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APOSENTEI E AGORA?: UM ESTUDO ACERCA DOS ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DA APOSENTADORIA NA TERCEIRA IDADE Cíntia Martins Alves1 Shyrlleen Christieny Assunção Alves2 Centro Universitário do Leste de Minas Gerais RESUMO: O trabalho representa um dos aspectos mais importantes da identidade individual, além de proporcionar o reconhecimento social. Ao desligar-se do vínculo trabalhista, o indivíduo perde o papel de trabalhador, valorizado pela sociedade. Este estudo teve como objetivo analisar a importância da preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, bem como compreender os possíveis impactos decorrentes da aposentadoria. Concluiu-se que a realização de uma preparação para a aposentadoria se faz necessária, pois proporciona formas de enfrentamento e de ajustamento para que o indivíduo passe por esta transição de maneira equilibrada e saudável. Palavras-Chave: Psicologia Social, Terceira idade, aposentadoria ABSTRACT: The work means one of the most important aspects of the personal identily, although to proportionate the social recognition.Alhen a person retire lose the worker part valorized for the society, that could happen in damange to the retired quality of life. This work has as a porpouse to analyse the importance of the worker preparation to the retire, such as, to comprehend the possible impacts from the retire. Conclude that the realization of a retire preparation become necessary, because offer confront adapt form to the person pass to this transition with healthy and balance way. Key words: Social psychology, senior age, retire 1 Psicóloga, graduada no UNILESTE-MG. E-mail para correspodência: cíntia.psicologia@yahoo.com.br 2 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social pela UFMG e Professora do curso de Psicologia do UNILESTE-MG. 1 Introdução A terceira idade é uma etapa da vida permeada por grandes mudanças, como mudanças físicas, psicológicas, sociais, econômicas e outras. E uma, em especial, que pode mudar a vida do indivíduo em todos esses aspectos é a aposentadoria. Esta interfere no modo como a pessoa idosa se percebe e até como é percebida pela sociedade. Segundo Magalhães, Krieger, Vivian, Straliotto, Marques e Euzeby (2005) o trabalho consiste em um dos aspectos mais importantes da identidade individual, assim como o próprio nome, sendo que o sucesso e a satisfação no trabalho reafirmam o senso de identidade individual, além de propiciar o reconhecimento social. Segundo estes mesmos autores, “em nossa cultura, o papel profissional é um dos pilares fundamentais da auto-estima, identidade e senso de utilidade (p.2)”. Sendo assim, a interrupção do trabalho e a conseqüente perda dos vínculos sociais estabelecidos neste contexto, podem implicar em danos na qualidade de vida do indivíduo, acarretando em sentimentos de inutilidade, de solidão e de baixa auto- estima (MAGALHÃES, KRIEGER, VIVIAN, STRALIOTTO, MARQUES & EUZEBY, 2005). No entanto, a aposentadoria também possui o seu lado positivo, já que o indivíduo passa a possuir maior disponibilidade de tempo, seja para o lazer e para o desenvolvimento de atividades que por muito tempo durante a vida estiveram adormecidas (VERAS, RAMOS & KALACHE, 1987). Porém, algumas vezes o indivíduo deseja chegar a esta etapa, mas quando não se possui um planejamento do que irá fazer e como será sua vida depois que se aposentar, ele pode se sentir perdido ou mesmo decepcionado com a nova realidade. A situação de desligamento do trabalho também acarreta mudanças dos aspectos psicossociais do aposentado, tais como, um maior convívio com a família, a perda do papel social de trabalhador, afastamento dos colegas de trabalho, diminuição do poder aquisitivo, além da existência de vários outros agentes estressores, como, por exemplo, a supervalorização do trabalho pela sociedade (LEITE , 1993). 2 Acredita-se que o cuidado prévio com o trabalhador poderia resgatar sua auto- estima, os projetos de futuro e identidade, já que na maioria das vezes, o papel profissional se sobrepõe aos outros papéis do indivíduo (ARAÚJO, COUTINHO & CARVALHO, 2005). Considerando tal contexto, este artigo tem como objetivo identificar os aspectos psicossociais da aposentadoria na terceira idade, apontando mudanças nas relações sociais ocorridas neste período. Este trabalho se constitui em uma revisão bibliográfica. Além de compreender os possíveis impactos decorrentes da aposentadoria, bem como analisar a importância da preparação dos trabalhadores para a aposentadoria. 