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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 1 www.medresumos.com.br INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA BIOÉTICA A ética é o ramo da filosofia destinado à análise teórica e científica dos pressupostos, fundamentos e justificativas para as ações humanas. Esse termo pode ser utilizado, também, como sinônimo de moral, para designar o sistema de valores, princípios, normas e preceitos que orientam a conduta de uma pessoa humana ou de um grupo. A ética médica repousou sua tradição no Juramento de Hipócrates durante séculos, até que, a partir da metade do século passado, esse modelo se mostrou inapto para resolver os dilemas morais suscitados pelas novas biotecnologias e pelos escândalos em pesquisas biomédicas. Nesse contexto, surgiu a Bioética - espaço privilegiado de reflexão acerca das questões éticas relativas à vida - a qual rapidamente se apropriou do debate sobre a ética nas profissões biomédicas, passando a se constituir como um novo paradigma, ou em uma nova influência para a ética médica. Essa nova ética médica surge, então, revigorada, livre das marcas do paternalismo e do corporativismo, apta a discutir e apontar soluções para a maioria dos dilemas morais apresentados dia-a-dia aos profissionais. Atualmente, nos países de influência romano-germânica, vinculados à Civil Law, a exemplo do Brasil, essa ética se manifesta através dos chamados Códigos de Ética Médica, que são impostos à classe médica de forma coercitiva, mediante a aplicação de sanções, no caso brasileiro, pelos Conselhos de Medicina. Tal característica permite afirmar que esses códigos constituem normas jurídicas lato senso, configurando-se, na prática, como códigos deontológicos. Não se pode dizer que o modelo tradicional de ética médica não tem nenhuma validade nos dias atuais. Até hoje, alguns pacientes ainda aceitam e esperam dos médicos os padrões de comportamentos paternalistas, preconizados nos antigos códigos. A imagem do bom médico, sob o qual não pairava nenhuma desconfiança, sempre disposto a fazer o melhor pelo seu paciente, ainda tem influência no comportamento de uma parcela de pacientes (DRANE J, PESSINI L, 2005). Todavia, essa ética, vinculada à tradição hipocrática, foi incapaz de oferecer respostas aos dilemas morais suscitados pelos notáveis avanços científicos na biomedicina e pelos abusos praticados em pesquisas envolvendo seres humanos. Foi nesse contexto de crise da ética médica, evidenciada inicialmente na sociedade norte-americana, que surgiu a Bioética, destinada a oferecer um novo arsenal de argumentos para os crescentes problemas éticos impostos à medicina e às demais ciências biológicas (SIROUX D, 2003). A partir do surgimento da Bioética, a ética da medicina e das demais profissões da saúde passou por uma profunda reflexão, da qual resultou importantes mudanças, todas voltadas para a solução dos emergentes problemas de ordem moral, suscitados no exercício dessas profissões (DRANE J, PESSINI L, 2005). ÉTICA X MORAL Qualquer que seja a abordagem que se faça sobre o tema ética médica, não se pode prescindir de uma apreciação, mesmo que sumária, do significado e da extensão do termo ética. Esse entendimento se funda na convicção de que a ética médica, mesmo que configurando uma ética aplicada, não pode renunciar a seus pressupostos teóricos. A palavra ética deriva do grego e sua origem está relacionada a dois vocábulos: êthos e éthos. O primeiro significava, inicialmente, estância, toca, lugar onde se vive, morada, sofrendo, posteriormente, uma evolução semântica para denotar maneira de ser habitual, disposição de espírito, caráter. O segundo termo significava uso, hábito, caráter, costume. Como visto, recorreu-se à ideia de moral para conceituar a ética, razão por que surge a necessidade de uma análise do significado que se deva atribuir a esse termo. Nesse ponto, uma primeira contribuição é a da etimologia, segundo a qual o termo moral vem do latim mos (mores) e significa caráter, modo de ser, costume. Assim, vê-se que a análise etimológica do termo moral não evidencia nenhuma diferença semântica em relação