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Presidente da República João Figueiredo Ministro da Educação e Cultura Rubem Carlos Ludwig Presidente do Conselho Federal de Educação Lafayette de Azevedo Pondé MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO A PROPOSITO DA QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL ANAIS DE DOIS ENCONTROS Brasília, DF -1982 C755p CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO A propósito da qualidade do ensino superior no Brasil: anais de dois encontros. Brasília, 1982. 241 p. Ensino Superior no Brasil. Anais. I Título CDU 378(81) SUMARIO Apresentação 1ª Parte: Coloquio sobre o Ensino Superior no Brasil........................ 1 • Pronunciamento do Presidente do CFE na abertura do Coloquio 3 • Comunicação do Prof. Miguel Reale.............................................. 6 Debates........................................................................................... 15 • Comunicação do Prof. Erwin Rosenthal......................................... 22 Debates .......................................................................................... 32 • Comunicação do Prof. Luiz Renato Caldas ................................... 42 Debates .......................................................................................... 44 • Comunicação do Prof. Arnaldo Niskier .......................................... 46 Debates .......................................................................................... 53 • Comunicação do Prof. José Goldenberg ....................................... 60 Debates .......................................................................................... 64 • Comunicação do Prof. Oscar Sala ................................................. 76 Debates .......................................................................................... 78 • Comunicação do Prof. Newton Sucupira ....................................... 86 Debates .......................................................................................... 95 • Comunicação do Prof. Cláudio de Moura Castro........................... 98 Debates .......................................................................................... 101 Notas Biográficas dos Conferencistas.......................................... 108 2a Parte: Seminário sobre Indicadores da Qualidade do Ensino Superior ................................................................................... 113 • Pronunciamento do Presidente do CFE......................................... 115 • Palavras do Coordenador do Seminário ........................................ 116 • Palestra do Prof. Luiz Fernando Macedo Costa — Qualidade do Ensino e Corpo Docente........................................................... 118 • Palestra do Prof. Edênio Vale — Qualidade do Ensino e Corpo Discente.......................................................................................... 126 • Revisão Bibliográfica sobre Indicadores da Qualidade do Ensino Superior — Contribuição do INEP.................................................. 141 • Bibliografia sobre o Ensino Superior no Brasil de 1972 a 1981 -Contribuição do INEP.......................................................... 153 • Comunicações 1. Comunicação da UFMG — Indicadores da Qualidade do Ensino: Uma proposta........................................................................... 160 2. Comunicação da FI DENE — Parâmetros da Qualidade do Ensino ................................................................................................. 166 3. Comunicação da CAPES/UCLA - Projeto de avaliação da graduação nas Universidades Brasileiras .......................... 169 4. Comunicação da CAPES/UCLA - Melhorar a Qualidade do Ensino: Base Conceituai e situação atual .......................... 175 5. Comunicação da SOGE — Indicadores da Qualidade do Ensino 181 6. Comunicação da UFPa — Qualidade do Ensino: Aspectos institucionais............................................................................. 183 7. Comunicação da UFSM - A Qualidade do Ensino na Universidade Federal de Santa Maria............................................................ 189 8. Comunicação da UPF — Qualidade do Ensino e Corpo Docente na Universidade de Passo Fundo................................................. 195 9. Comunicação da UCMG - O Perfil do Vestibulando da Universidade Católica de Minas Gerais: Resultados Preliminares................ 200 10. Comunicação da UFAL — Reflexões sobre o Curso de Pedagogia a Partir da Realidade da Universidade Federal de Alagoas .................................................................................... 211 • Memória do Seminário — Quadro Representativo das Colocações feitas a propósito da Qualidade do Ensino Superior................................ 215 • Sessão de Encerramento — Pronunciamento do Cons. Hélcio Ulhôa Saraiva — Diretor do INEP.................................................................................... 218 — Pronunciamento do Cons. Dom Serafim Fernandes de Araújo — Coordenador do Seminário...................................... 223 — Palavras finais de agradecimento do Presidente do CFE. .. 224 Relação dos Participantes do Seminário ........................................... 225 APRESENTAÇÃO Reúne este volume o resultado de dois en- contros promovidos pelo Conselho Federal de Edu- cação, ambos tematizados em torno da questão da qualidade do ensino superior. A idéia da publicação traduz o propósito de dar continuidade à reflexão, apenas iniciada, sobre assunto de tamanha gravidade para a educação na- cional, neste momento de sua história. O Conselho agradece a colaboração do INEP, para esta publi- cação. Pelo valor das contribuições apresentadas, acredita o Conselho estar prestando relevante serviço a todos aqueles que têm o dever de pensar a educação brasileira em função de sua melhoria. Brasília, janeiro de 1982. Lafayette de Azevedo Ponde Presidente do Conselho Federal de Educação SIGLAS CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nivel Superior FIDENE - Fundação de Integração. Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado (RS) INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos SOGE - Sociedade Guarulhense de Educação UCLA — University of California at Los Angeles UCMG - Universidade Católica de Minas Gerais UFAL - Universidade Federal de Alagoas UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UFPa — Universidade Federal do Pará UFSM - Universidade Federal de Santa Maria UPF - Universidade de Passo Fundo 1ª PARTE COLOQUIO SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL NOTA: Realizado em Brasília nos dias 19 e 20 de fevereiro de 1981, o "Coloquio sobre o Ensino Superior no Brasil" foi convocado e coor- denado pelo Conselho Federal de Educação. Além dos Conselheiros, participaram do evento os seguintes professores, especialmente con- vidados: Miguel Reale, Erwin Rosenthal, Arnaldo Niskier, José Goldenberg, Oscar Sala, Newton Sucupira, Cláudio de Moura Castro e Luiz Renato Caldas. SUMARIO( *) • Comunicação do Prof. Miguel Reale Debates: Moacyr Expedito Vaz Guimarães, Eurípedes Malavolta, Newton Sucupira • Comunicação do Prof. Erwin Rosenthal Debates: Newton Sucupira, Julio Morejón. Esther Ferraz, Eurides Brito. Afrânio Coutinho, João Paulo Mendes, Fernando Gay da Fonseca. Macedo Costa. Miguel Reale • Comunicação do Prof. Luiz Renato Caldas Debates: Navarro de Britto. João Paulo Mendes. Eurípedes Malavolta • Comunicação do Prof. Arnaldo Niskier Debates: Miguel Reale. ErwinRosenthal. Navarro de Britto. Macedo Costa, Anna Bernardes da Silveira • Comunicação do Prof. José Goldenberg Debates: José Hamilton Gondim, Eurípedes Malavolta, Newton Sucupira, Tarcísio Delia Senta, Armando Mendes, Miguel Reale, Heitor Gurgulino de Souza. Arnaldo Niskier. Cláudio de Moura Castro • Comunicação do Prof. Oscar Sala Debates: Eurides Brito. Esther Ferraz. Heitor Gurgulino de Souza, Macedo Costa, Julio Morejón • Comunicação do Prof. Newton Sucupira Debates: Julio Morejón, Navarro de Butto. Arnaldo Niskier • Comunicação do Prof. Cláudio de Moura Castro Debates: Julio Morejón. Newton Sucupira. Miguel Reale, José Goldenberg (*) O texto apresentado na ordem do Sumário foi organizado pelos Profs. Euclides Mighari e Pedro Luiz Caetano, a partir de transcrição da fita magnética, revisado pelos autores. PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO NA ABERTURA DO COLOQUIO Recebe hoje o CFE a preciosa colaboração de eminentes Profes- sores, nomes de excepcional realce da cultura nacional, consagrados por sua erudição e pela prolongada vivência dos problemas do ensino univer- sitário, que se dispuseram a trazer-nos as luzes do seu pensamento para análise e enunciação de conceitos básicos do sistema educativo de nosso país: — Professor Miguel Reale, Erwin Rosental, Oscar Sala, José Gol- denberg, Luiz Renato Caldas, Newton Sucupira, Arnaldo Niskier, Moacyr Expedito Vaz Guimarães e membros dos Conselhos do Rio e São Paulo. Entre eles estaria o Professor Lourival Vilanova, nao fosse, para pesar de todos nós, o impedimento por motivo de saúde. Também foram convidados os eminentes Presidentes da CAPES e do CNPq - Professores Cláudio Moura Castro e Linaldo Cavalcanti, acompanhados daqueles outros que formam o celeiro de cada qual desses dois centros de apoio à docência e à pesquisa universitária, colaboradores permanen tes do CFE. O objetivo deste coloquio desdobra-se em dois ¡tens: a) qual deve ser a substância de cultura, ou o conteúdo, dos cursos de nível superior, no Brasil? — que é o que nos devem ensinar as instituições universitárias? Estarão