1 - Terceira idade: aspectos psicossociais A população mundial vem apresentando um processo de envelhecimento demográfico significativo. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) o período de 1975 a 2025 é considerado como a Era do Envelhecimento. No Brasil, segundo dados do IBGE, na década de 1970, cerca de 4,95% da população brasileira era de idosos, percentual que aumentou para 8,47% na década de 1990, com a expectativa de alcançar 9,2 em 2010 (SIQUEIRA, 2002). Segundo Simões (1998), caracterizar uma pessoa idosa é um desafio, uma vez que a sua complexidade reside na utopia de traçar um perfil da pessoa humana em face de suas peculiaridades. As várias capacidades do indivíduo também envelhecem em diferentes proporções, razão porque a idade pode ser biológica, psicológica ou sociológica (p.25). De acordo com esta autora, a literatura geralmente classifica como idoso, o indivíduo acima de 60 (sessenta) anos de idade. Entretanto, esta referência está subindo para 65 anos de idade, devido ao aumento da expectativa de vida. Vários autores buscam definir a terceira idade, entretanto as diversas perspectivas teóricas dificultam a sistematização de um conceito único. Dessa forma, utilizamos neste estudo a noção de terceira idade como uma construção social. A terceira idade é uma construção social criada a partir das definições das etapas do desenvolvimento humano que caracterizam o processo de envelhecimento biológico. 3 Segundo Debert (1999) a partir das transformações do envelhecimento postula-se uma nova designação desta faixa etária de “terceira idade”. Esta expressão infere uma contribuição positiva da velhice, pois não busca apenas resolver as dificuldades econômicas dos idosos, mas proporcionar cuidados socioculturais e psicológicos. Esta mesma autora afirma que para atender aos interesses das relações contemporâneas na modernidade, o conceito de terceira idade refere-se, em geral, àqueles idosos que ainda não atingiram a velhice “mais avançada”, com idade na faixa dos 55 aos 70 anos de idade e que ainda possuem uma vida saudável e tempo livre para o lazer, assim como para novas experiências nessa nova etapa da vida. Neri (1993) ressalta que, o desconhecimento do significado de ser velho leva a práticas com foco ideológico contribuindo para a criação de estereótipos negativos, bem como, preconceitos acerca da velhice. Nesta mesma perspectiva, Debert (1999) afirma que é a sociedade que estabelece as funções e atribuições preferenciais de cada idade na divisão social do trabalho e dos papéis na família. Essas atribuições são, na maioria das vezes, arbitrárias, posto que nem sempre se firmam em uma materialidade, ou possuem sustentação em uma cronologia de base biológica quanto às aptidões e possibilidades reais, mas são reconstituídas em um tempo social dinâmico e mutável. Culturalmente utiliza-se a expressão “velho” para designar as pessoas que se encontram na terceira idade. Porém,Simões (1998) afirma que esta expressão pode ter vários significados, tais como: fracasso, inutilidade, fragilidade, decadência, entre outros, sendo assim, uma forma até mesmo ofensiva de tratamento. Dessa forma, este mesmo autor, acredita que a expressão “idoso” seja mais adequada, posto que é menos agressiva e mais específica, no sentido de classificar o indivíduo de acordo com a faixa etária a qual pertence. O envelhecimento parece ser uma condição muito mais social do que natural, é uma questão permeada por preconceitos na qual as pessoas definem este grupo pelas perdas ocorridas ao longo de suas vidas, não se preocupando com os sentimentos gerados, nem que esta pode ser uma fase de grandes realizações. Talvez o mais importante não seja a sistematização de um conceito único para a terceira idade, 4 mas o reconhecimento de que o preconceito muitas vezes limita aqueles que ainda têm muito para contribuir na sociedade. Papalia e Olds (2000) sugerem a divisão do envelhecimento em dois aspectos, o envelhecimento primário e o envelhecimento secundário. O envelhecimento primário consiste em um processo gradual e inevitável de deterioração corporal contínuo. Já o envelhecimento secundário são os resultados de doenças, fatores que podem ser evitáveis. Porém, segundo