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1 HABEAS CORPUS A expressão habeas corpus traduz-se literalmente como “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa presa e a apresente ao juiz para decisão quanto à legalidade ou não do cerceamento à liberdade. Oscila a doutrina quanto ao momento histórico em que surgiu o habeas corpus. Alguns apregoam que este instituto surgiu em consequência de uma ação contemplada no Direito Romano, chamada de interdictum de libero homine exhibendo, pela qual se facultava a todo cidadão o direito de reclamar a liberdade ao homem que estivesse ilegalmente preso. Outros afirmam que a sua origem remonta ao ano de 1679, na Espanha, por ocasião do reinado de Carlos II. Sem embargo destas opiniões, a maioria dos escritores sustenta que o writ teve sua origem remota na Constituição da Inglaterra de 1215 (Magna Charla Libertatum), outorgada pelo Rei João-Sem-Terra. O instituto do habeas corpus chegou ao Brasil no Código de Processo Criminal do Império, de 1832 (o art. 340 desse diploma dispunha que “todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento em sua liberdade, tem o direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”), e foi incluído no texto constitucional por meio do art. 72, §22, da Constituição brasileira de 1891. Atualmente, está previsto no art. 5.º, LXVIII, da Constituição brasileira de 1988. O habeas corpus é ação autônoma de impugnação, constitucionalmente estabelecida, objetivando preservar ou restabelecera liberdade de locomoção ilegalmente ameaçada ou violada. “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5.º, LXVIII, da CF). Apesar de previsto pelo Código de Processo Penal no Título II do Livro III, que trata dos recursos em geral, não possui natureza recursal, o que se evidencia, inclusive, pela circunstância de que pode ser impetrado a qualquer tempo (não está sujeito a prazos). Classifica-se o habeas corpus em duas espécies: Habeas corpus repressivo ou liberatório, cabível na hipótese de já ter sido consumado o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Nesse caso, concedida a ordem, será expedido alvará de soltura com o intuito de restabelecimento da liberdade (art. 660, § 1.º, do CPP). Habeas corpus preventivo, impetrado quando houver fundado receio de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Necessário referir que a ameaça de prisão que justifica a concessão da ordem não pode se caracterizar como um temor remoto ou mera suspeita. É preciso que seja, efetivamente, ameaça séria e concreta, devidamente demonstrada, quanto à iminência de prisão ilegal. Não basta a possibilidade, sendo preciso a probabilidade do constrangimento à liberdade. Deferido, expede-se salvo-conduto, impedindo-se, pelo fato objeto do habeas corpus, que ocorra a segregação (art. 660, § 4.º, do CPP). “O habeas corpus preventivo tem cabimento quando, de fato, houver ameaça à liberdade de locomoção, isto é, sempre que fundado for o receio de ser o paciente preso ilegalmente. E tal receio haverá de resultar de ameaça concreta de iminente prisão” (STJ, AgRg no HC 108.655/SP, DJ 16.03.2009). Todavia, além das hipóteses mencionadas, tem sido admitida uma terceira modalidade, denominada por parcela doutrinária de habeas corpus profilático, destinado a suspender atos processuais ou impugnar medidas que possam importar em prisão futura com aparência de legalidade, porém intrinsecamente contaminada por ilegalidade anterior. Neste caso, a impugnação não visa ao constrangimento ilegal à liberdade de locomoção já consumado ou à ameaça iminente de que ocorra esse constrangimento, mas sim a potencialidade de que este constrangimento venha a ocorrer. Exemplo: Impetração do habeas corpus para o trancamento da ação penal. Considere-se que tenha sido recebida a denúncia proposta em relação a fato prescrito, atípico, ou movida por parte ilegítima, ou com irregular descrição do fato imputado etc. Ora, o recebimento da inicial, nessas condições, mesmo que esteja o acusado em liberdade, poderá resultar futuramente em condenação à pena de prisão. Por isso, cabível, em tese, o habeas corpus para, desde logo, prevenir a possibilidade de que uma medida constritiva da liberdade venha a ser determinada a partir de um processo viciado já na sua origem. Mas atenção: na esteira da jurisprudência consolidada, o trancamento de ação penal ou de inquérito policial, em sede de habeas corpus ou recurso ordinário, constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade. Impetração do habeas corpus para que seja alcançada a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial que versa sobre estado das pessoas (art. 92 do CPP). Imagine-se que esteja o acusado respondendo a processo criminal por bigamia e que, ao ser interrogado, narre ao juiz criminal que apenas se casou novamente em razão deterem sido nulas as primeiras núpcias, conforme ação anulatória de casamento que se encontra em curso perante vara cível. Considerando que se trata a nulidade de casamento de questão prejudicial afeta o estado civil das pessoas, estará o magistrado criminal obrigado a suspender o processo criminal até que haja o trânsito em julgado da sentença a ser proferida na ação civil de anulação, conforme a regra do art. 92 do CPP. Se assim não proceder, viabiliza-se à defesa o manejo de habeas corpus objetivando alcançar esta suspensão. Isso porque o crime de bigamia é punido com pena privativa da liberdade, o que sugere a possibilidade de constrição futura da liberdade caso venha o imputado a ser condenado no processo que deveria estar suspenso por força da questão prejudicial cível. Impetração do habeas corpus para impugnar decisão de improcedência de exceções de incompetência, ilegitimidade de parte, litispendência ou coisa julgada. Suponha-se que determinado indivíduo, no curso do processo criminal que lhe move o Ministério Público por crime de estelionato, ingresse com exceção de incompetência do juízo, a qual vem a ser julgada improcedente pelo juiz. A consequência dessa decisão será o prosseguimento do feito no juízo em que se encontra, situação esta que, sob a ótica do excipiente, importa em constrangimento ilegal. Destarte, terá duas possibilidades a seu dispor: aguardar a sentença e, posteriormente, se for o caso, alegar a preliminar de nulidade por incompetência do juízo em sede de apelação, ou imediatamente impugnar a decisão de improcedência via habeas 2 corpus. Não se tratasse o crime imputado de infração sujeita à prisão, seria adequada a via do mandado de segurança. Registre-se que contra a decisão de improcedência das exceções descabe recurso em sentido estrito, oponível este, apenas, contra a de procedência (art. 581, III, do CPP). Em todos esses casos, mesmo que esteja em liberdade o impetrante e ainda que não haja ameaça de constrangimento imediato à sua liberdade de locomoção, justifica-se o uso do remédio heroico tendo em vista a ocorrência de ilegalidades que poderão, mais tarde, importar em sua prisão. O CONSTRANGIMENTO ILEGAL O art. 647 do CPP refere-se à coação ilegal como fundamento principal da impetração do habeas corpus. Em sequência, o art. 648 do mesmo estatuto contempla as hipóteses nas quais se considera ilegal o constrangimento, arrolando as seguintes: Quando não houver justa causa (art. 648, I): Justa causa é conceito que não se confunde com a justiça ou injustiça da decisão. Há justa causa para uma coação quando estiver prevista em lei e quando observados seus requisitos. Por exemplo, inexiste justa causa para que o delegado de polícia determine,por ato seu, a prisão para averiguações do suspeito, pois tal modalidade segregatória não possui previsão legal. Também inexiste justa causa para que o juiz decrete a prisão preventiva de alguém quando ausentes indícios suficientes de autoria, eis que, apesar de prevista essa prisão em lei, não estão atendidos seus requisitos. Agora, há justa causa para o deferimento judicial de prisão temporária de suspeito de latrocínio quando evidenciado que a segregação é imprescindível ao êxito das investigações policiais. Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei (art. 648, II) A hipótese abrange duas possibilidades: primeira, o esgotamento do tempo previsto em lei para a prisão, o que ocorre, por exemplo, quando, terminado o prazo da prisão temporária e sua prorrogação, não for o indivíduo posto em liberdade; e, segunda, quando detectado excesso no prazo legalmente estabelecido para a prática de determinados atos (v.g., conclusão do inquérito policial, oferecimento da denúncia etc.) ou quando superada a soma dos prazos individuais que compõem cada fase do procedimento (no rito processual previsto para o crime de tráfico de drogas, por exemplo, o tempo para a conclusão do processo tem sido fixado pela jurisprudência em 252 dias2). De qualquer forma, neste último caso, é necessária cautela na apreciação, sempre se considerando que “o excesso de prazo não resulta de mera soma aritmética, sendo necessária, em certas circunstâncias, uma maior dilação do prazo em virtude das peculiaridades de cada caso concreto”3.Deve-se observar, ainda, que, por construção jurisprudencial, o reconhecimento do excesso de prazo na prisão condiciona-se a que não esteja vencida a fase da pronúncia ou encerrada a instrução criminal, regras estas predispostas nas Súmulas 52 e 64do STJ, respectivamente. E não é só. Quando se trata de reconhecer o excesso de prazo como fundamento para a concessão da ordem de habeas corpus, devem ser considerados, além dos critérios estabelecidos nos referidos verbetes do STJ, os seguintes: Atraso processual decorrente exclusivamente de diligências suscitadas pela acusação, não sendo motivado por manobras protelatórias da defesa (Súmula 21 do STJ); Inércia injustificada do Poder Judiciário no impulso processual, em violação ao princípio da razoável duração do processo consagrado no art. 5.º, LXXVIII, da CF. Para evitar tautologia, remetemos, neste enfoque, o leitor ao Capítulo 11, item 11.7.12, em que tratamos do excesso de prazo sob a ótica do princípio da razoabilidade. Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo (art. 648, III) Contempla-se aqui a hipótese em que a coação, apesar de prevista em lei e mesmo se atendidos os seus requisitos legais, tenha sido determinada por autoridade incompetente para a prática do ato. Exemplo: A decretação de prisão preventiva de um promotor de justiça por juiz de 1.º grau, com violação manifesta das regras que disciplinam a competência em razão da função e o privilégio de foro que assiste ao agente do Ministério Público. Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação (art. 648, IV) Nesta hipótese o constrangimento não decorre de ilegalidade ou abuso de poder, sendo legal na sua origem. Entretanto, posteriormente, deixam de subsistir as razões que o motivaram. Logo, se não determinada a sua cessação (do constrangimento) faculta-se a impetração de habeas corpus para que seja alcançado esse objetivo. Exemplos: Se decretada a prisão preventiva do acusado unicamente para fins de conveniência da instrução criminal, quando encerrada essa fase do processo, impõe-se a imediata revogação da segregação. Se o acusado está preso, tão somente, para fins de cumprimento da pena, finda esta, deverá ser posto em liberdade, pois cessado o motivo que autorizou a segregação. Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza (art.648, V) A previsão legal tem em vista hipótese de prisão por crime afiançável, não sendo, porém, arbitrada fiança em favor do paciente. Aqui, a impetração do habeas corpus não visa a sua liberação, mas, unicamente, o arbitramento da fiança, conforme se vê do art. 660, § 3.º, do CPP ao dispor que, “se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo, neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial” Quando o processo for manifestamente nulo (art. 648, VI) Assim como no inciso anterior, esta modalidade de habeas corpus também possui efeito específico, vale dizer, não visa diretamente à liberdade do paciente, mas sim a anulação total ou parcial do processo e, se for o caso, sua renovação (art. 652 do CPP). Entre as hipóteses mais comuns de impetração do writ com base no art. 648, VI, encontram-se: O indeferimento do pedido de anulação total ou parcial do processo. Neste caso, a parte poderá optar entre aguardar a sentença e tentar obter a anulação por meio de preliminar de apelação, ou impetrar imediatamente o habeas corpus visando com isso alcançar esse objetivo antes da fase decisória. A decisão que indefere o reconhecimento da ilicitude de meio de prova juntado aos autos (art. 157, caput e § 3.º, do CPP). Nesta hipótese, é importante ter em vista que o conhecimento do remédio heroico condiciona-se a que não seja necessário exame aprofundado dos elementos de convicção trazidos pelo impetrante, uma vez que o habeas corpus é ação constitucional que pressupõe ilegalidade ou abuso de poder 3 flagrantes, isto é, que possam ser demonstrados de plano. A propósito, consolidada a posição dos Tribunais, compreendendo que “a ação de habeas corpus não comporta dilação probatória, dado o seu rito célere e cognição sumária, voltados para afastar ilegalidade manifesta que comprometa a liberdade de ir e vir do cidadão, razão pela qual é inadmissível o exame de questões que demandam aprofundado exame do conjunto fático-probatório, próprio do processo de conhecimento, como a tese de ilicitude na colheita da prova porquanto decorrente de violência policial” (STJ, HC 133.795/RJ, DJ 21.09.2009). Até bem pouco tempo atrás, a despeito da previsão legal da revisão criminal como meio hábil à desconstituição da sentença condenatória (arts. 621 e 626 do CPP), aceitava-se também o uso do habeas corpus com a pretensão de invalidar o processo em virtude de nulidade absoluta constatada apenas após o trânsito em julgado daquela decisão. Tal entendimento não subsiste na atualidade, compreendendo os Tribunais Superiores que a impetração do habeas corpus no lugar da revisão criminal apenas é viável em circunstâncias excepcionais, onde contatada, de plano, a ilegalidade do constrangimento. Quando extinta a punibilidade (art. 648, VII) Trata-se da hipótese na qual a ilegalidade do constrangimento decorre da circunstância de já se encontrar extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa. Neste caso, o habeas corpus objetiva apenas o reconhecimento de que a punibilidade está extinta com o consequente arquivamento do inquérito policial ou processo. Destarte, se preso o paciente, a sua liberação ocorrerá em decorrência dessa extinção, não se constituindo o móvel direto da impetração. Registre-se que não há objeção a que o manejo do writ, no caso em exame, seja utilizado inclusive após sentença condenatória transitada em julgado. Exemplos: Considere-se que, após o trânsito em julgado da sentença de condenação, encontrando-se o indivíduo a cumprir pena, sobrevenha a revogação do tipo penal que incriminava a conduta pela qual responsabilizado. Diante disso, ingressa ele perante a vara de execuções com pedido de extinção da punibilidade em decorrência da abolitio criminis, com fundamento no art. 66 da Lei 7.210/1984,dispondo que “compete ao juiz da execução: I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”. Imagine-se que este seu requerimento seja indeferido pelo magistrado. Poderá o apenado, nesta hipótese, interpor agravo, por ser este o recurso cabível contra qualquer decisão proferida no âmbito das execuções criminais (art. 197 da LEP). No entanto, pela urgência em obter a prestação jurisdicional e pelo constrangimento que importa