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Presidente da República Federativa do Brasil Fernando Henrique Cardoso Ministro da Educação e do Desporto Paulo Renato Souza Secretário Executivo Luciano Oliva Patrício Secretária de Educação Especial Marilene Ribeiro dos Santos Educação Especial Deficiência Mental SÉRIE ATUALIDADES PEDAGÓGICAS 3 Ministerio da Educação e do Desporto Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 6° andar, sala 600 CEP 70047-901 - Brasília - DF Fone: (061) 214-8651 - 226-8672 Fax(061) 321-9398 B823d Brasil. Secretaria de Educação Especial Deficiência mental / organizado por Erenice Natalia Soares Carvalho. - Brasília : SEESP, 1997 150 p. - (série Atualidades Pedagógicas; n. 3) 1. Deficiência mental CDU 376.4 Série Atualidades Pedagógicas - n.3 Esta publicação foi realizada dentro do acordo MEC/UNESCO APRESENTAÇÃO O Ministério da Educação e do Desporto lançou em 1995 a TV Escola, um canal exclusivo, via satélite, para promover a capacitação e atualização permanente dos professores. No ano de 1997, a Secretaria de Educação Especial organizou, entre outras, uma série composta de sete fascículos sobre "Educação Especial - Deficiência Mental" para serem veiculados no referido canal. Por entender essa série como um recurso valioso na instrumentalização de professores para atuar com alunos portadores de deficiência mental, a Secretaria de Educação Espe- cial resolveu editar o material sob forma de livro. Espera-se que este material possa fornecer subsídios aos educadores que se dedicam ao trabalho com alunos portadores de deficiência mental, transmitindo informações sobre as necessidades especiais na educação desses alunos, bem como sobre os avaços quanto à concepção da deficiência mental e às novas formas de abordar a educação e a integração escolar e social deste alunado. Marilene Ribeiro dos Santos Secretária de Educação Especial SUMÁRIO FASCÍCULO 1 -A concepção de deficiência •A deficiência na humanidade 12 • A concepção atual de deficiência 19 FASCÍCULO 2 - Deficiência mental • Conceito de deficiência mental 27 • Incidência e diagnóstico 31 • Prevenção 34 • Questões educacionais e de cidadania 35 • Anexos 45 FASCÍCULO 3 - O bebê com deficiência mental •Aspectos de desenvolvimento 58 •Abordagem educacional - programa de estimula- ção precoce 61 • Serviços comunitários 65 •Trabalho interdisciplinar 66 FASCÍCULO 4 - Crianças de quatro a seis anos com deficiência mental • Aspectos de desenvolvimento 73 • Educação infantil de quatro a seis anos 77 •Adaptações curriculares 78 •Questões de segregação/integração por meio de modelo de atendimento 80 • Serviços comunitários 81 • Possibilidades de trabalho interdisciplinar 81 FASCÍCULO 5 - A criança de sete a onze anos com deficiência mental • Aspectos de desenvolvimento 89 • Educação escolar e questões de segregação/inte- gração por meio de modelos de atendimento 92 •Adaptações curriculares 97 • Serviços comunitários 98 • Possibilidade de trabalho interdisciplinar 99 FASCÍCULO 6 - O adolescente com deficiência mental • Aspectos de desenvolvimento 107 • Educação para o trabalho 115 •Segregação e integração pelos modelos de atendi- mento 118 • Adaptações curriculares 119 • Serviços comunitários 121 • Possibilidade de trabalho interdisciplinar 121 FASCÍCULO 7 - Adulto com deficiência mental •Aspectos de desenvolvimento 129 • Inserção no mercado de trabalho 138 •Constituição de família 142 •Segregação e integração pelos modelos de atendi- mento 144 FASCÍCULO 1 A CONCEPÇÃO DE DEFICIÊNCIA CURSO Por que preparar professores para o atendimento educacional às pessoas com deficiência mental? Espera-se do educador, de um modo geral, que tenha os conheci- mentos adequados sobre o que pretende ensinar, as habilidades neces- sárias à organização e à transmissão do saber escolar aos seus alunos, o conhecimento das metas educacionais, das relações estabelecidas no âmbito da escola e a consciência das relações entre a escola e a socie- dade. Ao educador que se dedica ao trabalho com alunos portadores de deficiência mental alguns requisitos são acrescentados: que conheça as particularidades da educação desses alunos, suas potencialidades e ne- cessidades especiais, bem como os avanços quanto à concepção da deficiência mental e às novas formas de abordar a educação e a integração escolar e social de seus portadores. Esse curso tem a finalidade de contribuir para a preparação desse pro- fessor, ressaltando, evidentemente, a Importância de suas características pessoais de flexibilidade, comprometimento e criatividade, dentre outras, que, associadas à competência técnica, estarão lhe capacitando para um efetivo exercício profissional. Como essa preparação será feita? A preparação realizar-se-á por meio de uma série de sete programas com informações mais detalhadas para que o professor possa aprofundar e refletir sobre a temática da deficiência mental. O conteúdo está organizado em sete fascículos que abordam os se- guintes temas: Fascículo 1 A concepção de deficiência - A deficiência na humanidade - A concepção atual de deficiência Fascículo 2 Deficiência mental - Conceito de deficiência mental - Incidência e diagnóstico - Prevenção - Questões educacionais e de cidadania - Anexos Fascículo 3 O bebê com deficiência mental - Aspectos de desenvolvimento - Abordagem educacional - programa de estimulação precoce - Serviços comunitários - Trabalho interdisciplinar Fascículo 4 Crianças de quatro a seis anos com deficiência mental - Aspectos de desenvolvimento - Educação infantil de quatro a seis anos - Adaptações curriculares - Questões de segregação/integração por meio de modelo de atendimento - Serviços comunitários - Possibilidade de trabalho interdisciplinar Fascículo 5 A criança de sete a onze anos com deficiência mental - Aspectos de desenvolvimento - Educação escolar e questões de segregação/integração por meio de mo- delos de atendimento - Adaptações curriculares - Serviços comunitários - Possibilidade de trabalho interdisciplinar Fascículo 6 O adolescente com deficiência mental - Aspectos de desenvolvimento - Educação para o trabalho - Segregação e integração pelos modelos de atendimento - Adaptações curriculares - Serviços comunitários - Possibilidade de trabalho interdisciplinar Fascículo 7 Adulto com deficiência mental - Aspectos de desenvolvimento - Inserção no mercado de trabalho - Constituição de família - Segregação e integração pelos modelos de atendimento FASCÍCULO 1 FASCÍCULO 1 OBJETIVOS Este é o primeiro fascículo da Série Educação Especial e tem por objetivo Instrumentalizar o professor para atuar com alunos portadores de deficiência mental. O fascículo visa a fornecer subsídios para que esses professores alcancem os seguintes objetivos: - entender a evolução do conceito de deficiência; - identificar as raízes históricas das atuais atitudes sociais de discri- minação e preconceito; - analisar os antecedentes históricos das posturas segrega- cionistas atualmente observadas pela comunidade escolar quanto à educação da pessoa portadora de deficiência. A deficiência na humanidade Quando uma criança nasce com uma deficiência começa para ela e sua família uma longa história de dificuldades. Não é apenas a deficiência que torna difícil a sua existência, mas a atitu- de das pessoas e da sociedade diante de sua condição. As seguintes indagações surgem naturalmente: Como ser diferente numa sociedade altamente padronizada, que reco- nhece as diferenças entre as pessoas, mas tem para todas elas uma expecta- tiva de desempenho que não admite limitações ? Como lidar comas atitudes sociais que adotam formas de classificação para distinguir e separar as pessoas, categorizando-as entre duas posições opostas - fortes e fracos, competentes e incompetentes, rápidos e len- tos ou capazes e incapazes? São perguntas complexas para serem respondidas e situações di- FASCÍCULO 1 ficéis de vivenciar por parte das pessoas com deficiência e de suas famílias, uma vez que a sociedade fundamentada nessas classificações exclui as pes- soas e restringe as suas oportunidades na vida. Ser portador de deficiência nunca foi fácil, nem "aceitável", com base nos padrões de normalidade estabelecidos pelo contexto sociocultural. Desde a Antigüidade até os nossos dias, as sociedades demonstram di- ficuldade em lidar com as diferenças entre as pessoas e de aceitar as que são portadoras de deficiência. A humanidade tem toda uma história para comprovar como os cami- nhos das pessoas com deficiência têm sido permeados de obstáculos, ris- cos e limitações. Como tem sido difícil a sua sobrevivência, desenvolvimen- to e convivência social. Pessoas nascem com deficiência(s) em todas as culturas, etnias e ní- veis socioeconómicos e sociais. Em todos os tempos e épocas, sabe-se que pessoas nascem ou tornam- se portadoras de deficiência: cegas, surdas, com limitações intelectuais ou físicas, etc. A forma de conceber a deficiência socialmente e de lidar com os seus portadores têm variado ao longo dos séculos, bem como o seu atendimento. As deficiências não são fenômenos dos nossos dias. Sempre existiram e existirão. Atualmente, os preconceitos ainda existem em diferentes graus, os mi- tos são perpetuados, as contradições conceituais prevalecem, assim como as atitudes ambivalentes, as resistências, a inaceitação e as diversas formas de discriminação. Não que seja um sinal dos tempos modernos, nem dos avanços do co- nhecimento contemporâneo, nem