compreendidos nesse ensino quaisquer outros estudos posteriores ao 29 grau? — ou poderia haver entre este e aquele tôda uma faixa de opções, por onde se acomodem os jovens que se proponham a ultrapassar o ensino secundário, sem as exigências que o ensino universitário lhes possa impor? Definido o que deva ser o curso superior, seguem-se duas indaga- ções correlatas: — que é o que deve ser a pesquisa universitária, a que o ensino se associe? — como se deve projetar em nível de pós-graduação esse ensino? — qual o sentido cultural do ensino e da pesquisa, em nível de graduação universitária e no de pós-graduação? — que devem produzir, transmitir e aplicar as nossas instituições de ensino? — meras formas profissionais? estudos inovadores? conheci- mentos de elevado grau científico e tecnológico? Depois da Idade Média, passada a Renascença, sempre se disse que as instituições universitárias são instituições caducas, como se se pu- desse banhar mais de uma vez em um mesmo rio, ou se as águas não cor- ressem em função de suas nascentes e de seu leito, ou se a comunidade que elas fertilizam fosse uma peça imobilizada no tempo e no espaço. O dobre a finados ressoa em todos os ares, cada vez mais dolorido, na medida em que a civilização avança. Ainda agora se repete em todas as terras: — as instituições univer- sitárias sao organizações obsoletas, seu ensino reduzido ao só objetivo de fornecimento de um diploma, nem sempre expressivo de boa formação, útil ao aluno ou adequada aos interesses do desenvolvimento social. Há 50 anos, no discurso comemorativo do IV centenário da Universidade de Granada, dizia alarmado Ortega Y Gasset que a Univer- sidade estava em crise: — na Espanha, uma crise da inteligência. Em crise também na Inglaterra e na Alemanha (na Alemanha, "uma instituição deplorável"). Entre nós, antes mesmo de ela nascer já era tida como "uma ins- tituição caduca" (Miguel Lemos) E até há quem diga que, na realidade, ainda depois de implantada, não existe. Aos eminentes participantes, que hoje aqui se reúnem, pedimos que nos digam — que devem ser as nossas universidades, os nossos esta- belecimentos de ensino superior? — que devem ser, para o Brasil, e nao o que são ou foram nos países onde primeiro nasceram. Devemos condicionar os conceitos às peculiaridades de nosso país, sem o transplante imaginário de instituições a ele alheias, para que não façamos como o bei de Tunis, perdido entre os luzidios instrumentos da charanga que ele ouvira em Paris... — Será necessário remodelar nossas instituições escolares, refazer seus currículos, para que melhor respondam às necessidades de conheci- mento e pesquisa de hoje e de amanhã, quando cremos, em um futuro previsível? b) O outro ¡tem de nosso estudo diz com a discriminação entre a universidade e o estabelecimento isolado de ensino superior (Lei n9 5.540, art. 29). São figuras díspares? A diferenciação não é um problema puramente vocabular, de natureza meramente terminologica, mas o pressuposto de prerrogativas de ordem institucional. Sei que o ensino se realiza na sala de aula na relação direta e ime- diata entre aluno e professor mas o beneficiado maior é a comunidade. Na relação de ensino, o beneficiário é menos o que da relação participa do que a comunidade. O Conselho Federal de Educação não ensina, o Ministério não ensina, os órgãos da administração escolar, sejam federais ou estaduais não ensinam. 0 ensino é dado nas universidades, na sala de aula. Daí o interesse do Conselho e, - para servir a comunidade pelo reflexo direto do ensino sobre ela, convocar homens eruditos, de pensa mento profundo de vivência da sala de aula da universidade. Dou por instalado este Coloquio, darei a cada um dos senhores convidados a palavra, abrindo depois aos expositores, aos demais mem- bros do Conselho e convidados oportunidades para comentários e debates, sem votação de teses. Ninguém pretende ser dono de uma verdade tão complexa e tão dificil. Nós queremos apenas receber os feixes luminosos com que possamos divisar de perto, ou de longe o quanto pudermos, o caminho que todos devemos seguir. COMUNICAÇÃO DO PROF. MIGUEL REALE Senhor Presidente, Prof. Lafayette Pondé, ¡lustres membros do Con- selho Federal de Educação, prezadíssimos companheiros deste sim- pósio, desejo inicialmente agradecer a gentileza do convite que me foi feito para participar deste encontro e parece o mais oportuno e do qual se pode esperar conclusões das mais profícuas para a política educacional brasileira. Da reunião preliminar de que participei, ficou mais ou menos estabelecido que me caberia elaborar um trabalho de caráter mais introdutório sobre a natureza do ensino superior e da universidade, preferindo eu subordinar a minha comunicação a este enunciado geral: Pressupostos de uma Entidade Universitária. 1. como já tive a oportunidade de submeter à consideração de meus ilustres colegas alguns estudos nos quais focalizo problemas gerais e par- ticulares do ensino superior no país,1 parece me de bom alvitre dar um cunho mais pragmático ou operacional à presente comunicação, visando a possibilitar algumas conclusões de natureza concreta para a política educacional, sobre o tema que me foi atribuído, concernente à "nature za da instituição universitaria". Abstração do fato inconteste de que a ùltima reforma universitá ria, em processo de execução há cerca de 12 anos, foi inspirada, em grande parte, pelo modelo norte-americano, já em crise em sua pátria de origem, o que devemos sobretudo salientar é como tal adaptação foi possível na vastidão do território brasileiro, com suas gritantes diversi dadesculturais, geoeconômicas e demográficas. Na maneira de "ser influenciado" há valores que denunciam modos de ser próprios, tendências e inclinações, por assim dizer, conaturais ao meio ou inerentes às nossas peculiares circunstâncias. Posta a questão nesses termos, quer parecer me que algumas dire trizes já podem ser consideradas objeto do consenso geral, e, por mais que se julgue cediço, não será demais relembrar, entre as características essenciais a uma Universidade, as seguintes: a) que uma entidade de ensino superior só é digna de categorização universitária quando capaz de realizar, de maneira comple mentar, as tarefas de ensino, de pesquisa e de prestação de ser- viços à comunidade, o que, para facilidade de exposição, passo a denominar "tríplice função"; b) que essa "tríplice função" se baseie em determinados pressu- postos, a saber: b.1) exigência de um mínimo de suporte material (salas de aula, laboratórios, bibliotecas de obras gerais e especializadas) para possibilitar o atendimento de múltiplos seto res de investigação filosófica, científica, tecnológica, so- ciológica ou artístico-literária; b.2) existência de um mínimo de massa crítica, isto é, de corpo docente em condições - quer pelo número de mestres, quer por seus títulos universitários, — de realizar a tríplice função de maneira constante e eficiente; b.3) disponibilidade de recursos financeiros que assegurem a "tríplice função" sem solução de continuidade, realizando, concomitantemente, o aperfeiçoamento técnico-científico dos professores, a formação ético-cultural dos estudantes e o atendimento dos objetivos da comunidade em que a Universidade se situa; b.4) um programa mínimo, de caráter progressivo, no sentido de haver condições, inclusive de ordem financeira, para efetiva dedicação exclusiva à "tríplice função", seja por parte do corpo docente, seja por parte do corpo discente; c) que as atividades, discriminadas nas letras "a" e "b" supra, de- pendem de outras condições nao menos relevantes, a saber: c1) condições de integração, tanto a nível docente quanto a nível discente, de tal maneira que haja certa área do empenho comum e participação para a realização de programas que transcendam o âmbito das disciplinas do curso profissional; C.2) correlação entre a "tríplice função" e as aspirações da co- munidade, quer no que se refere ao mercado de trabalho, quer no concernente às necessidades sócio-econômicas da área de atuação da instituição universitária, de tal modo que haja abertura de espaço às atividades culturais e ao aperfeiçoamento de seus instrumentos criadores de bens de vida; d)e, finalmente, que a entidade, por sua estrutura e meios de agir, esteja em condições de preservar a sua essencial missão crítica, no sentido de salvaguardar, projetar e aperfeiçoar os valores humanísticos, que legitimam sua existência, como expressão vanguardeira da Sociedade Civil, de tal modo que: d.1) a dependência econômico-financeira perante o Estado não implique a subordinação da atividade universitária a objetivos político-administrativos, a não ser quando estes, segundo valoração autônoma da entidade, consultem aos seus fins específicos e aos da cultura em geral; d.2) se empenhe, através da captação do apoio da Sociedade Civil, a diminuir sua dependência perante a Administração Pública; d.3) e, em qualquer hipótese, ainda quando empenhada em objetivos de formação profissional, ou em pesquisas de natureza prática, jamais se converta em uma estrutura em- presarial, visando a obtenção de resultados financeiros equiparáveis a lucro. 