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1 Fundamentos pedagógicos do CAEF-UFRGS Sumário Apresentação Introdução Capítulo I – Pedagogia Definição Pedagogia Escolar Pedagogia e didática Resumo Capítulo II – Modelos pedagógicos Modelo Modelos pedagógicos existentes Resumo Capítulo III – O aluno: motivação- aprendizagem- identidade Necessidade Identidade Desenvolvimento Necessidades corporais Consciência de si Domínio Corporal Movimento Necessidades afetivas – vinculação Apego Aceitação Investimento Necessidades cognitivas – conclusão Estimulação Experimentação Reforço Necessidades sociais – autonomia Comunicação Consideração Limites Necessidades de valores – ideologia Valores morais e éticos Verdade O Belo Articulação entre as necessidades Aprendizagem Resumo Capítulo IV – O professor, a teoria da impregnação e os tipos de conhecimento O professor A teoria da impregnação Tipos de conhecimento Conhecimento físico Conhecimento social Conhecimento lógico Conhecimento motor ou procedural Resumo Capítulo V – Teorias pedagógicas Pedagogia das Experiências Positivas – vínculo A escola Alguns dados históricos e filosóficos A pedagogia das experiências positivas Pedagogia psicanalítica e experiências positivas Experiências vivida positivamente pelos alunos Pedagogia Humanística Rogeriana – aceitação 2 Bases teóricas O pensamento pedagógico de Rogers Aceitação e pedagogia Rogeriana: professor facilitador Pedagogia do Projeto – investimento Bases históricas e filosóficas do projeto Definição de projeto Etapas na pedagogia do projeto Bases pedagógicas da pedagogia do projeto Investimento e pedagogia do projeto Pedagogia Diferenciada _ estimulação Origem Estimulação e pedagogia diferenciada: o papel do professor Mediação pedagógica Pedagogia Ativa – experimentação Origem e postulado de base Princípios norteadores O tateio experimental segundo Freinet As bases da pedagogia de Piaget Freinet e Piaget – semelhanças Pedagogia Behaviorista _ reforço Behaviorismo: características A pedagogia por objetivos A pedagogia da maestria O reforço das aprendizagens Uso no CAEF Pedagogia Interativa - comunicação A comunicação está em todo lugar Pedagogia Interativa A teoria do conflito sociocognitivo Pedagogia interativa Comunicação e conflito sociocognitivo Pedagogia da obra-prima _ consideração Histórico Filosofia subjacente Avaliação A consideração Pedagogia Institucional _ limites Definição O tronco comum da pedagogia institucional As duas correntes da pedagogia institucional Limites e Pedagogia Institucional Resumo Capítulo VI – Teoria cognitiva do tratamento da informação Definição Nosso cérebro é um computador Memória Memória de Trabalho Memória a Curto Prazo e Memória de Trabalho Memória de Trabalho e capacidade de tratamento A sobrecarga cognitiva Automatismo e controle O papel do meio A influência dos conhecimentos prévios Conhecimentos prévios e compreensão Conhecimentos prévios e aprendizagem Relação entre conhecimentos novos e antigos O esquema de conhecimentos O papel da imagem mental Implicações pedagógicas Resumo 3 Capítulo VII- Fundamentos pedagógicos do CAEF-UFRGS Conclusão Bibliografia 4 Apresentação Toda ação pedagógica pressupõe um fundamento teórico, ainda que implícito. Para nós, uma fundamentação teórica é imprescindível para guiar a ação, ainda que a pedagogia seja sempre algo não definitivo, pela sua própria dimensão. Sendo uma reflexão-ação, está sempre em constante construção, renovação. Desde tempos imemoriais, os saberes foram fonte de preocupação. Inicialmente, só poucos eleitos a ele tinham direito. Prevalecia a ignorância e as crenças irracionais. Numa reação a este estado de coisas, e desejando o bem da humanidade, vimos surgir o Iluminismo e o Positivismo, onde os saberes ocuparam o centro dos interesses. Uma multiplicação dos saberes ocorreu, e, impulsionados, pelas próprias descobertas, os meios de comunicação se desenvolveram e encurtaram distâncias. Assistimos, no século vinte, a uma proliferação de grandes teorias, descobertas científicas, verdadeiras revoluções em ciências humanas, artes, domínio social e educativo. Verificou-se que essa multiplicação de saberes ocorreu até agora através da especialização, da fragmentação dos saberes. Cada um desses fragmentos avançou, ignorando a visão total do qual faz parte. A sociedade também está fragmentada uma vez que a personalidade, a cultura, a economia e a política parecem ir cada uma numa direção diferente. A dissociação mais visível é entre a racionalidade e o individualismo. O que chamamos de crise da educação é o reconhecimento dessas contradições culturais e a decomposição do sistema de valores e normas que a escola, a família e todos os órgãos de socialização pretendem transmitir às crianças. Como ultrapassar isto? Através da complexidade. “Pensar a complexidade” é, para Morin (1977) a fórmula para responder a esta questão. O homem, sempre buscando a perfeição, tirou lições dessa crise e começou a elaborar novas propostas. Novos fundamentos pedagógicos surgiram Um primeiro fundamento pedagógico: Interação entre o sujeito e a razão; a subjetividade e a objetividade. Não se trata de privilegiar um ou outro, mas fazê-los dialogar. O sujeito não será nem um “eu” narcisista, nem um “eu” apenas social, ou somente “racional”, mas um ator que tem sua vida pessoal mas também pode modificar seu meio e tem consciência de seus papéis sociais. Os antagonismos deixam de ser irreconciliáveis, como no pensamento cartesiano, e se tornam portadores de riquezas e de possibilidades de ultrapassagem. Epistemologia e metodologia não se excluem, mas se articulam e integram. Uma nova metodologia se elabora, mais incerta, mais desconfortável, porém mais prometedora. Um segundo fundamento advém do primeiro: a integração. É preciso ultrapassar, capitalizar os saberes. Eles não podem continuar separados, fragmentados. Novos paradigmas, mais complexos, aproveitando os saberes já construídos, desvelando seus limites e validades, precisam ser construídos. O terceiro: a escola é o lugar de instrução e de educação. Precisam ser consideradas as dimensões afetivas, cognitivas, sociais e éticas do indivíduo, bem como os conflitos inerentes às aprendizagens e à sua negociação. Os aprendentes são sujeitos chamados a reconhecer e a compreender, sem condescendência nem facilidade, mas como estudantes em formação. Deixará de ser um lugar de didáticas bem programadas, mas também não será um “laisser-faire”, sem programação, sem objetivos a atingir, ainda que estes tenham que contar com incertezas, com a subjetivação do aprendente. 5 Como traduzimos estes fundamentos a nível de sala de aula? Temos que pensar o ensino-aprendizagem como um conjunto articulado de cinco fatores, pelo menos. Num polo temos os aprendentes: seres individuais e sociais, com necessidades, expectativas e conhecimentos anteriores. No outro polo, o professor, com sua identidade pedagógica, impregnada pelas suas vivências anteriores, mas também aberto a novos porvires. Essa impregnação e porvir tem as teorias de aprendizagem como suporte às intervenções pedagógicas – que criarão a base para todos os instrumentos colocados a serviço dos aprendentes. No quarto polo colocamos os conteúdos, com suas especificidades, que deverãoser apreendidos da forma mais globalizada e integrada possível, sem perder a sua especificidade. No quinto, os materiais didáticos, que devem existir em abundância na sala de aula e cuja seleção é feita em função dos demais polos (adequados aos aprendentes, às teorias, aos conteúdos, aos valores dos professores). Dando forma e articulando todos esses elementos temos o contrato pedagógico. Do lado dos aprendentes, tomamos como referência o paradigma das “12 necessidades psicopedagógicas” elaborado pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Sociopedagogia familiar e escolar (CERIS) de Mons, citado por Pourtois, J-P & Desmet, H (2004). Dele podem surgir propostas de práticas educativas que respondam a essas necessidades. Segundo este Centro, a dinâmica complexa entre essas necessidades e sua satisfação vai forjar a identidade da pessoa. A não- satisfação de uma dessas necessidades pode comprometer a solidez dessa construção identitária. O paradigma comporta quatro dimensões: afetivas, cognitivas, sociais e de valor. As necessidades do domínio afetivo se inscrevem na necessidade de “afiliação” ou “vínculo”, que leva à dimensão de continuidade intergeracional, de história familiar e social. É impossível crescer e se desenvolver sem se sentir aceito, apegado, ou investido por seu meio, por sua escola, por seu professor. A necessidade de conclusão (acabamento) traduz a importância do domínio cognitivo. A curiosidade é uma necessidade considerável na criança. É preciso responder a essa necessidade pelos comportamentos de estimulação, experimentação e reforço. Todo indivíduo que se constrói apresenta uma outra necessidade essencial. É o da autonomia social. A socialização passa pela necessidade do sujeito de se diferenciar de seu grupo e origem. Esse processo implica em responder às necessidades de comunicação, de consideração (sentir-se ouvido, respeitado) e necessita da existência de limites suficientemente flexíveis para suscitar o sentimento de pertença ao meio de origem e também para encorajar a abertura do jovem para o mundo exterior, levando à autonomia. Enfim, um outro conjunto de necessidades aparece, indispensável ao desenvolvimento e adaptação do sujeito: são as necessidade de valores, como base da elaboração da ideologia. Três