da evolução dos costumes ou dos valores essências do homem. Ao contrário, têm raízes históricas e culturais. As atuais posturas discriminativas fortaleceram-se no tempo, no equívoco com- partilhado e transmitido culturalmente. FASCÍCULO 1 - As pessoas com deficiência são tratadas com discriminação e preconcei- to em nossos dias, em quase todas as culturas. Os registros históricos comprovam que vem de longo tempo a resistência para a aceitação social das pessoas com deficiência e demonstram como as suas vidas eram ameaçadas. Os dados históricos a seguir, compilados de Misés ( 1977 )1 revelam essa evidência: Entre os romanos, no início da era cristã, os preceitos de Seneca (filósofo e poeta romano nascido em 4 a. C. ) assim estabeleciam: "Nós matamos os cães danados, os touros ferozes e indomáveis, de- golamos as ovelhas doentes com medo que infectem o rebanho, asfixia- mos os recém-nascidos mal constituídos; mesmo as crianças, se forem débeis ou anormais, nós a afogamos: não se trata de ódio, mas da razão que nos convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê- las. " (Sobre a Ira, I, XV) As pessoas com deficiência eram vistas dessa forma e a ignorância cultu- ral prevalecente gerava contra elas condutas hoje consideradas crimino- sas contra elas. Na Grécia antiga, onde a perfeição do corpo era cultuada, os portadores de deficiência eram sacrificados ou escondidos, como relata o texto de Platão: "Quanto aos filhos de sujeitos sem valore aos que foram mal constitu- ídos de nascença, as autoridades os esconderão, como convém, num lu- gar secreto que não deve ser divulgado. " (A República) Por outro lado, entre os romanos e gregos antigos, havia divergências e ambivalencias quanto às maneiras de ver e considerar os portadores de defi- ' 0 autor realiza um levantamento histórico detalhado da concepção da deficiência mental desde a Antigüidade. ciência. Enquanto em alguns lugares de Roma elas podiam ser mortas, em outros eram submetidas a um processo de "purificação", para livrá-las dos seus maus desígnios. Na Idade Média os portadores de deficiência, os loucos, os crimi- nosos e os considerados "possuídos pelo demônio" faziam parte de uma mesma categoria: a dos excluídos. Deviam ser afastados do conví- vio social ou, mesmo, sacrificados. É importante lembrar, entretanto, que a Idade Média se estendeu por um longo período da história da humanidade, marcado por diversos sentimen- tos frente aos portadores de deficiência: rejeição, piedade, proteção e, até mesmo, supervalorização. Esses sentimentos e atitudes eram radicais, ambivalentes, marcados pela dúvida, ignorância, religiosidade e se ca- racterizavam por uma mistura de culpa, piedade e reparação. De um modo geral, as atitudes sociais se fazem acompanhar de providências de ações e de cuidados. Em razão dos sentimentos e conhecimentos de cada época da His- tória, as pessoas portadoras de deficiência eram tratadas de uma ou de outra maneira: abandonadas em locais de isolamento, prisões, ambi- entes de proteção, hospitais, sendo todos esses atos justificados na cultura local e no momento histórico. Sabemos que a humanidade transmite o seu legado para as gerações que se sucedem. As convicções mudam, os conhecimentos se multiplicam e passam a explicar de formas diferentes os diversos fenômenos. Sobre a concepção de deficiência a História revela igual trajetória. Santo Agostinho ( 354 - 430 d. C) atribuía à deficiência mental a culpa, punição e expiação dos antepassados pelos pecados cometidos. A respeito as crianças com deficiência, expressava: "São às vezes tão repelentes que não têm mais espírito do que o gado. " (Contra Julianum Pelagionum) São Tomás de Aquino, seis séculos mais tarde, propõe outra explicação para a deficiência: FASCÍCULO 1 "... é uma espécie de demência natural, não é absolutamente um pecado. " Mesmos os doutores da Igreja tinham um entendimento contraditó- rio e minimizado das pessoas com deficiência. Temos talado até aqui, professor, em contradições entre os povos, entre os pensadores e lembramos que a Idade Média cobre uma longa extensão de anos. 0 seu período é compreendido, por consenso dos historiadores, entre os anos de 476 (Queda do Império Romano do Ocidente) e 1453 (Que- da do Império Romano do Oriente). O período é longo e estamos nos referindo a locais e culturas variadas. São diferentes, portanto, as diversas posições predominantes. Em algumas culturas e épocas, os portadores de deficiência chegaram a gozar de certos privilégios. Um exemplo dessa natureza durante a Idade Média pôde ser visto na Inglaterra no século XIII, onde os portadores de deficiência mental eram protegidos por lei, tendo direito a um tutor e a um curador para cuidar dos seus bens, chegando mesmo a gozar da tutela do próprio rei. A França, também, adotou essa prática por orientação do rei Felipe, o Belo. Esse período exemplifica, ainda, algumas manifestações de valorização dos portadores de deficiência. Em algumas localidades, eram considerados possuidores de poderes sobrenaturais e protegidos pela comunidade. A Idade Média reproduziu as mesmas contradições observadas na Anti- güidade a respeito das deficiências. Havia uma posição ambígua: por um lado, marca da punição divina, a expiação dos pecados; por outro lado, a expressão do poder sobrenatural, o privilégio de ter acesso às verdades inatingíveis para a maioria. Recordando: Do que foi relatado depreende-se que na Antigüidade e no período co- nhecido como Idade Média, os portadores de deficiência eram vistos de formas antagônicas: FASCÍCULO 1 FASCÍCULO 1 - sacrificados, como um mal a ser evitado; - privilegiados, como detentores de poderes; - perseguidos e evitados, como possuídos pelo demonio ou por repre- sentantes do mal; - protegidos e isolados, como insanos e indefesos; - lamentados, como reparadoresde pecados cometidos contra Deus. Todas essas formas de conceber e explicar a existencia dos portadores de deficiência retratam como as diversas culturas, ao longo dos séculos, têm dificuldades de compreender as diferenças entre as pessoas e de lidar com elas. Mas, a história continua... A fase do Renascimento, que sucedeu à Idade Média, trouxe mais pers- pectivas humanísticas. O portador de deficiência passou a ser visto de uma maneira mais natu- ral, embora não mais aceitável. Ficou reconhecida a sua condição humana - menos sobrenatural - embora essa visão ainda possa ser observada em nos- sa época. A deficiência passou a ser explicada por um prisma de causalidades na- turais, embora passasse a ter um caráter patológico. Não se trata de evolu- ção, mas, fala-se em etiologias naturais, em visões médicas e concepções mais racionais. Esse pensamento permaneceu até ao advento da ciência, no século XVIII. A concepção de deficiência e de seus portadores permaneceu marcada por preconceitos, desvalorização e por incapacidade predominante. A época foi caracterizada pela pergunta: deve-se buscar ajuda para os seus males físicos e mentais em terapias e medidas educacionais? As dúvidas fundamentavam-se nas idéias de degenerescencia herdadas do século XVI, segundo as quais os portadores de deficiência mental eram herdeiros de insuficiências humanas, como visto no texto de referência: "Por seus pais, alguns, entre os imbecis, recebem um caráter here- ditário, e são causas internas que são, então, responsáveis pela imbeci- FASCÍCULO 1 lidade; daí decorre muitas vezes que, como os homens ativos e inte- ligentes concebem seres semelhantes a eles, assim também os im- produtivos concebem crianças de espírito embotado. " A concepção de doença, de inadequação e insuficiência associada à deficiência perpassa o século XVII. A partir do século XVIII as tentativas educacionais se iniciam, quando o médico Itard procedeu ao atendimento de Vítor, o menino selvagem encon- trado nas florestas de Aveyron, na França. Novamente a ambivalência prevalece, a despeito dos avanços científicos que buscavam um entendimento mais adequado das deficiências. É inesquecível a atitude dos nazistas que sacrificaram os portadores de deficiência em razão da possibilidade de gerarem outros em iguais condi- ções. 0 século XX chegou trazendo toda a herança das crenças, dos mitos, dos preconceitos, da desvalorização, a despeito da evolução até então alcançada. As tendências segragacionistas marcaram o século, como expressam os textos de referência: "...esse caráter hereditário da deficiência mental, é preciso identificá-la e tratá-la. Quanto ao tratamento a ser aplicado, a segrega- ção em colônia parece, no atual estado dos conhecimentos, um método ideal e perfeitamente satisfatório. " No texto de referência, de 1912, é demonstrada com clareza, o teor do entendimento equivocado e preconceituoso prevalecente no meio culto e especializado da época: "Todo deficiente mental e, sobretudo o imbecil leve é um criminoso em potencial, que não tem necessidade de um meio ambiente favorável para desenvolvere exprimir suas tendências criminosas... torna-se en- tão indispensável que essa nação adote leis sociais que assegurem FASCÍCULO 1 que esses incapazes não propagarão a sua espécie. " Quando buscamos as raízes da discriminação social que ainda persiste em nosso meio social e cultural, ela aí está: no passado, na História. Quando se pensa na deficiência como uma doença, como um estado de insuficiência humana, uma condição degradante, um mal a ser evitado, de onde vêm essas idéias? Do passado! A concepção atual