2. É claro que poderia continuar nessa tentativa de detectar algumas notas distintivas, que forneçam a colocação mais palpável ou concreta dos problemas, mas já perceberam os meus ilustres colegas que procuro partir de certas colocações prático-doutrinárias que, de certo modo, tor nam sem sentido conhecidas antinomias, a começar pela contraposição abstrata entre valores teóricos e empenhos práticos, que conduz à ingê nua contraposição entre "Universidade humanística"^ "Universidade empresarial". De outro lado, sobre cada um dos itens por mim assinalados seria possível discorrer longamente, suscitando subitens e seus corolários, mas prefiro me limitar a esclarecer alguns pontos que julgo capitais. II 3. Note-se, de antemão, que a apreciação conjunta das notas carac terísticas que procurei resumir, nao correspondem a um "modelo cerra do" de uma possível Universidade brotada da experiência brasileira, mas antes a um "modelo aberto", concebido, à maneira de Claude Bernard, como "hipótese de trabalho". como tôda hipótese formulada com um mínimo de base científica, além de refletir a experiência pessoal do observador no campo em que lhe coube atuar, ela pressupõe outros problemas que ultrapassam os lindes de seu objetivo específico, tais como, por exemplo, seriam os sempre candentes problemas do precário preparo do estudante que bate às portas da Universidade, e dos procès sos de seleção que decorrem da já hoje irrenunciável adoção dos saluta res princípios do "numerus clausus" e da "freqüência obrigatória". Isto posto, pondero que deve ser recusada dignidade universitária (de cuja autonomia resulta o sempre arriscado poder de instaurar cursos e disciplinas, que, ao depois, geram perversos fatos consumados...) quando uma entidade nao cobre, nem se propõe efetivamente a cobrir, segundo um programa fixado em função do "perfil cultural" de sua área de operação, os três campos básicos em que se discriminam as tarefas universitárias, ou seja, a área das ciências físico-matemáticas (correspon dente, de maneira geral, às politécnicas) e as das ciências biológicas e das ciências humanas. Um balanceamento entre os cursos já mantidos por uma instituição permite a um pedagogo experimentado discernir entre uma Universidade in fieri e mero conglomerado de estabelecimen tos, cuja configuração empresária se evidencia quando: 1 ) a preferência é dada a cursos de mais econòmica manutenção, com uma proporção professor/aluno superior aos índices mínimos que possibilitam o exercício da "tríplice função"; 2) inexiste proporção entre as áreas de "investimento educacional", acentuando o desequilíbrio já existente no mercado de trabalho; 3) não há condições objetivas para que as áreas de ensino, por sua localização, estrutura ou titulação docente, permitam qualquer forma de integração, e muito menos o exercício de uma missão crítica no seio da comunidade; 4) a existência, na região, de institutos universitários que, por meios próprios, ou graças á oportuna subvenção financeira do Estado, já reúnam condições para adequado atendimento dos candidatos ao ensino superior. Permitir o surgimento de novas universidades, onde já impera a crise em cursos desnecessários ou não prioritários, é favorecer a concor- rência desleal, transplantando-a para o plano educacional, no qual devem primar os valores éticos e não os econômicos. Se nem todas as universidades existentes no país, públicas ou pri- vadas, ainda não satisfazem ao mínimo de pressupostos que sucitamente enumerei, seria absurdo dar guarida a novas entidades universitárias, que, às vezes, nem sequer realizam a contento a "tarefa profissionalizante" que as contingências histórico-sociais conferiram, bem ou mal, aos "institutos isolados". A autonomia universitária, com todas as prerrogativas que lhe são inerentes, antes de ser um galardão ou uma capa para vaidades ou aliciamentos — vaidade de pessoas ou de cidades, pouco importa — deve ser vista antes como um munus público, um facho de direitos assente sobre uma base de deveres e responsabilidades. 4. Fixado o princípio da mais rigorosa avaliação dos pressupostos indispensáveis à autorização e reconhecimento denovas universidades, resta nos ver quais os caminhos possíveis para que às universidades exis- tentes no Brasil seja dado realizar plenamente os seus objetivos. Dei ênfase aos problemas da integração, pois dele depende o sen- tido plural e comunitário que distingue, fundamentalmente, uma Uni- versidade de um instituto isolado. Dizer que a integração é dispensável equivale, no meu modo de entender, a concluir o mesmo quanto à con- cepção da Universidade como tal. Importa, todavia, ponderar que a integração não é tarefa fácil, sobretudo se se pensar na sobrecarga curri- cular e na nao menos gravosa sobrecarga-horária em vigor em certas áreas, com exigências de conhecimentos especializados em grau tão ex- tenso e intensivo que o aluno mal pode dar conta de seu recado no Instituto em que se matriculou, atendendo à sua vocação ou, o que é pior, às contingências do vestibular. É o caso de perguntar-se até que ponto já nao prevalece, no Brasil, o "insulamento" dos institutos no contexto de uma Universidade, apenas unitária na aparência, ou seja, tão-sòmente formalmente unitária e integrada. Urge indagar das causas desse alarmante fenômeno. Dentre elas lembraria as seguintes: 1) a já referida sobrecarga curricular e horária partindo-se do fai so conceito de uma especialização precoce, em um ramo já restrito do saber, sem se ministrar qualquer curso de alcance geral; 2) o limitado tempo que o estudante, inclusive por motivos de ordem sócio-econômica, dedica, efetivamente, ao ensino e à pesquisa, pouco significando, na prática, a dedicação plena e exclusiva dos mestres: a tríplice função acaba confiada, em última análise, a alguns elementos do corpo docente, pois, infe lizmente, titulares há que não cuidam de exercer funções de pesquisas, havendo apenas uma minoria de estudantes em condições ou com capacidade de fazê-lo; 3) a estrutura mesma do "campus" universitário com imensos espaços vazios entre os estabelecimentos, o que impede ou difi culta a comunicação, sem se falar nas pseudo universidades com institutos situados a dezenas ou centenas de km uns dos outros... A integração plena será rara, mas haverá sempre possibilidade de alcançar-se pelo menos uma integração setorial, fundada no, cada vez mais,fecundo princípio da interdisciplinaridade e na "essencialidade dos conhecimentos gerais". Na USP, que conheço melhor, abundam exem plos de pesquisas puras ou operacionais, por exemplo, fruto de espontânea cooperação entre físicos e médicos; físicos e comunicólogos, geó logos, arqueólogos e antropólogos; matemáticos e economistas, juristas economistas (em termos de planejamento, por exemplo) químicos, físicos e agrônomos ou entre classes empresariais e um ou mais setores universitários. Além disso, não falta a possibilidade de amplo espectro de pesquisas inter-universitárias, além dos rígidos esquemas departamentais, ou mesmo entre universidades oficiais e particulares, como se deu entre a USP e a PUC do Rio de Janeiro em problemas de computação. Ora, essas correlações interdisciplinares, ao invés de ocorrerem de maneira esporádica, poderiam ser canalizadas através de entidades associativas ou grupos de trabalho permanentes, com a cooperação de "Coordenadorias Culturais" que não se limitem a meros programas de extensão ou vulgarização do saber. Os caminhos da integração são múltiplos, não se devendo excluir o estudo de "Problemas Brasileiros", concebido, porém, como centro de análise e debate de questões básicas por especialis tas, superada de vez a concepção ¡luminista que, de início, concebeu tal ordem de conhecimentos como um 3º grau de "Moral e Civismo"... Posso dizer que, na USP, uma vez confiada a análise das questões básicas da Nação a especialistas de renome, sem qualquer prevenção ideológica, os estudantes passaram a ver com novos olhos aquela ordem de estudos, base propícia à transmissão de conhecimentos gerais, necessários a suprir as lacunas deixadas por especializações precoces. Ora, quando numa Universidade não se realiza qualquer processo de integração, ela falha a um dos imperativos da cultura contemporânea, especialmente depois que a nova Epistemologia superou o divórcio antes estabelecido, por um empirismo unilateral, entre ciências sociais e as chamadas ciências físico-matemáticas. Ninguém mais crê que as ciências, para serem objetivas, devam ser cegas para o mundo dos valores, e, desse modo, a interdisciplinaridade, pela descoberta de nexos insuspei-tados entre o valioso e o pretensamente avalorativo, alargou os horizontes da vida cultural. Dessa visão resultou uma hermenêutica científica que, sem perda de objetividade, ganha o calor dos empenhos humanísticos. Nao se trata, pois, de avaliar a Universidade segundo um enfoque pragmático de "investimento econômico", com a sua mobilização para programas prevalecentemente administrativos ou empresariais, mas sim de situá-la como foco irradiante e coordenador de múltiplos interesses, mesmo quando chamada a desempenhar tarefas de sentido comunitário. O problema da integração não possui, portanto, mero valor formal, mas se insere na medula do sistema universitário, devendo servir como um dos critérios decisivos de aferição, quer para criar novas entidades, quer para amparar, financeiramente, aquelas que, tanto na esfera pública quanto na particular, se revelem capazes de levara cabo a "tríplice função" de maneira complementar e universalizante. 