mantê-lo preso apesar de descriminada a conduta pelo qual condenado, mais adequada será a impetração de habeas corpus, com fundamento no art. 648, VII, do CPP, objetivando, por meio desta via, a extinção da punibilidade com fundamento no art. 107, III, do CP4. Repise-se que a utilização do habeas corpus em vez do recurso legalmente previsto para o insurgimento é medida excepcional, admitida apenas em situações de grave e evidente constrangimento ou ameaça de constrangimento à liberdade de locomoção. Mas atenção: De acordo com a Súmula 695 do STF, não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade. Ocorre que, declarada a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena, não mais persiste a restrição ou ameaça à liberdade de locomoção. SUJEITOS DO HABEAS CORPUS 1. Paciente: Assim é considerado quem sofre ou está ameaçado de sofrer o constrangimento à sua liberdade de locomoção. Apenas pessoas físicas podem ser pacientes no habeas corpus, não sendo admitida a impetração do remédio heroico em favor de pessoas jurídicas. Isso porque, por definição constitucional, o writ destina-se à proteção da liberdade de locomoção violada ou ameaçada, o que não acontece com relação à pessoa jurídica5. Necessário enfatizar que, ainda que tenha a Lei9.605/1998, ao tratar dos crimes ambientais, estabelecido a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, nem assim será possível considerá-la paciente do habeas corpus, pois não há, nesse caso, liberdade de locomoção a ser tutelada. E quanto a diretores, gerentes ou sócios que venham a ter sua liberdade constrangida ou ameaçada em razão de ilícitos praticados no comando da pessoa jurídica? Evidentemente, podem estes ser pacientes no habeas corpus, que, neste caso, objetivará a proteção de suas liberdades enquanto pessoas físicas. 2. Coator: É quem exerce ou determina o constrangimento ilegal. O coator pode ser tanto uma autoridade quanto o particular. Isto ocorre porque a Constituição Federal, ao tratar do habeas corpus, estabeleceu a possibilidade de seu cabimento “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Ora, se, por um lado, apenas a autoridade pode abusar do poder que detém ou lhe é delegado, por outro a ilegalidade pode ser cometida tanto pela autoridade quanto pelo particular. Exemplo: Indivíduo que, por solicitação de parentes interessados em usufruir de seus bens, é internado, injustificadamente, em clínica particular sob o fundamento de que se encontra em surto psicótico. Este constrangimento à sua liberdade de locomoção, além de caracterizar evidente cárcere privado (art. 148 do CP), ainda enseja a impetração de habeas corpus para que seja restabelecida a sua liberdade de ir e vir. Na prática, sendo coator uma autoridade ou agente da autoridade, no mais das vezes o habeas corpus dirige-se a integrantes das polícias ou de alguém vinculado ao Poder Judiciário. Nada impede, porém, que se trate de pessoa relacionada diretamente aos Poderes Executivo ou Legislativo. Exemplos: Hipótese de presidente de CPI, no âmbito do Poder Legislativo, determinar, ressalvada a situação de flagrante, a prisão de determinada pessoa em razão da suspeita de seu envolvimento em tráfico de influências, desvios de verbas públicas 4 etc. Esse ato, dada a sua prática ter ocorrido ao arrepio das normas constitucionais e legais vigentes, pode ser desconstituído via habeas corpus. 3. Impetrante: Trata-se da pessoa que impetra o habeas corpus, podendo ser qualquer pessoa do povo em favor de outrem e, inclusive, o próprio paciente em seu favor. Para a impetração do habeas corpus, não se exige a presença de advogado. Basta ver que a Lei 8.906/1994, no seu art. 10, § 1.º, estabelece que “não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal”. E não se requer, também, capacidade civil, podendo, em tese, a petição ser subscrita por insano mental e até por indivíduo menor, ainda que não assistidos. Por óbvio, nestes casos é de se observar a hipótese concreta, atendo-se, sempre, à razoabilidade. Perceba-se que, desde que alguém assine a seu rogo, o próprio analfabeto pode ser impetrante (art. 654, § 1.º, “c”, do CPP). Reconhece-se legitimidade para a pessoa jurídica impetrar habeas corpus em favor de pessoa física, assinando a petição, nesse caso, o seu representante legal. Neste sentido, o STJ: “É possível a impetração de habeas corpus por pessoa jurídica em favor de um de seus sócios, pois não se deve antepor restrições a uma ação cujo escopo fundamental é preservar a liberdade do cidadão contra quaisquer ilegalidades ou abusos de poder”6, e, também a doutrina dominante, como a de Luiz Flávio Gomes quando ensina que “pessoa jurídica pode, entretanto, impetrar o writ em favor de pessoa física. Essa amplitude (do polo ativo da ação) parece-nos adequada (porque aqui se trata da tutela da liberdade do ser humano). Pessoa jurídica só não pode funcionar como paciente (como impetrante sim). O Ministério Público, igualmente, pode impetrar habeas corpus em favor de outrem, pois nada o impede. Afinal, mesmo quando parte, atua o promotor de justiça como espécie de “parte imparcial”, não podendo comungar de situações que importem em constrangimento ilegal ao investigado, indiciado ou réu. Note-se que a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), no art. 32, I, prevê, expressamente, que compete aos promotores de justiça a impetração do habeas corpus. No mesmo sentido, o Código de Processo Penal, incorporando, no art. 654, a possibilidade de impetração pelo Ministério Público. E também, a posição dos Tribunais Superiores compreendendo que “o Ministério Público detém legitimidade para impetrar habeas corpus em benefício de réu, porque, nesse remédio constitucional, há uma espécie de mandato universal” (STJ,HC 103.335/RJ, DJ 03.08.2009). Igual faculdade, porém, não assiste ao delegado de polícia e ao juiz de direito, em relação aos quais, na qualidade de titulares dos cargos mencionados, não se reconhece legitimidade para impetração do writ em favor de terceiros – nada impedindo, evidentemente, que o façam na condição de pessoas físicas. Isso porque a missão institucional do delegado de polícia é reunir, no âmbito do inquérito, elementos que possibilitem o desencadeamento da ação penal pelo respectivo titular, sendo incompatível com a dedução de medidas em favor de indiciados ou réus. Quanto ao juiz, sua função é julgar, fazendo-o com imparcialidade, não sendo próprio do cargo que exerce promover medidas judiciais em favor de terceiros. Ressalte-se que esse óbice à impetração pelo magistrado não se confunde com a possibilidade prevista em lei de conceder habeas corpus de ofício, o que ocorre quando o juiz ou tribunal, tomando ciência de ilegalidade ou abuso de poder perpetrados por coator sujeito à sua competência jurisdicional, concede, independentemente de provocação, a ordem para a cessação do constrangimento ou ameaça de constrangimento ilegal (art. 654, § 2.º, do CPP). A propósito, são reiteradas as decisões no sentido de que “o pressuposto do habeas corpus é a ameaça ou a privação da liberdade de locomoção do paciente decorrente de ato ilegal ou praticado com abuso de poder, sendo certoque os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal (CPP, art. 654, §2.º)” (STJ, HC 45.389/SP, DJ 24.04.2006). PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS O art. 654, § 1.º, do CPP estabelece os requisitos da petição do habeas corpus, os quais consistem: 1) “O nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação [...].” Trata-se da identificação do paciente. Na atualidade, entende-se que a referência a seu nome não é fundamental à impetração, podendo o paciente ser identificado por características físicas inequívocas e, até mesmo, pelo lugar onde se encontra ilegalmente preso (se for esse o constrangimento). 