de deficiência Que concepção de deficiência prevalece atualmente? Pode-se considerar que houve certa evolução na forma de se conceber a deficiência e de se considerar os portadores de deficiência nos dias atuais. Estamos, entretanto, vivenciando, ainda, uma fase assistencialista. A pessoa deficiente é vista como aquela que precisa de ajuda e há os que se dedicam a esse atendimento, conferindo-lhe um caráter muitas vezes carita- tivo. Os técnicos, mesmo os especializados, são vistos como beneméritos, e as pessoas que se dedicam como voluntárias à causa dos portadores de deficiência, as que criam as instituições e lutam pela sua manutenção, cos- tumam ser exaltadas pelo seu espírito humanitário. Pode-se falar em evolução na forma de conceber os portadores de defi- ciência? Julgamos que sim, se tomarmos a História como referência. Que dificuldades ainda persistem? Dentre os acertos e desacertos, as ambivalencias e contradições que ainda marcam o comportamento e as atitudes frente à deficiência, alguns pontos são consensuais: - as pessoas com deficiência ainda são identificadas e socialmente rotu- ladas; - tende-se a generalizar as suas limitações e a minimizar os seus potenciais; - a deficiência está sempre tão presente e enfática para o seu porta- FASCÍCULO 1 dor e para os que o cercam, que justifica os seus sucessos e fracassos, os seus atos e realizações. Mas, aos poucos, estamos evoluindo. A deficiência, por certo, vem per- dendo a sua natureza maniqueísta, seu caráter de bem ou de mal, de luz ou de trevas. Começa a ser vista como uma condição humana. Os documentos de direitos humanos internacionais, os movimentos em prol das minorias, os discursos ideológicos e políticos, as novas legisla- ções, todos apontam para uma crescente evolução do conceito de deficiên- cia e das reais condições de seus portadores como pessoas de direitos, com necessidades de inserção e de integração social. Os movimentos internacionais pelos direitos humanos, desenca-deados desde o início do nosso século, têm propiciado, de maneira crescente, uma visão mais favorável e valorizada das pessoas com deficiência. Ultimamente, os mitos começam a ser derrubados. Os portadores de deficiência começam a acreditar mais em si mesmos e a lutar em causa própria. Do respeito às diferenças passou-se ao direito de tê-las. Mais importante do que respeitar as diferenças tem sido encontrar as afinidades e as similaridades entre valores, expectativas, desejos, gostos e convicções - também tão comuns entre os seres humanos... FASCÍCULO 1 VERIFICANDO SUA APRENDIZAGEM Após leitura cuidadosa do texto, responda às seguintes questões, de modo a verificar o seu entendimento do conteúdo do Fascículo. 1. Assinalar com um (V) as afirmativas verdadeiras e com (F) as fal- sas: a. ( ) desde a Antigüidade as pessoas com deficiência são tratadas com discriminação pela sociedade em que vivem; b. ( ) em países desenvolvidos, as deficiências não ocorrem porque esses países dispõem de recursos financeiros que impedem o seu apareci- mento; c. ( ) os preconceitos seculares que cercam as deficiências estão na base das atuais atitudes de discriminação e desvalorização das pessoas com deficiência; d. ( ) os avanços tecnológicos atuais são suficientes para acabar com os preconceitos; e. ( ) só o aprimoramento cultural pode minimizar preconceitos e dis- criminações; f. ( ) antigamente, a sociedade era mais receptiva às pessoas com de- ficiência, em comparação com os tempos atuais; g. ( ) todos os doutores da Igreja reconheciam o valor e os direitos das pessoas com deficiência, antes e durante a Idade Média; h. ( ) atualmente, os mitos sobre as pessoas com deficiência estão sen- do derrubados, dando lugar a uma atitude de reconhecimento do direito des- sas pessoas, e à necessidade de sua integração social. 2. Completar as lacunas selecionando as palavras dispostas dentro dos parênteses que tornam as sentenças verdadeiras: (doença - privilégios - exterminados - humanísticas - contraditó- rios - segregados - bem - mal - integração) FASCÍCULO 1 a.A Idade Média, por ser um período muito extenso, caracterizou-se por atitudes e posturas com re- lação às pessoas portadoras de deficiência; b. Em certos locais e épocas da Idade Média as pessoas com defici- ência podiam ter e em outros serem c. 0 Renascimento trouxe atitudes mais para com as pessoas portadoras de deficiência. d. No período do advento da ciência, a deficiência passou a ser vista como uma e, não mais como um fenômeno so- brenatural. e. No início do século, as pessoas com deficiência eram considera- das enfermas ou portadoras de um mal degenerativo, devendo ser em ambientes próprios e reserva- dos para o seu atendimento. f. Atualmente, as sociedades estão evoluindo nas atitudes frente às pessoas com deficiência, deixando de ver a condição dessas pessoas por um prisma de ou de g. A das pessoas com deficiência à so- ciedade está muito preconizada em nossos dias. Conferindo suas respostas Agora verifique se as suas respostas estão de acordo com os con- teúdos do Fascículo: 1- questão: a. V FASCÍCULO 1 b. F c. V d. F e. V f. F g. F h. V 2- questão: a. contraditórias b. privilégios - exterminadas c. Humanísticas d. doença e. segregadas f. bem - mal ( ou mal - bem ) g. integração FASCÍCULO 1 BIBLIOGRAFIA AMARAL, L.A. Pensara diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994. DUNN, L M . Crianças excepcionais - seus problemas, sua educa- ção. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1975. 2 vol. FERREIRA, J.R. A exclusão da diferença: a educação do portador de deficiência. Piracicaba: Unimep, 1994. GIBELLO, B. A criança com distúrbios de inteligência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. GLAT, R. Somos iguais a você - depoimentos de mulheres com deficiên- cia mental. Rio de Janeiro: Agir, 1989. KIRK, S. A. & GALLAGHER, J. Educação da criança excepcional. São Paulo: Livraria Martins Fontes Ed., 1987. LANG, J.-L. A infância inadaptada. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. LUCKASSON, R.A. Mental retardation: definition, classification and systems of support. Washington: American Association on Mental Retardation, 1992. MISÉS, R. A criança deficiente mental - uma abordagem dinâmica. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. FASCÍCULO 2 DEFICIÊNCIA MENTAL FASCÍCULO 2 OBJETIVOS Este é o segundo fascículo da série Educação Especial e tem por objetivo instrumentalizar o professor para atuar com alunos portadores de deficiên- cia mental. 0 fascículo visa a fornecer subsídios para que esses professores alcan- cem os seguintes objetivos: - compreender conceito de deficiência mental atualmente adotado; - conhecer as etiologias mais freqüentemente associadas e sua pre- venção; - identificar questões educacionais relevantes na área. Conceito de deficiência mental A definição de deficiência mental atualmente adotada foi proposta pela Associação Americana de Retardo Mental - AAMR em 1992, sendo aceita internacionalmente e preconizada nos textos e documentos ofi- ciais em nosso país. A deficiência mental é definida na Política Nacional de Educação Especial do MEC como: "funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da mé- dia, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limita- ções associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capa- cidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da soci- edade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habi- lidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e traba- lho."1 (p.15) 1 A Secretaria de Educação Especial do MEC adota essa definição para efeito de diagnóstico e carac- terização dos portadores de deficiência mental, conforme consta na sua Politica de Educação Especial, publicada em 1994 e,nos Subsídios para organização e funcionamento de servi- ços de educação especial - Área de deficiência mental, 1995. FASCÍCULO 2 Para melhor compreensão do conceito, passaremos a explicar mais detalhadamente os seus pressupostos, a partir de cada aspecto men- cionado na definição: - "funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média" Considera-se nesse aspecto que as pessoas diagnosticadas como portadoras de deficiência mental deverão apresentar resultados de Ql iguais ou inferiores a 70 - 75 pontos em testes psicométricos de inteli- gência, validados e normatizados, tendo sido aplicados em condições adequadas por profissionais competentes. Tais resultados devem, ainda, levar em conta as diferenças culturais, sociais, lingüísticas, familiares e educacionais e considerar as alterações motoras, sensoriais e emocionais da pessoa avaliada. De acordo com a definição, entretanto, o índice do Ql, exclusivamente, não constitui condição suficiente para diagnosticar uma pessoa como porta- dora de deficiência mental, uma vez que outros aspectos devem ser conside- rados; - "oriundo do período de desenvolvimento" Para que se considere uma pessoa como portadora de deficiência men- tal, a idade de início da deficiência deverá situar-se antes dos dezoito anos de idade, ou seja, aparecer durante o curso de seu desenvolvimento. Essa idade limite está convencionada consensualmente na proposta da AAMR; - "concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequada- mente às demandas da sociedade nos seguintes aspectos... " A definição da AAMR enfatiza que outros aspectos precisam coexistir, para que uma pessoa seja identificada como portadora de deficiência