valores aparecem como necessários à “felicidade” do homem: o bom e o bem (a moral e a ética), o verdadeiro (a verdade) e o belo (estético). A essas necessidades citadas pelos autores, agregamos uma outra, – a corporal, que também é muito importante. Sentir-se bem na sua pele traduz a satisfação dessa necessidade. Ter uma boa auto-imagem e consequente auto- estima também passa pelo domínio e estima do próprio corpo. São ainda necessidades corporais: movimento e domínio corporal. Cada uma dessas dimensões constitui marcas, indicadores do desenvolvimento da criança. A ausência (ou, ao contrário, o superinvestimento) de 6 um ou mais desses indicadores pode entravar o desenvolvimento e constituir uma forma de maltrato. A cada uma dessas necessidades, pode existir uma teoria pedagógica que esteja mais propícia a desenvolvê-la. Os autores Pourtois, J-P & Desmet, H já citados, propõem o quadro abaixo, que consideramos interessante. Chegamos a uma outra fundamentação pedagógica do CAEF que não privilegia uma teoria em detrimento das outras, mas busca o que há de melhor em cada uma delas, constituindo um novo paradigma. Em relação aos conteúdos, estes não são vistos como estanques, mas através de uma transversalidade que dá corpo e vida à sala de aula e atinge as necessidades dos alunos. Assim reunimos música, artes e educação física com alfabetização; educação física e música, ciências e arte. Enfim, todas as combinações são possíveis e artes e educação física apresentam-se como disciplinas por excelência para dinamizar todo e qualquer conteúdo, sem perder sua especificidade e a própria seqüência de seu conteúdo. Quanto aos materiais didáticos, resgatamos propostas de várias teorias e de vários teóricos, e criamos novos materiais com base em novas e velhas tecnologias. A eles é dado um lugar privilegiado na sala de aula, pois é através da atividade- criação que os saberes se consubstanciam. 7 . ........... Identidade pedagógica inicial Teoria da impregnação Necessidades de valores (bem-verdadeiro-belo) Pedagogia da impregnação Necessidades Afetivas Apego Ped. das exp. positivas Necessidades Afetivas Aceitação Ped. humanista Necessidades Afetivas Investimento Ped. do projeto Necessidades Sociais Limites Ped. Institucional Necessidades Sociais Consideração Ped. da Obra-Prima Necessidades Sociais Comunicação Ped. Interativa Necessidades Cognitivas Estimulação Ped. Diferenciada Necessidades Cognitivas Experimentação Ped. Ativa Necessidades Cognitivas Reforço Ped. Behaviorista Identidade pedagógica nova: Sistema pedagógico integrado 1 – Quadro proposto por Pourtois e Desmet, acrescido da dimensão corporal. Necessidades Corporais Domínio do corpo Necessidades Corporais Boa auto-imagem Necessidades Corporais Movimento 8 Introdução Estudos na área da pedagogia, psicologia, sociologia e neurologia fizeram com que hoje tenhamos um consenso de como ocorre a aprendizagem. Analisando obras pedagógicas atuais sobre o ensino da música, das artes, da educação física, do português, matemática ou qualquer outro domínio, verifica-se que o substrato pedagógico que norteia todos esses escritos é o mesmo. O que varia são os autores de referência e a terminologia empregada. Cada área de conhecimento tem sua terminologia própria e a sua especificidade. O desconhecimento dessa terminologia e especificidade por especialistas de outras áreas impede, muitas vezes o diálogo entre elas e a tão sonhada “interdisciplinariedade”. Nosso objetivo, com este livro, é o de tornar claro, para professores da educação básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental) quais os pressupostos teóricos que norteiam o ensinar-aprender, seja em que domínio do conhecimento estivermos nos referindo. Outro objetivo, é o de tornar mais explícito alguns conceitos que vem sendo constantemente referidos como se o seu significado fosse claro _ pedagogia, didática, motivação, construção de conhecimento, aprender a aprender _ com a finalidade de oferecer mais subsídios para a prática do professor. No primeiro capítulo, falaremos sobre a diferença entre pedagogia e didática e como ocorrem as interações em sala de aula. No segundo capítulo falaremos de modelos, pois são é a partir de modelos que construímos o fazer pedagógico. O terceiro capítulo será o da motivação, pois esta é a base de todo aprendizado. No quarto capítulo falaremos sobre o professor, como ele fica impregnado por um modelo pedagógico e o quanto ele precisa refletir sobre sua prática para poder ultrapassar obstáculos epistemológicos e evoluir. Falaremos ainda sobre os quatro tipos de conhecimento e sua implicação no papel do professor. No quinto falaremos sobre as diferentes teorias que podem ser empregadas em sala de aula – pontos positivos e negativos. O sexto capítulo será dedicado ao aprofundamento da teoria da maestria, usando a teoria cognitiva do tratamento da informação. No sétimo capítulo, como uma decorrência de toda a reflexão anterior, teremos os fundamentos pedagógicos do CAEF-UFRGS, e elaboraremos uma breve conclusão. 9 10 Capítulo I - Pedagogia Definição A pedagogia é definida como o princípio das ações de educação, de ensinoe de formação; ensinar, aprender, instruir e formar estão ligadas à atividade pedagógica. O termo “pedagogia” é geralmente mal compreendido; ele designa um campo de conhecimentos cada vez mais complexo. Destinada às crianças ou aos adultos, a pedagogia tem uma competência técnica e profissional e constitui um princípio de estudo e de pesquisa. Ela não se reduz a um saber-fazer compartilhado por todos. Nossa sociedade desenvolve cada vez mais “organizações aprendentes” como ONGs, ensino no trabalho, passeios pedagógicos em sítios, museus, etc. Formação, informação e saber estão no centro das principais dinâmicas sociais e tornam a atividade pedagógica cada vez mais estratégica. A pedagogia tem por objeto a parte sistemática da atividade humana conduzindo às ações de educação e de formação. Tem seus princípios e seus métodos; ela define uma função, descreve uma conduta específica, socialmente construída, principalmente nas escolas e nas instituições formadoras. A pedagogia participa das evoluções em curso, mas ela tem sua própria história e sua própria cultura; as das práticas, dos modos de pensamento, e seus próprios modelos. Ela contribui a uma profissionalização da carreira de professor e de formador. A pedagogia é definida em sua natureza mista: teoria/prática. Segundo Durkheim (1925) a pedagogia é a reflexão mais metódica e melhor documentada possível, colocada a serviço da prática de ensino. Essa natureza mista, esse saber finalizado é expresso no termo “pedagogia” que designa o fato e seu estudo: _ o fato pedagógico é constituído pelo trabalho pedagógico, unidade funcional das tarefas, dos papéis, das competências e dos saberes a serem executados. Professor e aluno, formador e formado, adulto e criança, saberes e aprendizagens, escola e matéria, etc. são as modalidades observáveis, a pedagogia visível. Segundo Morandi, (2004) esse trabalho é tanto do professor quanto do aluno. Ser “pedagogo” se inscreve na lógica de uma ação contextualizada. Esses contextos e a diversidade de situações possíveis (escola, creche, clube, etc.) fazem do fato pedagógico um conjunto cada vez mais complexo, tanto a nível dos meios, dos métodos como de instituições. _ o estudo pedagógico tem por objeto as representações e as coerências pensadas ou induzidas desse trabalho. Do fazer passa-se ao como fazer e porque. O estudo é a parte de concepção (implícita ou explícita, cultural ou profissional) da pedagogia. É a dimensão da análise das ações (porque e como algo funciona ou não). É também objeto de pesquisa. Entre as duas modalidades descritas acima existe uma ida-e-volta. A atividade pedagógica se define por essa díade: pensamento e ação. Não existe pedagogia sem prática e não existe prática pedagógica sem uma prática consciente, fundamentada sobre a coerência de um princípio que a organiza e a explica. É aplicação e explicação, tem, portanto, um modelo, um modo de pensar que vem tanto da idéia como da realidade. Pedagogia Escolar Durkheim (1925) sublinhava que a atividade pedagógica é uma atividade de “socialização” e uma atividade social. Como socialização ela implica, num mesmo processo, a construção individual e a organização de uma sociedade; como 11 atividade social, ela reflete essa sociedade e a forma de pensar que lhe dá consistência. Esse duplo fundamento da pedagogia cria uma ligação dinâmica entre atividade social e princípio educativo. A atividade social foi progressivamente sendo construída em torno de instituições, de um “sistema educativo” e de profissões (professores, formadores). Ela se torna, nas sociedades, cada vez mais elaborada, mais sofisticada, com instituições que vão desde a educação infantil até a universidade e formação continuada. Um sistema de conhecimentos especializados aparece em relação com o mecanismo pelo qual se transmitem os elementos de saber e de cultura escolhidos por essa sociedade. Sob a forma mais concreta, a pedagogia se refere à escola, mas não exclusivamente e nem sempre foi assim. Uma unidade cultural e funcional da pedagogia se construiu progressivamente ao redor da escola, sem que se deva confundir pedagogia com escola. A esta cabe organizar sistematicamente o encontro do aluno com os saberes, lugar de construção de sua própria identidade social e cultural. Na escola, onde esse encontro é organizado temos a pedagogia escolar. A escola, o professor, o aluno, os pais, a