptococose pode apresentar diferentes quadros clí-
nicos, tanto no paciente com imunossupressão como no
paciente com AIDS. A severidade da doença pode variar
desde um nódulo único pulmonar, que, por suspeita de
doença maligna, pode ser removido cirurgicamente, até
formas severas no paciente imunossuprimido, podendo
inclusive levá-lo ao óbito.
O quadro clínico dos pacientes com grave imunode-
pressão, como transplantados e/ou submetidos a altas
doses de corticoesteróides por tempo prolongado, asse-
melha-se muito com o dos pacientes com AIDS. Nestes,
a criptococose é caracterizada pela alta freqüência de
isolamento de fungos na urina e no sangue, altos títulos de
antígenos polissacarídeos no sangue, grande número
de leveduras no SNC com pouca resposta inflamatória
associada a alta incidência de manifestações clínicas e
recaídas. Nos pacientes com grave imunossupressão, a
doença é disseminada, podendo acometer fígado, pul-
mões, próstata, pele, rins, olhos, coração, linfonodos,
adrenais, entre outros (Fig. 38.2). O paciente imuno-
comprometido sem infecção pelo HIV geralmente de-
senvolve um curso clínico da doença mais rápido e com
grande tendência à disseminação da infecção. Normal-
mente apresenta quadro meníngeo mais do que síndro-
me pulmonar. O pulmão é a porta de entrada da infec-ção, podendo, deste órgão, a doença disseminar-se para
múltiplos órgãos, mas com especial predileção para o
sistema nervoso central. O acometimento pulmonar
pode incluir quadros que variam desde a presença de
nódulos solitários assintomáticos até doença grave com
insuficiência respiratória aguda. Um fato novo é o de-
senvolvimento de criptococose pulmonar nos pacientes
com transplante coração-pulmão, onde o órgão trans-
plantado estava previamente acometido pelo C. neofor-
mans. A revisão clássica de Kerkering et al. de criptoco-
cose pulmonar em pacientes imunocomprometidos
antes da era AIDS mostrou que 83% dos pacientes desen-
volveram doença disseminada. Esse fato enfatiza o ris-
co de disseminação do C. neoformans a partir do pul-
mão, quando o paciente apresenta a condição de
imunodepressão. A maioria dos pacientes desta série
apresentou sintomas constitucionais, tais como: febre
(63%), fraqueza (61%), dor no peito (44%), perda de
peso (37%), suores noturnos (24%), tosse (17%), e he-
moptise/cefaléia (7%). Os achados radiológicos pela
ordem de freqüência foram: infiltrados alveolares e
intersticiais, lesões únicas ou múltiplas em forma de
moedas, massas, lesões cavitárias e derrame pleural.
INFECÇÃO NO SISTEMA NERVOSO
CENTRAL (SNC)
Como afirmado anteriormente, ainda é pouco conhe-
cida a razão da predileção do C. neoformans pelo SNC,
onde pode causar meningite, encefalite, granulomas focais
ou criptococomas e, menos freqüentemente, efusões
subdurais e lesões em medula. O neurotropismo tem sido
relacionado à atividade de uma enzima, a fenoloxidase, e
à sua habilidade de produzir melanina a partir de precur-
sores de catecolaminas. Embora a porta de entrada do C.
neoformans seja o trato respiratório, a infecção no sistema
nervoso central é a manifestação mais freqüente da crip-
tococose. A maioria dos pacientes apresenta quadro clíni-
co de meningite. A literatura em geral refere-se à menin-
gite criptocócica para a síndrome meníngea, embora a
lesão histopatológica seja a meningoencefalite, pois ocor-
re o envolvimento tanto da meninge como do parênquima
cerebral. A Tabela 38.1 descreve as principais manifesta-
ções clínicas da meningite por Cryptococcus entre os pa-
cientes com e sem AIDS.
Capítulo 38 369
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS GERAIS RELACIONADAS
AO SNC
Geralmente apresenta-se como meningite e menos fre-
qüentemente como granulomas intraparenquimatosos
(neurocriptococomas). Pode, em certas ocasiões, associar-
se aos comprometimentos pulmonar e cutâneo. As princi-
pais manifestações clínicas da meningite criptocócica in-
cluem: febre, cefaléia, mudanças no nível de consciência
(sonolência, confusão mental, estupor ou coma), tonturas,
distúrbios visuais, convulsões, irritabilidade, náuseas ou
vômitos. No exame físico é possível verificar rigidez de
nuca e outros sinais meníngeos. O edema de papila é re-
lativamente comum e está diretamente relacionado ao au-
mento da pressão intracraniana acima de 350 mm H
2
O.