men- tal. Esses aspectos referem-se às 10 (dez) áreas de habilidades adaptativas discriminadas na definição, sendo que, o mínimo de 02 (duas) precisam estar defazadas para que o diagnóstico seja definido. FASCÍCULO 2 Para uma melhor compreensão dessas habilidades, passamos a escla- recer o seu significado no comportamento prático: - comunicação Diz respeito às habilidades para compreender e expressar informações por meio de palavras - faladas ou escritas -, linguagem gestual, digital e de sinais, toque, gestos, expressões corporais, etc, e para compreender as emoções e as mensagens das outras pessoas; - auto-cuidado Refere-se às habilidades que asseguram a higiene pessoal, a alimenta- ção, o vestuário, o uso do sanitário, etc; - vida familiar Diz respeito às habilidades necessárias para uma adequada fun- cionalidade no lar, no cuidado com os pertences, com o ambiente domésti- co, os cuidados com os bens da família, a participação nos trabalhos do- mésticos, no convívio e nas relações familiares, dentre outros aspectos; - vida social Diz respeito às trocas sociais na comunidade, ao respeito e às relações com vizinhos, colegas, amigos e membros da comunidade, compartilhar e cooperar, respeitar limites e normas, fazer escolhas, controlar impulsos, re- sistir às frustrações, etc; - autonomia Refere-se às habilidades para fazer escolhas, tomar iniciativa, cumprir planejamento, atender aos próprios interesses, cumprir tarefas, pedir FASCÍCULO 2 ajuda, resolver problemas, defender-se, explicar-se, buscar ajuda quando necessária, etc; - saúde e segurança Diz respeito às habilidades para cuidar da saúde, evitar doenças, cuidar da segurança, evitar perigos, seguir leis de trânsito e outras que visem ao bem-estar e à saúde, desenvolver hábitos pessoais adequados, comunicar necessidades, pedir ajuda, etc; - funcionalidade acadêmica Refere-se às habilidades relacionadas à aprendizagem dos conteú- dos curriculares propostos pela escola que têm relação com a qualida- de de vida da pessoa, como ler, escrever, calcular, obter conhecimentos científicos, sociais, relativos à sexualidade e outros, que permitem mai-or funcionalidade na vida, independentemente do nível escolar alcança- do; - lazer Diz respeito às habilidades para desenvolver interesses e participar de atividades de entretenimento individual e coletivo, de acordo com a idade e com o ambiente cultural e comunitário, comportar-se adequadamente, com- partilhar, retomar, completar, pedir ajuda, cooperar, etc, na realização des- sas atividades; - trabalho Refere-se às habilidades para realizar um trabalho em tempo parcial ou total, comportando-se apropriadamente, cooperando, compartilhando, con- cluindo as tarefas, tomando iniciativas, administrando bem o salário, acei- tando a hierarquia e as próprias limitações e dos demais, realizando ativida- des independentes, etc A Fig. 1 demonstra esse modelo funcional da deficiência mental. Para uma compreensão completa dos seus pressupostos considera-se, FASCÍCULO 2 ainda, a importância dos apoios que a pessoa pode receber, de modo a res- ponder com mais eficiência às expectativas sociais do meio comunitário. A existência ou ausência desses apoios, portanto, podem aumentar ou reduzir as limitações funcionais da pessoa com deficiência mental, de um modo global, ou em dadas situações. Fig. 1 Modelo Funcional de Deficiência Mental Recordando: Para que uma pessoa seja diagnosticada como portadora de deficiência mental, 03 (três) con- dições precisam ser considera- das: - um Ql igual ou inferior a 70-75 pontos; - limitações em duas ou mais ha- bilidades adaptativas; - idade de início da deficiência até os 18 (dezoito) anos. Fonte: AAMR, 1992 Incidência e diagnóstico De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 10% (dez por cen- to) da população brasileira é composta de pessoas portadoras de defici- ência, das quais 05% (cinco por cento) são portadoras de deficiência mental. Em dados atuais, essa cifra corresponde a 750.000 (setecen- tas e cinqüenta mil) pessoas. Esse número é muito expressivo e reflete a necessidade de se pensar a deficiência mental na sociedade, e de que modo essa população específica tem sido atendida nos seus direitos e necessidades. Ao se pensar na etiologia da deficiência mental, até mesmo para buscar-se formas de prevenir ou de reduzir a sua incidência, encontra- FASCÍCULO 2 - mos 04 (quatro) tipos de fatores causais, sendo esses fatores interativos e cumulativos: - fatores biomédicos Dizem respeito a processos biológicos. Dentre eles destacam-se os problemas metabólicos (fenilcetonúria), as síndromes genéticas e ano- malias cromossômicas (síndrome de Down), síndromes endocrinológicas (hipotireoidismo), síndromes morfológicas (microcefalia), síndromes neu- rológicas (distrofia muscular), doenças infecciosas, intoxicação, traumatismos crânio-encefálicos, tumores, transtornos mentais, etc; - fatores sociais Dizem respeito à interação familiar e social e relacionam-se à situação de extrema privação ambiental e à ausência de interação social e familiar; - fatores comportamentais Estão associados a comportamentos potencialmente causais, tais como a síndrome da criança maltratada, golpeada, seviciada, abusada ou negli- genciada. Tanto os aspectos emocionais podem estar envolvidos como os traumas crânio-encefálicos decorrentes; - fatores educacionais Estão associados ao não atendimento das exigências de apoio e suporte que certas crianças necessitam para o seu desenvolvimento intelectual e das habilidades adaptativas. Muitas causas de deficiência mental são desconhecidas. Para se ter uma idéia, estudos recentes revelam que 50% (cinqüenta por cento) das causas de deficiência mental dos tipos menos graves são desconhecidas e entre as mais agravadas, 30% (trinta por cento) têm a sua origem desconhecida. 0 interesse em se conhecer as causas da deficiência mental deve-se FASCÍCULO 2 à importância em se detectar as possíveis limitações que ela possa vir a provocar nas pessoas e, principalmente, identificar os meios para sanar es- sas causas ou, mesmo, evitá-las. Durante muito tempo, e até mesmo em nossos dias, a deficiência mental tem sido vista como uma doença, uma enfermidade incurável. Atualmente, conhecimentos científicos comprovados e novas descober- tas têm revelado que: - nem sempre as síndromes biomédicas provocam deficiência mental; - a condição etiológica pode ser tratável e o seu conhecimento prévio permite procedimentos que minimizam deficiências que viriam a ocorrer; - pessoas com deficiência mental podem ter saúde perfeita, assim como outras podem apresentar graves problemas biomédicos, sendo que a maio- ria situa-se entre esses dois extremos; - etiologia não é "sinônimo" de deficiência mental, uma vez que pessoas com uma mesma condição etiológica podem ou não vir a apresentar defici- ência mental; - as pessoas com deficiência mental não apresentam incompetência ge- neralizada, possuindo muitas capacidades e habilidades que permitem o seu desenvolvimento e ajustamento às demandas do seu meio físico e social; - a saúde física de uma pessoa com deficiência mental influencia a sua funcionalidade, mas outros fatores também participam, tais como, a nature- za do ambiente em que vive - exigências, expectativas -, bem como os efei- tos e o impacto exercido pelas suas limitações intelectuais e adaptativas. Para uma melhor compreensão do modelo multidimensional, a AAMR (1992) propõe uma Ficha de Diagnóstico da Deficiência Mental, en- contrada no anexo do presente trabalho. • FASCÍCULO 2 Fig. 2 - Passos do Processo de Diagnóstico, Classificação e Sistemas de Apoio Dimensão 1 Funcionamento intelectual e habilidades adaptativas. Dimensão 2 Considerações psicológicas, emocionais Dimensão 3 Física, saúde, etiologia Dimensão 4 Considerações ambientais Passo 1 Diagnóstico Determina a elegibilidade para apoio. Pessoa DM se: - Ql 70-75 ou abaixo; - limitações em 2 ou mais habilidades adaptativas; - aparecimento antes dos 18 anos. Passo 2 Classificação e Descrição Identifica forças, fraquezas e as necessidades de apoio. - descreve as forças e as fraquezas do indivíduo com relação às considerações psicológicas e emocionais; - descreve a saúde geral da pessoa e indica a etiologia da condição; - descreve o ambiente atual de colocação da pessoa e o ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Passo 3 Perfil e Intensidade do Apoio Necessário - Identifica as necessidades de apoio nas quatro dimensões consideradas. Fonte: AAMR, 1992. Prevenção 0 conhecimento das causas da deficiência mental é importante para a sua prevenção. Muitas ações poderiam ser desencadeadas de modo a evitar a ocorrência de deficiências: - programas de prevenção contra as drogas e o álcool e vacinação da mãe contra certas doenças são exemplos de medidas dirigidas aos pais e à FASCÍCULO 2 comunidade que visam evitar o aparecimento das deficiências. Caracteri- zam o que se denomina prevenção primária; - programas de dieta para crianças que nasceram com fenilcetonúria e programas de estimulação precoce são exemplos de ações que reduzem a duração ou revertem os efeitos de problemas já existentes que podem re- sultar em deficiência. Caracterizam o que se denomina prevenção secundá- ria; - programas de educação especial, de qualificação profissional para pessoas com deficiência e programas de reabilitação, são exemplos de ações que reduzem as conseqüências dos problemas gerados pelas deficiências e