turma, os saberes, a organização escolar, tais são os componentes da atividade pedagógica em nossas sociedades. Na situação particular de uma turma e de uma escola, e a necessidade de os instituir numa prática individual e coletiva, o objeto da pedagogia se tornou principalmente o do funcionamento dos saberes. Pode-se aprender sem escola, mas a maioria das “aprendizagens” hoje são realizadas somente na escola. A expressão “aprendizagens escolares” designa aqueles saberes que são apropriados à escola, ao seu objeto, aos seus métodos e aos efeitos desses métodos; outros saberes existem, outras formas de aprendizagem existem, mas não têm necessidade da escola. A pedagogia escolar trata dos saberes que necessitam da escola, também chamados por alguns autores de “aprendizagens artificiais” , em contraponto com as “aprendizagens naturais”, as quais Papert chama “aprendizagem sem ensino ou selvagem” (in INHELDER, B. & CELLÉRIER,1996.p.242). Para Cellérier (op. cit.) há uma parte de psicogênese que é espontânea ou natural, que incide sobre a linguagem, o número, o espaço, etc. É uma aprendizagem, segundo o autor, que se baseia na imitação espontânea e é em larga medida uma imitação inconsciente e involuntária de um modelo. Para o autor citado, essa relação seria reconstruída em seguida no plano da consciência, para formar a relação mestre-aprendiz própria das psicogêneses “artificiais”. Cabe à escola decidir e fazer aparecer as unidades de aprendizagem que devem ser aprendidas. A escola tem muitas funções, educativas, culturais, sociais. “Aprender” significa tanto aprender as regras de vida na turma, como a relação entre alunos e professores e alunos entre si, a comunicação escolar, a gestão do trabalho dos alunos, como dos saberes. 12 Pedagogia e didática Existe uma ligação cultural, funcional e talvez fundamental entre pedagogia e saber. A questão pedagógica apareceu e continua ligada à sua transmissão e construção. Pode-se porém distinguir entre: _ os saberes, isto é, o conjunto de conhecimentos (principalmente, mas não exclusivamente, segundo as disciplinas), tais como são ensinados na escola, e; _ o saber, como bem próprio (substantivo: aquisição, posse) e ação singular (verbo: eu sei ou não sei). Para Jacques Legroux, citado por Morandi (op.cit, p.11) “O conhecimento se constrói e se confunde com a identidade da pessoa: ele não é transmissível, é da ordem do ser. O saber é o sistema interfacial entre a informação e a consciência; ele é constituído por informações postas em relações entre elas e com a pessoa.” A relação entre a pedagogia e os saberes é examinado, no quadro das disciplinas, pela didática. “Didática” vem do grego didaskô , relacionado a disco: arte da repetição; e de didascalos,, o professor, o repetidor. Em 1640, Comenius difiniu a didática (Didacta magna) como “a arte de ensinar, o conjunto dos meios e procedimentos que tendem a fazer conhecer, a fazer saber alguma coisa, geralmente uma ciência, uma língua, uma arte. O termo está no centro de um debate. Uma série de acepções fazem da didática uma teoria de ensino, uma teorização de métodos, no quadro da pedagogia escolar. Outros a situam como uma componente da ação pedagógica. Para Vergnaud (1985) a didática de uma disciplina estuda os processos de transmissão e de aquisição relativos a um domínio específico dessa disciplina. A didáticaantecipa e organiza a construção escolar dos saberes, mas ela não os conduz. Ela trata de sua aquisição possível e esclarece a pedagogia escolar sobre as particularidades em cada domínio. Fala-se então de didáticas, campo conceitual tendo sua própria autonomia. Resumo A pedagogia descreve uma conduta específica, socialmente construída, das ações combinadas de ensinar e de aprender. O objeto da pedagogia não é nem o professor, nem o saber, nem o aluno, mas a atividade que os reúne. Este conjunto fundador cria uma coerência entre a identidade da pessoa, os saberes, a cultura, a sociedade e a atividade que as produz. Os modelos pedagógicos são os princípios condutores dessa atividade e os métodos seu modo de realização. A didática é a parte da pedagogia que se refere a um saber específico. Falamos então de didática de artes, didática de música, didática de educação física, didática de alfabetização, etc. Passaremos agora à noção de modelo pedagógico. 13 14 Capítulo II – Modelo Pedagógico A pedagogia tem a particularidade de representar a relação entre teoria e prática não como uma oposição, mas como um conjunto dinâmico. Os modelos permitem de identificar e de compreender a ligação entre a lógica da ação e a lógica das idéias. A modelização é uma forma de saber. Modelo A palavra “modelo” vem do latim modulos , diminutivo de modus, o modo, a dimensão, ao mesmo tempo, limite e produto, proporção. O modelo é ao mesmo tempo molde e maneira (modus vivendi- maneira de viver), medida e valor em música, forma e sentido. O modulus pertence também à arquitetura _ planta ou projeto _ a partir do qual se realiza uma obra. A modelização será ao mesmo tempo movimento constitutivo e movimento gerenciado. O funcionamento dos modelos pedagógicos, sua evolução, bem como suas relações são observáveis, objetos de estudos e ferramentas de compreensão crítica. Pode-se colocar em relação modelização, princípios (individuais ou coletivos) e práticas, porque em pedagogia a conduta de uma ação supõe uma imagem, uma configuração, a dimensão e a direção que ligam valores, sentidos, métodos e ação. A emergência de um modelo se inscreve num contexto cultural, social e humano. Cada momento da organização de uma sociedade e de sua relação às suas organizações aprendentes produz uma emergência de princípios (da escola tradicional às pedagogias da autonomia). A pedagogia não pode ser concebida sem uma participação às evoluções sociais, técnicas e culturais de uma sociedade e aos projetos conferidos à escola e ao ato de ensinar-aprender. Ela se articula também sobre a evolução dos modos de pensar (do racionalismo cartesiano ao pensamento complexo). Mais que de uma história, ela procede de uma função, múltipla e renovada: uma origem. O modelo pode se transformar, evoluir, e a compreensão que temos dele se modifica, se contextualiza, pelas práticas novas que ele provoca, pelos esclarecimentos vindos de outros modelos, pelas interpretações que cada um que o utiliza lhe dá. Todos os modelos, mesmos os mais antigos, têm um papel particular na pedagogia, que problematiza a relação entre o antigo e o novo e constrói, no contexto de educação e de conhecimento de uma época, com os modelos precedentes, uma lógica pedagógica e um novo modelo. Muitos modelos poderão ser convocados ao mesmo tempo para analisar uma prática. Não existe pedagogia modelo, mas modelos que constituem uma prática, uma análise, onde se representa a ou as lógicas das situações. Um modelo é um princípio de ação que não ordena mas organiza, que não manipula, mas comunica, não dirige, mas anima. 15 Modelos pedagógicos existentes É interessante constatar, que, ao passarmos da definição de pedagogia para os modelos pedagógicos existentes, nos deparamos com uma incoerência. A maioria dos modelos pedagógicos são fruto de um raciocínio sobre a psicologia e a sociologia da educação e não de uma pedagogia. Explicarei melhor. Como vimos no primeiro capítulo, a pedagogia constrói um modelo com base na ação-reflexão sobre o ato de ensinar-aprender. Ensinar-aprender se inscreve num determinado espaço, tempo, sociedade e envolve atores: instituição, professor(es), aluno(s) e o(s) conteúdo(s) a ensinar. A construção de um modelo pedagógico é complexa e pressupõe que se tenha um fio condutor que lhe dê suporte. Ao criarmos um modelo pedagógico, precisamos considerar todos os pontos envolvidos na situação de ensino aprendizagem, especialmente o aluno, o conhecimento, o professor e a interrelação entre eles. Uma confusão muito freqüente ocorre entre psicologia da educação e pedagogia. A psicologia da educação, em sua grande parte, é criada em laboratório e se baseia em pesquisas, na maioria das vezes experimentais, e tem um objeto de estudo delimitado. Podemos citar como teorias psicológicas: a teoria freudiana, que se inscreve no quadro da psicanálise e que, enquanto tal, é incompatível com a teoria behaviorista, que parte de outros pressupostos e tem outro objeto de estudo. Temos a teoria piagetiana, que tem seu foco de estudos na interação entre o sujeito e os objetos e que difere, substancialmente, enquanto estudo psicológico, tanto das teorias citadas anteriormente quanto da teoria sociocognitiva de Vigotski cuja ênfase é colocada na linguagem. Temos a teoria de Ferreiro e Teberosky cujo objeto de estudo é o processo cognitivo de aquisição da linguagem escrita. Como modelos pedagógicos temos, entre outras, as teorias de Montessori, de Freinet, de Decroly. A diferença entre modelos psicológicos e modelos pedagógicos, é que os primeiros se referem única e exclusivamente ao que ocorre com o sujeito, estando ele submetido ou não ao processo de aprendizagens “artificiais”. A psicologia da educação se interessa pelas alterações psíquicas relacionadas às aprendizagens, sejam essas naturais ou artificias. Os modelos pedagógicos se referem a uma realidade mais ampla, pois a estes interessa o que ocorre na relação professor- aluno-saber, nas ações combinadas de ensinar e de aprender. Seu objeto não é nem o professor, nem o saber, nem o aluno, mas a atividade que os reúne. Para criar esse modelo pedagógico faz-se mister lançar mão tanto das teorias da