Pode também ocorrer paralisia de nervos cranianos, acom-
panhando-se de diplopia, redução da acuidade visual,
paresia ou paralisia facial. Também refere-se hiper-reflexia,
resposta do extensor plantar aumentado e clônus no torno-
zelo. Também podem ser encontrados sintomas como
ataxia, alterações sensoriais, afasia e outros achados neuro-
lógicos, e a demência, em alguns casos, pode ser a única
manifestação clínica da doença. No paciente sem imuno-
deficiência aparente, esses achados podem se desenvolver
de forma subaguda para crônica progressiva, por um perío-
do de duas a quatro semanas ou mais, seguindo o padrão
das meningites crônicas, o que difere da meningite bacte-
riana. Os sintomas iniciais mais freqüentes são: cefaléia,
febre, fraqueza, náuseas e vômitos. A cefaléia tem caráter
frontal ou temporal. A presença de convulsões é incomum,
e sinais focais podem estar associados à presença de
neurocriptococomas. Sintomas focais ocorrem em 18%
dos pacientes; no entanto, a presença de sinais focais pode
refletir tumor ou outra infecção. Os sinais de fotofobia e
meningismo ocorrem em uma minoria de pacientes.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS NOS INDIVÍDUOS
IMUNOSSUPRIMIDOS
Os pacientes imunossuprimidos apresentam em geral,
o curso mais agudo da doença, embora em alguns doentes
apresentem pouco ou mesmo nenhum sintoma. Ao contrá-
rio da neuroinfecção observada em pacientes não co-
infectados pelo vírus HIV, nos quais os sinais neurológicos,
especialmente a irritação das meninges, são mais eviden-
tes, em pacientes com AIDS o sintoma predominante pode
ser febre e/ou cefaléia. Pode também ocorrer uma ampla
variedade de sinais neurológicos, como convulsões, altera-
ções comportamentais ou demência, às vezes, associados
à hipertensão intracraniana.
Em uma série de casos estudados por Chuck et al., 76%
dos pacientes apresentaram dor de cabeça e 65% apresen-
taram febre. Deste modo, qualquer paciente com AIDS e
febre de origem indeterminada, demência progressiva ou
confusão mental deve ser investigado quanto à presença de
meningoencefalite criptocócica. A meningite critptocócica
começa a incidir em pacientes com CD4 < 50 a 100 cels/
mm3. Nestes, à medida que ocorre a progressão da doen-
ça de base, torna-se difícil o tratamento e o controle da in-
fecção criptocócica, e o que em geral ocorre são remissões
seguidas de recaídas da doença.
SEQÜELAS NEUROLÓGICAS
Após um episódio de meningite criptocócia, uma gran-
de proporção de pacientes vai apresentar seqüelas defini-
Tabela 38.1
Principais Achados Clínicos e Laboratoriais da Meningite Criptococócica em Pacientes com e sem HIV/AIDS
Sinais e Sintomas AIDS Não-AIDS
Febre +++ +++
Cefaléia ++ ++++
Duração dos sintomas > 2 semanas ++ +++
Tinta da China + no LCR ++++ ++
Alterações bioquímicas do LCR (glicose; proteínas) ++ ++++
CD4 < 100 células/mm3 ++++ +
Antígeno sérico positivo +++ +
Diâmetro da cápsula ++ ++++
Criptococcemia +++ +
Meningismo ++ +++
Déficit sensorial + +
Elevação da pressão intracraniana ++ +
Recaída ++ +
C. neoformans var. neoformans ++++ +++
Títulos de antígeno liquórico > 1:1024 ++ +
Adaptado de Casadevall A.6
370 Capítulo 38
tivas, tais como: paralisias de nervos cranianos, redução da
acuidade visual e auditiva em diferentes graus e hidroce-
falia. Pode ocorrer também perda severa da visão por in-
vasão direta do nervo óptico pelo fungo ou relacionada à
elevação da pressão intracraniana. Na era pré-AIDS, em
uma casuística de 111 pacidentes com meningite criptocó-
cica, a cura foi obtida em 62 e as taxas de seqüelas foram
as seguintes: diminuição da capacidade mental, 31%; per-
da residual de visão: 8%; seqüelas motoras, 5% e paralisias
de nervos cranianos em diferentes graus, 3%.