melhoram o funcionamento da pessoa. Caracterizam o que se denomina prevenção terciária. O ideal é que se possa realizar a prevenção primária, ou seja, ações junto aos pais e à sociedade para evitar o aparecimento das deficiências que possam ser evitadas. Adotar medidas de proteção à criança e à sua mãe contradoenças pro- vocadoras de deficiências, orientação para reduzir casamentos consanguí- neos, acompanhamento pré-natal, cuidados médicos no momento do parto e apoio ao recém-nascido, prevenção de acidentes e traumatismos, vacina- ção, prevenção de carências nutricionais e afetivas, controle do uso do álco- ol e de drogas por parte da mãe, eliminação de perigos ambientais, melhoria da nutrição da mãe e da criança, são exemplos de medidas de prevenção primária, ou seja, de evitação do aparecimento de deficiências. O trabalho de prevenção deve incluir a família, a escola, os serviços de saúde, os órgãos de comunicação e outros que envolvam a socieda- de visando a divulgação das informações e a mudança de atitude so- cial. Questões educacionais e de cidadania Durante muito tempo acreditou-se que as pessoas com deficiência men- tal não aprendiam os conteúdos acadêmicos ensinados na escola. Por essa razão, a sua educação era pautada na crença de que só teriam acesso a FASCÍCULO 2 aprendizagens relacionadas a atividades da vida diária (auto-cuidado e se- gurança), algumas habilidades sociais, de lazer e de trabalho supervisiona- do, ou pouco mais. Aprendizagem acadêmica? Nem pensar! Como decorrência natural da falta de oferta do conhecimento, muitos tornaram-se sub-realizados na escola ou engrossaram as fileiras dos cha- mados incompetentes curriculares antes mesmo de terem acesso a esses currículos. A convicção atual de que as pessoas com deficiência mental apresentam diferentes condições de aprendizagem e de que outros fatores, além do inte- lectual, estão presentes e interferem na sua funcionalidade acadêmica têm contribuído para que o sistema educacional compreenda melhor a diversida- de de possibilidades dos alunos e procure oferecer um ambiente mais favo- rável à sua aprendizagem. Por outro lado, a comunidade escolar está presenciando alunos porta- dores de deficiência mental alcançando níveis escolares nunca antes imagi- nados, porque sistemas de apoio organizados e adaptações curriculares ade- quadas estão permitindo o seu acesso a uma aprendizagem efetiva e pro- gressiva. Quem imaginaria, há tempos atrás, que uma pessoa com deficiência mental poderia concluir a 8ª série do ensino fundamental? No entanto, essa tem sido uma realidade. Por esforço do aluno e de sua família e pelo com- prometimento da escola com o seu aprendizado esse resultado tem sido possível. Evidentemente, as pessoas com deficiência mental são muito diferentes entre si, (como, aliás, são todas as pessoas na sociedade!). A escolarização desses alunos e os níveis que virão a alcançar dependerão de muitos fato- res: o grau de suas limitações intelectuais e adaptativas certamente desem- penham um relevante papel nas suas expectativas de realização escolar. Mas outros fatores são significativamente relevantes. Os resultados educacionais dependem, ainda, de como o ambiente escolar favorece o acesso ao currículo e organiza e adapta esse currículo de modo a ser desenvolvido pelo aluno. O sucesso escolar do aluno com deficiência mental, portanto, de- FASCÍCULO 2 pende de suas condições pessoais e das condições escolares, ou seja, da interação aluno x ambiente. Uma outra situação tem mudado no panorama nacional e internacional. Não mais se defende que o lugar de pessoa com deficiência mental estudar é na escola especializada. Experiências educacionais bem sucedidas estão revelando que os alu- nos com deficiência mental podem e devem estudar nas escolas regulares, e que um adequado sistema de apoio educacional é suficiente para lhe dar acesso ao currículo e apropriação do saber escolar. Se o aluno portador de deficiência mental tem competência curricular suficiente para avançar até níveis mais elevados de ensino, que as oportuni- dades lhes sejam facultadas! Por outro lado, sabe-se que alguns alunos com deficiência mental apre- sentam condições agravadas e limitações que abreviam as suas possibilida- des escolares. É importante que uma avaliação realistica e competente in- vestigue essas possibilidades de modo a adequar a oferta educacional e o apoio necessário. Em todas as situações, não se pode perder de vista a importância de propiciar para o aluno um ambiente social estimulador, livre de segregação, um ambiente que não reforce as suas limitações, mas desafie o desenvolvi- mento e a aprendizagem de novas habilidades. Mesmo os alunos com limitações intelectuais e adaptativas mais acentu- adas mostram-se, muitas vezes, surpreendentes nas suas realizações. Minimizar o seu potencial e generalizar as suas limitações pode levar a uma lamentável perda de tempo e de oportunidade de estimulação do desenvolvi- mento e da aprendizagem. A escola especializada pode ser uma importante fonte de recursos para alguns alunos que precisam estudar nas suas dependências e uma signigificativa fonte de apoio para os que se encontram atendidos na escola regular e necessitam de apoio especializado. As salas de recursos e o atendimento itinerante, dentre outros, constitu- em formas de atendimento especializado importantes para os alunos que estão matriculados em escolas regulares. FASCÍCULO 2 Cada vez mais se amplia a concepção de que as pessoas com deficiência mental têm potencialidades e habilidades que as "credenciam" para uma vida social e comunitária de qualidade. As respostas sociais a essa realidade ainda não alcançaram o nivel suficiente para facilitar a integração efetiva dessa população específica, mas o processo está em andamento. Legislações pertinentes e movimentos de luta e de apoio às pessoas com deficiência mental caminham no sentido de lhes oportunizar o exercício de seus direitos de cidadão. Viver bem e em sadia interdependência não depende somente da pessoa — portadora ou não de deficiência —, mas da aceitação e das oportunida- des de reciprocidade do outro e dos grupos sociais. lntegração e participação são processos que se retroalimentam e podem gerar atitudes individuais, grupais, comunitárias e societais de maior receptividade, se forem intentadas!... FASCÍCULO 2 VERIFICANDO SUA APRENDIZAGEM Após leitura cuidadosa do texto, responda às seguintes questões, de modo a verificar o seu entendimento do conteúdo do Fascículo. 1. Assinale com (V) as afirmativas corretas e com (F) as falsas: a. ( ) para que uma pessoa seja diagnosticada como portadora de de- ficiência mental, três condições são necessárias: um Ql igual ou inferior a 70-75 pontos, limitações em duas ou mais habilidades adaptativas e idade de início do nascimento até os dezoito anos; b. ( ) as pessoas com deficiência mental podem ter áreas de desenvol- vimento e de habilidades preservadas, sem limitações; c. ( ) segundo a Organização Mundial de Saúde, metade da população brasileira é portadora de deficiência; d. ( ) as deficiências sempre resultam de lesões no cérebro; e. ( ) fatores comportamentais e educacionais podem ocasionar defi- ciências; f. ( ) muitas causas de deficiências são desconhecidas; g. ( ) as pessoas com deficiência mental são todas iguais; h. ( ) pessoas com deficiência mental podem se escolarizar com bons resultados se receberem o apoio devido. 2. Assinale a 2- coluna de acordo com a 1ª , segundo as áreas de habilidades adaptativas: ( A ) habilidades sociais ( B ) habilidades de comunicação ( C ) funcionalidade acadêmica ( D ) vida familiar a. ( ) habilidades que têm a ver com a aprendizagem escolar, com os conteúdos relativos à leitura, escrita e cálculo; FASCÍCULO 2 b. ( ) habilidades necessárias ao bom funcionamento doméstico, cui- dados com o ambiente do lar e segurança, e conservação dos bens familia- res; c. ( ) habilidades relativas à boa convivência social e comunitária, re- lacionamentos interpessoais e adequação comportamental;d. ( ) habilidades de compreender o que lhe comunicam e de se ex- pressar com as demais pessoas. Conferindo suas respostas Agora, verifique se as suas respostas estão de acordo com os conteúdos contidos no Fascículo: 1- questão: a. V b. V c. F d. F e. V f. V g. F h. V 2- questão: a. C b. D c. A d. B FASCÍCULO 2 Bibliografia AMARAL, L.A. Pensara diferença/deficiência. Brasília:CORDE, 1994. BRASIL. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência: um guia para as organizações de trabalhadores. Brasília: CORDE, 1994. . Subsídios para organização e funcionamento de serviços de edu- cação especial: área de deficiência mental. Brasília: MEC/SEESP, 1995. (Série Diretrizes 5). . Tendências e desafios da Educação Especial. Org. Eunice M.L.S. de Alencar. Brasília: MEC/SEESP, 1994. BRAUNER, A. & BRAUNER, F. Como educar uma criança deficiente men- tal. Rio de Janeiro: Edições Pestalozzi, 1972. CLELAND, C.C. & SWARTZ, J.D. Retardo mental - conceptos para un cam- bio institucional. México: Ed. Trillas, 1975. DUNN, L.M. Crianças excepcionais - seus problemas, sua educação. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1975. 2 vol. FEDERAÇÃO NACIONAL DAS APAES. Coleção Educação Especial, 1993. 2 vol. FERREIRA, I.N. Caminhos do aprender: uma alternativa educacional para a criança portadora de deficiência mental. Brasília: CORDE, 1993. FERREIRA, J.R. 