ao termo ética, não obstante tenham derivado de línguas diversas - a moral, do latim, a ética, do grego. Nesse prisma, a ética deve ser compreendida como sinônimo da moral. Por tanto, temos a seguinte relação: MORAL Valorização não-refletida (religião, cultura) ÉTICA Valorização refletida (eticidade) MORAL = ÉTICA Assim, na falta de argumentos contundentes que sustentem qualquer um dos posicionamentos apresentados, prefere-se utilizar o termo ética como sinônimo de moral - ora para definir o ramo da filosofia destinado à análise teórica Arlindo Ugulino Netto. BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 2 www.medresumos.com.br e científica dos pressupostos, fundamentos e justificativas das ações humanas - ora para designar o sistema mais ou menos coerente de valores, princípios, normas e preceitos que orientam a conduta de uma pessoa ou de um grupo. Essa opção resulta do fato de que, tradicionalmente, o conjunto de normas voltadas para orientar o exercício da profissão médica recebe a denominação de ética médica. Além disso, na maioria dos países, essas normas estão compiladas nos chamados Códigos de Ética Médica. TIPOS DE NORMAS DE CONDUTA É importante ressaltar aqui que a ética e a moral condicionam a conduta humana. Porém, não apenas esses dois fatores são importantes para designar condutas do ser humano. Podemos destacar outros, como: Normas jurídicas (Leis); Normas ético-morais; Normas de trato social (Costumes: Regras de bem-viver; Convenções sociais; Moda; Normas de etiqueta). MOTIVAÇÃO DAS AÇÕES HUMANAS Essas motivações têm três fontes possíveis, que em geral se apresentam mais ou menos em conjunto: 1. Morais: Motivações diretamente morais, que se fundamentam em um senso de justiça ou nos sentimentos de respeito, equanimidade, equidade, solidariedade, comunidade, reciprocidade, benevolência ou obrigação. Ex: Respeito, Equidade, Solidariedade, Comunidade, Benevolência, etc. 2. Aprovação social: A preocupação dos indivíduos com as opiniões de outras pessoas sobre elas; essas outras pessoas podem, desse modo, induzir ou exigir, sem qualquer custo para si mesmas, um comportamento moral dos protagonistas julgados; esses pontos de vista dos outros expressam um juízo moral, beneficiem-se ou não essas pessoas da ação. Ex: Adequação e aceitação no meio social. 3. Interesses: Interesse pessoal, quer através de uma coincidência com um ponto de vista moral, quer mediante um equilíbrio do jogo social recorrente. Essas modalidades de implemetação e motivação podem estar presentes no público como um todo, ou concentrar-se mais no processo público-político (eleitores, ativistas, estadistas e políticos, funcionários públicos), ou, uma vez mais, podem estar ausentes, sendo as regras da sociedade apenas os termos de uma trégua. Ex: Eleitorais, Ativistas, Estadistas, Políticos, Econômicos. ÉTICA MÉDICA: DEFINIÇÃO, ABRANGÊNCIA E IMPORTÂNCIA Até aqui, apresenta-se a definição de ética e sua relação com a moral. Cabe, a partir deste ponto, adentrar, com mais detalhes, na ética da profissão médica, o que se faz com ênfase na sua definição, abrangência e importância. Preliminarmente, convém observar que a ética médica não pode ser confundida com a Bioética. Ficou claro, do que já foi exposto, que a Bioética é um espaço de debate, plural, multi e transdisciplinar, através do qual se traçam condutas no plano moral, a partir da reflexão sobre os graves dilemas morais que hoje afligem a sociedade, em especial nas ciências da vida e da saúde. A Bioética é, pois, mais abrangente que a ética médica, podendo-se afirmar que a ultrapassa e a engloba, sendo então, esta, uma subdivisão da bioética. É um meio termo entre a ética aplicada e a filosofia moral, uma verdadeira fonte deteorias, manancial de soluções para os graves dilemas morais que acometem não apenas a medicina, mas também todas as ciências biológicas e da saúde. Ética médica, em uma primeira aproximação, é o conjunto de princípios e regras que, repousando sobre valores e costumes, orientam o exercício da medicina. Em uma definição mais abrangente pode-se dizer que a ética médica é o conjunto de normas de conteúdo moral que visam a disciplinar