2) O nome “de quem exercer a violência, coação ou ameaça”. Tratando-se de habeas corpus destinado à cessação do constrangimento determinado pelo particular (v.g., gerente de hotel que impede a saída do hóspede enquanto não houver o pagamento das diárias e o diretor do nosocômio que não permite a alta enquanto as despesas hospitalares não forem atendidas), sempre se entendeu que, efetivamente, era indispensável a identificação pelo nome. Tal orientação, contudo, hoje vem sendo flexibilizada, muitos admitindo, em face da natureza da ação de habeas corpus, a identificação do coator, mesmo nesses casos, pela condição profissional, a exemplo que ocorre na hipótese em que coator é uma autoridade, em que basta ao impetrante declinar a função ou cargo que exerce (v.g., habeas corpus contra ato do “MM. Juiz de Direito da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre”), sendo prescindível a referência ao nome. 3) A “declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor”. É necessário que a petição de habeas corpus demonstre a ilegalidade do constrangimento sofrido ou ameaçado, expondo as razões de fato e de direito pelas quais assim se entende. 4) A “assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências”. Não se admite que a petição de habeas corpus seja apócrifa, vale dizer, sem subscrição. Destarte, não sabendo ou não podendo assinar o impetrante, alguém deverá subscrever a seu rogo, sob pena de indeferimento ou não conhecimento. “Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, embora o habeas corpus possa ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente da assistência de advogado, a ausência da 5 assinatura na petição inicial, por si só, inviabiliza o conhecimento da impetração” (STJ, HC 85.565/SP, DJ 03.12.2007). POSSIBILIDADE DE LIMINAR Apesar de não existir previsão legal de liminar em habeas corpus, a jurisprudência, assim como a doutrina, são consolidadas no sentido da possibilidade de seu deferimento, desde que presentes os pressupostos atinentes a toda e qualquer cautelar – fumus boni iuris e periculum in mora. Uma vez concedida a liminar, poderá, futuramente, por ocasião do julgamento do mérito do writ, tanto ser mantida como revogada, restabelecendo-se, nesse último caso, a situação anterior ao deferimento. Perceba-se que, muito embora seja possível o manejo de recurso em sentido estrito contra decisão do juiz que, no mérito, denegar a ordem de habeas corpus perante ele impetrado, e de recurso ordinário constitucional contra o acórdão dos tribunais que decidir de igual modo, as mesmas soluções não podem ser aplicadas quando se trata do indeferimento de liminar requerida no writ. Nem mesmo outro habeas corpus pode ser impetrado contra tal decisão (v. tópico 15.1.7, abaixo). Habeas corpus contra indeferimento de liminar em outro habeas corpus Não é possível a impetração de habeas corpus contra indeferimento de liminar em writ anteriormente ajuizado, sob pena de supressão de instância. A hipótese em comento refere- se à situação em que o juiz ou tribunal junto ao qual deduzido o habeas corpus indefira o pedido de concessão liminar veiculado pelo impetrante. Neste caso, em dado momento histórico, a praxe forense passou a recomendar o ingresso de novo habeas corpus para o insurgimento em relação a tal decisão. Ocorre que, na Sessão Plenária de 24.09.2003, aprovou o Supremo Tribunal Federal a edição da Súmula 691, dispondo que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus, requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. Precitado verbete originou-se de precedentes do Excelso Pretório, ao não conhecer de habeas corpus impetrados contra decisões indeferitórias de liminares exaradas por minis-tros-relatores de outros Tribunais Superiores. A partir daí, por interpretação analógica da referida Súmula, passaram os tribunais a refutar, em qualquer caso, o cabimento de habeas corpus contra decisão indeferitória de liminar anteriormente pleiteada, restando ao impetrante aguardar o pronunciamento final do Poder Judiciário sobre o mérito do habeas corpus, para, somente após, sendo denegada a ordem, deduzir recuso em sentido estrito (art. 581, X, do CPP) ou recurso ordinário constitucional (art. 102, II, a, e art. 105, II, a, ambos da CF), conforme a decisão seja proferida pelos juízes de 1.º Grau ou pelos tribunais, respectivamente. Não obstante a rigidez incorporada ao texto da Súmula 691 do STF, em outubro de 2005, por ocasião de julgamento do HC87.016/RJ8 impetrado contra a decisão denegatória de liminar exarada pelo ministro-relator junto ao Superior Tribunal de Justiça, resolveu o Supremo Tribunal Federal abrandar o rigor da disposição sumular nas hipóteses de flagrante ilegalidade do ato constritivo da liberdade. Daí em diante, outros julgados trilharam o mesmo caminho, firmando-se a jurisprudência no sentido de que não cabe habeas corpus contra decisão que indefere pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância. Considere-se, agora, a seguinte situação: impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Desembargador Relator, naquela sede, indefere o pedido liminar. Contra essa decisão, o impetrante impetra novo habeas corpus, agora junto ao STJ, dizendo ser ela flagrantemente ilegal ou teratológica, buscando, com isto, afastar a incidência da Súmula 691 do STF (esta, como vimos, proíbe a impetração de novo habeas corpus contra decisão indeferitória de liminar em habeas anterior). No STJ, analisando a questão, compreende o Ministro Relator por não conhecer do habeas corpus, julgando não ser o caso de flexibilizar a incidência da referida Súmula. Neste cenário, pergunta-se: cabe recurso contra essa última decisão? Na atualidade, acenam STF e STJ positivamente, reputando cabível o agravo regimental disposto no art. 39 da Lei8.038/1990. COMPETÊNCIA Em matéria de competência para o julgamento do habeas corpus, a disciplina geral encontra- se prevista no art. 650, § 1.º,do CPP, segundo a qual “a competência do juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição”. Em síntese e a contrário sensu, correto afirmar que possui competência para julgamento do habeas corpus: O juiz ou colegiado de tribunal em relação a violência ou coação proveniente de autoridade ou de órgão do Poder Judiciário de inferior hierarquia. O juiz em relação a constrangimentos patrocinados por autoridades vinculadas a outros Poderes (observadas aqui, por certo, a prerrogativa de função inerente a determinadas categorias funcionais) e por particulares. Destarte, compete ao magistrado de primeiro grau, por exemplo, julgar o habeas corpus impetrado contra ato do delegado de polícia da Comarca. Não poderá, contudo, julgar o writ ingressado contra ato do juiz de outra vara, tendo em vista a igualdadede graduação das jurisdições. E contra ato do promotor de justiça? No passado, houve divergências. Hoje está consolidado o entendimento de que, figurando o promotor de justiça como autoridade coatora, o habeas corpus contra ele impetrado deverá ser ajuizado perante o tribunal que tenha competência para julgá-lo. “Se a Constituição Estadual prevê a competência do Tribunal de Justiça para julgar os membros do Ministério Público, tanto nos crimes comuns como nos de responsabilidade, também caberá a essa Corte o julgamento de habeas corpus no qual o promotor de justiça estadual figure como autoridade coatora”10. Tratando-se de Procurador da República (Ministério Público Federal), a competência para o julgamento é afeta, logicamente, ao Tribunal Regional Federal da região a que vinculado. Por outro lado, tratando-se de impetração de habeas corpus contra magistrado do Juizado Especial Criminal, é pacificado o entendimento de que a competência para seu julgamento será da Turma Recursal. Já em relação ao habeas corpus