psicologia da educação quanto das técnicas utilizadas por outras teorias pedagógicas. É importante esclarecermos isso porque muitos pedagogos e profissionais da educação acreditam que o fazer pedagógico deve seguir as mesmas normas da psicologia da educação que não permite a união de teorias. Enquanto objeto de estudo da psicologia elas são irreconciliáveis, como já vimos, pois partem de pressupostos teóricos e objetos de estudo diferentes. No fazer pedagógico a utilização do maior número delas é bem-vindo e o próximo capítulo lançará uma luz ao porque desta última afirmação. As teorias psicológicas apontam para o fator motivação como indispensável para que a aprendizagem ocorra. Mas o que é motivação? Que fatores contribuem 16 para que a motivação ocorra? O professor pode motivar o aluno? Como? É o que tentaremos discutir no próximo capítulo. Resumo A palavra “modelo” vem do latim modulos , diminutivo de modus, o modo, a dimensão, ao mesmo tempo, limite e produto, proporção. A emergência de um modelo se inscreve num contexto cultural, social e humano. Cada momento da organização de uma sociedade e de sua relação às suas organizações aprendentes produz uma emergência de princípios (da escola tradicional às pedagogias da autonomia). A construção de um modelo pedagógico é complexa e pressupõe que se tenha um fio condutor que lhe dê suporte. Ao criarmos um modelo pedagógico, precisamos considerar todos os pontos envolvidos na situação de ensino aprendizagem, especialmente o aluno, o conhecimento, o professore a interrelação entre eles. Isto é o que diferencia um modelo pedagógico de um modelo de psicologia da educação, onde as variáveis são mais delimitadas. Para o modelo pedagógico podemos e devemos lançar mão de diversas teorias. Um fator importante do processo de ensino-aprendizagem é a motivação, que será tratada no próximo capítulo. 17 18 Capítulo III _ O ALUNO: Motivação, aprendizagem e identidade Sempre que lemos um livro sobre ensino-aprendizagem verificamos que um dos aspectos considerados essenciais é a motivação do aluno. Ao professor recomenda-se “motivar” o aluno, criar estratégias de ensino motivadoras que suscitem o desejo de aprender, mas raramente se diz como fazer isso, ou de que forma. A aprendizagem, nos diz Piaget, (1967) é sempre fruto de uma necessidade. É então nas necessidades que precisamos nos concentrar, pois não haverá motivação se não houver a necessidade. A motivação decorre de um desequilíbrio, que desencadeia a percepção de uma necessidade. Necessidade O conceito de necessidade varia de um autor para outro. Alguns se referem a necessidades primárias, ou vitais, que geralmente são associadas a necessidades fisiológicas, onde se inclui a necessidade de se alimentar e vestir. Mas sabemos, desde as pesquisas de Spitz, (1968) que algumas necessidades psíquicas (como o apego) não satisfeitas, podem levar à morte. Outros autores referem que as necessidades são construídas socialmente e por isso têm um caráter ideológico. Doze dessas necessidades constituem as mais referidas na literatura e foram selecionadas pelo CERIS de Mons, citado por Pourtois, J-P & Desmet, H (2004) por seu impacto sobre a adaptação do sujeito ao mundo. Ainda segundo esses autores, as pesquisas mostram que a forma como elas são satisfeitas e a maneira como o indivíduo as apreende formam a própria identidade. As necessidades corporais também são reconhecidas pelo CERIS já citado, mas tratadas de outra forma pois segundo eles não se configuram como necessidades psicossociais. Nós, do CAEF-UFRGS, consideramos que elas devem vir em primeiro lugar, pois, segundo Piaget, (1967) o período sensório-motor é aquele onde se estrutura a inteligência prática que dará suporte para toda a abstração e construção da identidade. O corpo continua sempre como um referencial privilegiado ao nos depararmos com novas aprendizagens. Uma experiência prática pode ser feita agora pelo leitor: Imagine que o alfabeto se tornou uma seqüência numérica. A letra A=1, B=2, C=3, etc. Experimente somar K+H. Dê a resposta em letra. Faça o exercício e reflita sobre como ele foi executado. Veja como o referencial corporal é importante. Identidade A identidade se constrói através das relações com os outros. Cada vez que um adulto responde às necessidades da criança, esta colhe elementos que irão elaborar a sua identidade. A identidade é elaborada, lenta e laboriosamente ao longo de toda a vida. É um processo complexo e processual, ligado tanto à maturação como ao desenvolvimento cognitivo e às relações sociais. É importante que o professor conheça esse processo pois a aprendizagem só é válida, e perdura, se contribuir para a elevação da auto-estima e para forjar uma identidade positiva. Usaremos o quadro abaixo para esta exposição. 19 A identidade é construída a partir da satisfação dessas 5 necessidades básicas. Cada uma dessas necessidades tem um núcleo central que será atingido, em toda sua plenitude, a partir da satisfação de outros três elementos. Veremos isso com mais detalhes adiante. Faremos aqui uma síntese inicial: Identidade Necessidades básicas Objetivo a atingir Vetores Corporal Sentir-se bem na sua pele Movimento Domínio corporal Boa auto-imagem Afetiva Vinculação Apego Aceitação Investimento Cognitiva Conclusão Estimulação Experimentação Reforço Social Autonomia Comunicação Consideração Limites De valor Ideologia Bem/Bom Verdadeiro Belo Desenvolvimento Para Piaget (1967) o desenvolvimento ocorre através de estágios sucessivos, como o resultado de alterações biológicas (maturação física), cognitivas (desenvolvimento lógico), afetivas e do meio (físico e social). Por isso existem necessidades que são universais, como as que citamos aqui, mas que se expressam de maneiras diferentes conforme o estágio de desenvolvimento. Por exemplo: Todos precisam sentir apego, mas o apego se desloca da figura materna (durante os primeiros anos de vida) para o companheiro ou companheira (na adultez). Necessidades corporais Além das necessidades psicossociais, há um outro tipo de necessidades ligadas ao corpo, ao movimento. Consciência de si e domínio corporal Numerosos autores, inclusive Piaget (1967), reservam um lugar muito importante ao corpo tanto para as aprendizagens como para a construção da personalidade. Segundo Lipiansky E.M. (1992), é quando o bebê se torna capaz de Identidade Corporal Afetiva Cognitiva Social De valor 20 localizar as sensações, as tensões, as emoções no seu corpo que ele se torna capaz de diferenciar o “eu” do “não-eu”, e que ele se torna capaz de reconhecer o outro de acordo com sua aparência corporal. Piaget (1967, 1978) evidenciou o papel essencial das sensações, da motricidade e do jogo simbólico sobre o desenvolvimento cognitivo. A identidade corporal ( e sexual também) é um elemento fundamental da consciência de si ao longo da vida. Ela é marcada pelo imaginário do sujeito, pelos modelos estéticos e as normas socioculturais. Depende do olhar do sujeito sobre si mesmo mas também do olhar do outro (e nesse ponto, o olhar do professor também é extremamente sentido e valorizado) e deve se adaptar às alterações biológicas (infância, puberdade, maturidade e envelhecimento) e sociais. Necessidade de movimento Sabe-se que toda criança tem necessidade de se mexer, de estar em atividade física. Essa necessidade vai permitir o desenvolvimento da dimensão cinestésica, que dá as indicações quanto à posição do corpo, das articulações, dos músculos e dos órgãos internos. Tratamos aqui do domínio do movimento, do gesto, da mímica, do ritmo, da harmonia do corpo. O movimento, a forma como ele é produzido e a maneira pela qual é percebido por outros, são componentes essenciais da identidade do sujeito. Eles regem a estado de “estar bem na própria pele”, expressão comum que traduz a importância desse enfoque. Para favorecer a qualidade do movimento, três eixos devem ser considerados: o espaço, o tempo e a dinâmica. O espaço – A consciência da posição do corpo no espaço e a capacidade de se orientar se estruturam por apreensão direta, graças à faculdade de se movimentar livremente, de ter pontos de referências concretos, sejam eles visuais, auditivos ou táteis. Após essa etapa é preciso atingir a etapa seguinte, da representação interiorizada do espaço, dimensão mais abstrata e mais difícil, que decorre da anterior e nela tem seu início. O tempo – Todo movimento se desenvolve num certo tempo: lento ou rápido. Tem também uma duração: longa ou curta. Entre os movimentos existem pausas. Existe um tempo para si e também o tempo do outro. É preciso portanto sensibilizar a criança ao seu próprio tempo de expressão corporal, mas também a prever o tempo reservado ao outro. É a noção de alternância, tão importante para a comunicação com os outros. A dinâmica - A dinâmica do movimento está relacionada à força com que ele é efetuado. Está ligado ao estado de tensão do indivíduo, que pode ser mais ou menos forte. Uma boa regulação tônica é indispensável para a realização dos movimentosadaptados às situações. Esses três estados, espaço, tempo e dinâmica, ao se combinar darão a qualidade do movimento. O tempo e a dinâmica serão os componentes do ritmo corporal que estrutura nossa vida. O corpo e as sensações serão a base para a auto-imagem e o suporte privilegiado da identidade do sujeito. Vemos aqui a importância de alternar momentos de pouco e muito movimento em sala de aula e de criar espaços onde o jogo livre, o jogo com regras, o jogo simbólico e a recreação possam ocorrer, especialmente até os 10 anos de idade. 