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PEC-CFF Apoio Conecte-se A seguir, apresenta-se o projeto de atualização do Programa de Educação Continuada Conselho Federal de Farmácia (PEC-CFF) executado por meio do sistema E-learning para estudo. Realizado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) em parceria com a Revista K@iros e apoio da Boehringer Ingelheim, durante todo o ano de 2013. Desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP), o curso traz informações atuais e essenciais para os farmacêuticos se conectarem aos últimos acontecimentos em sua área de atuação. Será publicado mensalmente, on-line, o material sobre o tema Atenção Farmacêutica e o Uso Racional de Medicamentos que terá como finalização de cada módulo um questionário em que cada pergunta respondida corretamente contará pontos para que a cer tificação do Programa seja realizada na conclusão do curso. Além disso, os textos também estarão disponíveis impressos, todos os meses na Revista Farmacêutica K@iros. Participe do E-learning PEC-CFF e mantenha-se atualizado! Acesse: www.peccff.com.br PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA Nº 10 2 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA2 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA 2013 INTRODUÇÃO Os rins são essenciais para a homeostase por eliminarem produtos indesejáveis do metabolismo e manterem constante o volume extrace- lular, a pressão osmótica e o equilíbrio ácido-básico, além de exercerem papel essencial na regulação da pressão arterial e nas atividades metabólicas do organismo. Os rins são também órgãos endócrinos e produzem eritropoetina, cininas e renina. A doença renal é definida como a diminuição da filtração glomerular provocando aumento das concentrações de ureia plasmática. Esta condição pode ser crônica, com perda gradual da função, ou aguda geralmente causada por infecções, cirurgias, desidratação e xeno- bióticos (principalmente medicamentos). Quando a taxa de filtração glomerular normal, que é igual ou superior a 90 mL/min. diminui para valores inferiores a 30 mL/min., os sintomas da insuficiência renal se tornam aparentes, como consequência da retenção de água, eletrólitos, ureia e amônia (produtos do metabolismo proteico). A doença renal pode ser uma doença progressiva que tem se tornado um sério problema de saúde pública em nosso meio. Nos Estados Unidos a prevalência da doença renal crônica é estimada em aproximadamente 13% da população adulta, atingindo mais de 25 milhões de pessoas. As internações decorrentes desta morbidade são 20% maiores nos homens em relação às mulheres e aumentam a partir dos 65 anos de idade. No Brasil não existem informações precisas sobre o número de adultos portadores de doença renal. Estimativas da Sociedade Brasileira de Nefrologia indicam que cerca de 90 mil pessoas utilizam atualmente serviços de diálise, e que aproximadamente 2.700 pacientes são sub- metidos anualmente ao transplante renal. No passado a glomerulonefrite era uma das principais causas de doença renal, sendo substituída atualmente pela hipertensão arterial e diabetes. A maior longevidade é outro fator responsável pelo aumento da Doença Renal Crônica (DRC). ��������� � ���� � � � ��� ���� ���� ���� ��������� �������� � �� �������� ��� ��� ���� �� p g çOs rins são essenciais para regulação da homeostase 3PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA 3PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA Os fármacos são em sua maioria, substâncias lipossolúveis e, portanto dificilmente removidos da circulação através dos mecanismos de eli- minação renal, devendo, portanto ser transformadas em substâncias polares para que isso ocorra. Somente pequena parcela dos fármacos comumente utilizados é excretada pelos rins na forma inalterada. MARCADORES DA FUNÇÃO RENAL Como o funcionamento dos rins depende da filtração do plasma, o fluxo sanguíneo renal é de extrema importância e pode ser avaliado por meio da medida do VFG. Este pode ser calculado por intermédio da medida da excreção e dos níveis plasmáticos de uma substância filtrada livremente no glomérulo e que não é secretada ou reabsorvida nos túbulos renais. O VFG fornece uma boa estimativa da função renal e pode ser medido com precisão usando alguns marcadores, entre eles a inulina. O clearance de qualquer substância excretada pelos rins é o volume