impetrado contra decisão das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais Estaduais chegou a ser sumulado o entendimento de que deveria ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 690). Não obstante este verbete, na atualidade, o próprio Supremo modificou seu entendimento, passando a decidir no sentido de sua incompetência para julgamento de habeas corpus contra decisões das Turmas Recursais estruturadas no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, acrescentando que tal incumbe aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais, conforme o caso. Esta, inclusive, foi a deliberação adotada no exame da questão de ordem levantada no julgamento do HC-QO 86.009/DF, ocasião em que ficou consignado que o Supremo Tribunal Federal, modificando sua jurisprudência, 6 assentou a competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus contra ato de Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Quanto à razão pela qual o STF modificou seu entendimento, deixando de aplicar o disposto na sua Súmula 690, reside no fato de que os juízes integrantes das Turmas Recursais dos juizados especiais estão submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal. Sendo assim, por simetria, a estes incumbe o julgamento dos habeas corpus impetrados contra ato que tenham praticado (STF, HC 86.834/SP, DJ 09.03.2007). Por derradeiro, a par da regra geral de competência estatuída no art. 650, § 1.º, do CPP e das orientações da jurisprudência, é certo que, em muitos casos, a disciplina quanto a quem competem o processo e julgamento do writ encontra-se na Constituição Federal. Processamento do Habeas Corpus impetrado perante o Juiz de Direito Ao receber a petição de habeas corpus, caberá ao juiz examinar a possibilidade de concessão de liminar para fazer cessar a coação ou impedir que esta se consume. O deferimento desta medida não se condiciona à existência de requerimento expresso do impetrante, podendo o juiz fazê-lo ex officio se verificar a gravidade da situação apresentada. Como referimos no tópico anterior, não há previsão legal de liminar no procedimento do habeas corpus, decorrendo seu eventual deferimento de construção jurisprudencial. Não havendo a concessão de liminar, quer porque não requerida, quer porque descabida no caso concreto, faculta-se ao juiz, se estiver preso o paciente, determinar seja ele apresentado no dia e hora que designar, procedendo-se, neste ato, ao seu interrogatório (arts. 656, caput, e 660, caput, do CPP). O descumprimento da ordem de apresentação apenas se justifica nas hipóteses de enfermidade grave do paciente (caso em que o juiz poderá se dirigir ao local onde se encontra o paciente) ou de não estar ele sob a guarda de quem se atribui a detenção (art. 657, I e II, do CPP). Agora, se o desatendimento da determinação judicial decorrer de conduta dolosa do detentor, ficará este sujeito à imputação de crime de desobediência (art. 656, parágrafo único, do CPP), sem prejuízo da possibilidade de ordenar o magistrado, liminarmente, a imediata liberação do paciente. Na realidade, a providência de apresentação do preso ao juiz é pouco utilizada, sendo substituída pela requisição de informações ao coator acerca do constrangimento apontado na inicial de habeas corpus (analogia ao art. 662 do CPP). Apresentado e interrogado o paciente, ou aportando ao juízo as informações requisitadas, caberá ao juiz decidir, fundamentadamente, no prazo de 24 horas (art. 660, caput, do CPP). A exiguidade deste prazo justifica-se não apenas na natureza e objetivos do habeas corpus, como também no fato de a prova da coação acostada aos autos, em muitos casos, ser exclusivamente documental (art. 660, § 2.º, do CPP).É possível que, durante a tramitação do habeas corpus, o juiz constate que já cessou a violência ou coação ilegal (por exemplo, em face da liberação do paciente indevidamente detido). Nesta hipótese, julgará prejudicado o pedido (art. 659 do CPP). Não sendo este o caso e decidindo o magistrado favoravelmente ao paciente, determinará, se estiver preso, seja ele posto em liberdade, salvo se por outro motivo deva ser mantido na prisão (art. 660, § 1.º, do CPP), expedindo, para este fim, alvará de soltura; se, contudo, a ordem for concedida com o objetivo de evitar que se consolide a privação ilegal da liberdade, mandará o magistrado expedir salvo-conduto em seu favor (art. 660, § 4.º, do CPP).Note-se que, tratando-se de habeas corpus impetrado perante o juiz, não exige a lei, previamente à decisão judicial, a prévia oitiva do Ministério Público. Outro aspecto a mencionar é que o êxito da impetração não pode estar condicionado ao exame aprofundado ou à produção de provas. Quando muito é facultado ao juiz, no pedido de informações ao coator, requisitar-lhe a apresentação de documentos relativos à hipótese em exame, não mais do que isto. Processamento do habeas corpus impetrado perante os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais O procedimento ditado pelo Código de Processo Penal, em si, não é muito diferente do estabelecido para a tramitação do pedido em Primeiro Grau. Na realidade, as diferenças principais decorrem de regramentos específicos previstos nos regimentos internos em atenção ao disposto no art. 666 do CPP (“Os regimentos internos dos Tribunais de Apelação estabelecerão as normas complementares para o processo e julgamento do pedido de habeas corpus de sua competência originária”).Assim, protocolada a petição de habeas corpus junto ao Tribunal competente, será conclusa ao Presidente (ou ao relator, ou à autoridade judiciária, determinada pelo Regimento Interno), que poderá indeferi-la liminarmente. Este indeferimento pode se justificar em diversas razões, tais como ausência dos requisitos estabelecidos no art. 654, § 1.º, do CPP; obscuridade ou ambiguidade do requerimento etc. Neste caso, de acordo com o art. 663 do CPP, a petição indeferida deverá ser levada ao Órgão Colegiado competente (normalmente as Câmaras dos Tribunais de Justiça e as Turmas dos Tribunais Regionais Federais), para deliberação. Sem embargo desta previsão, a verdade é que, na atualidade, por força do art. 932, III, do CPC/2015(correspondente ao art. 557, caput, do revogado CPC/1973), aplicável em matéria criminal por força do art. 3.º do Código de Processo Penal, em muitos casos, o indeferimento da petição de habeas corpus in limine tem se esgotado com o pronunciamento monocrático do desembargador que o determinou, vale dizer, sem a posterior submissão da petição indeferida ao Colegiado. Isto porque o referido dispositivo do Código de Processo Civil, aplicável em qualquer Tribunal, dispõe que “o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudênciadominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. E tal normatização tem sido aplicada ao habeas corpus, muito embora não se trate esta impugnação de um “recurso”. Não ocorrendo o indeferimento imediato da petição, deverá a Autoridade Judiciária a que distribuído o habeas examinar a possibilidade de concessão de liminar para fazer cessar a coação ou impedir que esta se consume. Deferida ou não a medida antecipatória, serão requisitadas informações ao coator (art. 662 do CPP). Recebidas estas informações, ou sendo elas dispensadas, o habeas corpus será julgado pelo Colegiado competente na primeira sessão. A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, o Presidente, caso não tenha participado na votação, proferirá voto de desempate. Se, ao contrário, participou ele da votação, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente (art. 664, caput e parágrafo único). Sendo concedida a ordem, comunica-se a decisão ao coator, para que faça cessar o constrangimento ou não venha a consumá-lo. Processamento do habeas corpus impetrado perante os Tribunais Superiores 7 Seguem-se, neste caso, no que forem aplicáveis, as normas procedimentais estabelecidas pelo Código de Processo Penal para o processamento do habeas corpus junto aos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, observando-se, no mais, as disposições constantes do regimento interno do respectivo Tribunal Superior. A título de observação, impende ressaltar que também aqui a jurisprudência tem aplicado, por analogia, o regramento hoje incorporado ao art. 932, III, do CPC/2015 (correspondente ao art. 557, caput, do revogado CPC/1973), facultando ao Ministro-Relator, em decisão monocrática, indeferir liminarmente a petição do habeas corpus quando este for manifestamente inadmissível, independentemente de atentar ao disposto no art. 663, 2.