H IPERTENSÃO INTRACRANIANA
Os níveis de pressão liquórica inicial são usualmente
elevados nos pacientes com meningite criptocócica e usual-
mente variam de 190 a 310 mm H
2
O. Esses achados são
mais freqüentes em pacientes com AIDS, entre os quais
mais de 60% apresentam pressão liquórica acima de 250
mm H
2
O, e em 30% a pressão liquórica está acima de
350 mm H
2
O. No entanto, estes níveis iniciais elevados de
pressão muitas vezes não se associam a sinais e sintomas
clínicos, portanto recomenda-se medir a pressão inicial em
todos os pacientes e não somente naqueles com manifes-
tações clínicas exuberantes. Como já mencionado ante-
riormente, níveis de pressão liquórica elevados, tanto no
início como durante o tratamento, indicam prognóstico
ruim da meningite criptocócica.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
EXAME M ICROLÓGICO D IRETO E CULTURA
Vários espécimes clínicos, tais como líquor, escarro e
raspados ou biópsias de pele, podem ser examinados di-
retamente ao microscópio após montagem com tinta
nanquim ou com a nigrosina (Fig. 38.3 A). A levedura é
usualmente esférica e mede cerca de 5 a 7 mm de diâme-
tro.Possui cápsula cuja espessura pode variar entre pou-
cos micrômetros ou até exceder o diâmetro da própria
célula. A positividade do exame da tinta da China é de 30
a 50% nos casos de meningite criptocócica. Em pacien-
tes HIV negativos, a positividade da cultura pode chegar
a 89%, e nos pacientes HIV positivos, as taxas de cultura
de líquido cefalorraquidiano positivas para Cryptococcus
podem chegar a 95 a 100% dos casos. Ao exame histopa-
tológico, em colorações como HE, Grocott e PAS, a cáp-
sula da levedura pode não ser evidenciada. Entretanto, ao
corar-se o tecido ou mesmo esfregaços de espécimes clí-
nicos por métodos como mucicarmim de Mayer ou
Fontana-Masson, podemos ter uma demonstração ade-
quada da cápsula de mucopolissacarídeos (Fig. 38.3 B).
O exame positivo da tinta da China geralmente indica
uma concentração de leveduras em torno de 103 UFC/
mL. É possível o encontro de exames falso-positivos
quando leucócitos, células teciduais ou glóbulos de
mielina são confundidos com leveduras. A centrifugação
do líquor até 500 rpm por dez minutos pode melhorar a
sensibilidade deste teste. Embora o exame direto após
coloração com a tinta da China seja excelente para pro-
pósitos diagnósticos, este exame não deve ser utilizado
como controle de tratamento, e a persistência de positi-
vidade da tinta da China não se correlaciona diretamen-
te com prognóstico ruim da meningite.
Na doença disseminada, o isolamento de fungos em
outros sítios, tais como urina e sangue, varia entre 36 a 68%
dos casos. O C. neoformans pode ser isolado em vários meios
rotineiros de cultura de microbiologia e também para fun-
gos, como ágar Sabouraud dextrose, ágar “corn meal”, acres-
cido de cloranfenicol, e incubado na temperatura de 30o a
37°C (Fig. 38.3 C). Isolamentos a partir de secreções respi-
ratórias sem a concomitância de quadro clínico e/ou radi-
ológico podem representar colonização pulmonar. A cultu-
ra quantitativa do LCR não é realizada de modo rotineiro na
prática clínica, porém, quando realizada, podem ser encon-
tradas concentrações de leveduras entre 103 a 107 UFC/mL.
Sempre que possível, a identificação de Cryptococcus deve
ser comprovada por métodos bioquímicos e/ou pela pig-
mentação após semeadura em meios contendo ácido
caféico, ágar níger etc. Alguns pacientes que receberam te-
rapêutica antifúngica, a despeito da melhora clínica, podem
apresentar, no final do tratamento, positividade no exame da
tinta da China, com cepas não-viáveis na cultura. Embora
esses Cryptococcus não sejam viáveis, sua presença representa
um motivo importante de preocupação de, no futuro, ocor-
rer uma possível recaída de doença ativa.
TESTES SOROLÓGICOS
Um recurso diagnóstico importante refere-se à determi-
nação de títulos de antígenos criptocócicos no líquor pelo
método de aglutinação de partícula de látex ou “teste do
látex”. Este exame apresenta uma sensibilidade em mais de
90% dos casos comprovados de meningite criptocócica em
pacientes HIV positivos. A detecção de anticorpos na cripto-
cocose não é realizada rotineiramente em virtude da freqüên-
cia de pacientes com imunodepressão e também por ser o
Cryptococcus neoformans um fungo pouco imunogênico. A
pouca sensibilização do sistema imune deve-se aos mucopo-
lissacarídeos da cápsula, que servem como disfarce imuno-
lógico ao fungo. Embora o teste do látex seja muito útil,
é importante lembrar que também podem ocorrer tanto re-
sultados falso-positivos como falso-negativos, ainda que em
pequeno percentual. Os títulos de antígenos criptocócicos não
são recomendados para o seguimento e decisões terapêuticas
porque a cinética do clareamento do antígeno tanto no líquor
como no sangue é imprevisível. Outro dado importante a ser
lembrado é que o este antígeno não atravessa a barreira he-
matoliquórica, portanto os níveis séricos não influenciam nos
níveis liquóricos. Sua positividade no sangue é mais detecta-
da em pacientes com neurocriptococose do que sem a disse-
minação para o sistema nervoso central.