5. Desnecessário me parece acentuar que o êxito dos processos inte- grativos depende dos elementos ou elos do processo em vigor, a começar pela disponibilidade de mestres dotados de preparo metodológico adequado e de real vocação para o magistério. Nesse passo, por ter já tratado do assunto da formação docente, nos trabalhos evocados na nota inicial desta comunicação, prefiro focalizar outro aspecto particular, suscetível de sugerir medidas práticas por parte do Conselho Nacional de Educação. Estou convencido de que uma das tarefas mais urgentes do Con- selho é o da revisão das normas disciplinadoras da Pós-Graduação. Minha experiência, nesse domínio, me diz que a porcentagem dos pós-gra- duandos com efetiva vocação para o ensino é bem reduzida: a grande maioria visa antes, ou tão-sòmente, ao aperfeiçoamento de seus conheci- mentos, ou à obtenção de um título que projete o diplomado no campo profissional. Além disso, já há áreas que revelam exaustão no procès- so de aquisição de novos mestres, dadas as precárias possibilidades de sua absorção pelo sistema universitário. Assim sendo, dever-se-ia partir, corajosamente, para a reformulação da "Pós-Graduação", distinguindo: 1) um "Curso de Doutoramento", tão-somente em sentido estrito, com mais adequada estrutura, e mais realistas exigências de freqüência para outorga do "título de mestre e de doutor". 2) um "Curso de Aperfeiçoamento", mais maleável e diversificado, que se conclua com a expedição de "certificado", após a realização de provas cuja natureza e alcance seriam objeto de resoluções especificas; 3) um "Curso Complementar" que poderá culminar na outorga de um título de alcance profissional próprio, como se dá, na USP, com a Faculdade de Higiene e Saúde Pública que diploma médicos ou engenheiros sanitaristas; 4) e, finalmente, "Cursos de Especialização" distribuídos em múltiplas faixas, com diversidade de duração e objetivos, sem se limitarem ao simples "aperfeiçoamento" de técnicas já adquiridas no curso de graduação. Reconheço que a matéria exige mais profunda análise, para mais clara delimitação dos tipos de pós graduação aqui lembrados, mas não compareço a este Simpósio pensando fornecer receitas acabadas. Dar me- ei por satisfeito se apresentar perguntas suscetíveis de favorecer o debate sobre bases concretas. 6. Mediante os quadros ou meios de ação,propiciados pelos Cursos de Graduação e Pós-Graduação, será possível diversificar os programas de pesquisas, uns adstritos aos lindes de cada Departamento, outros de natureza interdisciplinar e transistemático, no sentido mais lato desses dois termos. A vinculação entre pesquisa e integração é bem mais profunda do que, à primeira vista, aparece, pois o exemplo das nações desenvolvidas demonstra estes fatos singulares: 1) As investigações, verdadeiramente revolucionárias ou instaura doras de novos ramos do saber, ou de novos processos técni cos, implicam a co-participação de várias áreas de conhecimen to, operando-se tal complementação tanto no relacionamento entre pesquisadores, visando a atingir objetivos que extrapolam de suas especialidades respectivas, como graças à inovadora combinação de equipamentos e tecnologias. 2) A rapidez, com que se processa o advento de novos modelos tecnológicos, tornando, de urna hora para outra, obsoletas con- quistas relativamente recentes, é de tal ordem que se impõe um contínuo processo de intercomunicação, ou de realimentação de informações, convertendo cada especialista, antes e depois da Universidade, em um estudante vitalício, para empregarmos palavras de Steven Müller, da Universidade John Hopkins. Daí a importância dos cursos de reciclagem que nos países subde- senvolvidos cabem às instituições universitárias, podendo-se contar nos dedos as empresas nacionais em condições de treinamento atualizado de seu pessoal técnico. Saliente-se que convênios com o setor empresarial para atualização de seus servidores poderia constituir fonte adicional de recursos, destinados pela Universidade aos domínios da pesquisa. Fato análogo ocorre no plano das investigações puras ou opera- cionais. onde as universidades, sob pena de grave prejuízo à comunidade, nao podem deixar de assumir a responsabilidade de realizá-las. Essa tarefa, nos domínios da tecnologia de longo alcance, acaba dando origem a institutos anexos ou parauniversitários, dos quais o ITA, de São José dos Campos, e o IPT, de São Paulo, são exemplos marcantes. Nesse sentido, aliás, impõe-se maior flexibilidade nos processos administrativos universitários, criando-se até mesmo órgãos autônomos destinados a atuar, com autonomia científico-financeira, na economia interna dos quadros da Universidade. Lembro, a esta altura, a solução por mim aventada, quando Reitor da USP, de se criar uma "Fundação Para o Desenvolvimento Tecnológico", em conexão com a Escola Politécnica, destinada a aplicar, sem entraves burocráticos, suas invenções ou aperfeiçoamentos tecnológicos em colaboração com entes públicos ou privados, como o fez com a nossa Marinha de Guerra e empresas interessadas em fabricar no Brasil computadores com base em tecnologia nacional, o que se conseguiu com êxito, logrando-se três resultados relevantes: economia de divisas para o País, e nova fonte de recursos para a Universidade, com tecnologia brasileira. Ante tais exemplos, seria o caso de perguntar-se se não se impõe, com urgência, a "desburocratização das estruturas universitárias", máxime quando constatamos a discrepante decisão da USP de subordinar aos estamentos rotineiros da burocracia comum o seu "Fundo de Construções Universitárias", cujo sucesso era fruto de sua autonomia técnico- administrativa e contábil... 7. É essencial, todavia, que não se tenha a idéia de uma Universida-de- padrão, como aconteceu quando se cuidou de converter a "Universidade do Brasil", sediada no antigo Distrito Federal, em modelo para todos os quadrantes da Nação. Esse ideal, sabem-no todos, foi transladado para o tão promovido modelo de Brasília, no fundo, mais um après- sado transplante com abandono da experiência brasileira, nao redutível por inteiro a Departamentos. Tais tentativas uniformizantes, que ainda se aninham no âmago da legislação vigente, por apego a um abstrato "princípio de simetria", é o que há de mais conflitante com a Nação brasileira que, consoante tenho dito e repetido, é plural na raiz de sua natureza e de sua história: se uma Universidade deve espelhar os valores da Sociedade Civil, cada região brasileira exigirá o modelo que melhor corresponde à imagem autêntica de suas circunstâncias peculiares. A "tríplice função" só terá validade e eficácia na diversidade dos modelos inspirados em experiências sociais concretas, muito embora deva haver exigências comuns, ou um currículo mínimo obrigatório, legitimado pelo fato da outorga de diplomas que conferem título profissional para a totalidade do território brasileiro. Ao fixar-se esse currículo mínimo, aliás, poder-se-ia cogitar de alternativas para que a formação universitária atenda também a determi- nadas disciplinas de caráter geral, a fim de superar a unilateralidade de um preparo rigidamente especializado. 8. A esta altura, poderá alguém perguntar como se poderia conciliar a ênfase dada aos valores da integração comunitária e da complementa- ridade das pesquisas, com a existência de "institutos Isolados", os quais, pela incapacidade de realizar aquelas tarefas, ficariam relegados ao os tracismo, penando no purgatório de uma cultura fragmentada, fragmentária e de restrito alcance. Por iguais razões, poderia surgir uma indaga ção sobre o destino reservado a certas universidades, já reconhecidas, "data venia", não obstante a precariedade de seus meios, máxime se ve rificada a impossibilidade de aperfeiçoá-las ainda que mediante o apoio financeiro da Fazenda Pública? Começando por essa segunda pergunta, deveras inquietante, have- ria necessidade de uma análise em profundidade, não se podendo excluir a priori a hipótese não só de revisão do reconhecimento outorgado, mas de se optar pela fusão de entidades para que surja uma Universidade efe tivamente revestida daquele mínimo de pressupostos que, a meu ver, é irrenunciável. Ou isto, ou o conformismo perante o "status quo", para vaidade de enaltecermos o grande número de universidades "conquista das". No concernente, ao problema dos Institutos Isolados, friso sua importância e urgência, pois não devemos esquecer que, do ponto de vista numérico, os institutos isolados são fonte prevalecente do ensino superior, de caráter profissionalizante, o que marca a responsabilidade que cabe ao Ministério da Educação e ao Conselho Federal de Educa ção. Creio, no entanto, que não se poderá, de antemão, excluir a possi bilidade de se completar o curso profissionalizante estrito, exigindo-se a criação neles de cursos destinados à obtenção de conhecimentos gerais, adequados a cada tipo de estabelecimento, sempre sem perda de sua possível integração no sistema de serviços devidos à comunidade. 0 pro- blema se deslocaria, em tal caso, para a elaboração de um currículo mínimo essencial, completado com outros requisitos formulados pelo CNE, em cada hipótese ocorrente, sem o que não subsistiria o reconhecimento concedido. O que não é admissível é conformarmo-nos com uma triste dicotomia, confiando às Universidades a "tríplice função", e aos Institutos Isolados apenas a missão residual de outorgar diplomas de cunho estritamente profissional... Poder-se-ia, em suma, traçar um programa de adaptação progres- siva dos atuais Institutos Isolados às normas de integração, sendo provável que essa diretriz venha a ter a virtude de operar, nessa área, como instrumento seletivo, determinando convênios entre Institutos Isolados de natureza complementar, primeiro passo para futuras "Federações", até hoje um enigma no corpo da legislação em vigor. Eis aí, prezados colegas, algumas diretrizes que espero sejam úteis a uma troca de idéias e, se viável, à adoção de algumas conclusões suscetíveis de uma revisão que nao exige, de início, necessariamente, nenhuma alteração da ordem legislativa, bastando o podernormativo do Conselho Federal de Educação, cuja experiência e saber sao garantias na escolha do melhor caminho. 1. - Cf. "Universidade Democrática", in Da Revolução à Democracia, MIGUEL REALE, Sà"o Paulo. 