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Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Ed., 1973. UNIVERSIDADE DE SÃO CARLOS. VIII Ciclo de estudos sobre deficiên- cia mental. São Paulo: UFSCar, 1995. ANEXOS ANEXOS Fig. 3 - Ficha de Diagnóstico da Deficiência Mental (AAMR, 1992) ANEXOS Fig. 4 - Classificação e Descrição Dimensão I: Funcionamento Intelectual e Habilidades Adaptativas Descreve os pontos fracos e fortes do indivíduo no funcionamento intelectual, com base nos testes ou em observações. Indica a fonte. ANEXOS ANEXOS Dimensão II: Considerações Psicológicas / Emocionais Descreve os pontos fortes e fracos da pessoa usando as observações do comportamento, as avaliações clínicas ou diagnose formal (ex. DSM - IV). Indica a fonte. Pontos Fortes Fonte Pontos Fortes Fonte Dimensão III: Considerações Físicas / Saúde / Etiologia Especifica a diagnose relativa à saúde, etiologia primária e fatores contribuintes, baseado nas observações comportamentais, avaliação clínica ou diagnose formal (Ex. CID -10). Diagnose relativa à saúde Etiologia Primária Fatores Contribuintes ANEXOS Dimensão IV: Considerações Ambientais Descreve a extensão em que a vida, o trabalho e o ambiente educacional do indivíduo favorecem ou restringem oportunidades para a integração comunitária, integração social (família e amigos) e bem-estar mate- rial (salário, moradia, posses). •Trabalho Pontos Fortes Pontos Fortes • Educação Pontos Fortes Pontos Fortes Fonte Fonte Fonte Fonte ANEXOS Ambiente Favorável (Ótimo) ANEXOS Fig. 5 - Perfil e Intensidade do Apoio Necessário Nome: Data Especifica a função do apoio, a atividade específica e o nível de intensidade necessário em cada uma das áreas/Dimensões. Os Níveis de Intensidade são: I - Intermitente; L - Limitado; E - Extensivo; P - Pervasivo. Dimensão I: Funcionamento Intelectual e Habilidades Adaptativas Dimensão/Área Comunicação Autocuidado Vida Familiar Vida Social Uso Comunitário Autonomia Func. Acadêmica Trabalho Saúde/Segurança Função do Apoio Atividade Nível de Intensidade I L E P ANEXOS FASCÍCULO 3 O BEBÊ COM DEFICIÊNCIA MENTAL FASCÍCULO 3 OBJETIVOS Este é o terceiro fascículo da série Educação Especial e tem por objetivo instrumentalizar o professor para atuar com alunos portadores de deficiên- cia mental. 0 fascículo visa fornecer subsídios para que esses professores al- cancem os seguintes objetivos: - desmistificar a noção de incurabilidade da deficiência mental; - reconhecer a importância da prevenção secundária da deficiência men- tal; - conhecer os procedimentos educacionais do programa de estimulação precoce. O Bebê com deficiência mental Durante muito tempo acreditou-se que a deficiência mental fosse uma doença. O nascimento de uma criança com problemas era visto com preocupa- ção, tristeza e compaixão, como se o seu destino estivesse selado e marcado de dores, limitações e dependência por toda a vida. Será que esses sentimentos são apenas do passado? Sabemos que não. Mesmo em nossos dias, tal concepção caracteriza o pensamento de fa- miliares, vizinhos e amigos dos que nascem com alguma deficiência ou que venham a adquiri-la ao longo do seu desenvolvimento. Do mesmo modo, as pessoas com deficiência mental têm sido vistas como doentes, portadoras de enfermidades incuráveis devidas a gens "fra- cos" transmitidos por herança. Para o bebê que nasce com deficiência ou que apresenta risco de vir a desenvolvê-la, as perspectivas são vistas de forma muito negativa pela sociedade. FASCÍCULO 3 Tais perspectivas são frutos do desconhecimento sobre descobertas ci- entíficas que vêm sendo feitas nos últimos anos e sobre os procedimentos educacionais e de saúde que previnem muitas deficiências e/ou os seus efeitos. As descobertas científicas revelam que nem toda deficiência mental é ocasionada por doenças, e que nem toda pessoa com deficiência mental é portadora de enfermidades. Ao contrário, muitas pessoas com deficiência mental gozam de saúde perfeita e, em grande número de casos, nem mesmo os profissionais especializados conseguem identificar as causas de sua deficiência. Mesmo a criança que nasce com uma doença grave ou vem a adoecer na mais tenra ¡dade não terá, necessariamente, deficiência mental. É necessário desvincular a deficiência mental do conceito de doença. Uma outra concepção errônea, compartilhada durante séculos pela soci- edade é a da incompetência generalizada. Supunha-se, até recentemente, que uma pessoa com deficiência mental apresentasse limitações em todas as áreas de desenvolvimento e em todas as suas realizações presentes e futuras. Os avanços científicos e a prática educacional têm revelado o contrário, ou seja, que as pessoas com deficiência mental possuem muitas capacida- des e habilidades pessoais que permitem o seu ajustamento às exigências do meio físico e social. Tais concepções levam-nos aos seguintes pressupostos, quando pen- samos em bebês portadores de deficiência ou que sejam considerados "de risco" ( susceptíveis de vir a manifestá-las): - condições inadequadas ou adversas no parto são indicadoras "de risco", mas não determinam que a criança virá a ter deficiência; - muitas doenças maternas ou infantis são causadoras dedefici- ência mental, a exemplo da rubéola e da meningite, dentre outras, mas não são necessariamente determinantes, devendo a família evitar a FASCÍCULO 3 atitude de considerar e tratar a criança como portadora de deficiência a partir do momento em que adquire a doença. Algumas causas biomédicas são potenciais, ou seja, são possivelmente geradoras de deficiência mental, devendo ser evitadas ou, quando já adquiridas, tratadas com atenção e urgência, mas não existe um fatalis- mo biomédico, ou seja, na ocorrência da doença, a deficiência acontece- rá, fatalmente. Evitar doenças ou tratá-las, portanto, é muito importante. Considerar doenças como sendo deficiências, é uma outra questão, que deve ser vista com o devido cuidado. E quanto às crianças que nascem, realmente, com deficiência ou que apresentam um risco alto de vir a adquiri-la? Por certo, nascem freqüentemente crianças com problemas físicos ou mentais; outras vêm a adquirir deficiências no momento do parto ou nos primeiros anos de vida. Já está comprovado que muitas deficiências pré-natais, perinatais ou Pós-natais podem ser evitadas. Não sendo isso possível, muitas podem ser identificadas precocemente e tratadas de modo a evitar maiores da- nos ao desenvolvimento da criança e a sua integração familiar e social. Os programas de prevenção têm essa finalidade, ou seja: - evitar ou minimizar o aparecimento de deficiência(s) nas crianças; - evitar que crianças vulneráveis à aquisição de deficiências ( alto risco ) venham a desenvolvê-las, ou seja, reduzir a vulnerabilidade dos fatores de risco; - apoiar e estimular o desenvolvimento de crianças com deficiências já instaladas. Caso não seja possível evitar ou minimizar a ocorrência da(s) deficiência(s) nas crianças, medidas educacionais precisam ser tomadas para facilitar o desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e psicomotor dessas crianças. FASCÍCULO 3 Aspectos de desenvolvimento Há crianças que nascem com problemas que poderão gerar limitações no seu desenvolvimento em diferentes áreas e intensidades variadas. Esses problemas são de origem biomédica e se diferenciam dos outros tipos de problema pela natureza de seus sinais e sintomas, pelas formas de tratamento e pelas possibilidades de intenvenção no sentido de gerar ou não deficiências nos seus portadores, sendo elas de maior ou menor gravidade. Muitos resultam em deficiência mental. A literatura especializada revela, ainda, que não são apenas os fatores biomédicos que dão origem à deficiência mental. Privação ambiental/cultu- ral extrema, de contato com o mundo físico e social, problemas de restrição significativa no relacionamento familiar e social, além de maltratos, abusos, violência ou negligência com as crianças, também colaboram para o apare- cimento de deficiência mental. A deficiência mental está associada, ainda, à falta de apoio necessário ao desenvolvimento e à aprendizagem da criança e ao seu ajustamento e adaptação familiar, social e comunitária. Em todos os casos, duas conseqüências apresentam-se inevitavelmente quando a deficiência mental vem a ocorrer1: - limitações na capacidade intelectual, basicamente na inteligência conceitual e prática/social; - limitações em certas habilidades adaptativas. Sabe-se hoje que, independentemente das causas da deficiência men- tal, certos fatores contribuem para o desenvolvimento da criança, para a formação de sua personalidade, e estabelecem uma perspectiva de maior integração familiar, comunitária e social: - atitude de aceitação da deficiência por parte da família; - intervenção devida e tratamento pertinente às suas causas e ma- nifestações; 1 Limitações indicadas pela Associação Americana de Retardo Mental - AAMR (1992) FASCÍCULO 3 - oferta de oportunidades de participar do ambiente físico, social e co- munitário; - apoio adequado para melhorar o comportamento funcional da criança frente às demandas do ambiente; - encorajamento para o convívio social, para a manifestação da criatividade e da iniciativa; - atitudes favoráveis à formação da auto-imagem e do auto-concei- to, dentre outros. A literatura especializada enfatiza que as etapas de desenvolvimento in- fantil obedecem a uma seqüência similar aos mesmos princípios e pressu- postos, tanto para crianças consideradas "normais"como para as