21 Necessidades afetivas – vinculação Vinculação ou afiliação pode ser definida como a união de um indivíduo a um grupo. O primeiro vínculo é o que une o bebê à sua família e constitui um fenômeno importante do desenvolvimento individual. Ele se organiza desde os primeiros momentos da vida e se desenvolve progressivamente. Ele se instaura graças à presença de eventos familiares ritualizados, repousa sobre mecanismos de imitação e concorre ao estabelecimento da identificação. A vinculação se inscreve dentro da história familiar e permite a continuidade entre gerações. É através dela que se realiza a transmissão das culturas e dos modelos de relações interpessoais. Após os primeiros anos de vida, a necessidade de vinculação ultrapassa o quadro do grupo familiar e se torna o desejo de estar com os outros numa relação de simpatia ou de amizade, que se manifesta na necessidade de estabelecer, manter ou restaurar uma relação afetiva positiva com outras pessoas. Se essa necessidade não é satisfeita, o sujeito fica com um estado de privação, de não- identidade com os outros que pode ter conseqüências duráveis sobre os sentimentos de integração (pertença) ou de exclusão (ruptura). A vinculação é construída por três dimensões: o apego, a aceitação e o investimento. Apego A noção de apego ou impregnação foi estudada por vários pesquisadores de orientações diferentes. Na orientação psicanalítica, o apego consiste em uma pulsão que leva o recém-nascido a satisfazer sua sensualidade através das relações que ele estabelece com o seio materno. Nessa ótica, a redução da ansiedade da criança (principalmente da fome) é a causa do apego da criança à mãe. Nessa orientação as origens da afetividades se apóiam sobre a função vital de alimentação, ou seja, a dependência física leva, pouco a pouco, à dependência psíquica: as necessidades fisiológicas criam a necessidade do outro. Na teoria baseada na etologia o fenômeno do apego não é exclusivo da espécie humana. Ele pode ser encontrado em vários mamíferos e em algumas aves. Lorenz mostrou que jovens animais aprendem, seletivamente, a reconhecer a própria mãe (ou sua substituta) e suas características. Essa capacidade dá lugar a aquisições e a preferências que não serão mais fundamentalmente modificadas posteriormente. Lorenz realizou demonstrações públicas espetaculares ao tomar o lugar de uma pata a partir de eclosão dos ovos; passados alguns dias os patos o seguiam, quer em terra, quer em água. Popularizou-se uma imagem em que os patos, impregnados da figura de Lorenz, aparecem reunidos em torno de sua cabeça que emerge da água (o mais próximo possível de sua “mãe substituta”). Para Bowlby J. (1978), a criança seria geneticamente predisposta a manter a proximidade com a mãe e os laços de apego, inatos, se teceriam progressivamente durante os primeiros meses da vida. Para essa teoria o apego é um fenômeno primário, e não derivado de outra necessidade básica como a fome na teoria psicanalítica. A necessidade de contato existiria enquanto tal, ainda que a aprendizagem se torne rapidamente um fator importante. Segundo ele, diversas variáveis intervém na afetividade de base da criança para com a mãe: a sucção, o grito, o sorriso, a conduta de segui-la. Assim a sociabilidade faz parte do biológico, mas é também o resultado de uma aprendizagem progressiva. Para esse autor, a 22 ausência do apego a uma pessoa durante os três primeiros anos de vida resultaria numa incapacidade em estabelecer relações afetivas harmoniosas com os outros e desenvolveria uma ansiedade na criança. Montagner H.(1993) discorda de Bowlby quanto ao fato da ausência de apego nos primeiros anos ser irreparável. Ele acredita que seria possível reparar, pois ainda que a necessidade seja inata, o apego seria aprendido. Para Montagner a criança pode se apegar a outras pessoas diferentes da mãe, a outras crianças ou mesmo aos animais domésticos. É graças ao estabelecimento do conjunto dessas ligações que a criança, de toda idade, pode desenvolver sistemas de interação e de comunicação múltiplas que favorecem seu ajustamento às situações mais complexas. Fatores ligados à construção do apego: Odores: tanto o bebê como a mãe são capazes de se identificar pelo odor e as bases olfativas do apego mãe-bebê podem subsistir muito tempo após o período neonatal. Contatos físicos: a interação sob a forma de contato corporal estreito é tão importante quanto a interação face a face. A resposta mais eficaz ao choro do bebê é tomá-lo nos braços. Visão: é essencial na formação do apego da criança à mãe e na reatividade da mãe às mensagens da criança. Sorriso: Spitz (1968) opõe dois tipos de sorrisos: o das seis semanas, que é uma resposta a uma gestalt inata, isto é, a uma configuração do rosto humano visto de frente e animado por movimentos, que segundo ele mostraria que o bebê nasce com uma necessidade de estabelecer relações; e o sorriso dos oito meses, onde a criança reconhece efetivamente os rostos mais comuns. Além disso, o sorriso como uma resposta a um estímulo auditivo é ainda mais precoce e pode ser observado desde a terceira semana. Audição: o feto já é influenciado pelos estímulos sonoros e é particularmente sensível à voz da mãe. Qualidade da relação mãe-bebê: mães disponíveis, sensíveis aos sinais dos bebês têm crianças com apego garantido. Dinâmica separação-apego: Se o apego é importante, a separação também joga um papel essencial para que a criança possa organizar suas primeiras posses e o seu “eu”. Se uma mãe continua sempre a responder a todas as solicitações de seu filho ela o torna dependente de um apego recíproco e fará a construção de um “falso-eu”. A construção do apego em sala de aula é importante. Para as crianças até por volta dos cinco anos ele ocorre principalmente pela existência de uma sala de aula fixa, rotinas, poucas pessoas participando do ambiente mais próximo à criança e, naturalmente, um ambiente acolhedor. Para a criança de seis anos, que já tenha estado em creches ou pré-escolas, a sala de aula fixa é mais importante que o número de professores. Após um ano de escolaridade com vários professores já não há necessidade de salas fixas (Rangel, 2002). Aceitação Aceitação é um conceito mais amplo e menos profundo que apego. As crianças são muito seletivas na escolha de suas figuras de apego dentre as pessoas que lhe são familiares. 23 Aceitação pode ser definida como a disposição de aceitar a atividade da criança, de lhe reconhecer uma presença e uma existência materiais, de lhe consagrar parte de seu tempo e lhe dar o direito à organização pessoal autônoma. Ela se opõe a rejeição, que é a disposição de excluir a criança de toda relação satisfatória com o adulto. A forma extrema de rejeição é o abandono. Maltratar também está relacionado a esse conceito. A noção de aceitação está diretamente relacionada ao conceito de identificação. Os pais propõem a seus filhos modelos de identificação. Estes serão incorporados na medida em que as transações pais-filhos são carregadas de aceitação. Ficarão em suspenso se o sistema familiar é percebido como incerto, perigoso ou desestruturado. A identificação não é uma imitação,mas é uma apropriação, uma assimilação das qualidades, funções, posições exteriores a si e só pode se realizar num contexto afetivo onde a aceitação tem um papel essencial. Dificuldades de identificação primária irão gerar problemas no seio da história familiar. Estas, criarão, por sua vez, dificuldades de identificação secundária que trarão problemas de inscrição social. Pouca ou exagerada aceitação aparecem como os fatores educativos pouco favoráveis ao desenvolvimento do indivíduo. Para crescer harmoniosamente o indivíduo tem que se sentir aceito no grupo mas não sufocado por ele. Trata-se de uma fusão inicial que deve dar lugar a uma diferenciação. A aceitação é fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Quando não se estabelece uma empatia entre professor-aluno o bloqueio da aprendizagem se instala automática e inconscientemente. Este aspecto tem uma relação direta e importante com a Ensino Fundamental, especialmente porque temos o hábito arraigado nas escolas de ter apenas um professor por turma até a quarta série. Pesquisas realizadas no Chile referência revelaram que o ensino realizado com um professor para cada área de ensino permite uma melhoria na qualidade de aprendizagem. Quando uma turma de alunos tem apenas um professor ocorrem duas coisas: ele ensinará somente os conteúdos nos quais se sente mais seguro e negligenciará os outros; caso não se estabeleça a empatia entre ele e um ou mais alunos, estes certamente serão prejudicados. Quanto mais cedo isto ocorrer maior será a dificuldade de inverter essa situação. Isso poderá comprometer todas as aprendizagens posteriores. Como o apego pode ocorrer através da sala de aula fixa e rotinas, é preferível ter o maior número possível de professores desde a primeira série para dar maior chance do aluno se sentir aceito. Uma escola de Porto Alegre trabalha, desde 1994 com quatro professores no nível de Jardim B (artes, educação física, inglês e a professora nas demais 15 horas letivas semanais) e, a partir da primeira série, com dez professores (artes, ed. física, física, inglês, espanhol _ professores licenciados nas diferentes disciplinas; e português, matemática, ciências biológicas, estudos sociais_ pedagogas com o curso de licenciatura em séries iniciais e estudos mais aprofundados nas diferentes áreas). A partir da segunda série as aulas são dadas nos