1977. Ed. Convívio, págs. 153 usque 169; "Humanismo e Ciência na Universidade", in O Homem e seus Horizontes, MIGUEL REALE, Ed. Convívio, São Paulo, 1980, pp. 161 usque 176; e "Universidade e Pluralismo Cultural", Op. ult. cit, pp. 179/186 e os artigos "A Crise do Ensino" e "A Crise Universitária", publicados na FOLHA DE S. PAULO, de 16 e 21 de dezembro de 1980. DEBATES Moacyr Expedito Vaz Guimarães — O Prof. Reale deu muita ênfase no seu trabalho de conter a razão daquilo que ele designou a "tríplice função". E de passagem aludiu a umas dificuldades enfrentadas pelo Ensino Superior qual seja o despreparo do alunado do 29 grau, que bate às portas da Universidade e dos Institutos Isolados. É uma realidade sem dúvida. Entretanto, quando se diz que uma das causas do baixo nível de ensino superior estaria na condição desse alunado do 29 grau, imediatamente quase que numa só reconvenção, dizem os responsáveis pelo ensino de 29 grau, que a causa está no fato de que a Universidade prepara mal os professores para o ensino de 29 grau, e, portanto, o que é causa, passa a ser efeito. Alunos preparados por professores despreparados, certamente serão maus alunos, no Ensino Superior. Então, sob este aspecto, teríamos de equacionar o problema de forma integrada para que nao ficássemos no círculo vicioso de acusações recíprocas a que nada levariam. Além desse aspecto, quando o Prof. Reale falou em "tri- plice função", lembrou-me de um outro aspecto que merece reflexão profunda: se a Universidade deve cuidar do Ensino, da Pesquisa e da prestação de serviços à comunidade, se tais aspectos devem ser conside- rados de forma integrada como disse o Prof. Reale, conseguindo assim uma tríplice função, é preciso que uma autocrítica à Universidade Brasileira volte os olhos para a deterioração do ensino na fase de graduação. Está se tornando infelizmente quase regra que os professores mais titulados, ou a partir de determinada titulação, nao mais se interessem pelo ensino de graduação. E com ele os da pós-graduação quanto os da pesquisa, pois os alunos do curso de graduação estão entregues a professores assistentes, a auxiliares de ensino, e até mesmo a monitores. Então, se cuidamos desse aspecto, é preciso também termos em mente que seria preciso haver um esforço para devolver a dignidade e a eficiência do curso de graduação. como parte integrante dessas tríplices funções não pode ele ser colocado em grau de inferioridade, nao pode ser desprezado e abandonado em benefício da pós-graduação e da pesquisa. Segundo entendi da exposição do Prof. Reale, haveria um equilíbrio das três partes da tríplice função e não é o que está ocorrendo hoje. É preciso termos a coragem de afrontar este mal, que é uma realidade, para que o curso de graduação readquira a dignidade e eficiência que tinha anteriormente e que deve continuar a ter, tratado, pela Universidade, em pé de igualdade com a pesquisa e com o serviço de tal utilidade. Eurípedes Malavolta — Eu teria dois ou três comentários a fazer e também faria algumas indagações ao Prof. Reale e, embora eu nao peça a ele receitas, eu pediria algumas diretrizes de ordem geral. Em pouco tempo, no início da manifestação do Prof. Reale, uma afirmação que ele fez e que eu acredito nao passou despercebida a ninguém: a afirmação segundo a qual a reforma universitária feita no Brasil, foi largamente baseada no modelo norte-americano, decadente, ou ultrapassado ou em vias de obsolescência. Então eu perguntaria ao Prof. Reale se na opinião dele já não estaria na hora de se tentar fazer uma avaliação dos resultados desta reforma e eventualmente fazer-se uma reforma da reforma. Eu considero essa questão fundamental para os estudos na Universidade brasileira e fundamental para que ela atinja a tríplice função que está tão bem explicada pelo Prof. Reale e que consta especificamente do estatuto da USP. 0 Prof. Reale colocou muita ênfase na ausência de distinção que deve haver. Estou de pleno acordo com ele entre aquilo que se convencionou ser chamado pesquisa pura e pesquisa aplicada. Que tipo de pesquisa a universidade deve fazer? Não há, no meu entender, nenhuma distinção real entre pesquisa pura e pesquisa aplicada. 0 que há é pesquisa boa e pesquisa que não é boa. Há um problema que eu considero fundamental e esse problema excede a esfera de competência do CFE e dos CEE: os estatutos das universidades, etc. O problema é muito mais fundamental e diz respeito à falta de diretrizes no País, em caráter nacional, em caráter regional e em caráter setorial para as pes- quisas que devam realmente ser conduzidas, no interesse do desenvolvi- mento da nação, como um todo. Todo mundo conhece os planos básicos do desenvolvimento científico e tecnológico, mas estes planos podem ter tudo, menos prioridades esclarecidas com clareza. Houve uma tentativa recente em Sao Paulo e eu nao sei por que é que a tentativa recente chamou muito menos atenção, talvez por ser séria, do que os "happenings" que se tornaram as reuniões dessa DCC. Foi uma tentativa produzida pela Sec. de Ciências e Patologia, para se fixar prioridades em todos os setores que interessam ao Estado e eventualmente ao País. Esse é um problema que eu considero fundamental, e como disse, excede os limites dos Conselhos de outros órgãos que eu mencionei. Outro pedido de esclarecimento que eu gostaria de fazer ao Prof. Reale, quando falou na especialização precoce dos cursos de graduação, eu não entendi bem o que quis ele dizer porque não elaborou muito sobre este aspecto, finalmente eu teria algumas considerações a fazer com respeito à pós- graduação. Eu concordo com aquela subdivisão das atividades da pós- graduação que o Prof. Reale comentou, mas há um outro aspecto que me preocupa bastante há muito tempo e que diz respeito aos aspectos puramente quantitativos à pós-graduação. A pós-graduação, no Brasil, foi instituída por uma série de razões, inclusive por uma premissa de que nós deveríamos ter tantos alunos matriculados no ensino superior, para que esses alunos pudessem receber essa graduação. Alunos dados para certo número de mestres. E esse número de mestres é um número mágico, que eu não sei direito de onde saiu, mas estes aspectos quantitativos na pós-graduação, no meu entender, deveriam ser considerados principalmente num contexto mais geral quanto ao número crescente de matrículas que se observa no ensino superior. Haveria necessidade realmente desse número crescente de matrículas? Newton Sucupira — Pretendo fazer algumas considerações sobre o belo trabalho do professor Reale, porque várias de suas observações em certo sentido se referem a atividades que desenvolvi não só como um dos au- tores da reforma universitária como, nesse Conselho, o autor da regula- mentação da pós-graduação. O professor Reale começa por estabelecer pressupostos com os quais estou de pleno acordo, mesmo porque tais pressupostos são, em linhas gerais, os estabelecidos pelo sistema ameri- cano que ele considera obsoletos e em crise. Foi James Perkins, então Presidente da Universidade de Cornell que fixou muito bem em seu livro "University in Transition" as três missões que hoje se consideram como inerentes à universidade, na verdade acrescentou-se ao ensino e à pesquisa a função de aplicação do saber, de prestação de serviço. Não nego que a reforma realmente inspirou-se no modelo americano, mas recuso-me a aceitar que tenha sido uma simples cópia, basta uma simples análise da reforma. Estou de acordo que se deva promover uma avaliação completa, o que não foi feito até hoje e mesmo, sob certos aspectos, uma reformada reforma. Já se passaram doze anos, vivemos momentos diversos da ocasião em que se elaborou a reforma e a univer- sidade, no mundo onde o ritmo das mudanças é tão intenso, certamente nao poderia permanecer presa a uma reforma exatamente como foi feita naquele tempo. Mas se deveríamos pensar na reforma da reforma, cabe perguntar em que medida a reforma foi efetivamente aplicada. Em que medida os poderes públicos deram às universidades os meios necessários para implementá-la. Citaríamos como exemplo o caso da autarquia em regime especial concebida exatamente para permitir maior autonomia administrativa e financeira. Esse regime nunca foi definido e o projeto de defini-lo recentemente não foi avante. Nao creio que o sistema americano seja obsoleto e insuficiente. Ocorre, hoje, que na Europa, muitas universidades estão aplicando, com outros nomes certas soluções de ins- piração norte-americana. Se o Prêmio Nobel é indicador de produtividade científica e de sua alta qualidade, até a guerra, a Alemanha detinha o maior número de Prêmios Nobel em ciências exatas e naturais. Hoje este record está com os Estados Unidos. No caso da pós-graduação estou de acordo, em princípio, com certas afirmações do professor Reale, mas diria o seguinte: as normas dizem que as universidades exigem a seleção que entenderem. Portanto se está havendo, como parece que está, absorção de elementos incapazes isto se deve à instituição universitária. O parecer 977/65 acentua que a seleção para a pós-graduação deve ser a mais rigorosa possível. Não cabe ao Conselho regulamentar esta seleção. Então o problema é das universidades. Quanto à distinção dos níveis, encontra-se já nas próprias normas. Distinguimos pós-graduação sensu stricto e sensu lato e dentro desta distinção cabem as nuances que admito perfeitamente, emprestando caráter especial à pós-graduação em medicina, que, em tôda parte adquire status especial. Miguel Reale — Em grande parte o assunto, que foi objeto de considera- ções por parte dos ¡lustres Conselheiros que pediram a palavra, envolve matéria já estudada por mim nos escritos a que faço referência. O trabalho ora lido é, digamos assim, conclusivo, baseado nos estudos enviados a este Conselho, focalizando uma série de problemas. Mas vou procurar ser breve, sintetizando os meus pontos básicos. Quando digo que o estudante bate à porta de universidade sem o devido preparo, levo em conta dois pontos fundamentais: em 19 lugar, nos cursos normais, entendo que há um excesso de exigência curricular, de tal maneira que a formação de caráter geral, que propiciava uma amplitude cultural maior, está muito comprometida. Entendo que o curso colegial desce a pormenores e preciosismos. Eu me lembro bem de um grande mestre de matemática da Itália, o prof. Fantappié, que, quando leu o programa de matemática do 39 ano colegial, me fez esta pergunta: "E dopo, che cosa studiano?" — "E depois que é que estudam?" Há, pois, uma sobrecarga nos currículos normais, o que impede ao estudante a autonomia de formação que é indispensável. Haveria necessidade, então, de uma espécie de revi- são dos currículos, nao para aumentá-los mas para decantá-los na medida em que eles estão excessivamente densos de matéria, como se a cultura fosse feita pela quantidade dos conhecimentos e nao pela formação metódica da inteligência e do espírito. 