de plasma em que a substância é filtrada na unidade de tempo. As unidades de clearance (volume e tempo) são geralmente expressas em mililitros por minuto. Em condições de equilíbrio a medida do clearance de uma substância eliminada somente por meio do processo de filtração glomerular pode ser utilizada para a medida do VFG. A inulina é um polissacarídio com peso molecular de aproximada- mente 5.500 dáltons que pode ser administrada no organismo por via intravenosa para o cálculo do seu clearance. Por ser uma molécula pequena é facilmente filtrada não sendo reabsorvida nem secretada nos rins, portanto, toda inulina filtrada é excretada e toda inulina excretada entra na urina somente por meio da filtração glomerular. Assim, podemos considerar que o clearance da inulina é igual ao VFG. No entanto, como a inulina não é um constituinte do organismo, a medida de seu clearance é raramente usada clinicamente. Como este método utiliza substâncias radioativas e é oneroso, utiliza-se o clearance da creatinina, dosando seus níveis séricos para medida do VFG. A creatinina é uma substância endógena, produto do metabolismo muscular, sendo que em um indivíduo em repouso a concentração permanece constante. Como a inulina, a creatinina é livremente filtrada sem ser reabsorvida, sintetizada ou metabolizada nos rins e se constitui em uma excelente estimativa para o VFG, embora este parâmetro possa ser superestimado em 10% a 20% por que a creatinina é ligeiramente secretada nos túbulos renais. Deve-se considerar também que os valores de creatinina dependem da idade, sexo e tamanho do organismo e uma medida precisa necessita de ajustes para estas variáveis. Neste sentido, o método mais utilizado para ajuste de dose em pa- cientes com insuficiência renal é por intermédio do cálculo do clearance da creatinina (ClCr) proposto por Cockcroft e Gault: ClCr (mL/min.) = (140 – idade) x peso/[creatinina no soro] x 72. O método de cálculo que utiliza a equação conhecida como Mo- dificação da Dieta na Doença Renal (MDRD), tem ganho adeptos nos últimos anos. Muitos laboratórios clínicos ingleses e australianos têm utilizado esta equação para o cálculo do VFG relacionado aos valores de creatinina obtidos no soro: MDRD = VFG (mL/min. /1.73 m2 = 186 x (creatinina x 0.011312 – 1.154 x idade - 0.203) FUNÇÃO RENAL Nos rins, o processo em que o plasma é filtrado através dos capilares glomerulares para os túbulos renais, chama-se filtração glomerular. Este filtrado ao passar para os túbulos renais tem seu volume reduzido e sua composição alterada por meio dos processos de reabsorção e secreção tubular. Nestes processos forma-se a urina que passa para a pélvis renal onde serão eliminados produtos indesejados do metabolismo enquanto água e eletrólitos serão conservados. Da pélvis renal, a urina passa para a bexiga onde sofrerá o processo de excreção. Se necessário, a composição da urina pode ser modificada através de mecanismos de homeostase, que envolvem modificações nas quan- tidades de água e solutos na urina, e dessa forma impedem variações hemodinâmicas significativas. Alterações em qualquer uma destas funções renais, tem sido asso- ciadas a modificações do Volume de Filtração Glomerular (VFG). Os dois principais órgãos responsáveis pela eliminação de fármacos e seus metabólitos do organismo são o fígado e os rins. O d c o df c d d g e c é Filtração sanguínea Excreção dos resíduos metabólicos Manutenção do volume plasmático Regulação da tensão arterial Síntese de eritropoetina Equilíbrio hidreletrolítico Ativação da vitamina D Cálcio Vitamina D Na+ K+ H2O Na+ K+ H2O Renina Funções do rim 4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA Nas mulheres o resultado deve ser multiplicado por 0.742. A escolha do método mais adequado para avaliação da função renal depende da situação clínica, da precisão necessária e da conveniência ao paciente. O cálculo do clearance da creatinina parece ser o mais adequado, com as necessárias correções na situação clínica ou fisio- lógica presente, por exemplo, gestação, cirrose hepática, insuficiência cardíaca e outras situações. Alguns autores colocam em dúvida a possibilidade de prever com exatidão, em algumas situações clínicas, o clearance renal de fárma- cos simplesmente por intermédios dos resultados do clearance da creatinina. Quando for necessária uma grande precisão na avaliação os métodos