Williams, apud Papalia e Olds (2000), as mudanças fisiológicas ocorridas na velhice são variáveis, pois alguns idosos podem demorar mais do que outros para apresentar tais modificações. Atualmente as pessoas idosas possuem uma maior possibilidade de cuidar, retardar e tratar os danos causados pela idade, pois estão cada vez mais conscientes da necessidade de adotarem um estilo de vida saudável, e também da maior informação a respeito das doenças que acometem a terceira idade e o que devem fazer para a prevenção. Papalia e Olds (2000) acreditam que a terceira idade seja uma etapa do desenvolvimento humano com suas próprias questões e tarefas especiais, na qual muitas pessoas reexaminam suas vidas, concluem negócios inacabados e decidem a melhor forma de aproveitar o tempo e as oportunidades. Nérici apud Vitola (2004) apontam as principais situações conflitivas da velhice, tais como: apreensão do declínio das funções físicas e mentais, dificuldade de adaptação à novas situações, oscilações entre estados de ânimo e desânimo, falhas de memória, resistência a inovações, fixação nas mesmas amizades, desconfiança de estranhos, temor de ficar na miséria, preocupação com a morte, marginalização nas decisões, sentimento de abandono, necessidade de sentir-se útil e necessidade de lazer. Porém, a maior preocupação está em adoecer e de não poderem mais administrar seus próprios cuidados e necessidades, tendo de depender dos familiares e, assim, representar um fardo para a vida deles (KREELING, 2003). Vitola (2004) afirma que o declínio do organismo e a discriminação social causam impacto sobre o psiquismo do idoso, podendo alterar sua auto-imagem, o que 5 prejudicaria seu ajustamento nesta fase da vida. Um dos fatores que contribuem para que a terceira idade seja vivida de forma mais tranqüila é o amor e o respeito das pessoas que formam o mundo significativo do idoso, que se sentirá mais valorizado, podendo viver de maneira digna e tranqüila. O apoio familiar é essencial para a promoção de melhores formas de enfrentamento da velhice, sendo fundamental que esta repense o seu papel e se reorganize, levando em consideração as necessidades do idoso. A terceira idade pode ser um período de tristeza e negação, assim como de felicidade e possibilidades, o que irá depender da percepção de cada um sobre si mesmo e do mundo, sendo o isolamento, a não realização pessoal e a baixa auto- estima, não resultantes do envelhecimento, mas uma realidade para aqueles que se entregaram ao negativismo em relação à pessoa idosa. Sendo assim, a pessoa idosa precisa acreditar que possui potencial para a realização de grandes projetos, assim como os mais jovens, pois suas habilidades e possibilidades vão muito além da força física. 2 – O mundo do trabalho para a terceira idade Camarano (2001) afirma ser inevitável o aumento de pessoas de terceira idade na População Economicamente Ativa (PEA) brasileira. Estima-se que em 2020, pelo menos, 13% da PEA seja formada por idosos, pois atualmente as pessoas chegam aos 60 anos de idade com toda disposição e saúde para trabalhar, decorrente do aumento da expectativa de vida dos brasileiros. A terceira idade é representada como uma etapa da vida na qual se perde o ritmo do trabalho, sendo assim, o trabalho aparece como uma das principais habilidades que, pela diminuição das capacidades físicas, coloca o idoso em segundo plano quanto à vida social, além de enfatizar a perda da utilidade social da pessoa idosa (VELOZ, SCHULZE & CAMARGO, 1999). Robert Peck, apud Papalia e Olds (2000) acredita que aquelas pessoas que definem a si mesmas pelo trabalho devem redefinir seu valor e dar um novo significado à vida, assim como orgulhar-se de seus atributos pessoais. 6 De acordo com Magalhães et al. (2005) cada indivíduo desempenha vários papéis na sociedade, os quais, muitas vezes, determinam a maneira como será tratado pelos demais. Neste sentido, o indivíduo define a si próprio de acordo com os papéis que assume, além de sustentar o seu autoconceito. Segundo este mesmo autor, a perda do emprego ou interrupção de atividades desempenhadas ao longo dos anos no mundo do trabalho e a conseqüente perda dos vínculos sociais estabelecidos neste contexto, podem trazer danos severos à qualidade de vida do indivíduo. Giatti e Barreto apud Nascimento, Argimon e Lopes (2006) afirmam que as pessoas que trabalham, mesmo em trabalho informal, apresentam