Os diversos testes comerciais disponíveis para o diag-
nóstico de criptococose invasiva apresentam sensibilidade
e especificidade entre 93 a 100% no LCR e de 83 a 97% no
sangue, respectivamente. Resultados de testes falso-negati-
vos no LCR podem ocorrer, de forma pouco freqüente, em
pacientes com meningite. Resultados falso-positivos po-
dem ser encontrados em pacientes com infecção sistêmi-
ca por Trichosporon.
ALTERAÇÕES L IQUÓRICAS DA MENINGITE
CRIPTOCÓCICA
A resposta inflamatória frente ao C. neoformans induz
ao aparecimento de leucócitos no líquor entre 50 a 500
Capítulo 38 371
células/mL. Embora as células mononucleares sejam
predominantes, em 25% dos casos pode ocorrer aumen-
to de neutrófilos, tanto no início como durante o curso
da doença. A pleocitose é muito menor nos pacientes com
AIDS, e, se a contagem de células for automatizada, tan-
to as leveduras como as células brancas serão incluídas,
podendo ocorrer uma elevação falsa na contagem das cé-
lulas brancas.
As proteínas no líquor podem estar levemente aumen-
tadas e estão relacionadas com a resposta inflamatória e a
presença de anticorpos anticriptocócicos no líquor. Altos
níveis de proteínas podem ser indicativos de bloqueio da
circulação liquórica. A glicose no líquor está diminuída
em pelo menos um quarto dos pacientes com meningite
criptocócica, e a presença de hipoglicorraquia está relacio-
nada com prognóstico ruim.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE CRÂNIO
Nos pacientes sem infecção pelo HIV19, os achados
mais comuns da tomografia computadorizada de crânio
(TCC) foram: normal, 50%; hidrocefalia, 25%; massas fo-
cais, únicas ou múltiplas, com ou sem realce, 15 a 25%.
Nos pacientes com AIDS: normal, 50%; atrofia cortical
difusa, 34%; massas focais, 11%; hidrocefalia, 9%.
Entre as indicações da TCC nos pacientes com menin-
gite criptocócica, estas podem ser consideradas como im-
portantes no manejo destes pacientes. A hidrocefalia pode
requerer drenagem cirúrgica para alívio da pressão intra-
craniana, devendo ser diagnosticada e tratada precocemen-
te. As lesões focais requerem o seguimento tomográfico
para determinação de algum tipo de tratamento especial.
Nos pacientes com AIDS, a TCC sempre se faz necessária,
lembrando que tais pacientes podem apresentar outros ti-
pos de doença oportunista do sistema nervoso central, tais
como toxoplasmose cerebral, linfoma, entre outras.
FATORES PROGNÓSTICOS
Entre 15 e 30% dos pacientes HIV negativos e, aproxi-
madamente, 50% dos pacientes com AIDS apresentam re-
caídas de meningite criptocócica. Nos pacientes sem AIDS,
os fatores prognósticos pré-tratamento e que estão esta-
tisticamente relacionados com prognóstico ruim são: doen-
ças do sistema linforreticular, uso prolongado de corti-
cóides, alteração do estado mental, pressão liquórica
inicial elevada, níveis de glicorraquia persistentemente bai-
xos durante o curso da terapêutica, contagem de leucócitos
<20 cels/mm3, tinta da China positiva, títulos de antígeno
criptocócico elevados (> 1:32) e culturas positivas em ou-
tros sítios extraneurais. Já os fatores prognósticos pós-trata-
mento, tais como a duração do tempo de positividade da
tinta da China e/ou alterações liquóricas, não estão relacio-
nados com prognóstico pobre. Vários pacientes com respos-
ta terapêutica satisfatória apresentaram alterações dos níveis
de proteínas liquóricas por períodos de até cinco anos após
o término do tratamento, e também foi encontrada presen-
ça de pleiocitose baixa (10 a 50 cels/mm3) por mais de seis
meses em pacientes com boa evolução clínica.
Os fatores prognósticos também estão estabelecidos
para o paciente com AIDS e meningite criptocócica, tais
como: uso endovenoso de drogas, idade > 30 anos, altera-
ção do estado de consciência, pressão liquórica elevada
(> 350 mm H
2
O), altos títulos de antígeno criptocócico (>
1:32) e culturade sangue e urina positivas. Por outro lado,
o número de CD4 parece não estar relacionado com a evo-
lução da doença; entretanto, a meningite criptocócia é rara
em pacientes com mais de 50 células CD4/mm3. Em con-
clusão, o estado imunológico do paciente parece ser o fa-
tor crucial para o desenvolvimento da doença.