ª parte, do CPP, que determina, nestes casos, seja o indeferimento submetido à apreciação do Colegiado. Em complemento à norma processual civil, estabelece o art. 21, § 1.º, do RISTF que “poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil”. No mesmo sentido, o art. 34, XVIII, do RISTJ, dispondo que “são atribuições do relator: [...] negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente, contrário à súmula do Tribunal, ou quando for evidente a incompetência deste”. Reiteração do habeas corpus É possível a reiteração do habeas corpus visando à cessação do mesmo constrangimento ou ameaça de constrangimento que motivou impetração anterior, desde que os fundamentos não sejam idênticos. Neste sentido: “Não se conhece de habeas que se limita a trazer, em sua inicial, alegações já ventiladas em remédio constitucional anterior, denegado pelo colegiado, tratando-se de mera reiteração dos argumentos rechaçados naquela oportunidade” (STJ, HC 130.380/RS, DJ 03.08.2009). Habeas corpus como meio hábil à invalidação de provas consideradas ilícitas É possível, em princípio, o uso do writ com a finalidade de invalidar provas ilícitas acostadas ao processo, desde que o reconhecimento dessa ilicitude não dependa do ingresso aprofundado na matéria fático-probatória angariada aos autos criminais. Para ilustrar, considere-se que o impetrante sustente em seu habeas corpus a ilicitude de sua confissão, sob o fundamento de que obtida mediante coação. Tal matéria, evidentemente, não poderá ser discutida e apreciada em sede de writ, pois exigiria produção de prova do alegado constrangimento, o que, como visto, descabe nessa via impugnativa. Por outro lado, sendo hipótese na qual a ilicitude da prova se mostre inequívoca, dispensando fase instrutória para esse reconhecimento, será possível a utilização do remédio heroico buscando a invalidação. É o caso, por exemplo, de ter sido o habeas corpus impetrado visando à impugnação de interceptação telefônica realizada sem ordem judicial, em evidente afrontamento ao disposto no art. 5.º, XII, da CF. Nesta situação, justifica-se a impetração objetivando-se a cessação do constrangimento ilegal provocado pela juntada do material probatório obtido com violação às normas constitucionais. Habeas corpus e trancamento ou anulação da ação penal imputativa de crime não punido com prisão Por muito tempo, discutiu-se a possibilidade de ser usado o remédio heroico visando ao trancamento da ação penal ou para a anulação de processo pelo qual fosse imputado crime punido apenas com multa. Afinal, decorrência da previsão constitucional do habeas corpus é que se destine, direta ou indiretamente, à tutela da liberdade de locomoção. Hoje, como já vimos em tópicos anteriores, foi superada essa discussão por meio da Súmula 693 do STF, dispondo que “não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”. Em síntese, na atualidade, a evolução do instituto do habeas corpus permite sua utilização como forma de controle da legalidade das fases da persecução penal, sempre se condicionando, porém, a que, de forma direta ou indireta, mediata ou imediata, o constrangimento atinja o direito à liberdade. Habeas corpus substitutivo de via ordinária recursal Considerem-se as seguintes hipóteses: 1) Determinada pessoa impetra habeas corpus perante o juiz de direito contra ato do delegado de polícia, sendo, porém, denegada a ordem. Irresignada, poderá impugnar essa decisão do juiz por meio de recurso em sentido estrito, com previsão no art. 581, X, do CPP, a ser julgado por órgão colegiado do Tribunal de Justiça. 2) O paciente impetra habeas corpus perante o Tribunal de Justiça contra ato do juiz de direito, operando-se a denegação da ordem pela Câmara julgadora. Inconformado com o acórdão, poderá o impetrante dele recorrer por meio do recurso ordinário constitucional para o STJ, previsto no art. 105, II, “a”, da Constituição Federal. Em ambos os casos, como se vê, existe via recursal adequada para o insurgimento contra a decisão que, julgando o writ impetrado, manteve a decisão impugnada. Entretanto, jurisprudencialmente, construiu-se a figura do habeas corpus substitutivo, consistente na faculdade outorgada ao interessado, sendo-lhe negado habeas corpus anterior, de optar, em vez do recurso previsto em lei, pela impetração de outro habeas corpus, dirigido este a uma instância superior. Considerava-se, pois, que a circunstância de um órgão jurisdicional denegar o writ contra ato considerado pelo impetrante como um constrangimento ilegal contaminava-se com essa ilegalidade, fazendo que o prolator da decisão desfavorável assuma a posição de coator. Destarte, na primeira das hipóteses citadas, podia o sucumbente optar entre o ingresso de recurso em sentido estrito contra a decisão do juiz ou impetrar novo habeas corpus junto à instância superior competente em face da decisão que lhe indeferiu o habeas corpus anteriormente ajuizado. Situação análoga ocorria no segundo caso ilustrado, em que é facultado ao prejudicado optar entre a interposição de recurso ordinário constitucional contra o acórdão que deseja atacar, ou deduzir, contra esse, um outro habeas corpus, a ser ingressado na esfera jurisdicional competente. Não obstante esse entendimento estivesse consagrado, o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC 109.956/PR (DJ 11.09.2012), passou a não mais admitir o habeas corpus substitutivo. Igual posição foi adotada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 169.556/RJ,DJ 23.11.2012). Com isso, percebe-se que os Tribunais Superiores, visando combater o 8 excessivo alargamento da admissibilidade da ação constitucional do habeas corpus, passaram a rechaçar a sua utilização em substituição das vias recursais ordinárias (apelação, agravo em execução, recurso em sentido estrito, recurso ordinário constitucional etc.). Habeas corpus e prisão administrativa Entende-se por prisão administrativa aquela ordenada por órgão ou autoridade alheios à estrutura do Poder Judiciário. Até o advento da Lei 12.403/2011, alterando o Código de Processo Penal no que concerne à disciplina da prisão processual, medidas cautelares diversas da prisão e liberdade provisória, enquadra-vam-se no contexto da prisão administrativa as seguintes hipóteses: 1) Prisão dos remissos ou omissos no ingresso de receitas aos cofres públicos: Tratava- se da prisão dos remissos ou omissos em repassar aos cofres públicos valores que tivessem recebido em razão de seus cargos. Por remissos compreen-diam-se os funcionários que, tendo recebido dinheiro em razão de sua função, retardassem a entrega deste aos cofres públicos; já os omissos eram os funcionários que deixavam de recolher aos cofres públicos o dinheiro recebido no cumprimento da função. Configuradas essas situações, a prisão administrativa tinha por objetivo compelir o funcionário remisso ou omisso a proceder ao ingresso da receita devida. 2) Prisão do estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante ancorado em porto nacional: Esta modalidade de prisão administrativa tinha como objetivo fazer com que o estrangeiro desertor retornasse à embarcação. 