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O Brasil e o comércio mundial, Jornal O Estado de São Paulo, 16/01/2011(Por Aldo Fornazieri)

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O Brasil e o comércio mundial, Jornal O Estado de São Paulo, 16/01/2011 
Por Aldo Fornazieri 
Uma nação adquire condições de se constituir em potência e de ocupar espaços e 
funções de hegemonia na medida em que se habilita a exportar excedentes. Esses 
excedentes podem ser de diversas ordens, mas os principais são: militar, comercial, 
financeiro, político, diplomático, religioso, populacional, cultural, industrial e tecnológico. 
O excedente religioso já cumpriu um papel importante nos processos expansionistas, 
mas as duas formas preeminentes foram a militar e a comercial. Com o fim da 2.ª 
Guerra Mundial, com o equilíbrio nuclear (ex-União Soviética e Estados Unidos da 
América) e com a afirmação do Direito Internacional, o expansionismo militar ficou cada 
vez mais comprimido a partir da segunda metade do século 20. O fim da guerra fria e a 
interdependência econômica relativizaram ainda mais as possibilidades de uso e de 
êxito do expansionismo militar. Sua função subsidiária de outras formas de 
expansionismo, contudo, permanece muito relevante. E nada indica que no futuro não 
possa vir a ser novamente uma forma prioritária de expansionismo. 
A forma por excelência de expansionismo que se foi firmando no século 20 e, 
particularmente, no pós-guerra fria foi a comercial. Essa estratégia já estava inscrita de 
maneira consciente no processo de fundação dos Estados Unidos como nação 
independente e foi ratificada de modo eficaz na transição do século 19 para o século 
20, com a preparação de uma poderosa diplomacia comercial. 
Definido este preâmbulo e tomando como recorte apenas os últimos 20 anos, quando 
se iniciou a abertura econômica e comercial brasileira, cabe perguntar: o Brasil tem 
uma estratégia de expansão comercial? A resposta, stricto sensu, é não. Em que pese 
a triplicação das exportações nos últimos oito anos, nem mesmo no governo Lula foram 
dados passos significativos para a constituição dessa estratégia. 
Durante o governo Lula o Brasil, certamente, ganhou mais peso e relevância 
internacionais. Isso, contudo, se deveu mais à exportação de um ativismo político-
diplomático e à diplomacia presidencial, o que foi muito importante, do que a uma 
coerente, objetiva e realista política comercial. Mas se fazer uso do protagonismo de 
um estadista carismático é um instrumento expansionista válido, a força e a grandeza 
de uma nação perante as outras precisam se fundar na evidência interna e externa de 
seu poderio. O fato é que, no que tange ao comércio, o Brasil tem pouco peso, estando 
sua participação global em torno de 1% apenas. 
Outro fator que vem projetando relevância do Brasil no mundo é o dinamismo interno 
de sua economia e a adoção de políticas macroeconômicas prudentes. Mas, tendo em 
vista que a expansão da economia pelo dinamismo interno não é infinita - ela se define 
pelo processo de superação da pobreza e ampliação do consumo -, o País não pode 
negligenciar a ocupação de espaços externos de comércio e de multinacionalização de 
empresas - que é um fator que o dinamiza. Uma das regras da globalização mostra que 
os Estados e as economias que não se internacionalizam passam a sofrer impactos 
estratégicos negativos do sistema interdependente. 
Em certo sentido é possível dizer que as exportações brasileiras cresceram, nos 
últimos anos, apesar da política externa, contaminada por um viés ideológico. O Brasil 
cresceu como exportador a partir daquilo que a natureza lhe dá como possibilidade 
imediata de potência: commodities, agricultura, agroindústria. A proporção de produtos 
exportados de alta, média e baixa intensidade tecnológica vem caindo, o que indica 
que o País não se está habilitando no que diz respeito à competitividade baseada no 
conhecimento e na tecnologia. 
Em termos comparativos, a China vem se tornando um gigante exportador perfazendo 
um caminho diverso: adota uma crescente estratégia de inserção global desde o início 
da década de 1980, vem criando um sistema sino-cêntrico de comércio mundial e 
exporta produtos com valor agregado, mesmo que sejam intensivos em mão de obra 
barata. Nesses termos, sabendo que existe um grau de autonomia entre política 
comercial e política externa, pode-se estabelecer que, se um dos objetivos centrais do 
Brasil no mundo globalizado deve ser sua expansão comercial, a política externa deve 
estar a serviço desse objetivo, e não o contrário - a subordinação da política comercial 
à política externa. 
A ausência de uma estratégia de expansão comercial pode ser percebida em outro 
lugar: a precária infraestrutura e os custos portuários e de logística. Não existem no 
País plataformas logísticas modernas de exportação. A própria legislação é, em vários 
casos, um entrave às exportações. E apesar de o Brasil ter sido um dos mais ativos 
demandantes de investigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), é 
possível dizer que não existe uma sólida política de defesa comercial. 
O Brasil não patrocinou tratados de livre-comércio, bilaterais ou multilaterais, nos 
últimos 20 anos. O nosso vizinho Peru é um caso prolífico e bem-sucedido na 
aplicação de tratados de livre-comércio. Chama a atenção também a forma pouco 
prática como o nosso país vem tocando suas relações com a América do Sul e a 
América Latina. O Mercosul é um ente que se vem arrastando ao longo dos anos, com 
poucos avanços. Em relação à América do Sul, não há uma aposta efetiva e 
coordenada no sentido de integrar a região em termos comerciais, energéticos, 
infraestruturais, de investimentos, serviços e mercado de capitais. Já quanto à América 
Central e ao México, as relações vão pouco além da declaração de intenções. Com os 
Estados Unidos passamos à condição de deficitários. O México tem mais de 100 
milhões de habitantes e o nosso comércio bilateral gira em torno de apenas US$ 5 
bilhões. A América Latina tem mais de 500 milhões de habitantes, o que faz da região 
um mercado global considerável. 
Enquanto a China está cada vez mais presente com objetivos claros nos países da 
região, não se vê o Brasil fazendo o mesmo.

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