melhores condições de saúde do que a população geral, e que pessoas doentes e incapazes são excluídas do mercado de trabalho. A situação de desligamento do trabalho acarreta mudanças dos aspectos psicossociais do aposentado, tais como um maior convívio com a família, a perda do papel social de trabalhador, afastamento dos colegas de trabalho, diminuição do poder aquisitivo, além da existência de vários outros agentes estressores, como, por exemplo, a supervalorização do trabalho pela sociedade, o que faz com que o indivíduo aposentado sinta-se como alguém que já não pode oferecer ou contribuir para a sociedade, gerando sentimento de inutilidade, podendo afetar sua identidade, auto-estima e sentido de vida (LEITE , 1993). Para Papalia e Olds (2000), os trabalhadores mais velhos podem ser mais produtivos do que os mais jovens. No entanto, os contratadores, em sua maioria, pensam que os mais velhos sejam menos energéticos, eficientes, flexíveis e apresentem maior dificuldade de adaptação a mudança. Já Pereira apud Nascimento et al. (2006) afirma que os anos de trabalho permitem a acumulação de experiência profissional que, na maioria das vezes, facilita a execução de tarefas. Sendo assim, o trabalho ideal para os idosos envolveria gestões mais participativas e não apenas realização de tarefas. Amarilho apud Nascimento et al. (2006) apontam que é enganosa a crença de que o trabalho seja limitado apenas àqueles que são jovens, possuidores de força física, uma vez que esta é apenas uma das energias a serem utilizadas nas atividades de 7 trabalho, pois as potencialidades mentais dos idosos, atualmente comprovadas, merecem ser entendidas como força produtora que possuem. A contratação de um idoso representa para o empregador algumasvantagens em termos de menos custos relativamente à contratação de um não-idoso, como por exemplo, economia com vales transportes, uma vez que, pessoas acima de 60 anos são isentas de pagar passagem de ônibus. Além do fato de que possui uma probabilidade maior de um idoso aceitar um emprego com menos garantias trabalhistas (CAMARANO, 2001). A inserção das pessoas de terceira idade no mercado de trabalho geralmente acontece em condições desfavoráveis, devido as menores possibilidades de emprego, vínculos empregatícios mais frágeis, postos de trabalho menos qualificados, além de remunerações inferiores e instáveis (KRELING, 2003). O mundo do trabalho tem-se mostrado cada vez mais seletivo, conseqüentemente os idosos estão sendo bastante afetados por esta seleção, pois esta é realizada, muitas vezes, a partir de preconceitos, generalizando aqueles que estão vivendo esta etapa como incapazes, não levando em consideração a subjetividade de cada idoso, e nem mesmo muitas habilidades que, como já foi comprovado, não sofrem alteração alguma. Dessa forma, consideramos que muitos idosos possuem plena capacidade para trabalhar, precisando somente que a sociedade se abra, ofereça oportunidades e condições de trabalho para estas pessoas continuarem exercendo suas habilidades profissionais. 3 – Aposentadoria: aspectos psicossociais A aposentadoria emerge de modo significativo na vida das pessoas de terceira idade, inserindo-se em suas vivências e significações de forma evidente (VITOLA, 2004). Leite (1993) aponta que uma dificuldade comum ligada à aposentadoria que consiste em saber o momento certo de encerrar as atividades profissionais, pois existem pessoas que não se dão conta de que o tempo passou e que já é hora de parar. Porém, é uma questão extremamente individual, cabendo a cada um esta decisão. 8 De acordo com Leite (1993) a adoção da aposentadoria por idade torna cada vez maior o número dos anos que restam aos aposentados após o encerramento da atividade, visto que a expectativa de vida das pessoas vem aumentando nos últimos anos. Este autor completa que, para os aposentados que possuem um bom padrão de vida, nesses anos adicionais de liberdade do trabalho terão muitas oportunidades de lazer. Já os outros, ou seja, a maioria dos idosos, esse período irá representar a continuação das dificuldades com que sempre lutaram, como por exemplo, para manter o mesmo padrão de vida. O afastamento do trabalho pode causar efeitos desastrosos aos idosos. Efeitos estes, psicológicos, pois muitas pessoas se sentem perdidas, não sabendo o que fazer; domésticos, devido à presença permanente do aposentado em casa, podendo