portado- ras de deficiência. Desse modo, considera-se que todas as teorias de desenvolvimento e de aprendizagem, atualmente em vigor, são válidas para todas as crianças. Para efeito dos estudos desse Fascículo, estamos considerando os be- bês na faixa etária do nascimento aos 03 (três) anos. Os estudos da Psicologia Evolutiva enfatizam que essa fase caracteriza- se por mudanças rápidas e profundas no desenvolvimento infantil. As aquisições referentes à linguagem oral e à coordenação dos grandes movimentos que permitem caminhar, correr e saltar, são adquiridos nessa fase. Esse período também compreende importantes relações da criança com a sua família, envolvendo elementos psicologicamente significativos de emo- ção e afetividade. O desenvolvimento cognitivo, impulsionado pelas relações afetivo- emocionais e psicomotoras, evolui com a mediação da linguagem e das possibilidades de interação entre a criança e o seu meio físico e social. A criança inicia o desenvolvimento de sua identidade e as respostas à pergunta quem sou eu ? encontrarão ressonância em seus primeiros anos de vida. Esse contexto cognitivo, socio-afetivo e psícomotor é o mesmo para todas as crianças, sejam elas portadoras ou não de deficiência, daí a FASCÍCULO 3 grande importância de organizar programas educacionais que levem em conta não apenas as limitações da criança, mas suas possibilidades e considerem os interesses e perspectivas próprias de sua faixa etária. Para os bebês considerados de alto risco ou que apresentem deficiênci- as já identificadas, os programas devem considerar as suas necessidades individuais, uma vez que diferem entre si quanto às limitações e capacidades potenciais. As etiologias, quando identificadas, servem, também, como referência para a definição dos programas de estimulação, embora não devam ser en- caradas como rigorosamente prognósticas. É muito difícil afirmar que pos- sibilidades ou dificuldades futuras um bebê terá, considerando que a sua pouca idade pode confundir as mais sofisticadas previsões. Você, professor, já deve ter visto quantas vezes profissionais das áreas de educação e saúde afirmaram que uma criança não iria andar, falar ou ler quando crescesse, e a criança, desafiando todas as perspectivas, de- senvolveu essas habilidades, muitas vezes guiada pelo esforço persistente e pelo encorajamento de seus familiares. Um aspecto que precisa ser considerado é que a criança com deficiên- cia, como as demais, precisa de jogos e brinquedos, de explorar o ambiente com toda a sua riqueza de estímulos, de ter desafiada a sua curiosidade, seu interesse e vontade de compartilhar, com as demais crianças e com os adul- tos. Deve-se cuidar para que as terapias e diversos programas de atendi- mento não lhe subtraiam as oportunidades de brincar e ser criança. Crianças gostam de festas, presentes e passeios, precisam de movimen- to, ação e de incentivo para o seu crescimento e desenvolvimento har- monioso. Palavras, músicas, recreação, aplausos, sorrisos, brinquedos, etc. são mediadores importantes para a sua evolução humana. Assim acon- tece para todas as crianças, independentemente de serem portadoras ou não de deficiência. Crianças com deficiência precisam ser vistas como seres e de ne- cessidades, como todos os demais e, à medida que forem alcançando progressos no seu desenvolvimento e aprendizagem, mais passos da- FASCÍCULO 3 rão em favor de novas conquistase possibilidades. Uma referência importante para se trabalhar com uma criança nessa fai- xa etária é verificar o que as demais gostam de fazer, e observar a participa- ção das crianças com deficiência mental. Dar-lhes oportunidade de brincar com os irmãos, colegas, vizinhos des- perta e cria muitas situações de estímulo e realização. As famílias de crianças com deficiência mental precisam procurar entre os amigos e pessoas da comunidade oportunidades de compartilhar, trocar experiências com os pais e informar sobre as condições dos filhos, sem excluir as referências ao portador de deficiência. Desse modo pode torná-lo, também, motivo do interesse dos demais, para que se familiarizem com ele e possam incluí-lo na comunidade. Para muitos professores, a possibilidade de trabalhar com bebês de zero a 03 (três) anos é muito remota, porque nem todos os Estados e cidades possuem esse programa de atendimento, a despeito da grande importância que tem para o desenvolvimento das crianças. Seu efeito preventivo é mundialmente reconhecido e comprovado por todos os que deles têm se beneficiado. Abordagem educacional - programa de estimulação precoce O conceito de estimulação precoce refere-se às ações que proporcionam às crianças experiências que favorecem o seu desenvolvimento integral de modo a atingir o máximo de seu potencial. O programa de estimulação precoce realiza-se com crianças na faixa de zero a 03 (três) anos de idade e consiste em uma prática internacionalmente adotada, destinada a crianças que apresentam: - distúrbios ou atraso no desenvolvimento; - susceptibilidade de virem a apresentar deficiências (crianças con- sideradas de alto risco)2; 2 Refere-se à influência de certos fatores somáticos e/ou ambientais, de ocorrência principalmente nos períodos pré-natal, peri e pós-natal, que podem provocar déficits no desenvolvimento motor, sensorial, mental e afetivo-emocional na criança. Esses fatores são denominados de alto risco e deixam a criança vulnerável ao aparecimento de deficiências ou atrasos no desenvolvimento.. FASCÍCULO 3 - desenvolvimento dentro dos padrões de normalidade3. De um modo geral, na realidade brasileira, o programa de educação pre- coce tem se aplicado a crianças que apresentam síndromes ou condições biomédicas comumente associadas à deficiência mental, às crianças porta- doras de deficiências sensoriais (visual e auditiva), deficiência física, múlti- plas deficiências e às crianças de alto risco. O programa de estimulação precoce fundamenta-se teoricamente nas teorias do desenvolvimento infantil que abordam o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e socio-afetivo, e nas concepções teóricas e pesquisas sobre carência afetiva, privação cultural e ambiental, dentre outros. Defende os seguintes pressupostos: - importância do papel da mãe como mediadora da estimula- ção da criança nos primeiros anos de vida; - a influência da carência/privação afetiva infantil como um fator desencadeante de déficits do desenvolvimento cognitivo e emo- cional; O programa de estimulação precoce considera, também, os seguintes pressupostos oriundos de várias ciências - biomédicas, psicológicas, soci- ológicas e pedagógicas: - a estimulação psicossocial nos anos iniciais incentiva o desenvol- vimento global da criança, notadamente o seu desenvolvimento de co- municação e linguagem; - a excessiva estimulação ambiental tem efeitos negativos sobre o desenvolvimento infantil; - um ambiente adequadamente estimulador favorece o processo evolutivo da criança, podendo acelerar o seu ritmo de desenvolvimento cognitivo. (0 ambiente estimulador compreende a oportunidade de exploração do meio físico e social da criança, de desenvolvimento do esquema corporal e das 3 Desconhecemos experiências brasileiras de utilização do programa de estimulação precoce para crianças consideradas "normais", mas em alguns países desenvolvidos essa experiência é realizada. FASCÍCULO 3 relações espaciais e temporais, de aceitação e integração no ambiente fami- liar, dentre outras experiências significativas para o seu processo evolutivo); - a atmosfera emocional adequada da família constitui um fator estimulador do desenvolvimento infantil. (Uma atmosfera emocional inade- quada pode incluir variáveis tais como: perda ou ausência dos pais, tensões interpessoais excessivas na família, alcoolismo paterno e/ou materno, vio- lência doméstica, carência econômica significativa, etc); - a carência cultural e a carência de estimulação ambiental nos pri- meiros anos de vida podem prejudicar o desenvolvimento da capacida- de cognitiva e constituir um dos fatores etiológicos de deficiência men- tal; - observa-se maior incidência de fatores de alto risco nos primeiros anos de formação e de vida da criança - no período pré-natal, perinatal e nos primeiros dias/ anos de vida, em decorrência de doenças infantis e de situações agravantes tais como: a ocorrência de desnutrição, maltratos, isolamento, falta de higiene e cuidados, falta de estimulação ambiental, dentre outros; - as capacidades e habilidades das crianças necessitam não apenas de um ambiente rico em estimulação para o seu desenvolvimento, mas, também, de reforços positivos e de participação por parte dos familia- res; - quanto mais cedo a criança com deficiência ou em situação de risco/ vulnerabilidade for diagnosticada e atendida em programas de estimulação precoce, tanto melhor será o prognóstico dos seus resul- tados; - a determinação dos fatores de alto risco envolve os denominados deficits neuropsicomotores, a carência/privação alimentar (notadamente a carência proteica), a prematuridade, a anoxia perinatal e a desidratação, dentre outros. Envolve, também, os fatores culturais, familiares e ambientais já abordados; - são identificadas, também, na concepção de alto risco, as "mães de alto risco": as que apresentam problemas crônicos de saúde, anor- malidades genéticas, história de gravidez interrompida ou partos prematu- FASCÍCULO 3 ros, as dependentes de drogas e as de nivel socioeconômico