TRATAMENTO
Como em outras micoses sistêmicas, nas últimas duas
décadas foram observados importantes avanços terapêuticos
em criptococose. Também, novas perspectivas são vislum-
bradas com o desenvolvimento de novas drogas antifúngi-
cas. Considera-se que o prognóstico do paciente depende
do sítio da infecção, do estado do hospedeiro e de fatores do
agente, como sua variedade (neoformans versus gatti), tama-
nho do inóculo e, possivelmente, sua virulência.
A meningite criptocócica foi uma doença fatal antes da
introdução da anfotericina B, e a experiência terapêutica
com esse agente reduziu sua mortalidade em torno de
30%. O arsenal terapêutico atualmente disponível para o
tratamento da criptococose inclui a anfotericina B em so-
luções de desoxicolato ou lipídica, a 5-flucitosina e deri-
vados triazólicos de primeira geração, como o fluconazol
e o itraconazol. Os agentes terapêuticos disponíveis po-
dem ser empregados isoladamente ou em combinação. A
única associação terapêutica de eficácia comprovada por
ensaio clínico randomizado é a da anfotericina B com 5-
flucitosina, onde a redução da mortalidade foi de 41%.
Apesar de a associação de anfotericina B + 5-flucitosina ter
sido superior ao uso individual de anfotericina B, o trata-
mento da infecção criptocócica somente com a 5-
flucitosina é considerado inaceitável. Outras combinações,
como a de derivados triazólicos e 5-flucitosina ou de an-
fotericina B com derivados triazólicos, foram empregadas
com embasamento em relato de casos, em estudos abertos
de fase II, ou mesmo como terapêutica de resgate.
TRATAMENTO DA CRIPTOCOCOSE NO PACIENTE
SEM CO- INFECÇÃO POR HIV/AIDS
Infecção do Sistema Nervoso Central
O melhor esquema terapêutico de indução para esses
pacientes é a associação de 0,7 a 1 mg/kg/dia de anfoteri-
cina B associados a 5-flucitosina na dose de 100 mg/kg/dia,
durante duas semanas. Esta associação possivelmente
sinérgica mostrou-se capaz de esterilizar o líquor de indi-
víduos com meningite sem HIV/AIDS. Infelizmente, a 5-
flucitosina atualmente não é comercializada no Brasil, sen-
do difícil a sua utilização para a maioria dos pacientes. Na
impossibilidade de associar-se a 5-flucitosina, deve-se em-
pregar como indução a anfotericina B desoxicolato, 1 mg/
kg/dia, ou soluções lipídicas de anfotericina B, na dose de
3 a 6 mg/kg/dia. Nos casos de uso exclusivo de anfotericina
B, o tempo de indução necessário ao clareamento liquóri-
co pode se prolongar por até seis ou dez semanas. Uma vez
verificada a negativação do exame micológico e da cultu-
ra de amostras liquóricas, pode-se introduzir o fluconazol
372 Capítulo 38
como manutenção. Os pacientes imunocomprometidos
requerem maior tempo de tratamento. Com base na expe-
riência dos pacientes com AIDS e doença critptocócica, é
razoável seguir a mesma recomendação para a terapia de
indução, consolidação e supressão: anfotericina B (0,7 a 1
mg/kg/dia) por duas semanas, seguida de oito a dez sema-
nas de fluconazol (400 a 800 mg/dia,VO), seguida de es-
quema supressor com fluconazol (200 mg/dia VO) por seis
a 12 meses.
A elevação da pressão intracraniana ocorre em 50% dos
casos de meningite criptocócica, tanto nos pacientes com
ou sem infecção pelo HIV. Os níveis acima de 200 mm H
2
O
são considerados elevados.
Nos pacientes com elevação da pressão intracraniana
(> 250 mm H
2
O) deverá ser realizada a punção do LCR
para alívio dos sintomas ou colocação sistemas de drena-
gem ou derivação liquórica. Não há descrição de que o uso
de esteróides ou de manitol melhore o quadro de hiperten-
são intracraniana (Tabela 38.2).
A ausência de detecção de antígenos capsulares de C.
neoformans no líquor pelo teste de aglutinação de partícu-
las de látex constitui um bom parâmetro para se encerrar
o tratamento de manutenção.
Infecção Pulmonar e de Outros Sítios
Poucos estudos terapêuticos foram realizados para se
analisar o melhor tratamento da infecção pulmonar e de
outros sítios que não o SNC em pacientes não co-infecta-
dos pelo HIV/AIDS. Em princípio, nódulos pulmonares so-
litários e assintomáticos, em pacientes não-imunodeprimi-
dos, podem ser acompanhados clínica e radiologicamente,
sem tratamento com antifúngicos ou cirurgia. Todas as ex-
ceções, incluindo casos respiratórios sintomáticos, pacien-
tes imunodeprimidos e portadores de infecções em outros
locais, como sistema ósteo-articular, pele e a criptococce-
mia, requerem tratamento com antifúngicos sistêmicos.