isotópicos são mais indicados. CÁLCULO DO CLEARANCE RENAL DA CREATININA O clearance da creatinina para cálculo do VFG pode ser obtido pela fórmula: ClCr = UCr x V / PCr Onde: UCr = concentração de creatinina na urina; V = fluxo urinário por unidade de tempo; PCr = concentração plasmática de Creatinina. Vejamos como exemplo a seguinte situação: UCr = 35 mg/mL V = 0.9mL/min. PCr = 2,5mg/mL Aplicando estes valores na fórmula descrita anteriormente teremos: ClCr = UCr x V/PCr = 35x 0.9/2,5 = 12,6mL/min. Como o clearance é utilizado para estimar o VFG, observamos que o resultado obtido neste exemplo sugere a presença de falência renal (Tabela 1). Além da dosagem da creatinina no plasma e na urina para avaliação da integridade da função renal, outros testes devem ser realizados, dentre eles: (1) exame do sedimento urinário para verificar a possível presença de hemácias; (2) dosagem de eletrólitos no soro: sódio, potássio, cloreto e bicarbonato; (3) presença de proteína na urina e (4) ultrassonografia renal. DOENÇAS RENAIS As Sociedades Internacional e Brasileira de Nefrologia classificam a DRC em cinco estágios. A definição dos estágios 1 e 2 baseia-se nas manifestações decorrentes de lesões renais, isto é, presença de micro ou macro albuminúria, eritrocitúria ou anormalidades obser- vadas no ultrassom renal. A determinação do VFG nestes estágios iniciais permite diferenciar �� ����� �� �� � �� �������� ���� � ������� ����� �� ��� ���� ���� do estágio 2 (VFG entre 60 e 89 mL/min.). Mas com a piora da doença a função renal começa a se deteriorar (estágios 3 e 4). A falência renal (estágio 5) leva a necessidade do transplante. A Tabela 1 apresenta os valores do VFG nos 5 estágios da doença para um indivíduo de 1,73 m2. Tabela 1 – Estágios da DRC baseada nos níveis da função renal. Estágio Gravidade Volume de Filtração Glomerular VFG 1 Função renal normal ����������� ����� ����-1 m2 2 Doença renal leve 60 - 89 mL / min. / 1.73 -1 m2 3 Doença renal moderada 30-59 mL / min. / 1.73 -1 m2 4 Doença renal grave 15-29 mL / min. / 1.73 -1 m2 5 Falência renal < 15 mL / min. / 1.73 -1 m2 Rim Glomérulo Filtração glomerular Capilar glomerular Filtração do plasma Filtração glomerular 5PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA 5PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA � Filtrado glomerular A diminuição transitória do VFG é um bom parâmetro para determinar os tipos de insuficência renal A diminuição transitória do VFG na doença renal aguda ou duradoura na doença renal crônica, é um bom parâmetro para diferenciar os tipos CLEARANCE RENAL DE FÁRMACOS Os processos que podem, potencialmente, contribuir para o clearance renal de fármacos são: filtração glomerular, secreção tubular e reabsor- ção tubular. Aproximadamente 20% a 25% do volume cardíaco ou 1 litro de sangue por minuto chega aos rins, e deste volume aproximadamente 10% é filtrado nos glomérulos. Grandes moléculas circulantes como albumina e alfa 1 glicoproteína, importantes proteínas nas quais os fármacos se apresentam reversivelmente ligados no plasma, não são normalmente filtradas nos glomérulos. Assim, somente os fármacos não ligados as proteínas plasmáticas podem ser filtrados nos glomérulos, e quando eliminados somente por filtração e não secretados nem reabsorvidos no túbulo renal apresentam uma extração renal de apenas 10% do seu conteúdo total circulante. Consequentemente, o processo de filtração glomerular é uma pequena proporção do clearance de fármacos. Além do processo de filtração glomerular, a secreção ativa de fárma- cos pelos túbulos renais também representa um processo importante de extração de fármacos da circulação sanguínea. O túbulo proximal é o sítio primário para o transporte ativo de uma série de substratos que incluem ânions e cátions orgânicos, peptídios e nucleotídios. As células do tubo proximal possuem sistemas de transporte para ânions e cátions orgânicos que se constituem de múltiplos transportadores localizados nas membranas luminal e basolateral. Os transportadores de ânions orgânicos pertencem as famílias OATs (transportadores de ácidos orgânicos); OATPs (polipeptídios transpor- tadores de ânions orgânicos) e MRPs (proteínas de múltipla resistência a fármacos). Alguns membros destas famílias de transportadores têm demonstrado papel importante na excreção renal de fármacos (por exemplo, antibióticos