carentes, as que sofrem de transtornos psicológicos e psiquiátricos bem como as que adotam comportamentos e atitudes prejudiciais ao desenvolvimento e à edu- cação da criança (excessivo uso de poder e controle, espancamento e mal- trato da criança, etc), e - atenção especial tem sido dada à escolha e uso adequado dos méto- dos, técnicas, procedimentos e instrumentos adequados para a avaliação e a detecção das crianças a serem atendidas nos programas de estimulação precoce. O caráter preventivo do programa de estimulação precoce está pre- sente nas seguintes características e recomendações, tanto antes como depois de sua faixa de atuação. Em relação à prevenção primária: - assistência pré-natal; - prevenção de fatores de risco perinatal; - orientação aos familiares quanto ao aleitamento materno, à sua função de mediadores de estimulação da criança, fortalecimento de la- ços afetivos, de propiciar integração e bem-estar familiar, etc; - cuidados e observações sobre o crescimento da criança e incenti- vo ao seu desenvolvimento normal e saudável, independentemente no nível socioeconômico da família. Em relação à prevenção secundária: - detecção dos fatores de risco o mais cedo possível (desnutrição, maltratos com a mãe e por parte da mãe, problemas de gravidez e parto, toxicomania dos pais, paternidade irresponsável, conflitos e desajustes significativos no lar, doenças na gestação, etc); - identificação de problemas peri e neonatais; - identificação de fatores presentes no período inicial do desenvolvimen- to: distúrbios de comportamento, condições orgânicas e psicológicas, den- tre outras; - participação em programas de atendimento o mais cedo possível, em face de fatoresde risco, com a participação ativa da família na exe- cução do programa. FASCÍCULO 3 Em relação à prevenção terciária: - atenção continuada e permanente diante dos fatores de risco persis- tentes e aos seus efeitos no desenvolvimento da criança, propiciando-lhe atendimento; - identificação e diagnóstico precoce da(s) possíveis deficiência(s) da criança e o seu atendimento o mais cedo possível; - envolvimento da família como co-autora e co-executora do pro- grama. Os procedimentos de atendimento envolvem exercícios e atividades realizados pelo técnico na presença de membros da família, adotando um modelo demonstrativo, de modo a permitir a repetição dos exercíci- os/atividade no lar, conforme as orientações e recomendações técnicas. As atividades do programa obedecem à avaliação do desenvolvimento e do ritmo de desempenho da criança, de acordo com as expectativas de realização da outras crianças de sua faixa etária. As referências avaliativas são as escalas de desenvolvimento infantil, considerando as áreas de crescimento físico, desenvolvimento psico- motor, cognitivo, socioafetivo e de comunicação e linguagem. O programa, de um modo geral, realiza 2 (duas) ou 3 (três) sessões semanais, iniciando-se sob a forma de atendimentos individuais, que podem vir a ser intercaladas com sessões de pequenos grupos, quando a criança já está mais crescida. O programa de estimulação tem apresentado resultados muito favorá- veis ao desenvolvimento e à melhoria de vida das crianças e de suas famíli- as, conforme avaliações técnicas realizadas e depoimentos documentados por profissionais e familiares. Serviços comunitários Como foi dito anteriormente, são poucos os Estados e cidades brasilei- ras que dispõem do programa de estimulação precoce. Em face da diversidade de condições técnicas, econômicas, políti- co-administrativas e outras, nas regiões brasileiras, apenas nos gran- des centros, o programa de estimulação precoce é ofertado por parte FASCÍCULO 3 dos órgãos governamentais ou pela iniciativa privada. Não existe em nosso País, e em outros países em desenvolvimento, uma política de prevenção de deficiências organizada, embora todos reconheçam a sua importância social e econômica. Programas de estimulação precoce certamente manteriam nos cofres públicos muitos recursos que hoje são gastos com pessoas jovens e adultas que não tiveram a oportunidade de um atendimento adequado nas fases iniciais de seu desenvolvimento, em momentos propícios à aprendizagem de habilidades básicas e fundamentais para a aquisição de novos conheci- mentos. As crianças com deficiência mental e suas famílias, por outro lado, dei- xam de auferir os grandes benefícios que esse programa traz para todos os que dele participam. As grandes cidades brasileiras já se mobilizam para a criação desse pro- grama, e outras ampliam os que dispõem de modo a atingir um número cada vez maior de crianças que o procuram. Os programas de estimulação precoce começaram a ser oferecidos pela área de saúde. Foi nesse setor que eles foram criados, seja em clínicas par- ticulares ou públicas. Os sistemas educacionais passaram a assumir essa tarefa apenas na década de 1980, quando a abordagem do programa deixou de ser apenas clínica, exclusiva de profissionais da área biomédica, para ser uma preocu- pação de profissionais da educação, que também dispunham de conheci- mentos para contribuir com o desenvolvimento das crianças e apoiar as suas famílias. Trabalho interdisciplinar O programa de estimulação precoce é desenvolvido, geralmente, por profissionais de várias áreas de formação: médicos, psicólogos, profissio- nais de serviço social, pedagogos, psicopedagogos, professores de educa- ção especial, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, en- fermeiros e ortópticos, dependendo das necessidades da criança e dos re- FASCÍCULO 3 cursos locais disponíveis. Em algumas situações é possível um trabalho interdisciplinar e de equi- pe, mas em em outras situações, a criança é submetida a atendimentos variados e por parte de profissionais sem que haja um trabalho integrado e comunicativo. Atualmente, em algumas localidades no País, o sistema de ensino pres- ta esse atendimento na escola pública, sob a responsabilidade de equipes de educação especial. 0 programa de estimulação precoce utiliza os conhecimentos de diver- sas áreas das ciências, tais como Psicologia Clínica, do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Medicina em suas múltiplas especializações, Pedagogia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, etc. para estruturar a sua proposta de atendi- mento ou o seu currículo. Essa interdisciplinaridade tem sido defendida porque muitos casos de deficiência envolvem limitações e comprometimentos em diversas áreas do desenvolvimento. A realidade dos sistemas educacionais, entretanto, não é de dispor des- ses recursos e o trabalho é feito por profissionais da educação devidamente treinados para o seu exercício. Os recursos da comunidade podem ser buscados para suprir as necessidades de melhor conhecimento da criança e fundamentar a sua programação educacional. Não se pode, entretanto, deixar de atender às crianças por não se dispor de equipe interdisciplinar. O importante é oferecer um atendimento que traga os benefícios que se possa oferecer, de acordo com a realidade local, desde que o trabalho seja realizado sob correta orientação. FASCÍCULO 3 VERIFICANDO SUA APRENDIZAGEM Após leitura cuidadosa do texto, responda às seguintes questões de modo a verificar o seu entendimento do conteúdo do Fascículo. 1. Assinale com um (V) as afirmações verdadeiras e com (F) as fal- sas: a. ( ) a deficiência mental é uma doença incurável; b. ( ) a ciência vem desmistificando muitos preconceitos sobre a defi- ciência mental; c. ( ) todas as pessoas com deficiência mental têm atraso global no desenvolvimento; d. ( ) algumas crianças com deficiência mental são portadoras de do- enças que devem ser tratadas para evitar piores conseqüências; e. ( ) prevenção de deficiências evita a ocorrência de crianças com de- ficiências ou reduzem os riscos das que são vulneráveis ao seu aparecimen- to; f. ( ) um trabalho de estimulação precoce bem desenvolvido ajuda a criança a alcançar um melhor desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e psicomotor; g. ( ) não existem princípios ou regras próprias para crianças com de- ficiência, diferentes das que regem o desenvolvimento das crianças consi- deradas "normais"; h. ( ) o programa de educação precoce existe em todo o território bra- sileiro; i. ( ) a família é co-participante no programa de estimulação precoce, ou seja, trabalha junto com os profissionais que fazem o atendimento. 2. Assinale com um ( X ) as respostas que dizem respeito ao progra- ma de estimulação precoce: a. inicia-se a partir do nascimento até aos três anos de idade; b. evita-se que a família participe para não interferir no atendi- mento; FASCÍCULO 3 c. quando se fala em alto risco, tanto pode-se pensar na criança como na mãe; d. quanto mais cedo uma criança for atendida pelo programa, melhor são as suas perspectivas futuras; e. a existência de uma equipe interdisciplinar é imprescindível para a realização de um programa de estimulação precoce. Conferindo suas respostas Agora, verifique se as respostas que você deu estão de acordo com as informações constantes no Fascículo: 1-questão: a. F b. V c. F d. V e. V f. V g. v h. F i. V 2- questão: a. X b. não assinalar o X c. X d. X e. não assinalar o X Caso não tenha dado alguma resposta de acordo com essa chave de correção, releia o texto e veja se a sua compreensão do conteúdo corresponde ao que foi exposto. Retorne à questão e veja se
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