Após excluir-se a concomitância de infecção neurológica
através da punção lombar, nos casos não-graves podem ser
empregados o itraconazol, 200 a 400 mg diários por seis
a 12 meses, ou o fluconazol, na dose de 200 a 400 mg diá-
rios pelo mesmo período. Formas graves podem exigir o
emprego da anfotericina B. Em pacientes portadores de
nódulos ou massas pulmonares, ou mesmo na existência
de lesões ósteo-articulares, pode ser necessária a associa-
ção de tratamento cirúrgico, pela pouca penetração das
drogas nas lesões criptocócicas. O tratamento precoce e
apropriado das formas pulmonares e extrapulmonares sem
envolvimento do SNC diminui a morbidade e previne a
progressão da infecção para casos graves de acometimen-
to do SNC.
CRIPTOCOCOSE EM V IGÊNCIA DE HIV/AIDS
Infecção do Sistema Nervoso Central
As medidas terapêuticas devem ter por objetivo erradi-
car o agente etiológico e diminuir a pressão intracraniana.
Entretanto, a persistência de imunodepressão celular nes-
ses pacientes torna a primeira etapa difícil de ser atingida,
sendo necessários longos períodos de terapia de manuten-
ção. Estudos clínicos demonstraram que a anfotericina B
seguida de fluconazol era mais eficaz que essas mesmas
drogas sob monoterapia. A associação da flucitosina com
a anfotericina B ou com o fluconazol pode ser mais van-
tajosa do que as mesmas drogas isoladamente. As formu-
lações lipídicas da anfotericina B podem ter vantagem por
reduzir a toxicidade da formulação em desoxicolato. As
doses empregadas de anfotericina B, flucitosina ou
fluconazol são as mesmas descritas para uso em pacientes
sem AIDS. A 5-flucitosina apresenta excelente penetração
liquórica, em torno de 60 a 75% dos níveis plasmáticos. De
acordo com o protocolo do IDSA-MSG, essa combinação
deve ser considerada a melhor opção terapêutica para os
períodos de indução e consolidação em pacientes tanto
HIV positivos como HIV negativos. Os efeitos colaterais da
flucitosina podem ser particularmente sérios no paciente
HIV positivo (toxicidade medular, distúrbios gastrointes-
tinais), fato que pode complicar o uso desta combinação
no paciente com AIDS em fase avançada da doença. A te-
rapêutica de manutenção é preferencialmente realizada
Tabela 38.2
 Opções de Tratamento para Doença por C. neoformans em Pacientes HIV Negativos
Pulmonar
Leve a moderada ou culturas positivas de espécimes do sítio pulmonar
Fluconazol, 200 a 400 mg/dia por seis a 12 meses
Itraconazol 200 a 400 mg/dia por seis a 12 meses
Anfotericina B 0,5 a 1 mg/kg/dia, dose total de 1.000-2.000 g.
Formas severas e pacientes imunocomprometidos
Tratar como doença em SNC
Sistema nervoso central
Indução/consolidação:
Anfotericina B: 0,7 a 1 mg/kg/dia + 5-flucitosina (100 mg/kg/dia) por duas semanas; seguir com fluconazol 400 mg/dia por pelo menos dez semanas;
Anfotericina B: 0,7 a 1 mg/kg/dia mais 5-flucitosina (100 mg/kg/dia) por seis a dez semanas;
Anfotericina B: 0,7 a 1 mg/kg/dia por seis a dez semanas;
Anfotericina B: formulação lipídica, 3 a 6 mg/kg/dia por seis a dez semanas.
Opcional: continuara terapia com fluconazol (200 mg/dia) por seis a 12 meses.
Adaptado de Saag, MS et al43.
Capítulo 38 373
com fluconazol, 200 mg/dia. Essa medida é fundamental
devido à elevada incidência de recaídas em indivíduos pre-
viamente responsivos à anfotericina B. Estudos clínicos
randomizados demonstraram que a falta de tratamento de
manutenção pode ocasionar recaídas em até 37% dos pa-
cientes. Deve-se sempre empregar um potente esquema te-
rapêutico HAART associado à terapêutica antifúngica para
controlar a replicação do HIV, diminuindo-se os malefícios
da imunodepressão sobre a evolução da infecção fúngica.
Pacientes com boa resposta à terapêutica HAART, com car-
ga viral indetectável, podem descontinuar a terapêutica de
manutenção com fluconazol após 12 a 18 meses.
Criptococose Pulmonar
A criptococose pulmonar poderá ser tratada com
fluconazol, 200 a 400 mg diários por toda a vida ou quan-
do a terapêutica HAART tornar a carga viral indetectável.