laboratórios correspondentes. O aproveitamento dos alunos é excelente e sente- se a alegria de todos, que relutam em deixar a escola no final da tarde (Rangel, 2002) Investimento O investimento parental, trata do projeto que todos os pais elaboram para seus filhos. Corresponde ao conjunto das representações que os pais fazem para o futuro de seus filhos. É a expressão dos desejos conscientes e inconscientes e se 24 forma sobre a base do narcisismo parental. A criança é investida de um amor que os pais dão a uma criança imaginária, uma criança ideal ao qual eles identificam seu próprio filho. Eles projetam neste último as qualidades que gostariam de ter ou lhes investem da missão de realizar os desejos que eles mesmos não satisfizeram. Projetando-se no filho eles perpetuam o futuro que gostariam de ter. Por outro lado, o filho se identifica com os pais. Esse duplo processo inscreve a criança na história familiar e lhe dá um impulso que influencia a sua trajetória posterior. Mas esse projeto não é apenas um projeto narcisístico dos próprios pais, mas é também um projeto social, portador de aspirações do meio familiar e cultural e da posição social que os pais ocupam e da relação que eles têm com essa posição. Sabe-se que o nível de aspiração escolar e profissional das crianças está relacionada ao nível que os pais atingiram. O projeto parental veicula os hábitos, os valores, as normas de sua classe e integra a história social da família através de gerações. O projeto parental é um processo com componentes psicológicos _ conscientes e inconscientes _ e sociológicos, e por isso atravessado por uma série de contradições. Os pais desenvolvem duas lógicas: uma levando à reprodução e outra à diferenciação: medo de que a criança se torne como eles e medo de que seja diferente. A criança recebe essa mensagem contraditória e deseja, de um lado satisfazer os pais e de outro escapar dessa imagem idealizada, o que acaba resultando em culpabilidade. _Projeto parental - projeto pessoal O projeto parental é um elemento central do processo de constituição da identidade. Durante muito tempo o projeto da criança é o projeto de seus pais. Mas a criança não é uma estrutura passiva e imóvel: ela tenta se afirmar. O indivíduo se constrói nesse jogo imbricado de socialização e personalização, nessa relação dialética entre desenvolvimento e crise. O projeto humano tem uma grande complexidade: ele é um compromisso entre, de um lado, o projeto pessoal do sujeito, suas aspirações individuais, e, de outro lado, o projeto parental e geracional, ambos se inscrevendo num contexto social específico e estando submetidos a condições de existência exteriores que permitem ou não sua realização. A individualização implica se demarcar, se diferenciar dos outros, tornar-se singular. Isto só é possível através do confronto com outros indivíduos e com o meio exterior. Isso implica interações familiares caracterizadas por uma separação entre os membros e ao mesmo tempo por um investimento parental que assegura a coesão e continuidade do sistema e que permite manter intato o sentimento de pertença à família. Mas esse tipo de relacionamento familiar não se realiza sempre num tal equilíbrio. Existem famílias que não investem e aquelas que têm uma relação simbiótica. Na sociedade moderna, uma vasta zona de incerteza tende a se desenvolver, pois o sujeito é submetido a múltiplas outras pressões sociais que fazem, cada vez mais, que ele tente encontrar em si mesmo uma unidade que a ordem social não lhe oferece mais. São múltiplas instituições cujas regras tendem a se substituir às da família e do grupo social de pertença. “A necessidade de se situar” exprime hoje 25 uma angústia existencial fundamental. Ainda que a lógica da reprodução continue, o mecanismo de mudança de classe (principalmente promoção social) leva a ruptura de identificação, que implica a passagem por alterações de modelos interiorizados, de hábitos e pode ser a origem de uma série de conflitos afetivos, ideológicos, culturais, relacionais, que têm um impacto sobre a identidade dos sujeitos. A questão do investimento também ocorre em sala de aula. Professores e alunos têm expectativas, pré-conceitos, que podem auxiliar ou prejudicar o trabalho pedagógico e a aprendizagem. Trata-se, no caso, do que é dito nos corredores: em relação ao professor: “é ruim”; “é muito exigente”; “não precisa nem estudar que ele passa”; em relação aos alunos: “é a turma mais fraca”; “é a turma mais forte”, “fulano é indisciplinado”; “é desatento”... As necessidades cognitivas – conclusão A necessidade de concluir, de obter sucesso se exprime no gosto por tarefas difíceis, por obstáculos, no prazer de dominar, manipular e organizar objetos físicos, seres humanos, idéias, no desejo de agir logo, bem e de forma independente, de rivalizar e ultrapassar os outros. As necessidades cognitivas parecem repousar ainda sobre duas outras necessidades específicas: a necessidade de certeza e a necessidade de coerência. Mas assim como o homem tem uma necessidade de estabilidade, ele desenvolve paralelamente uma necessidade de mudança e de novidade. Incerteza, desacordo social, incoerência seriam estados motivacionais que aumentariam o nível de atividade do sujeito. Para dar conta da complexidade das necessidades cognitivas que devem levar em conta tanto o acordo, a certeza, a coerência quanto o desacordo,a incerteza e a incoerência são propostas três necessidades particulares: estimulação, experimentação e reforço. Estimulação O conceito de estimulação –No início do século XX, estudos experimentais sobre a inteligência e a aprendizagem dos animais começaram a se desenvolver. Watson, Pavlov, Thorndike e Skinner (que passou a desenvolver estudos com humanos) examinavam as variações do comportamento em função dos estímulos dados. Para a teoria comportamentalista o estímulo é o elemento primeiro da cadeia comportamental. Mas a etologia, a psicologia cognitiva, as neurociências e a psicanálise também mostraram interesse por esse conceito. Sem dúvida, a estimulação constitui uma parte importante das condições do ato de aprender para a criança. Ela tem por objetivo facilitar as aprendizagens ou de permitir o aparecimento de comportamentos novos e múltiplos. Todo educador espera que ocorram mudanças no comportamento da criança que se desenvolve. Mas os estudos atuais dizem que não é suficiente esperar. É preciso encontrar e alimentar a necessidade de crescer que existe em toda a criança. Estimulações ou motivações artificiais seriam as etapas pelas quais se evidenciariam, reanimariam ou sustentariam a motivação natural. A importância e as formas da estimulação Para os comportamentalistas, a estimulação vem de fora. Não podemos nos contentar em esperar que um comportamento ocorra. É preciso incitar a criança a 26 agir. Para isso o educador proporá comportamentos bem definidos e a levará ao sucesso fornecendo indicadores e dando as condições favoráveis. Estudos de Piaget mostram a importância do meio e da manipulação de objetos. Para este autor a diversidade das situações com as quais a criança é confrontada desenvolve e modifica a sua curiosidade, e enriquece as formas de pensar anteriores. O perigo não vem agindo, mas esperando. Para Bruner, o desenvolvimento humano é um processo de assistência, de colaboração entre adulto e criança. Numerosos outros autores insistiram sobre a importância da estimulação. Gardner (1994, 1998) sublinha que há diversos tipos de inteligência e que o meio deve ser o mais rico e estimulante possível para permitir que o potencial de cada criança se desenvolva. É a estimulação que permite o desenvolvimento do cérebro. A atividade de aprendizagem estimula as conexões sinápticas, estabilizando algumas, préestabelecidas e eliminando outras, não necessárias. Para a teoria de Vygotsky (Rangel, A. 2004) o desenvolvimento cognitivo da criança se desenvolveria no contexto das interações com uma pessoa mais competente que estrutura o meio e guia a atividade da resolução de problemas, dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal (diferença entre o que a criança já pode fazer sozinha e o que ela é capaz de fazer com auxílio). O professor, segundo essa teoria, tem que ser sensível em relação às necessidade e capacidades da criança para poder estruturar um meio que dê a possibilidade da criança passar do que ela sabe fazer para o que ainda não sabe. Estudos citados por Pourtois e Desmet (2004), evidenciam que mesmo nas famílias em que os pais não são escolarizados, estes são sensíveis às capacidades das crianças de tal forma que parcelas importantes de controle e gestão das tarefas são passadas progressivamente dos pais aos filhos. É preciso estar atento para que as crianças passem a realizar cada vez mais tarefas sem ajuda, para evitar situações de dependência, tanto no plano cognitivo como sociorrelacional. Mas este é um terreno ainda pouco conhecido, o que torna a aquisição da autonomia um pouco aleatória. - A mediação Esse termo apareceu recentemente e concerne às interações que se estabelecem com as pessoas-recursos na construção do saber. Para Bruner, todo ato é ligado, desde o nascimento, a uma intenção, a qual é suscitada por um mediador, começando pela mãe. O trabalho do mediador consiste em permitir a análise dos efeitos do ato em relação à intenção inicial e a facilitar suas condições de realização. Ele ajuda a criança a dar sentido à sua ação e cria ligações com os saberes anteriores. Vygotsky fornece um exemplo sobre a mediação, referindo-se ao ato