0 29 ponto, a meu ver fundamental, é que no Brasil, hoje, ao lado das estruturas normais, estão em plena função as estruturas acessórias ou supletivas. Os cursos supletivos não operam apenas no 19 grau, mas também no 29 grau, com grande deficiência e os maiores prejuízos para a cultura brasileira. Tenho a experiência de um pai, não pertencente à clase média, mas abastado, e que me confidenciou: "Meu filho primeiro vai trabalhar comigo na empresa, depois ele fará o supletivo". Desse modo, estamos correndo o risco de substituir as estruturas normais pelas formas subsidiárias ou supletivas, e isto tem afetado muito o ensino superior. Trata-se de matéria que foi aqui objeto de oportuno comentário por parte do Prof. Martins Vaz Guimarães. com referência à pós-graduação, estou de pleno acordo no sentido de que inegavelmente ela apresenta vícios internos vinculados à própria Universidade que ministra os seus cursos. Nesse ponto há coincidência entre o meu ponto de vista e a ponderação feita pelo Prof. Sucupira. A Universidade, porém, não tem amplitude de ação porque, de certa maneira, tem que seguir as normas do Conselho, e tais normas, a meu ver, precisam ser aperfeiçoadas. Observo, e com isso respondo de certa maneira a todos, que meu trabalho não tem por finalidade introduzir inovações desde a raiz do que está vigente, mas apenas avaliar a reforma indicando algumas medidas imediatas que, a meu ver, poderiam ser tomadas, sem necessidade de reformas legislativas. Realizaríamos, assim, uma reforma dentro da reforma. Acho fundamental que, desde logo, possamos tomar providências, através do Conselho, para depois passarmos à reforma mais profunda, mais ampla que seria de ordem legislativa. Julgo que, com essa pon- deração, estou respondendo também ao Prof. Malavolta, esclarecendo qual a minha posição quanto ao processo a ser obedecido na reforma almejada, que, de início, poderia dispensar a revogação das leis em vigor. No que se refere à reforma universitária, que agora estamos anali- sando, confesso que não a recebi com entusiasmo; mas, com a responsa- bilidade de Reitor da USP, procurei realizá-la com entusiasmo e fideli-de. Os professores da Universidade de São Paulo, aqui presentes, sabem com que afinco procurei executar a lei dentro da USP, suprindo lacunas e superando determinadas situações extremamente delicadas. Saliento que não concordei com certas conotações da reforma feitas para o Brasil, de maneira genérica, sem levar em conta situações específicas, e, sobretudo a autonomia dos sistemas estaduais de ensino assegurada pela Constituição. A USP, como se sabe, recusou-se a criar o "curso básico" unificado, tal como era entendido por alguns intérpretes da nova lei. É fácil compreender que, numa universidade que então recebia 6.400 alunos por ano, o pretendido "curso básico" viria corresponder à criação de uma Universidade dentro da Universidade, quando não havia o "problema da reciclagem" apresentado como um de seus objetivos básicos. Daí a decisão de aplicar a lei de maneira criadora, em função das circunstâncias regionais, realizando a integração, que se tinha em vista, graças a processos diversificados ou verticais, com dispensa de um massificante curso básico comum. Dentro desse espírito, foi criado, por exemplo, um curso básico para toda a área biomédica. Repito que não recebi a reforma com grande entusiasmo, porquanto estava prevendo aquilo que infelizmente aconteceu, que é a deterioração de muitos departamentos, apresentados como instrumentos aptos a substituir as cátedras. Trata-se de assunto relevante já tratado por mim em outros trabalhos, aos quais peço licença para me reportar. Isto não me impede, porém, de frisar que a revisão da estrutura departamental, bem como de sua colocação no todo universitário, me parece uma das tarefas mais urgentes a serem empreendidas. Também estou de acordo que nao há distinção radical entre pes- quisa pura e pesquisa aplicada e outra coisa não disse em minha comuni- cação. Por mais que se queira, porém, dizer que na pesquisa pura há sempre abertura para a aplicação prática, e, por mais que se afirme que na pesquisa operacional há sempre necessidade de pressupostos teoréticos, é inegável que há certo campo de pesquisa que nós podemos chamar "pura" porque desvinculada, desacompanhada de qualquer objetivo de utilização imediata. Diria que há pesquisa com objetivo prático ¡mediato e há outras conduzidas sem qualquer finalidadeutilitária. A comunidade pode exigir do Brasil pesquisas de caráter imediato, mas as pesquisas verdadeiramente revolucionárias têm sido aquelas nas quais o pesquisador não sabia de antemão quais poderiam ser suas conseqüências. E a esse tipo de investigações que eu chamo propriamente de "pesquisas puras". São, em suma, aquelas pesquisas cuja aplicação é imprevisível no momento que elas se realizam, nem se cuida de sua potencialidade operacional. Devo acrescentar ainda que, quando falo em especialização pre- coce, a minha observação tem sentido bem delimitado. O que quero dizer é que em certas unidades de ensino não se pretende formar apenas um médico, mas sim, desde logo, um especialista em cardiologia, pediatria ou psiquiatria, e isto tem causado grandes danos, não só para os médicos como também para a comunidade nacional, sobretudo pelo desaparecimento do chamado clínico geral. O que digo da Medicina, poderia repetir no setor da Engenharia, de cujas escolas saem especialis- tas neste ou naquele campo, sem nenhuma capacidade para utilizar os seus conhecimentos com essa plasticidade metódica e criadora que é nota característica essencial ao mundo da ciência e da própria tecnologia. É nesse sentido particular que me refiro a "especializações precoces". Quanto às observações feitas pelo prof. Sucupira, devo ponderar, preliminarmente, que a crise da universidade Americana nao é de hoje e vem sendo debatida há muitos anos. Ainda agora está sendo discutido o famoso manifesto em que os professores de Harward analisam o problema universitário norte-americano, mostrando como a crise de seus valores vem desde a segunda guerra mundial, ou seja, de período anterior ao da nossa reforma. Nao disse de maneira alguma que tenha havido mera cópia do modelo americano. A minha frase foi muito clara: "nossa reforma foi inspirada em grande parte pelo modelo americano". Ora, essa inspiração nao desdoura a ninguém, porquanto devíamos buscar inspiração nas fontes melhores, e a fonte melhor era, sem muitos pontos, a dos Estados Unidos da América. Nao estou, pois, criticando a influência americana, mas sim procurando saber como é que a comunidade brasileira se comportou ante o transplante do modelo seguido. É à luz dos dados relativos a essa "recepção", ou, por outras palavras, pelo estudo de como nos deixamos influir, segundo fins ligados às nossas circunstâncias, que devemos partir para a reforma da reforma, primeiro "interna corporis" e, depois, do plano legislativo. Que há pontos negativos na reforma quem poderá negá-los? Houve até mesmo incompreensíveis exageros, bastando lembrar que uma estreita idéia de Departamento serviu de pretexto para eliminar a possibilidade de Faculdades. Pensou-se até em extinguir a Faculdade de Direito do Recife ou a Faculdade de Medicina da Bahia, vinculadas a valores históricos da gente brasileira, e tudo pela obsessão de adotarmos uma terminologia que não se compadece com a nossa própria tradição. De maneira que houve erros e acertos nessa transposição. Devemos fazer a nossa autocrítica se é que queremos fazer a crítica da reforma. Newton Sucupira — Jamais a Reforma determinou que se eliminasse qualquer Faculdade. Há vários modelos possíveis, o que permite que regiões diversas se utilizem de tais modelos. A Reforma em nenhum momento determinou que se acabasse com a Faculdade de Direito do Recife, Faculdade de Medicina da Bahia ou a Politécnica de São Paulo. Miguel Reale — Infelizmente, Prof. Sucupira, o entendimento de V.Exa. que coincidia com o meu, não foi geralmente seguido no País e as con- seqüências foram desastrosas, É por isso que digo que o Brasil é plural no âmago de suas circunstâncias, razão pela qual a reforma teve reflexos diferentes no País inteiro. Assim sendo, devemos avaliá-la levando em conta a multiplicidade contrastante de suas aplicações. Não desejo acrescentar mais nada. Pediria apenas a atenção dos nobres colegas para o último fascículo da Revista "Diálogo", distribuída pela Embaixada Americana (Vol. 13, 1980, n9 1), que é