Uma alternativa ao fluconazol é o itraconazol, 400 mg diá-
rios. Por ser lipofílico, este triazólico de primeira geração
atinge níveis tissulares elevados no parênquima pulmonar,
na pele e no tecido celular subcutâneo, sendo, portanto,
indicado para tratar outros sítios da doença fora do SNC.
Em formas graves, como em outras micoses invasivas,
deve-se preferir sempre um antifúngico de uso intraveno-
so, como a anfotericina B ou o fluconazol.
ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS NO TRATAMENTO DA
MENINGITE CRIPTOCÓCICA
Anfotericina B intratecal: os níveis liquóricos da anfote-
ricina B são baixos, e conseqüentemente a administração
intraventricular desta droga foi tentada em casos graves de
meningite criptocócica com resultados até satisfatórios.
No entanto, tem sido descrito um grande número de efei-
tos colaterais, tais como o efeito irritativo da anfotericina
B, que levam a cefaléia e vômitos, parestesias e até severa
aracnoidite. Uma vez que faltam estudos comparativos e
randomizados para este regime terapêutico, não existe
uma recomendação específica para tal. Considerando-se o
lançamento de novos antifúngicos com boa penetração li-
quórica, o uso intratecal de anfotericina B ficou muito res-
trito aos casos especialmente graves, onde ocorreram fa-
lhas com outros regimes terapêuticos.
Associações Lipídicas de Anfotericina B
Atualmente, estão comercializadas três preparações li-
pídicas de anfotericina B: anfotericina B dispersão coloidal
(ABCD: Amphocil e Amphotec), anfotericina B complexo
lipídico (ABLC; Abelcet) e anfotericina B lipossomal (L-
AMB; Ambisome). Essas formulações, embora muito mais
caras que a anfotericina B desoxicolato, apresentam menor
toxicidade renal e podem ser administradas em doses mais
elevadas do que a anfotericina B em sua formulação co-
mum. Estudos experimentais utilizando as mesmas doses
de 1 mg/kg/dia de anfotericina B desoxicolato e de anfo-
tericina B em formulações lipídicas mostraram a superio-
ridade da anfotericina B desoxicolato. Estudos clínicos
comparativos entre as duas formulações da anfotericina B
são ainda limitados. Um estudo utilizando anfotericina
lipossomal (4 mg/kg/dia) versus anfotericina B desoxico-
lato (0,7 mg/kg/dia) mostrou resposta clínica semelhante
em ambos os grupos. No entanto, o grupo tratado com a
formulação lipossomal apresentou menos toxicidade renal
e clareamento mais rápido do líquor. De acordo com as
recomendações do IDSA-MSG, a anfotericina B lipossomal,
na dose de 4 mg/kg/dia, tem sido considerada a melhor
opção terapêutica entre esses agentes.
Itraconazol
Apesar de o itraconazol ter penetração baixa no líquor,
a distribuição tissular deste agente e seu acúmulo nas cé-
lulas e nos tecidos do hospedeiro fazem desta droga uma
opção terapêutica na criptococose do sistema nervoso cen-
tral. Denning et al. apontaram uma taxa de cura de 65% na
meningite criptocócica com o uso de itraconazol na dose
de 200 mg duas vezes ao dia. É importante lembrar que a
absorção do itraconazol é errática, de modo que sua con-
centração sérica pode ser muito variável. Uma nova formu-
lação líquida para uso oral contendo ciclodextrina como
veículo apresentou melhor absorção do itraconazol em
30%. Mais recentemente, foi lançada a formulação endo-
venosa, porém ainda não existem dados clínicos sobre o
uso dessas formulações para a criptococose do sistema
nervoso central. As soluções orais e intravenosas de itraco-
nazol atualmente não estão disponíveis no Brasil.
Nos pacientes com AIDS, o itraconazol tem-se mostra-
do menos eficaz do que a anfotericina B + flucitosina na
indução da terapêutica da meningite criptocócica. Os re-
sultados do uso do itraconazol como terapêutica de manu-
tenção nos pacientes com AIDS têm sido desencorajadores.
Outros Agentes
É possível que os derivados triazólicos de segunda ge-
ração, como o voriconazol e o posaconazol, venham a ser
também empregados na terapêutica da criptococose. En-
tretanto, há necessidade de se avaliar a eficácia e a seguran-
ça dessas drogas nessa infecção através de ensaios clínicos.
Já as drogas inibidoras da parede celular pertencentes à
classe das equinocandinas, como a caspofungina e a
micafungina, não atuam em C. neoformans. Os dados in
vitro de posaconazol têm mostrado atividade efetiva con-
tra o C. neoformans, sugerindo ser um agente promissor no
tratamento da meningite criptocócica. O voriconazol é
dotado de amplo espectro e potência antifúngica e boa pe-
netração no SNC. Recentemente foram relatados resulta-
dos encorajadores quando este derivado foi utilizado como
terapêutica de resgate.