3) Prisão concernente aos processos de deportação, expulsão e extradição de estrangeiro: Modalidade de constrição da liberdade prevista no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) visando à saída do estrangeiro do território nacional ou a sua entrega às autoridades do País que o reclama. Relativamente às duas primeiras situações – prisão do funcionário remisso ou omisso no ingresso de receitas ao erário e prisão do estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante –, encontravam-se previstas na redação do art. 319, I e II, do CPP. Ocorre que, entrando em vigor as modificações determinadas pela Lei 12.403/2011, passou o art. 319 a regular tema completamente distinto, tratando agora das medidas cautelares diversas da prisão. Com isso, restaram tacitamente revogadas as referidas modalidades de prisão administrativa, ficando prejudicado, outrossim, o art. 650, § 2.º, do CPP quando dispõe que não cabe o habeas corpus contra a prisão administrativa, atual ou iminente, dos responsáveis por dinheiro ou valor pertencente à Fazenda Pública, omissos em fazer o seu recolhimento nos prazos legais, salvo se o pedido for acompanhado de prova da quitação, ou se a prisão exceder o prazo legal. Independentemente dessa revogação, deve-se ressaltar que, mesmo antes das modificações ao CPP determinadas pela Lei 12.403/2011, já se considerava que a vedação ao uso do writ estabelecida pelo mencionado art. 650, § 2.º, do CPP, não havia sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, visto que o art. 5.º, LXVIII, dessa Carta autoriza o uso do habeas corpus para qualquer hipótese de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, abrangência esta que não pode ser limitada por lei infraconstitucional. Por outro lado, no tocante à prisão por ordem do Ministro da Justiça antes viabilizada pelos art. 81 da Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), restou prejudicada pela nova redação conferida ao art. 82 do mesmo diploma pela Lei 12.873, de04.11.2013, dispondo que ao dispor que “o Estado interessado na extradição poderá, em caso de urgência e antes da formalização do pedido de extradição, ou conjuntamente com este, requerer a prisão cautelar do extraditando por via diplomática ou, quando previsto em tratado, ao Ministério da Justiça, que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, representará ao Supremo Tribunal Federal. Nesse contexto, restou, como modalidade de prisão com suposta natureza administrativa, unicamente, aquela contempla danos arts. 61 e 69 da Lei 6.815/1980, visando, respectivamente, à deportação e expulsão do estrangeiro. Deportação: Consiste na devolução compulsória do estrangeiro ao Estado de sua nacionalidade ou de sua procedência. Ocorre nos casos de entrada ou permanência irregular de estrangeiro no Brasil, caso não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo regulamentar. A respeito, dispõe o art. 61 da Lei 6.815/1980 que o estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de 60 dias. Expulsão: Trata-se do ato administrativo que obriga o estrangeiro a sair do território nacional e o proíbe de retornar. Dá-se em relação ao estrangeiro que, no Brasil, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais, ou, ainda, no caso de condenação por tráfico ilícito de drogas. Segundo preceitua o art. 69 da Lei6.815/1980, o Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão, por 90 dias, do estrangeiro submetido a processo de expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da medida, prorrogá-la por igual prazo. Observa-se, pois, que os arts. 61 e 69 da Lei 6.815/1980 (pertinentes, respectivamente, aos processos de deportação e expulsão) consagram a competência do Ministro da Justiça para a decretação da custódia. Ora, essa faculdade, evidentemente, conflita com o art. 5.º, LXI, da CF, ao prever que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Nesse contexto, é inequívoco que a legalidade das segregações nos procedimentos mencionados condiciona-se a que sejam determinadas por autoridade judiciária, sendo vedado ao Ministro da Justiça ordená-las. O Ministro da Justiça poderá tão somente representar à autoridade judiciária para que expeça o competente mandado de prisão, tal, aliás, como prevê a atual redação do art. 82 da Lei 6.815/1980. Sendo assim, compreendemos que a natureza puramente administrativa das prisões contempladas nos referidos arts. 61 e 69 do Estatuto do Estrangeiro deve ceder espaço a um caráter admi-nistrativo-jurisdicional: administrativo, porque decretada na esfera administrativa visando a tutelar os interesses nacionais; e jurisdicional, porque apenas pode ser decretada por autoridades judiciárias, quais sejam, um juiz federal, no caso de deportação ou de expulsão e o STF, na hipótese de extradição. Pois bem. Na medida em que as prisões relativas aos procedimentos de deportação e expulsão, se ordenadas por 9 autoridade judiciária, podem ser consideradas constitucionais, conclui-se que a pertinência do habeas corpus nesses casos sujeita-se à ocorrência de constrangimento ilegal lato sensu na respectiva decretação, o que abarca tanto razões relacionadas ao excesso de prazo na prisão como à ilegalidade do procedimento e à própria incompetência da autoridade judiciária que a tenha determinado. Habeas corpus e punição disciplinar militar Preceitua o art. 142, § 2.º, da CF que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Esta impossibilidade de manejo do habeas corpus contra punições disciplinares, contudo, não é absoluta, limitando-se às hipóteses em que se pretenda discutir o mérito da medida restritiva da liberdade. Logo, nada impede a impetração quando presentes vícios formais que destaquem a medida como ilegal, v.g., incompetência do detentor da patente que ordenoua prisão disciplinar do militar, cerceamento de defesa e descumprimento de formalidades legais. A propósito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “não há que se falar em violação ao art. 142, § 2.º, da CF, se a concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito”12.Diante disso, conclui-se que não infringe o art. 142, § 2.º, da Carta Republicana o conhecimento, pelo Poder Judiciário, de habeas corpus destinado à verificação de pressupostos de legalidade da prisão, a exemplo: a) Existência de hierarquia, da qual decorre o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimento de ordens; b) Existência de poder disciplinar de parte da autoridade que impõe a punição, o que se relaciona com a atribuição do direito de punir, que é próprio de determinados superiores hierárquicos; c) Existência de relação entre a punição disciplinar e a atividade funcional do militar; d) Existência de adequação entre a punição aplicada e a consequência prevista nos regulamentos militares para o ato praticado. Habeas corpus e estado excepcional (sítio) O art. 139 da CF admite que, na vigência do estado de sítio, poderão ser tomadas contra as pessoas, entre outras, as seguintes medidas: a) obrigação de permanência em localidade determinada; b) detenção em edifício não destinado a acusado sou condenados por crimes comuns; e c) busca e apreensão em domicílio. Tendo em vista essa previsão constitucional, permitindo a restrição de garantias individuais apontadas, é, em tese, descabido o uso do habeas corpus na vigência desse estado excepcional. Todavia, à semelhança do que ocorre com a prisão disciplinar do militar, a vedação ao habeas, nesse caso, restringe-se à impugnação do mérito da medida, sendo possível o seu uso quando, por vício de incompetência ou outros de natureza formal, mostrar-se flagrantemente ilegal a restrição à liberdade de locomoção. A propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, já