ß-lactâmicos, agentes anticancerígenos, diuréticos, anti-inflamatórios não estereoidais, antidiabéticos e inibidores da enzima conversora de angiotensina). Os OCTs (transportadores de cátions orgânicos) e a Pgp (gli- coproteína P) participam do processo de excreção de numerosos fármacos, entre eles a cimetidina, procainamida, quinidina e digoxina. Tabela 2- Principais síndromes renais, seus sinais e outros possíveis indicadores. Síndrome Importantes sinais para o diagnóstico Outros possíveis indicadores Doença Renal Aguda Anuria, oliguria, declínio recente do VFG Hipertensão, proteinúria, hematúria, edema Nefrite Aguda Hematúria, oliguria, hipertensão, edema Congestão circulatória, proteinúria Doença Renal Crônica Azotemia>3 meses, uremia prolongada, redução bilateral dos rins, redução do VFG Hematúria, proteinúria, edema, hipertensão, alterações eletrolíticas Síndrome Nefrótica Hipoalbuminemia, hiperlipidemia Edema Infecção do Trato Urinário Bacteriúria, urgência urinária Hematúria, febre Nefrolitíase História prévia, cólicas renais Hematúria, piúria Obstrução do Trato Urinário Anuria, prostatite, neoplasia Hematúria de insuficiência renal, pois as causas destas duas síndromes são diferentes (Tabela 2). 6 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA6 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA6 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA6 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA isso podem ser removidos completamente do sangue enquanto estiverem em contato com o sítio ativo do transportador, mesmo ligado a proteínas plasmáticas ou a células do sangue. Um terceiro mecanismo relacionado a eliminação renal de fármacos é a reabsorção tubular. Para a maioria dos fármacos e seus metabólitos, a reabsorção tubular ocorre por meio de processo passivo. Dos 120 mL de plasma filtrados por minuto, apenas 1-2 mL por minuto resultam na formação de urina, todo o restante é reabsorvido nos túbulos renais. Assim, as característicasfísico-químicas de um fármaco, especialmente seu pKa, sua lipossolubilidade, seu peso mo- lecular, além do gradiente de concentração e pH urinário, determinam a magnitude da reabsorção tubular de tal forma que altas quantidades do fármaco ou seus metabólitos podem retornar à circulação sanguínea. Além da reabsorção tubular passiva, fármacos como os antibióticos ß-lactâmicos e os inibidores da enzima conversora de angiotensina podem ser reabsorvidos ativamente por meio dos peptídios transpor- tadores 1 e 2 (PEPT1 e PEPT2). Além disso, as proteínas de baixo peso molecular, como a insulina e o hormônio do crescimento, que são filtrados nos rins também são reabsorvidas nas células tubulares voltando para a circulação como moléculas intactas ou produtos do metabolismo. EFEITOS DA INSUFICIÊNCIA RENAL NOS PROCESSOS FARMACOCINÉTICOS Absorção Em pacientes com doença renal, a hiperfosfatemia decorrente de doenças ósseas, comuns em pacientes com doença renal crônica, pode levar a interação de grupos fosfato no trato gastrintestinal com fármacos, por exemplo fluorquinolonas, reduzindo sua absorção. Distribuição Tem-se observado que as ligações de fármacos com proteínas plasmáticas pode diminuir em pacientes com insuficiência renal e atribui-se este fato a ocorrência de hipoalbuminemia nestes pacientes. r�$SFBUJOJOB r�/JUSPHËOJP�VSFJDP r�'ÓTGPSP r�)+�,+ r�"NJOPÃDJEPT r�1SPEVUPT�GJOBJT�EB� HMJDPTJMBÉÈP r�1SPEVUPT�GJOBJT�EB� EFHSBEBÉÈP�EF� ÃDJEPT�OVDMFJDPT %JNJOVJÉÈP� EP�UBNBOIP� EP�SJN $POTFRVËODJBT�EB�EPFOÉB�SFOBM�UFSNJOBM Metabólitos tóxicos no sangue Rim Néfron Reabsorção tubular Filtração glomerular Clearance renal de fármacos Secreção tubular Túbulo coletor Capilar Os fármacos excretados pelo mesmo transportador competem entre si podendo ter sua excreção alterada. Este mecanismo de secreção tubular ativo é um sistema que extrai as substâncias da circulação e as secretam no lúmen tubular. Alguns fármacos são excelentes substratos para estes transportadores e por 7PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA 7PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA Da mesma forma, o Vd (Volume de distribuição) de diversos fárma- cos (por exemplo, digoxina, pindolol e etambutol) em pacientes com doença renal grave está aumentado. Este aumento pode resultar da elevação do conteúdo líquido corpóreo e/ou da menor ligação dos fármacos com as proteínas