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RESENHA CRÍTICA ELEMENTOS DE SOCIOLOGIA – SAMUEL KOENNING

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RESENHA CRÍTICA
OBRA: ELEMENTOS DE SOCIOLOGIA – SAMUEL KOENNING
Ailton Peixoto Damasceno
No primeiro capítulo, KOENING apresenta sua concepção da sociologia, definindo seu objeto e respondendo às críticas que negam seu caráter científico. Para o autor, o objeto desta ciência não é a vida dos indivíduos, mas sim a realidade formada a partir delas, observada por meio de síntese intelectual. Mesmo sendo um constructo, a sociedade possui diversos agrupamentos e configurações dignas de serem pesquisadas e que não se confundem com a vida de cada indivíduo envolvido, ressaltando que o próprio conceito de indivíduo é igualmente uma construção abstrata, de modo que qualquer análise neste nível também se vale, necessariamente, de uma abstração de qualidades, forças e histórias, sintetizadas naquele conceito.
A perspectiva sociológica se qualifica visto ser incorreto pensarmos que só podemos conhecer a realidade por meio dos indivíduos. Ambos os conhecimentos construídos, seja a partir do indivíduo, seja a partir da sociedade, podem ser traduzidos como uma formalização intelectual do real imediatamente dado. A decisão do nível no qual a realidade deve ser investigada, se a partir do sujeito individual ou coletivo, é delimitada pelo propósito do conhecimento, sendo os dois pontos de vista, modos de observação igualmente distantes da realidade.
A categoria sociedade, para KOENING, deve ser entendida, mais amplamente, como a interação psíquica entre os indivíduos. A definição social não abrange apenas as interações duradouras já cristalizadas, como Estado, família e igreja, organizações supra-individuais. A sociedade significa que, por um lado, os indivíduos estão constantemente ligados uns aos outros, influenciando e recebendo influências; e, por outro, algo funcional, que os indivíduos fazem e sofrem ao mesmo tempo: a sociação. A sociedade constitui, portanto, não uma substância, algo concreto em si mesmo, mas um acontecer, que tem uma função pela qual cada um recebe de outrem ou comunica a outrem um destino e uma força .
O autor continua sustentando o caráter científico da sociologia ao afirmar que, tal qual todas as demais ciências humanas, ela define seu objeto por processos de abstração, dissipando as existências individuais em um conceito próprio. Como os seres-humanos vivem em constante interação uns com os outros, tal fato traz um novo modo de observação para as ciências do espírito: o ponto de vista da produção social, pelo qual entende-se que todas as formações – linguagem, religião, família, etc – se produzem na relação entre os indivíduos. Assim, a sociologia não é somente uma ciência com objeto próprio, delimitado e reservado para si, o que a oporia a todas as outras ciências, mas ela também se tornou sobretudo um método das ciências históricas e do espírito, de maneira que as demais ciências se aproveitam do método sociológico sem, necessariamente, perderem seu foco, mantendo suas autonomias.
A partir do capítulo 2, KOENING coloca exemplos analíticos de questões pertencentes a cada um dos grupos explicados, sendo o segundo capítulo (O nível social e o nível individual) um exemplo da sociologia geral. O autor parte das diferenças entre a vida individual e a vida social, ressaltando que a unidade do grupo precisa ser tratada como se fosse um sujeito, com leis e características próprias, sendo fundamental para o questionamento sociológico as diferenças entre as duas experiências.
No centro desta diferença está a característica dos grupos de terem propósitos e objetivos mais definidos que os individuais. A massa não conhece o dualismo e as indecisões visto que, de acordo com KOENING, seus objetivos correspondem àqueles que os indivíduos apresentam como mais simples e primitivos, exatamente por serem os mais amplamente disseminados, ao passo que na experiência individual o ser humano é pressionado por comportamentos e impulsos contraditórios.
A causa da formação da unidade social com base nos pensamentos mais simples está na idéia de que a semelhança e a diferença são os princípios essenciais do desenvolvimento externo e interno do ser humano é como se cada individualidade sentisse seu significado tão-somente em contraposição com os outros, a ponto de essa contraposição ser criada artificialmente onde antes não existia. Consequentemente, o trágico da sociologia é o fato de que mesmo o indivíduo possuindo qualidades aprimoradas e cultivadas, a instância na qual será possível a comparação para formação da unidade será reduzida a camadas inferiores e sensorialmente primitivas: a massa torna-se um novo fenômeno que surge não da individualidade plena de cada um de seus participantes mas daqueles fragmentos de cada um que coincidem com os demais. Esses fragmentos, contudo, não passam dos mais primitivos, aqueles que ocupam o lugar mais baixo do desenvolvimento. Assim, as ações da massa são sempre dominadas por uma idéia, de preferência a mais simples possível, faltando-lhe a consciência da responsabilidade, sendo experimentada por uma elevação extremada dos sentimentos.
No terceiro capítulo, KOENING retoma os questionamentos acerca do objeto da sociologia, apresentando-nos o conceito de sociabilidade. Para ele, a sociedade parte da interação entre os indivíduos e comporta uma distinção entre forma e conteúdo. Nesta concepção, os indivíduos tendo diversas motivações (paixões, desejos etc), conteúdos da vida social, interagem a partir delas e se transformam em uma unidade. Esses conteúdos isolados não são sociais: a sociação apenas começa a existir quando os indivíduos interagem adotando formas de cooperação e colaboração, de modo que quanto mais interação existe no mesmo grupo, ele se torna mais sociedade. A sociação é a forma pela qual os indivíduos formam uma unidade para satisfazerem seus interesses, sendo forma e conteúdo, na experiência concreta, elementos inseparáveis.
Paralelo a sociação, surge o conceito de sociabilidade: visto que a sociedade é a interação com outro para realizar os conteúdos materiais (individuais), e a partir da percepção de que as sociações envolvem, além dos conteúdos, a própria valorização da sociação pelos indivíduos. E as formas que resultam destes processos ganham vida própria, libertas dos conteúdos e existindo por si mesmas, constituindo a sociabilidade, que transforma a sociação em um valor apreciado em si. Em outras palavras, a sociabilidade é a forma lúdica da sociação, não importando as motivações.
Por fim, no quarto capítulo, o autor discute acerca do indivíduo e da sociedade nas concepções de vida dos séculos XVIII e XIX, um exemplo da sociologia filosófica, o autor aborda como o conceito de individualidade, inspirado pela tradição teórica do socialismo, se separa em dois ideais, a liberdade sem igualdade e a igualdade sem liberdade, desfazendo a síntese atingida no século XVIII.
O ponto nevrálgico de toda esta discussão é apresentado logo no início do capítulo, resumido na relação que as forças e formas da sociedade mantêm com os indivíduos, e nos conflitos reais entre aqueles dois pólos, já que as exigências e atitudes sociais se contrapõem à situação individual. O conflito se estabelece por meio da inerência da sociedade no indivíduo e se mantém pela capacidade que o ser humano tem de se dividir em partes, colocando-se em uma relação conflituosa entre as partes do seu eu que se sentem como ser social e os impulsos não absorvidos por este caráter: o conflito entre a sociedade e o indivíduo prossegue no próprio indivíduo como luta entra as partes de sua essência.

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