conheceu e julgou o writ em período no qualo Brasil esteve sob o estado excepcional, sendo exemplo o conhecido HC 3.527 (j. 15.04.1914), impetrado sob o fundamento da inconstitucionalidade do estado de sítio então ordenado pelo Presidente Hermes da Fonseca com base em razões supostamente alheias às que permitiam a Constituição Federal de 1891.A situação não havia sido diferente no julgamento pelo STF do HC 1.073 (j. 30.03.1898), em que concedida a ordem sob o argumento de que a atribuição conferida ao Congresso Nacional para aprovar ou suspender o estado de sítio e as medidas presidenciais adotadas durante o seu curso não exclui a competência do Judiciário senão para esse julgamento político, que não para o diverso efeito de amparar e restabelecer os direitos individuais que tais medidas hajam violado, quando delas venha regularmente a conhecer por via do pedido de habeas corpus. Impugnação das decisões no habeas corpus A impugnação cabível em relação às decisões concessivas ou denegatórias de habeas corpus varia conforme a condição do julgador – juiz ou órgão colegiado dos tribunais. Assim, a decisão do juiz, concessiva ou denegatória, enseja recurso em sentido estrito (art. 581, X, do CPP). Sendo concessiva, ainda que não tenha sido interposto recurso voluntário, caberá ao juiz enviar os autos ao tribunal ad quem para reexame da decisão (recurso ex officio, previsto no art. 574, I, do CPP).Tratando-se de acórdão proferido pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, é preciso distinguir: sede negatório do habeas corpus, restará ao sucumbente ingressar com recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, a, da CF); se, porém, for hipótese de concessão, faculta-se a impugnação por meio de recurso especial para o STJ (art. 105, III, da CF) ou de recurso extraordinário para o STF (art. 102, III, da CF), conforme seja lei federal ou direito constitucional o enfoque, respectivamente. Provindo a decisão acerca do habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho (art. 114, IV, da CF) ou do Superior Tribunal Militar, também é necessário diferenciar: a decisão denegatória será impugnada por meio de recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, II,a, da CF); já a decisão concessiva viabiliza, em termos de recurso, apenas o extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, caso possível. Por fim, decisões do Supremo Tribunal Federal, concessivas ou denegatórias, não ensejam nenhum recurso legalmente previsto, conquanto possam, eventualmente, admitir vias impugnativas previstas em sede regimental. Outras questões relevantes envolvendo o habeas corpus Existe a possibilidade de intervenção de assistente de acusação no processo do habeas corpus impetrado em favor do réu? Não há essa possibilidade. Em primeiro lugar, convém lembrar que as faculdades do assistente de acusação são as previstas no art. 271 do CPP, dispositivo este considerado pela maioria como taxativo e no qual não se inclui a possibilidade de intervenção no procedimento do habeas corpus. Em segundo, a circunstância de que o writ não contempla, em seu rito, a possibilidade de contraditório em relação ao seu mérito, o que impede o assistente de refutar a prestação jurisdicional pleiteada pelo impetrante. No âmbito do habeas corpus, poderá ser requerida pelo impetrante a produção de provas destinadas a comprovara ilegalidade do constrangimento sofrido pelo paciente? Sem embargo de alguns julgados, em caráter excepcionalíssimo e diante de circunstâncias muito especiais, admitirem a inquirição de testemunhas no rito do habeas corpus, a posição prevalente é de que o writ não comporta dilações probatórias, pois isso seria incompatível com a própria celeridade que envolve o seu procedimento. Assim, por ocasião da 10 impetração, já deverá o impetrante apresentar, documentalmente, a prova da ilegalidade do constrangimento que alega. É possível a impetração de habeas corpus visando agilizar a tramitação de processo criminal? Despropositado esse objetivo. Contra a paralisação injustificada de feitos, o caminho é a correição parcial, não sendo descabido cogitar-se, em casos especiais, do uso do mandado de segurança. Contudo, a via do habeas corpus não poderá ser utilizada na hipótese em comento, pois não se trata o atraso processual de circunstância capaz de refletir direta ou indiretamente na perda da liberdade. Bem diferente, é claro, a situação em que esteja preso o paciente, caso em que o writ terá como objetivo liberá-lo em face do retardo no andamento do feito; ou, então, a hipótese em que o próprio processo criminal importe em constrangimento ilegal, v.g., se atípico ou prescrito o fato imputado, caso em que adequada a impetração para trancar a ação penal e não para agilizar-lhe o andamento. Inquérito policial poderá ser trancado mediante impetração de habeas corpus? Sim, desde que a sua instauração constitua-se constrangimento ilegal, v.g., atipicidade do fato apurado, prescrição do crime sob investigação, instauração sem representação do ofendido nos crimes de ação penal pública condicionada etc. Pronunciando-se acerca deste tema, referiu o Superior Tribunal de Justiça que o trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade13.Observe-se, por fim, que, se instaurado por determinação da autoridade policial, esta será a coatora. Agora, se a instauração ocorreu a partir de requisição do juiz ou do Ministério Público,contra estes deverá ser dirigida a impetração. É obrigatória a intervenção do Ministério Público no habeas corpus? Depende da hipótese. Se impetrado o writ perante o juiz, o Ministério Público, não sendo o impetrante ou a autoridade coatora, não intervém antes de proferida a decisão, cabendo-lhe, porém, ser intimado desse pronunciamento (tal intimação justifica-se até mesmo em face do cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão concessiva ou denegatória, ex vi do art. 581, X, do CPP). Evidentemente, nada obsta que ojuiz, facultativamente, possa abrir-lhe vista do respectivo processo, não importando tal proceder em qualquer nulidade. Todavia, tratando- se de habeas corpus impetrado junto aos Tribunais, por força do que dispõe o Decreto-lei 552/1969, o Ministério Público deverá ter vista dos autos para manifestar-se, no prazo de dois dias, após as informações da autoridade coatora (art. 1.º e § 2.º). É possível a impetração de habeas corpus visando a garantir ao investigado ou acusado o direito de não ser algemado? Sem dúvida, há essa possibilidade. Certo que o STJ já decidiu no sentido de que “o uso de algemas pelos agentes policiais não pode ser coibido, de forma genérica, porque algemas são utilizadas, para atender a diversos fins, inclusive proteção do próprio paciente, quando, em determinado momento, pode pretender autodestruição” (HC 35.540, DJ 06.09.2004).Entretanto, na atualidade, o Supremo Tribunal Federal restringiu a colocação de algemas no investigado ou acusado preso ao aprovar, na sessão plenária de 13.08.2008, a Súmula Vinculante 11, dispondo que “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Neste contexto, ausentes quaisquer destas condições estabelecidas pelo Pretório Excelso como indispensáveis para que a autoridade ou o agente da autoridade possam algemar o indivíduo sob custódia, é evidente o cabimento de habeas corpus preventivo visando a evitar esse procedimento (v.g., hipótese em que pretenda o acusado, em relação ao qual tenha sido decretada sua prisão preventiva, apresentar-se à autoridade policial) ou, até mesmo, do habeas corpus repressivo para fazer cessar essa prática (v.g. situação em que, já no início de julgamento pelo Tribunal do Júri, tenha o Juiz-Presidente ordenado que permaneça o réu algemado durante toda a solenidade).
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