plasmáticas, levando, nestas condições, a necessidade de doses maiores destes fármacos. Metabolismo Existem inúmeras evidências em pacientes com insuficiência renal de que também o clearance não renal de inúmeros fármacos se mostra alterado nesta patologia. Assim, mesmo fármacos que são eliminados do organismo por mecanismos não renais podem acumular em pacientes com insuficiência renal caso seu regime terapêutico não seja ajustado. A disfunção renal pode também diminuir a atividade de várias enzimas hepáticas do citocromo P450, diminuindo o metabolismo da fase I de fármacos. Todavia os metabólitos resul- tantes das reações de conjugação e sulfatação da fase II não são tão afetados e podem se acumular no organismo de pacientes com insuficiência renal. Assim, o metabolismo de fármacos também pode ser prejudicado em pacientes com insuficiência renal grave o que pode resultar em aumento da biodisponibilidade oral devido ao menor metabolismo de primeira passagem. Por exemplo, tem-se observado nestes pacientes um grande aumento da concentração plasmática do propoxifeno com- parado aos pacientes sadios quando doses iguais são administradas a ambos. Outros fármacos que normalmente apresentam biodisponibilidade oral reduzida decorrente do metabolismo de primeira passagem, como propranolol, di-hidrocodeína e a sildenafila, tem mostrado um grande aumento na sua concentração sérica em pacientes com insuficiência renal grave. Além disso, os rins expressam muitas das enzimas metabolizadoras de fármacos presentes no fígado, e as taxas de metabolismo destes fármacos em ambos os órgãos são comparáveis. Um exemplo disso ocorre com o metabolismo da insulina e do antibiótico imipeném que são parcialmente metabolizados nos rins e que apresentam níveis aumentados em pacientes com insuficiência renal. Transporte A eliminação de fármacos mediada por transportadores tem se mostrado extremamente importante nos processos farmacocinéticos que envolvem os rins, fígado e intestino. Embora a diminuição na atividade das enzimas metabolizadoras de fármacos, que ocorre na doença renal, possa influenciar significa- tivamente na redução do clearance não renal, cada vez mais tem se observado a importância de alterações na atividade de transportadores nesta morbidade. Por exemplo, a diminuição da atividade do transportador OATP1B que medeia o transporte hepático de atorvastatina, substrato da CYP3A, eleva em mais de quatro vezes a sua concentração plasmática na pre- sença de doença renal. Isto significa que a diminuição na atividade dos transportadores, resultantes de alterações da função renal, podem se traduzir em mudanças na eficácia e segurança de fármacos. Acumulação de metabólitos ativos Muitos fármacos são eliminados do organismo através do seu metabolismo, contudo em muitos casos os metabólitos são produtos ativos. Além disso, um grande número de substâncias consideradas pró-fármacos, é transformado no organismo em produtos ativos antes de exercerem seus efeitos farmacológicos. A produção de metabólitos ativos pode aumentar consideravelmente o tempo de ação destas substâncias em pacientes com insuficiência renal. Portanto, especialmente os metabólitos resultantes das reações de conjugação e sulfatação da fase II, como visto anteriormente, podem se acumular no organismo de pacientes com insuficiência renal. Na administração de fármacos nestas condições, um ajuste de dose se faz necessário. Um bom exemplo que ilustra a possibilidade de acumulação de metabólitos ativos no organismo de pacientes com insufi- ciência renal é o da morfina. A eliminação renal da morfina, na sua forma original, representa somente 4% do total eliminado, enquanto os de seus metabólitos glicuronados representam valores bem superiores. Isto explica casos de intensa hipotensão e depressão respiratória observadas em pacientes com insuficiência renal tratados com morfina. EXEMPLO DO CÁLCULO DE DOSE EM PACIENTES COM DOENÇA RENAL Embora o VFG seja o parâmetro utilizado para o cálculo de alterações da dose do medicamento, alguns ajustes devem ser feitos considerando-se a influência do peso, da idade e do gênero dos pacientes. Neste sentido, o método de cálculo mais utilizado é o baseado no clearance da creatinina (ClCr) proposto por Cockcroft e Gault. ClCr (mL/min.) = (140 – idade) x peso / [creatinina] no soro x 72. Nas mulheres este resultado deve ser multiplicado por 0.85. Exemplo: cálculo do clearance de creatinina de um paciente de 65 anos do gênero masculino pesando 75 kg com valor de creatinina no soro de 2.8 mg/dL, temos: ClCr mL/min = (140-65) x (75 / 2,8 x 72) = 75 x (75/201) = 75 x 0.37 = 27.75 mL/min. O valor obtido sugere insuficiência renal grave, pois se encontra entre 15 e 29 mL/min. Para o cálculo da dose efetiva a ser utilizada em pacientes com insuficiência renal utiliza-se a fórmula proposta por Rowland e Tozer: Q = 1- [ fe (1-KF)]. Onde: Q = fator de ajuste de dose. KF = ClCr do paciente / 120 mL/min. fe = fração de fármaco eliminado “in natura”. 