a prática da medicina, oferecendo soluções ou indicando condutas para os frequentes problemas éticos que seu exercício suscita. É, sem dúvida, ética aplicada, uma vez que se coloca para a resolução prática de problemas, permitindo a tomada de decisões diante do conjunto de dilemas apresentados diariamente ao médico. É conhecimento indispensável ao adequado desempenho da profissão, seja qual for o âmbito em que venha a ser exercida. Na prática clínica, em quaisquer das especialidades médicas, em um laboratório ou na gestão pública, estará o médico sempre vinculado aos postulados éticos de sua profissão. OBS 1 : Deotologia (deo = dever; logia = estudo) é o conjunto de normas que regulamentam o exercício de uma profissão. Portanto, deotologia médica é, literalmente, o estudo dos deveres do médico. O 1º estatuto ético médico da história foi o “Juramento de Hipócrates”, que com o tempo, passou a ser um modelo ultrapassado, sendo necessário surgir, então, a intervenção da bioética. OBS²: Diceologia (deceo = direitos) é, literalmente, o estudo dos direitos do médico. BIOÉTICA: HISTÓRIA E ORIGEM O histórico da bioética demonstra o porque que o médico perdeu o poder de decidir sobre o que fazer e como fazer. É importante ressaltar o fato de que, com o desenvolvimento da razão, muitas pessoas não acreditam mais em instituições religiosas, como o que principalmente ocorreu nos países ocidentais. Isso gera então, o seguinte embate: Religião & Salvação eterna X Medicina & Sobrevida. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 3 www.medresumos.com.br Hipócrates (460-375/351 a.C.), considerado o "Pai da Medicina", foi responsável, devido ao seu juramento, por uma duradoura tradição moral na profissão médica. O Juramento de Hipócrates começa por uma invocação aos deuses, segue com as cláusulas juramentárias e é concluído com uma imprecação. A finalidade dessa fórmula era a de emprestar ao texto um caráter sagrado, não obstante o juramento se constituísse, essencialmente, em um pacto de ordem moral (Ribeiro Jr. W, 1999). O conteúdo desse juramento é o seguinte: Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, conforme o meu poder e a minha razão, o juramento cujo texto é este: 1 - Estimarei como aos meus próprios pais, quem me ensinou esta arte e com ele farei vida em comum e, se tiver alguma necessidade, partilhará dos meus bens; cuidarei dos seus filhos como meus próprios irmãos, ensinando-lhes esta arte, se tiverem necessidade de aprendê-la, sem salário nem promessa escrita; farei participar dos preceitos, das lições e de todo o restante do ensinamento, os meus filhos, os filhos do mestre que me instruiu, os discípulos inscritos e arrolados de acordo com as regras da profissão, mas apenas esses. 2 - Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja. 3 - A ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza à destruição. Também não fornecerei a uma senhora pessário abortivo. Conservarei puras minha vida e minha arte. 4- Não praticarei a talha, ainda que seja sobre um calculoso (manifesto), mas deixarei essa operação para os práticos. 5 - Na casa onde eu for, entrarei apenas para o bem do doente, abstendo-me de qualquer mal voluntário, de toda sedução e, sobretudo, dos prazeres do amor com mulheres ou com homens sejam livres ou escravos. 6 - O que no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo. Se cumprir este juramento com fidelidade, goze eu minha vida e minha arte com boa reputação entre os homens, e para sempre; mas, se dele me afastar ou violá-lo, suceda-me o contrário (Fávero F, 1991). Como pode ser visto, a primeira cláusula juramentaria (1) se desdobra em um pacto familiar em relação ao mestre e em um pacto corporativo, ambos desprovidos atualmente de qualquer interesse. A segunda (2) materializa a postura paternalista do médico, hoje já censurada. A quarta (4) e a quinta (5), de tão impertinentes nos dias atuais, dispensam qualquer comentário. Apenas a terceira cláusula (3), que fala da vedação à prática da eutanásia e do aborto, impondo o respeito absoluto à vida, e a sexta e última (6), que trata da questão do sigilo médico, continuam a ter pertinência na