SITUAÇÕES CLÍNICAS DE DIFÍCIL
MANEJO
HIPERTENSÃO INTRACRANIANA
A fisiopatologia da hipertensão intracraniana na me-
ningite criptocócica envolve níveis variáveis de inflamação
das meninges que interferem na reabsorção do líquido ce-
falorraquidiano. Quando a terapêutica é iniciada, ocorre
um acúmulo de materiais osmóticos, tais como manitol e
antígenos polissacarídeos, que podem ser liberados dentro
do líquor devido à morte das leveduras. Nos pacientes
374 Capítulo 38
com grande quantidade de fungos no líquor, pode desen-
volver-se a síndrome de hipertensão intracraniana, com
pressão liquórica lombar > 350 mm H
2
O e com TCC ou
ressonância magnética normais. Tais achados estão asso-
ciados com edema de papila, reflexos patológicos, altera-
ções auditivas e visuais e demora no clareamento micoló-
gico do líquor. Outros achados mais sérios incluem perda
súbita da visão e/ou da audição, neuropatias e morte súbi-
ta. Aproximadamente mais de 60% dos pacientes com
AIDS e meningite criptocócica apresentam interrupção da
passagem do líquor através das vilosidades da aracnóide e
pressão liquórica maior que 250 mmH
2
O.
Diversos procedimentos têm sido realizados no senti-
do de reduzir os níveis de pressão intracraniana e, conse-
qüentemente, das seqüelas deste problema. A punção lom-
bar seriada tem sido indicada em todos os pacientes com
pressão liquórica inicial maior que 250 mm H
2
O. Este pro-
cedimento melhora a remoção de material fúngico polis-
sacarídeo e também alivia a pressão liquórica. Alguns au-
tores têm alertado para o risco de herniação com essa
técnica. Pacientes que permanecem com pressão liquórica
elevada após quatro a sete dias sob punção lombar seria-
da diária devem ser submetidos a colocação de drenos
lombares ou derivação ventrículo-peritoneal. Estes pacien-
tes podem morrer de herniação intracraniana se o proble-
ma não for apropriadamente tratado.
Outros medicamentos têm sido utilizados para o con-
trole da hipertensão intracraniana, como a acetazolamida,
o manitol ou corticoesteróides. Entretanto, não há evidên-
cias científicas que sustentem o uso dessas medicações. O
uso de esteróides tem sido associado com piora da doen-
ça pela diminuição da resposta imune.
A colocação de derivações ventriculoperitoniais ou
ventriculoatriais tem sido utilizadano tratamento da hi-
drocefalia. A colocação de derivações não aumenta o ris-
co de disseminação da doença, e isto pode ser feito logo
no início do tratamento ou em qualquer momento duran-
te a terapêutica antifúngica, não existindo necessidade de
negativação micológica para a colocação da derivação.
ABSCESSO CEREBRAL POR C. NEOFORMANS OU
CRIPTOCOCOMA
A presença de lesões focais ou múltiplas no parênqui-
ma cerebral pode ocorrer mesmo sem envolvimento das
meninges. Os abscessos intracerebrais, também chamados
de criptococomas, caracterizam-se por lesões com cápsu-
la fibrosa e vários graus de reação inflamatória granuloma-
tosa ou piogênica, podendo conter uma massa central de
Cryptococcus. Tais lesões podem ser identificadas através da
tomografia computadorizada cerebral ou da ressonância
magnética, nos pacientes com AIDS em até 11% dos casos
e em torno de 25% no hospedeiro normal. Outro tipo de
lesão dessa categoria é o chamado pseudocisto de aspecto
gelatinoso. Essas lesões caracterizam-se por coleções de
fungos bem encapsulados e circundados por mínima ou
nenhuma resposta inflamatória. Os exames radiológico e
histopatológico mostram lesões com dilatação dos espaços
perivasculares maiores que 3 mm. Na tomografia cerebral,
observam-se lesões isodensas ou hipodensas que não cap-
tam contraste (Fig. 38.4).
Menos freqüentes são as lesões septadas dentro dos es-
paços intraventriculares e ao redor do plexo coróide. O
tratamento dessas modalidades de lesões é o tratamento
clínico. As recomendações do IDSA-MSG indicam a abor-
dagem cirúrgica para lesões maiores que 3 cm. No entan-
to, esta conduta deve ser considerada no contexto dos da-
dos clínicos e da evolução do paciente, uma vez que as
lesões intraparenquimatosas podem persistir em exames
de imagem, como a TCC e a ressonância, por mais de cinco
anos em pacientes tratados com sucesso.
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