exclusivamente dedicada às várias crises da Universidade yankee, com as discussões suscitadas pela Universidade de Harward. São crises naturais. Não penso que vamos resolver o problema de nossa Universidade. Vamos passar por outras crises, porque a crise é essencial à vida universitária. Nenhuma solução será completa. Nós damos grandes passos com a re- forma e, em outras oportunidades enalteci alguns deles, como, por exemplo, a opção pela limitação das matrículas, o "numerus clausus" com a freqüência obrigatória ou a extinção das cátedras. Neste ponto já surgem dúvidas sobre o modo como se deu a extinção. Há necessidade de se rever a competência conferida aos departamentos, para impedir conhecidos abusos. Proponho, portanto, alguns aperfeiçoamentos, mas isto significa apenas que sou partidário de uma "reforma da reforma", e não de uma revolução. As revoluções nunca dão certo no plano educacional. COMUNICAÇÃO DO PROF. ERWIN ROSENTHAL I - A CRITICA DA UNIVERSIDADE E A UNIVERSIDADE CRITICA Estamos aqui numa reunião, convocada para a discussão de temas centrais, que respeitam à Universidade Brasileira, sua realidade e suas perspectivas, inserida que se encontra em um universo político e social em rápida transformação. Foi esse Relator incumbido de enunciar algumas idéias em torno da pesquisa universitária no setor das ciências humanas, mas julga que a realização desse desiderato requer, antes de mais nada, que situe a sua concepção da Universidade. Assim seja enfocado rapidamente aquilo que dela se espera e a atitude crítica da própria Instituição, hoje vista em estado de crise, por estar exposta, mais que outra qualquer, a censuras que a atingem de fora de seus muros e a reparos nem sempre construtivos, expressos por elementos que a ela pertencem. Acresce que as condições materiais, necessárias à conservação e melhora do nível atingido, assim como à retribuição financeira condigna de seus docentes, têm sofrido severas restrições, levando muitos a diminuir a sua dedicação ao respectivo Instituto de Ensino Superior que, entretanto, não pode prescindir, sem graves danos, do esforço de todos em prol da docência e pesquisa universitária brasileira. Seja permitido evocar um exemplo da Antigüidade. Quando Tucídides descreve a peste, a assolar os atenienses em pleno estado de guerra, diz: "o pior veio a ser o estado de desânimo generalizado, ao qual se abandonavam aqueles que se viam atingidos pela terrível doença. Imediatamente abandonavam todas as esperanças, de tudo se descuidan- do e não se preocupando sequer em resistir à enfermidade". Coragem é, assim, para Tucídides o elemento primordial e manifesta-se graças a um juízo apropriado da situação que, certamente, mantém acesas as espe- ranças. Neste momento em que vemos colegas, de permeio à crise ima- ginária ou real, — e não apenas trazida de fora - abandonar a esperança num porvir melhor, desinteressando-se por aquilo que deveria ser a sua tarefa precípua e o resultado de um esforço comum, a Universidade, devemos, pelo contrário, armar-nos decididamente para resistir à enfer- midade que ameaça ampliar o vulto. A arma desta resistência só pode ser o argumento, o método a empregar no seu uso a discussão e o estilo o raciocínio, É preciso provar portanto que será possível chegar por esse caminho ao consenso e, graças a ele, à disposição da comunidade acadê- mica de garantir o progresso da Universidade Brasileira e a sua autonomia, apesar dos imensos problemas a enfrentar, entre os quais avulta o da massificação. Já em 1953 Robert M. Hutchins designou a Instituição que imaginou surgir, da University of Utopia, à qual caberia desempenhar papel de primeira grandeza na orientação da vida espiritual da nação. Já foi mencionada a evidente inserçãoda Universidade de nossos dias no Estado e na Sociedade, sendo apenas nesse contexto que a condição de sua autonomia, o que vale dizer de sua liberdade, pode ser definida. Por outro lado é evidente, pela sua própria organização, que a Universidade é reflexo do Estado e da Sociedade em que se situa o que, por sua vez, leva ao paradoxo de caber a ela expressar aquilo que dela se espera. Poderíamos formular de maneira inversa: as exigências e expectativas, parcialmente justificadas, com que a Universidade se defronta no julgamento da Sociedade em torno, seja por opiniões expressas em Assembléias, Associações ou Sociedades, seja através de pronunciamentos através de rádio, televisão ou imprensa, refletem a conscientização de problemas e dúvidas surgidas dentro da própria Instituição Universitária. Assim podemos formular dois princípios que nos parecem axiomáticos em se tratando de firmar a posição da Universidade de hoje. 19 — A opinião pública e o Estado podem esperar da Universidade que ela desperte a consciência social no sentido de justificar a sua própria existência; 29 — A Universidade precisa responsabilizar-se pela formação sólida de um número representativo de cidadãos que, em número e em qualidade, venham a corresponder às necessi- dades da Sociedade em que está inserida, assim como ao progresso científico. As pesquisas realizadas na Universidade têm de alcançar nível e intensidade tais que possam con- correr com as pesquisas e realizações de povos de respeitá- vel tradição científica. Nossa Universidade fundamentou-se, desde os seus inícios, no velho princípio humboldtiano da integração Ensino e Pesquisa, convencida de que aos mais qualificados docentes universitários cabe exercer a função dupla de pesquisadores e professores, procurando para tanto encontrar métodos racionais e econômicos. A preferência absoluta pela formação profissional é, nesse sentido, descabida, pois corresponderia a uma negação do próprio espírito universitário. Já se disse que "para isso bastariam escolas profissionais bem equipadas e com bons professores, limitadas a produzir os técnicos que a nação requer, sem uma preocupação realmente formadora, sem cuidar da articulação do todo do saber. Em uma palavra, a Universidade forma também profissionais; não se destina fundamentalmente a formá-los" [in Roque Spencer Maciel de Barros, Ensaios sobre Educação, pag. 203). Não é concebível, por outro lado, que a pesquisa seja tratada como atividade meramente subsidiária, como se fosse um 'hobby' dos docentes, e não a sua mais sagrada função, pois é inegável que as Universidades devem sempre ocupar a posi-ção-chave, o 'centro' do progresso científico da Nação, se quiserem sobreviver como instituições destinadas à busca das verdades sempre renovadas, das realidades que emergem de um presente em contínua transformação. Permitimo-nos citar aqui trecho de comunicações divulgado após uma das Conferências dos Reitores da Alemanha Federal, esta realizada em 1976, pois reflete bem a filosofia que preside à pesquisa nas Escolas Superiores daquele país. "A pesquisa é o fundamento da docência científica. A docência nas Universidades deve ser uma docência embasada nos conheci- mentos mais atualizados. Só assim as Escolas Superiores poderão cumprir a sua missão de formar a nova geração de cientistas, ne- cessários à sobrevivência da própria Sociedade. Só podem opinar a respeito de quais sejam os conhecimentos mais atualizados, aqueles que pessoalmente realizam pesquisa de vanguarda. Por isso, somente aquele que estiver diretamente envolvido na pesquisa poderá ser responsável pela transmissão escrita e falada dos co- nhecimentos aos estudantes." O espírito científico, sem o qual a Universidade não pode existir, é exatamente conseqüência da integração dessa docência e pesquisa, que terá de tornar-se realidade absoluta nas universidades brasileiras, se real- mente pretendermos dar projeção às suas realizações e que respeitados os diversos campos, são muitas vezes surpreendentes em segmentos indi- viduais, mas carecem em geral da continuidade, do "espírito de equipe" e daquilo que antigamente se denominava de "escola". É claro que entre nós, com uma Universidade relativamente nova e uma ainda incipiente tradição de pesquisa, não se pode pretender abarcar todas as linhas de pesquisa de importância e nem alcançar nível de excelência em todos os campos do saber. O atraso tecnológico e científico em determinados setores existe e continuará existindo; algumas realizações de escol não escondem essa realidade! Nem as disponibilidades orçamentárias para as Universidade, e nem os nossos cientistas chegarão a curto prazo a levar a pesquisa brasileira à vanguarda nos principais campos das ciências exatas, aplicadas e humanas, mas critérios de preferência terão de ser esta- belecidos e seguidos em âmbito nacional, e a criação de uma teoria cien- tífica do planejamento de pesquisas poderia vir a ser uma das mais úteis medidas a ser empreendida no campo da política científica a guiar o nosso futuro científico-técnico. As linhas de pesquisa teriam de ser cuidadosamente planejadas num consenso geral dos responsáveis e em clima de absoluta liberdade acadêmica, sem o que toda a pesquisa se desfigura, tornando-se dirigida, discricionária e autoritária. Afinal, a Universidade é uma Instituição racional, capaz de refletir autocriticamente sobre suas responsabilidades perante a Sociedade e deve, por isso mesmo, ser capaz de despertar esse raciocínio autocrítico entre seus estudantes. Eis uma incumbência ao mesmo tempo científica e política. As Ciências não podem senão ter as suas preferências políticas sempre e somente inclinadas para o lado em que são defendidas as suas liberdades fundamentais. E, baseadas nas liberdades políticas básicas, precisam res- peitá-las como tais. Têm de desenvolver formas da vida universitária, da gestão acadêmica e do ensino superior, que obriguem os docentes