de apontar. Num primeiro momento o bebê estende a mão com a intenção de pegar um brinquedo que está muito longe. O adulto interpreta esse ato como o de apontar e oferece o brinquedo ao bebê. Com o reforço recebido o bebê passará a usar esse ato outras vezes, até que finalmente terá realmente a intenção de apontar. A mediação é um recurso no acesso ao saber e favorece a metacognição, isto é, a conscientização e a explicação do sujeito das estratégias que ele utiliza. Hoje alguns autores já estão propondo uma concepção mais ampla que mediação, onde o adulto seria um acompanhador-organizador. Ele suscitaria o livre acesso aos diversos recursos do ambiente. Seria mais um organizador na direção 27 do saber que um intermediário. Seria mais um organizador-aprendente colocado ao lado de aprendente e não entre ele e o saber. É importante imaginar formas de acompanhamento, de organização e de estimulação que favoreçam a autonomia dos sujeitos aprendentes. A sub-estimulação e a superestimulação Como em todos os domínios, tanto uma como a outra não são favoráveis a um bom desenvolvimento. A sub-estimulação provoca carência no desenvolvimento e na estruturação do cérebro e a superestimulação faz com que as crianças desenvolvam uma tensão e hipersensibilidade ao mundo exterior, podendo ser origem de stress e angústia. Experimentação O conceito de experimentação – A experimentação nem sempre foi reconhecida como uma etapa importante na apropriação do saber. No século XVII, o racionalismo (representado por Descartes) afirmava que todo conhecimento vem da razão e esta precedia à experiência. Essa corrente de pensamento ainda está muito presente na escola atual, pois a experiência concreta, a descoberta enquanto fonte de conhecimento, bem como a atividade motora continuam sendo desvalorizadas. Oposta, mas se desenvolvendo na mesma época do racionalismo surge a corrente empírica, que privilegia a necessidade de experimentar e descobir, Bacon afirma que os conhecimentos têm sua origem na experiência e nas informações colhidas através dos sentidos. O conhecimento se torna um processo ativo: trata-se de um ato do sujeito em direção ao objeto. Locke, herdeiro de Bacon, exerceu uma influência profunda na pedagogia. Ele insistiu na necessidade de apresentar às crianças objetos concretos e sensíveis. Mas foi no século XX que nasceu uma real corrente em favor de uma pedagogia ativa, e Piaget trouxe efetivamente os fundamentos teóricos e experimentais necessários à justificativa desse tipo de pedagogia. São os representantes dessa pedagogia: Dewey, Claparède, Montessori, Decroly e Freinet. Outras correntes mais atuais também defendem o papel da experimentação. São elas: a etológica, a comportametalista, a construtivista e a humanista. Concluindo podemos dizer que a experimentação é preconizada pelos pedagogos de diversas correntes. O interesse reside no fato de saber quais atividades suscitar na criança que lhe permitam construir sua inteligência. É preciso também diferenciar a “atividade verdadeira” (em relação com a atividade intelectual) e a “ação” (que exprime a necessidade de agir, de se mexer, de estar em movimento, de agitação, sem intenção de desenvolvimento. Apesar de igualmente importante, atende a outras finalidades). Reforço O reforço é um conceito largamente usado em ciências da educação. Vem da teoria behaviorista mas está muito presente também na teoria da aprendizagem social e na psicologia do controle. É encontrado ainda em correntes de pensamento como na cibernética e nas teorias sociolingüísticas. Thorndike foio primeiro a formular a ligação estímulo-resposta e a lei do reforço dessa conexão pela recompensa. Ele enunciou a lei do efeito: uma conduta 28 se elabora ou se mantém ou, ao contrário, se elimina, segundo a natureza recompensadora ou punitiva de suas conseqüências. Para Skinner (1970) toda conduta é controlada pela sua conseqüência. A relação entre um ato e suas conseqüências é chamado condicionamento operante. Uma resposta operante é um comportamento que é seguido por um reforço. Para esse autor, ensinar é agenciar as condições de reforço de forma a facilitar as aprendizagens ou a acelerar seu aparecimento. Os behavioristas classificam os reforços em positivos (recompensas) e negativos (punições). Existem ainda os reforços naturais, que são resultado de uma atividade (como cair ou se equilibrar ao começar a aprender a caminhar). Skinner critica o emprego abusivo de reforços negativos ou aversivos pois eles são acompanhados de ansiedade ou de agressividade e deterioram as relações com o educador (fuga, oposição...). Ele privilegia os reforços positivos que se mostraram mais eficazes. Dentre os reforços positivos estão guloseimas, privilégios, prêmios e aqueles fundados numa relação pessoal (aprovação, amizade, afeição) . Quanto aos reforços naturais Skinner diz que são muito ligados ao acaso e que não são suficientes. Skinner salienta ainda que não se deve deixar a criança prisioneira da contingência de reforço. Deve-se reduzir progressivamente a proporção de respostas reforçadas. O objetivo é que a criança venha a antecipar as recompensas de seu trabalho e que assim já se sinta recompensada. Pode-se suprimir uma conduta não oferecendo recompensa. Atualmente a psicologia das aquisições não interpreta mais o reforço como um processo unívoco: ele se tornou um termo operacional que envolve diversas modalidades de ação. Bandura examinou os efeitos do reforço nas aprendizagens sociais. Para o behaviorismo clássico, as conseqüências do comportamento aumentariam ou diminuiriam automaticamente (mecanicamente) a sua freqüência, sem que houvesse uma tomada de consciência do sujeito. Bandura argumenta que esse tipo de aprendizagem é muito lento. Para este autor, o reforço deve servir para informar e motivar. Piaget, quando se refere à construção das regras morais, também fala de punição e sanção. A punição seria um castigo aplicado sem relação com a ação, como, por exemplo, ficar sem recreio porque bateu num colega. A sanção seria uma reprimenda feita a uma ação que não se deseja ver reforçada. Ela se diferencia da punição porque tem relação com o ato praticado e faz com que os alunos relacionem mais facilmente causa e efeito e dessa forma ele vê qual o sentido de sua ação. Exemplo de sanção para quem bateu num colega: pedir desculpas ao colega. Durante sua aprendizagem o indivíduo não fornece somente respostas, mas nota os efeitos que elas produzem; elas suscitam hipóteses que serão experimentadas. Osterrieth, citado por Pourtois e Desmet (2004) assim como Piaget, insistiu muito fortemente sobre a importância de informar a criança sobre a qualidade de sua prestação, pois esta informação dará um sentido ao que ela faz e diz. Ela vai melhorar a tomada de consciência da sua conduta e ajudar a corrigir seus erros e fixar as condutas esperadas. Já não há dúvidas de que a consciência do resultado em cada etapa de uma tarefa efetuada favorece os progressos posteriores da aprendizagem. Trabalhos realizados sobre o estilo educativo das mães mostrou que as que mais contribuem para o sucesso escolar dos filhos são aquelas mães que atribuem um significado mais profundo à resposta da criança e que exigem ou dão 29 justificativas ou explicações às respostas da mesma. Todo educador deve explorar essa influência que exerce a informação e sentido sobre a atividade do indivíduo, Bandura prefere falar de “regulação” em vez de “reforço” do comportamento por suas conseqüências. De outro lado, Bandura insiste sobre a função motivadora do reforço: a capacidade de antecipação torna os indivíduos capazes de serem motivados pela perspectiva das conseqüências de suas ações. Para Skinner, é o meio externo que determina nossos comportamentos e não nossos desejos e necessidades internas. Mas outras escolas refutam essa idéia e evidenciam que existem motivações internas. Atualmente fala-se de motivações extrínsecas quando a pessoa trabalha por recompensas exteriores à tarefa e motivações intrínsecas quando a própria tarefa dá satisfação à pessoa, e parece que os dois fatores têm sua importância. _ O auto-reforço É preciso sublinhar aqui um aspecto importante do desenvolvimento da motivação. O resultado de uma ação que satisfez uma pessoa num determinado momento do passado poderá não a satisfazer noutro momento. O próprio reforço deve evoluir. As gratificações devem aumentar de intensidade, ou mudar. Lewin e Allport (citados por Pourtois e Desmet) já falavam nos anos 40 da auto-regulação que pode se desencadear: o sujeito se coloca novos critérios quanto aos resultados a atingir e aos objetivos a realizar. Assim, ao lado da motivação do indivíduo para receber a aprovação dos outros, existe uma outra motivação, ligada à aprovação de si mesmo. Todo educador deve ficar atento a esses dois componentes da aprendizagem: reforço extrínseco, mas também estimulação do sujeito para que se conheça, avalie sua própria resposta e se fixe patamares de performance adaptados (a si e à situação). O fato de poder atingir seus objetivos e de cumprir seus próprios projetos aparece hoje, para a maioria dos especialistas de aprendizagem, como a forma mais importante de reforço. Esse julgamento de si, necessário à auto-regulação das condutas se estabelece progressivamente no curso do desenvolvimento, graças às situações de interação e de comunicação. _ O “locus de controle” É a percepção, pelo sujeito, do controle dos reforços que ele recebe. Quando um indivíduo percebe o reforço como não determinado por sua ação, mas pelo acaso, pelo destino, trata-se de uma crença num controle externo (“ _ Passei na prova porque tive sorte”, ou _”Passei na prova porque rezei.” Ou “ _ Rodei porque a professora me persegue.”) Se, ao contrário, ele considera que o reforço depende de seu próprio comportamento (_”Passei porque estudei.”), ou de suas características pessoais (_”Passei porque sou inteligente”), trata-se de uma crença em um controle interno. As pesquisas indicam que os sujeitos “internos” são mais eficazes e têm mais sucesso que os sujeitos “externos”. Eles teriam um melhor nível de conhecimento porque se mostram mais ativos em sua pesquisa, mais atentos ao seu ambiente. Em resumo, eles fariam um melhor uso dos conhecimentos que dispõem. _ O reforço vicariante Os sujeitos aproveitam os erros e acertos dos outros, tanto quanto dos seus. Fala-se de reforço vicariante quanto um observador aumenta a freqüência de um comportamento pelo qual ele viu uma outra pessoa ser recompensada. 