atualidade, ainda que com ponderações. Todavia, mesmo em face da sua manifesta inadequação aos dilemas morais da medicina do tempo atual, não se pode deixar de reconhecer a valiosa contribuição do Juramento de Hipócrates. Basta ver que seus postulados influenciaram os Códigos de Ética Médica adotados no mundo inteiro até mais da metade do Século XX, precisamente até o fim da década de 60 (França G, 2000). Uma característica importante desse longo período de influência da ética hipocrática é que nele as discussões éticas eram tratadas como assunto interna corporis, interessando apenas aos profissionais da medicina, e marcadas, por isso, por posicionamentos corporativistas e paternalistas. Os deveres gerais e as obrigações específicas dos médicos eram desenvolvidos por membros instruídos da corporação, os quais eram responsáveis por regular a conduta ética da profissão. Nesse período, os Códigos de Ética Médica eram impostos à sociedade, que não tinha a oportunidade de participar, direta ou indiretamente, de sua elaboração (Drane J, Pessini L, 2005). Diante, pois, da incapacidade do modelo de ética hipocrática de atender às novas demandas, suscitadas principalmente pelos avanços das biotecnologias, eclodiu um movimento de mudanças na ética médica. Esse movimento, que se tomou mais evidente a partir dos anos 70 do Século XX, pode ser melhor compreendido a partir da análise do conjunto de fatos que o procederam e que são apontados, com frequência, como responsáveis pelo surgimento da Bioética, em 1971. Entre esses fatos, podem-se ressaltar (Drane J, Pessini L, 2005; Barchifontaine P, 2004): Notícias de brutais experimentos realizados por médicos nazistas em prisioneiros nos campos de concentração, durante a segunda guerra mundial. Esses fatos culminaram com o julgamento e a condenação de alguns deles pelo Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Na sua decisão, em 1947, o Tribunal incluiu uma declaração contendo 10 recomendações, que constituem o chamado Código de Nuremberg; Descoberta do ácido desoxirribonucleico – DNA, por Crick e Watson em 1953. Essa descoberta criou condições para um vertiginoso movimento de inovações tecnológicas na área da genética, de consequências inquietantes; Acontecimentos em torno da diálise em Seattle (EUA). Em 1960, diante da disponibilidade de um pequeno número de máquinas de diálise (recém- inventadas), foi entregue a uma comissão formada por membros leigos da comunidade a prerrogativa de selecionar quais os pacientes que iriam ter acesso àquele recurso. Até então, decisões dessa natureza eram exclusivas dos profissionais de saúde; Casos de abusos em pesquisas que envolviam seres humanos, nos Estados Unidos: Hospital Estatal de Willowbrook (New York – 1950 a 1970): A fim de estudar a história natural da hepatite A e desenvolver uma vacina, investigadores infectavam deliberadamente parte das crianças recém- internadas; Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 4 www.medresumos.com.br Estudo da sífilis em Tukesgee (Alabama – 1932 a1972): foram deixados sem tratamento 408 negros portadores de sífilis, com o objetivo de estudar a história natural da doença. Os resultados foram publicados em 1954, em uma revista de Saúde Pública dos Estados Unidos, e mostravam que a mortalidade dos pacientes não tratados era maior que a dos indivíduos sem sífilis. Mesmo diante dessa conclusão, o estudo prosseguiu, mantendo-se os pacientes sem tratamento até 1972, quando houve a denúncia na imprensa leiga; Hospital Israelita de doenças crônicas (New York – 1963): com o objetivo de estudar o processo de rejeição nos transplantes em humanos, investigadores injetaram células cancerígenas em 22 idosos. Realização do primeiro transplante cardíaco (África do Sul – 1967): o cirurgião Christian Barnard fez o primeiro transplante cardíaco, o que suscitou a necessidade de elaborar uma definição de morte encefálica. Além disso, entre 1960 e 1970, diante da contestação da Guerra do Vietnã, por parte da opinião pública norte- americana e mundial, cresceu um importante movimento pela defesa dos direitos humanos, que realçava os direitos individuais, como à liberdade, à igualdade