e os discentes a utilizá-las com respeito mútuo, pois só elas garantem a força moral da Universidade no seio do Estado e da Sociedade. Não há dúvida nenhuma de que o mais importante critério desta verdade é o da dignidade humana. Ações destinadas a ferir essa dignidade, ou a provocar outros a feri-la, subvertem os pressupostos políticos e morais da razão. uma Universidade que batalha em prol de uma razão livre: eis a tarefa da Universidade que todos temos de almejar, uma Universidade que, neste sentido, pode ser chamada de crítica. II - FORMULANDO O CONHECIMENTO A SER ENSINADO Mencionamos atrás linhas de pesquisa, que teriam de ser estabele- cidas para que também no campo das ciências humanas - ao qual se cir- cunscrevem essas breves considerações —, se registre efetivo progresso não de certos problemas peculiares mas de todo um complexo científico de interesse atual. Voltamos ao assunto porque se nos afigura como o mais importante talvez, na atual fase dos trabalhos de pesquisa acadêmica. Em 1968, Anísio Teixeira exclama: "A grande transformação moderna, que é a escola de pós-graduação, a escola de pesquisas (grifos nossos), a escola que irá formular o conhecimento humano para ser en- sinado, não chegou a existir no Brasil. Nosso problema hoje, em 1968, era o problema de Humboldt na Alemanha em 1809, e era o problema da América, em 1875, quando sob a influência do ensino germânico, lançou as bases da universidade totalmente devotada à escola de pós-graduação e, unindo Harward e ainda Wisconsin e Minnesota a John Hopkins criou o ensino pós-graduado da América, que data de 1875. Se formos felizes, dataremos da próxima década de 1970 a nossa fase de pós graduação. Na reestruturação, que agora se anuncia, esboça-se esse novo espírito." (uma perspectiva da educação superior no Brasil pag. 47). E no mesmo depoimento, aliás prestadoà CPI da Câmara dos De- putados sobre o ensino superior do País, havia dito (pag. 29): "A introdução da ciência na universidade deu-se, em todo o mundo, na segunda metade do século XIX. Pode-se dizer que só na Alemanha se iniciou no princípio do século XIX, quando aquele país lançou a idéia de que universidade era pesquisa. Essa pesquisa era realizada tanto no campo de humanidades, como no campo das ciências físicas e naturais. Vejam bem o detalhe: antes desse período, antes de Humboldt, toda a universidade estava a aprender um conhecimento já existente e já formulado pelos livros antigos. com Humboldt, surge para a universidade a função de se elaborar a cultura que vai ser ensinada. Esse ponto parece-me extremamente importante. Assim como a universidade da Idade Média elaborou a cultura da Idade Média, a universidade da Idade Moderna teve de elaborar a cultura moderna para ensiná-la. Então, não se trata de dizer apenas que a universidade precisa dedicar-se à pesquisa. Ela tem de formular o conhecimento que vai ensinar, o qual não existe ainda." com estas palavras, Anísio Teixeira não só previu a "década da pós- graduação", cujos frutos talvez tenha superestimado, porque fatores adversos contribuíram para o enfraquecimento do qual ainda trataremos, mas expressou a idéia importantíssima de que a universidade moderna será verdadeiramente de pesquisa, "quando formular a cultura que vai ensinar". Entretanto, existe de fato tal Universidade em nosso meio? A nossa universidade, no sentido mais corrente, é ainda aquela que, sob administração comum, reúne alguns conhecimentos de ensino superior, que podem ter recebido ou não novas denominações, mas que nada mais sao senão as extensões das antigas Faculdades as quais, no seu conjunto, constituíam a Universidade anterior à Reforma e onde, individualmente, se ligavam ensino e pesquisa com a finalidade de formar um profissional específico, médico, engenheiro ou advogado. Foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras esboçada para dar um novo caráter a esses institutos que vivem lado a lado, mas não chegam a constituir uma comunidade que "crie ou formule cultura", ou ainda "articule o saber num todo coerente", como o exigiria a função precípua da Universidade. Por outro lado existem Universidades mais modernas no Brasil constituídas da reunião de Institutos chamados de "centrais" ou "básicos", a que se ligam instituições concebidas dentro do esquema tradicional. Aqui, o problema é abordado de outra forma, sendo as disciplinas básicas para determinados cursos agrupadas, de tal forma que alunos realmente destinados a Institutos de diferentes designações ali se agrupam, em um esforço de concentração de recursos e material sendo assim reunidos também docentes que, pelo sistema anterior, estariam dispersos por várias Faculdades. Nao ousamos sugerir qual dos dois tipos mais satisfaz ao ensino superior de nossos dias, mesmo porque a Universidade ideal seria uma Instituição diferente, formada por núcleos centrais, nos quais seriam absorvidos currículos variados, todos eles voltados para aquelas parcelas do saber que, reunidas, formariam a síntese da cultura de nossos dias. Esse desiderato seja talvez utópico, mas nao teria neces- sitado de sê-lo no sistema de pós-graduação, introduzindo nos primeiros anos da década de setenta na Universidade brasileira, mas infelizmente sem produzir até agora aquela "formulação cultural" que a firmaria como a força magna do país, a serviço da verdade e da liberdade. Isto nao significa, de modo nenhum, que pesquisas não sejam realizadas; o que aqui desejamos ilustrar com alguns poucos dados da Universidade de São Paulo, a que pertencemos, e — em caráter mais específico — a uma área de ação, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde entre inícios de 1973 e fins de outubro de 1980 foram apresentadas 704 pesquisas, das quais 476 sao dissertações de mestrado e 198 teses de doutoramento, e as restantes teses de livre-docência. Sao pesquisas realizadas em dezoito áreas diversas do campo do nosso enfoque, pre- dominando a Sociologia com 64 mestrados e 35 doutoramentos, mas destacando-se também as áreas de História Social, de Lingüística, de Geografia Humana, Teoria Literária, História Econômica e as Letras em geral. Apenas em 1980 foram realizados 65 doutoramentos (32 em 1979) e 116 mestrados (101 em 1979, demonstrando — sob esse ponto de vista — a pujança de um único Instituto. Os dados, referentes a tôda a Universidade, foram publicados até 1976, mas conseguimos obter, graças à gentileza da Coordenadoria de Assuntos Culturais da USP, informações precisas para o biênio de 1977/1978, estando em fase de reunião os dados referentes a 1979 e 1980, no que se refere às pesquisas em andamento. Apresentando aqui uma visão genérica, temos na Universidade de São Paulo, no biênio referido, uma indicação de 900 pesquisas em fase de realização no campo das Ciências Humanas, distribuídas da seguinte forma pelas Faculdades, Institutos e Museus: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas — 431; Faculdade de Direito — 137; Faculdade de Economia e Administração - 123; Faculdade de Educação — 71; Escola de Comunicações e Artes — 65; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo — 27; Museu Paulista — 25; Instituto de Estudos Brasileiros — 12; Museu de Arqueologia e Etnologia — 11; Instituto de Pré- História - 3. E já que estamos no campo dos dados, vejamos informações de outro tipo. A natureza das pesquisas foi, na grande maioria dos casos, indicada como teórica ou teórico-aplicada; poucos são os pesquisadores na nossa área que, em resposta ao questionário específico, afirmam ser a natureza do seu trabalho aplicada, e os objetivos assinalados seguem tal informação. Os campos específicos, mais freqüentemente indicados em cada Unidade, podem assim ser resumidos: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas: Estética, Filosofia da Arte, Filosofia Política e Epistemologia; Antropologia Social, Ciência Política, Sociologia da Educação, Sociologia Econômica, Sociologia Urbana e Sociologia Agrária; Língua, Literatura Brasileira, Literaturas Modernas Estrangeiras, Teoria da Literatura; História Social e História Econômica; Geografia Humana e Geografia Física. Faculdade de Direito: Direito Econômico, Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Internacional, Direito Civil,Direito Admi- nistrativo, Filosofia do Direito, Direito Processual Civil e Ação Penal. Faculdade de Economia e Administração: Mercado de Trabalho, Economia Espacial, História Econômica Brasileira, Economia Urbana, Processamento de Dados, Agricultura, Recursos Humanos, Computação - Sistemas de Informação; Economia Brasileira, Economia Monetária, Economia Agrícola, Administração de Empresas, Marketing e Economia de Empresas. Faculdade de Educação: História da Educação, Psicologia Educacional, Psicologia Social, Filosofia da Educação, Orientação Educacional, Aprendizagem, Administração Escolar. Escola de Comunicações e Artes: História das Artes, Artes Plásticas, Teatro Brasileiro, Biblioteconomia, Filosofia da Comunicação, Comunicação e Educação, Comunicação e História, Jornalismo, Música e Ensino, Música Contemporânea, Cinema Brasileiro, Documentação. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo: História da Arquitetura, Estética de Projetos, Tecnologia da Arquitetura. Museu Paulista: Arqueologia Brasileira, Etnologia, e Geografia Humana. Institutos de Estudos Brasileiros: Literatura Brasileira, História de São Paulo e Artes Plásticas. Museu de Arquelogia e Etnologia: Etno-História. Instituto de Pré-História: Antropologia Pré-Histórica e Etnologia. Por outro lado podem as principais entidades subvencionadoras de projetos individuais ou coletivos ser agrupadas:
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