30 Esse conceito faz com que a imagem, o modelo dado pelo educador seja imitado pela criança. A questão da imitação já foi motivo de muitas pesquisas e sabe-se que ela tem um papel muito importante na aprendizagem. A sala de aula se constitui num excelente local de reforços vicariantes. Do que foi dito acima, deduz-se a importância do educador tomar consciência dos reforços que ele produz e de analisar suas conseqüências. Eles são portadores de informação e de motivação; podem estimular o autoconhecimento, o desejo de imitação, e a eficácia dos comportamentos, graças a um melhor domínio do meio. Necessidades sociais – autonomia Durante a infância a criança é dependente de seu meio. É progressivamente que ela adquire sua autonomia. O processo social que conduz da dependênciaà autonomia é a socialização, que constitui a base essencial da identidade do sujeito. A autonomia social permite que o sujeito apareça como único, singular, e ao mesmo tempo semelhante aos outros. É preciso, para o desenvolvimento da autonomia, que ocorra um duplo mecanismo: de diferenciação e de identificação. Três necessidades emergem para dar conta desse mecanismo: a necessidade de comunicação, de consideração e de limites. Comunicação Etimologicamente, o termo “comunicar” vem do latim e significa “colocar em comum”. Ele tem, portanto, a idéia de troca, de transmissão. Comunicar é realizar atos sociais. Falar é menos se fazer compreender através de significantes que agir sobre o outro. Quando falamos, realizamos três tipos de atos: um ato locutório (o fato de dizer alguma coisa), um ato ilocutório (o ato que se faz ao falar: dar uma ordem) e um ato perlocutório (o efeito produzido pelas palavras). Além disso, o processo de comunicação implica em levar em conta diversos componentes: o emissor, o conteúdo da mensagem e os efeitos, o condutor da mensagem. É um mecanismo extremamente complexo, do qual reteremos apenas alguns aspectos. Existem alguns axiomas da comunicação, tais como: “É impossível não se comunicar”, o que significa que todo comportamento (ou sua ausência) tem um valor de mensagem. Nesse contexto, a linguagem falada é apenas um dos elementos da comunicação total que tem vários canais, várias funções, é interativa e ligada ao contexto. Além disso, toda realização humana, seja ela social, afetiva ou cognitiva é construída no seio de uma rede de comunicação. Isto significa que toda aprendizagem será realizada através de um sistema de interações que a constrói. A comunicação rege o nosso mundo vivido. Fragilidade e poder da comunicação Todos nós sabemos que a necessidade de contatos sociais é onipresente em todos os seres humanos. Essa necessidade é satisfeita através da comunicação que está no centro da vida e da socialização de cada indivíduo. Mas, apesar da sua importância, nem sempre estamos conscientes que nos comunicamos. Geralmente damos pouca atenção dos elementos que nos são muito familiares. Vivemos num tal mundo de comunicação que não a percebemos mais, a menos que dela estejamos cortados. Podemos ver o exemplo do autismo infantil que é uma patologia ligada à ausência de comunicação ou o aparecimento da síndrome 31 de hospitalismo registrada por Spitz nas crianças que não podem se beneficiar de um intercâmbio estreito com outras pessoas. Poder da comunicação que tem um impacto considerável em nossas vidas mas fragilidade na medida em que está sujeita a múltiplas influências, muitas vezes inconscientes, que podem rompe-la. Precisamos, por isso, esclarecer nossa consciência da comunicação: Desde as primeiras semanas de vida o bebê compreende a ligação que se instala entre os sons que ele emite (gritos, choros) e o comportamento dos adultos que respondem às suas necessidades através de conseqüências positivas (alimento, voz tranqüilizadora, contato corporal, etc.). Esse primeiro circuito de comunicação vai progressivamente evoluir, não apenas pela maturação, mas também pela associação repetida de atenção conjunta para os mesmos objetos e a verbalização do adulto. Assim, por volta dos 3 ou 4 meses já se instaura uma protoconversação, onde a voz da mãe e do bebê se alternam. Por volta do 8-10 meses o bebê dialoga com sua mãe: ele adquire verdadeiras modalidades de troca, que vão evoluindo. Trata-se de uma educação implícita, onde o objetivo do adulto é prioritariamente o de conversar, comunicar com seu bebê. Para estimular a reciprocidade das trocas, vai estimulá-lo com numerosas perguntas e reforçar as verbalizações repetindo e aprovando os enunciados infantis. O adulto adapta sua linguagem às capacidades da criança e ela adapta sua linguagem ao interlocutor. Esses dois fatores são indissociáveis e alternativos. É nessa dinâmica das interações com os seus próximos que a criança desenvolve tanto sua identidade social, como seu modo de uso da linguagem e sua estrutura cognitiva. Esse ato de comunicação é essencial no desenvolvimento social da criança e continua de extrema importância durante toda a vida do indivíduo. Aos 12-13 anos as trocas são essenciais, pois é a idade onde ele é capaz de emitir hipóteses, pensar de forma abstrata, fazer deduções. O adolescente precisa encontrar nos adultos, escuta e compreensão, um espaço de discussão, de reflexão, de expressão de seu mundo vivido para poder entender sua ansiedade e sustentar sua esperanças e aspirações. Falar sobre os acontecimentos permite muitas vezes de se distanciar deles e facilita uma espécie de desdramatização. Fala-se de diálogo formativo, no qual o jovem é visto de forma simétrica, numa igualdade entre o jovem e o adulto, onde são realizadas discussões, trocas de pontos de vista que conduzem à cooperação. É preciso ainda sublinhar a importância que a psicologia social dá às interações entre pares. As aprendizagens seriam favorecidas pelo confronto de esquemas cognitivos de naturezas diferentes: haveria o conflito e depois a coordenação de pontos de vista numa estrutura superior. Estilo educativo e comunicação Sabe-se hoje que existe uma correlação entre o tipo de comunicação que se estabelece na família ou na escola e os esquemas de assimilação e reequilibração das crianças. O melhor estilo de comunicação não tem a ver nem com autoritarismo nem com “laisser-faire”. É um estilo onde as relações sociais durante as conversas podem ser tanto horizontais (igualitárias) como verticais (hierárquicas), em função dos objetivos a atingir. Não existem normas rígidas, mas uma coerência lógica, As crianças falam freqüentemente, participam ativamente nas trocas, esperam sua vez de falar, e dominam essa relação. 32 No estilo autoritário, as relações sociais são sempre verticais. O mais alto na posição hierárquica inicia o diálogo. As crianças são dependentes dos adultos e procuram dominar os mais jovens. As trocas são pobres, pouco criativas, mas adaptadas, com pouca chance de erros. Nesse quadro onde tudo é previsível a criança não é incitada a criar novos esquemas assimiladores. No estilo “laisser-faire” tanto pode haver conversas horizontais quanto verticais, mas baseadas no estado afetivo do momento. Não tendo uma lógica, não permitem que a criança estruture esquemas assimiladores. As crianças procuram então a segurança, procuram outras pessoas para falar de si mesmas, monopolizam a palavra, sem levar em conta a necessidade do outro. É importante ainda salientar que esses estilos não se tornam fixos na criança, e podem evoluir quando o meio muda. Estabelecer trocas na sala de aula é importante, dentro do sistema lógico, porém não autoritário. Formação nas técnicas de comunicação As técnicas de comunicação tem por objetivo melhorar a escuta e a comunicação (verbal e não verbal). As formações que insistem em melhorar a escuta se inspiram nos conceitos de Rogers sobre a congruência (ou seja, coerência interna do indivíduo) e a empatia (compreender o outro “do interior” sem nenhum julgamento). Muitos métodos foram criados, dentre eles podemos citar a análise transacional, a escuta ativa e a neurolingüística. Existem ainda outras técnicas não verbais, como uso do gesto e das distâncias. Atualmente estão sendo realizadas pesquisas dentro da teoria de Habermas do agir comunicacional, que se realiza coordenando várias dimensões como a reprodução cultural, a integração social e a socialização. Por sua complexidade e importância seria bom que os educadores se preocupassem em estudar mais aprofundadamente essa dimensão, especialmente aqueles que trabalham com crianças portadoras de necessidades educativas especiais.
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