e à justiça, entre outros, em contraposição ao abuso de poder, praticado por alguns Estados. Nesse contexto instala-se uma crise da ética médica tradicional, cujos pressupostos podem ser sintetizados em dois pontos: o ultraje moral em face do desrespeito aos direitos dos sujeitos de pesquisa e a perplexidade diante das descobertas técnico-científicas na medicina e nas demais ciências biológicas. No centro dessa crise, nasce a Bioética (1971), destinada a oferecer um novo arsenal de fundamentos para os crescentes dilemas éticos impostos à medicina e às demais ciências biológicas. Ao oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter (1911-2001), atribui-se a obra inaugural desse ramo da ética aplicada - Bioética, uma ponte para o futuro. Dr. Edmund Pellegrino, médico clínico, humanista e bioeticista, foi o responsável pela estruturação da Bioética como disciplina acadêmica em todas as faculdades de medicina dos EUA e sua aplicabilidade na prática médica, sendo responsável também pela criação do Instituto de Valores Humanos da Medicina. Hoje, a ética da medicina, profissão cuja história se confunde com a história da própria humanidade, vive um novo momento. Superado o modelo de ética hipocrática, a Bioética se consolidou como um novo paradigma a orientar a conduta ética do médico. Essa nova ética, revigorada, desprovida de corporativismo, sem marcas do já ultrapassado paternalismo, não é mais autoaplicável, como outrora, mas nasce do desejo de todos. É fruto de múltiplas contribuições, não apenas de filósofos, teólogos, juristas, médicos e outros estudiosos, mas também dos diversos segmentos da coletividade, refletindo, por isso, os sentimentos e os valores morais mais relevantes para a sociedade. Pode-se conceituar a bioética como: “Ética aplicada à vida (solucionadora de problemas) e se apresenta como a procura de um comportamento responsável por parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de tratamentos, pesquisas ou posturas com relação à humanidade.” (Reich, 1995) BIOÉTICA SOB UMA ÓPTICA PRINCIPIALISTA Não existe apenas uma forma de se entender a bioética. A forma que mais se especializou e se adequou ao estudo da bioética foi o paradigma principialista, que estuda a bioética a partir de princípios e, a partir da aplicação desses princípios em um contexto social específico, é possível se obter decisões terapêuticas, clínicas, etc. Em 1979, os filósofos americanos Beauchamp e Childress publicaram a obra “Princípios da Ética Biomédica”, que muito contribuiu para o crescimento do movimento bioético e estabeleceu quatro princípios fundamentais dessa nova ciência, o princípio da Beneficência, da Autonomia, da Não maleficência e da Justiça. A partir daí, houve uma tendência da Bioética para enquadrar todos os problemas dentro desses quatro princípios, que se tornaram também o centro de todas as discussões sobre Bioética. Não existe uma visão hierárquica entre os princípios. Princípio da Autonomia Princípio da Beneficência (ação) Princípio da Não Maleficência (omissão) Princípio da Justiça A boa prática médica atual continua baseada na observação dos conceitos hipocráticos beneficência, não- maleficência, respeito à vida, a confidencialidade e à privacidade, acrescidos do respeito à autonomia do paciente, o seu direito em receber todas as informações e participar mais ativamente do seu tratamento. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA Autonomia significa autogoverno, autodeterminação da pessoa em tomar decisões relacionadas a sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psiquíca e suas relações sociais. Pressupõe existência de opções, liberdade de escolha e requer que o indivíduo seja capaz de agir de acordo com as deliberações feitas. O respeito à autodeterminação fundamenta-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. Algumas variáveis contribuem para que um indivíduo torne-se autônomo, tais como condições biológicas, psíquicas e sociais. Podem existir situações transitórias ou permanentes que uma pessoa pode ter uma autonomia diminuída, cabendo a terceiros o papel de decidir. A autonomia não deve ser confundida com individualismo, seus limites são estabelecidos com o respeito ao outro e ao coletivo. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● BIOÉTICA / ÉTICA MÉDICA 5 www.medresumos.com.br Manifestação da essência do princípio da autonomia é o consentimento esclarecido. Todo indivíduo tem direito de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que tenham potencial de afetar sua integridade físico-psíquica ou social. O consentimento deve ser dado livremente, após completo esclarecimento sobre o procedimento, dentro de um nível intelectual do paciente; renovável e revogável. Para Hewlett, o consentimento apenas é aceito quando possui informação, competência, entendimento e voluntariedade. Por tanto, o Princípio da Autonomia é regra, que consiste no fato de que é direito do paciente escolher a cerca do tratamento aos quais ele vai ser submetido ou não. Cabe ao profissional médico fornecer ao paciente, em palavras simples, os meios de tratamento que o mesmo será submetido. PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA A exceção à regra que é a autonomia é o Princípio da Beneficência, nos casos em que o médico vai agir para fazer o bem do paciente mesmo contra a sua vontade. Por exemplo, se um paciente chega ao centro de emergência correndo perigo de vida (ou risco eminente de vida: situação real e concreta na qual, a juízo do médico, a intervenção do médico é necessária para evitar a morte do paciente. Não é só um juízo de prognóstico, mas sim, um diagnóstico), o médico deve agir prontamente, mesmo contra a autonomia do paciente (se caso for), ou seja, mesmo se o paciente não permitir a intervenção para salvar a sua vida. Caso contrário, o médico responde a um tipo de homicídio culposo. Deve-se levar sempre, é claro, o bom senso: por exemplo, se um paciente chega no hospital com quadro de desidratação. O médico, no caso, afirma que o melhor no momento seria a aplicação de soro. Se o paciente negar, o médico deve observar se o paciente corre mesmo perigo de vida ou apenas risco de vida (situação na qual todas as pessoas convivem diariamente: risco remoto de sofrer qualquer tipo de acidente), na qual não é necessária uma intervenção urgente do médico. Nesse caso, o Princípio da Autonomia predomina como regra. PRINCÍPIO DA NÃO MALEFICÊNCIA O Princípio da Não-Maleficência é o mais controverso de todos. Isto ocorre quando uma ação, aparentemente de menor ou nenhuma repercussão, agravar-se progressivamente, com tendência a ocorrer cada vez mais, gerando malefícios não previstos inicialmente. Muitas vezes o médico tem que se omitir de alguma açãoou deixar de realizar algum procedimento para evitar algum mal ao paciente. Por exemplo, é comum e correto um anestesista, no caso, se negar a aplicar anestésico em um paciente idoso que viria a realizar alguma cirurgia não necessária. Essa decisão seria importante para preservar a integridade da vida do paciente ao invés de correr o risco por uma cirurgia desnecessária. OBS 3 : É importante ter em conta que o médico não é obrigado a atender a quem ele não deseja, salvo em três situações: (1) situações de urgência ou emergência; (2) quando não há outro médico que possa realizar o procedimento; (3) quando a recusa do médico trará danos ao paciente. PRINCÍPIO DA JUSTIÇA A justiça define que o correto é “dar a cada qual o que é seu”. Isto é, critérios justos devem ser estabelecidos para conduzir a atuação do médico ante os determinados quadros de seu cotidiano. O tratamento estabelecido para um médico não visa sempre ser o melhor para um só paciente, mas sim, o mais efetivo para um maior número de pacientes. OBS 4 : Pode-se resumir os quatro princípios éticos da seguinte maneira: Beneficência: o ato de fazer o bem. Não maleficência: primeiramente, não fazer mal (não matar, não causar dor, não incapacitar e não privar daquilo que é bom). Autonomia: dever de o médico respeitar o direito do paciente. Justiça: igualdade básica de todos os seres humanos. BARROS, Ronivaldo de Oliveira. Introdução ao estudo da ética médica. Universidade do Porto, Faculdade de Medicina – Serviço de Bioética e Ética Médica. Brasília, 2008.
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