8 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA8 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA8 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA8 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA Prof. Dr. Moacyr LuizAizenstein é Professor Doutor do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – Campus Capital. Pós-Doc na Universidade da Califórnia (USA)e autor do Livro “Fundamentos para o Uso Racional de Medicamentos” editado em 2010 pela Editora Artmed. Exemplo para o ClCr do paciente calculado acima = 27.75mL/ min., e para um fármaco em que 85% é eliminado “in natura” pelos rins, temos: fe = 0.85. Q = 1- [0.85 (1- (27.75 / 120)]. Q =1- [0.85 (0.76)]. Q = 0.35. Portanto embora a dose padrão sugerida para este fármaco seja de 20,0 mg, a dose corrigida para este paciente deve ser de 7,0 mg, pois: 20 mg x 0.35 = 7.0 mg. ATENÇÃO FARMACÊUTICA EM PACIENTES COM DOENÇA RENAL Os procedimentos para o ajuste de dose dos medicamentos prescritos a pacientes com insuficiência renal devem ser individu- alizados em função dos parâmetros farmacocinéticos e do grau de insuficiência renal. Os seguintes passos são aconselhados: ��obter histórico e informações clinicas atuais (história de doença renal; dosagens laboratoriais); ��estimar o clearance da creatinina (usar a equação de Cockcroft- -Gault ou calcular o clearance urinário); ��verificar a medicação atual principalmente uso de fármacos que necessitam de um processo de individualização cuidadoso; ��propor o plano farmacoterapêutico (utilizar os parâmetros farma- cocinéticos do fármaco e avaliar a gravidade da função renal); ��monitorar o paciente (verificar resposta clínica e monitorar níveis plasmáticos quando possível); �� rever a farmacoterapia se necessário (com base na resposta obtida e na possível mudança do quadro clínico). CONCLUSÕES A insuficiência renal afeta mais do que somente o clearance renal de fármacos ou de seus metabólitos. Outros processos farmacociné- ticos importantes como ligação a proteínas plasmáticas, transporte, distribuição e metabolismo podem também estar alterados. Os cui- dados na administração de fármacos a pacientes com insuficiência renal devem se basear em estudos populacionais com fundamentos na relação farmacocinética/farmacodinâmica. As agências internacionais, tem estabelecido diretrizes recomendando que sejam realizados, durante a fase III dos estudos clínicos, estudos farmacocinéticos em pacientes com insuficiência renal que potencialmente poderão no futuro utilizar estes fármacos. Alguns estudos já realizados têm demonstrado que pacientes com insuficiência renal leve e moderada não necessitam de ajustes de dose, enquanto que os pacientes com insuficiência renal grave necessitam em média de redução de 50% da dose ou da frequência de administrações quando comparados com pacientes sem insuficiência renal. Em resumo, os cuidados na administração de medicamentos a pacientes com insuficiência renal, dialíticos ou não, devem levar em consideração as alterações farmacocinéticas que ocorrerão nestas condições. O conhecimento das propriedades físico-químicas do fármaco, suas características farmacocinéticas como volume de distribuição, ligação a proteínas plasmáticas e metabolismo, bem como proprie- dades fisiológicas do organismo, como fluxo hepático, extração do fármaco e atividade enzimática, são fundamentais na tomada de decisões. Pacientes insuficientes renais que utilizam fármacos potencialmente nefrotóxicos, que podem agravar o quadro clínico, devem receber atenção especial. Assim, a individualização farmacoterapêutica destes pacientes deve sempre considerar a extensão de sua insuficiência renal e as propriedades do fármaco a ser escolhido.
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