perturbar a rotina da mesma; e familiares, pois o contato maior com os familiares pode provocar ou agravar conflitos Estudos recentes revelaram que somente 5% dos aposentados se adaptam às novas condições de vida, exercendo alguma atividade, praticando passatempos ou desfrutando o lazer do tempo livre (LEITE, 1993). Segundo Vitola (2004) ao chegarem à aposentadoria, as pessoas, geralmente, não são mais provedoras da família, pois na maioria das vezes, os filhos saíram do convívio do lar, e alguns aposentados passam a depender financeiramente deles devido a insuficiência de recursos monetários para se manterem. Neste sentido pode-se afirmar que o afastamento dos idosos do trabalho significa uma situação de precariedade e não a conquista de um beneficio recebido após uma vida de trabalho, pois a inatividade geralmente implica na queda dos rendimentos. O que contribui para que muitas pessoas aposentadas procurem exercer outra atividade remunerada para manter o mesmo padrão de vida antes da aposentadoria. A aposentadoria não representa uma mudança brusca para as mulheres, mas sim um novo estágio, no qual continua ligada à família e à casa. Essa é uma situação que remete à cultura da época, pois as mulheres que hoje estão com idades entre 65 e 80 anos de idade, foram educadas para casar dedicar-se à casa, aos filhos e marido (SANTOS, apud VITOLA, 2004). 9 Acredita-se que para muitos homens aposentados a participação na rotina doméstica, dividindo algumas tarefas com as esposas, contribui com a sua reintegração ao lar, além de fazer com que sintam-se úteis e não entediados com a velhice. Muitos idosos encontram, através do convívio com as amizades do trabalho e família, uma forma de passar o tempo antes preenchido pelo trabalho. Segundo Vitola (2004) a aposentadoria não pode ser vista apenas como a perda do papel profissional, mas também como uma etapa de reorganização vital em função da diminuição do poder aquisitivo, da necessidade de preencher o tempo livre e da reintegração à família, e ainda, que a aposentadoria não representará um problema se não houver mudança no padrão de vida, e se os comportamentos habituais não sofrerem modificações drásticas. Bruns e Abreu (1997) afirmam que a realização pessoal fica sempre como um esboço de projeto a ser executado após a aposentadoria, e quando essa chega, a maioria das pessoas ficam surpresas e desencantadas por não saberem gerenciar com prazer a vida sem uma ocupação profissional. Neste sentido, a ausência de projetos, a serem concretizados após a aposentadoria, provoca angústia e solidão. O poder aquisitivo possibilita o acesso a modos de relações sociais diferenciadas, sendo as práticas sociais de idosos da classe alta diferentes das de idosos de classe mais baixa, pois os primeiros geralmente não se aposentam, são profissionais liberais, já os demais se aposentam, porém passam a realizar os chamados “bicos” na tentativa de manter o mesmo nível sócio-econômico (BRUNS & ABREU, 1997). De acordo com Veras et al. (1987) a situação da aposentadoria vista como um direito garantido pelo sistema pode parecer natural e desejável. Entretanto, para alguns indivíduos a aposentadoria evita o excesso de trabalho, mas para outros, ela acarreta a redução da auto-estima e de status social. Nota-se assim, o caráter relativo da representação da aposentadoria. A aposentadoria é responsável por mudanças significativas na vida do idoso, que a partir de suas vivências, expectativas e crenças, irá percebê-la como um prêmio ou como castigo. Neste sentido, nota-se que os idosos pertencentes à classes mais altas e que possuem um melhor grau de instrução, podem usufruir deste beneficio 10 plenamente, o que geralmente não acontece com a parcela menos privilegiada da sociedade, ou seja, a grande maioria dos idosos, que após a aposentadoria, muitas vezes precisam voltar a trabalhar de forma precária para custear todas as despesas da família. Acredita-se que se todos os idosos tivessem as mesmas possibilidades, ou se as políticas públicas fossem mais eficazes quanto aos direitos dos idosos, seria mais fácil a adaptação e ajustamento à aposentadoria. 3.1 – A preparação para a aposentadoria Segundo Papalia e Olds (2000) o planejamento da aposentadoria deve envolver a prevenção para necessidades financeiras, bem como a estruturação da vida após a aposentadoria para torná-la agradável e significativa, além da prevenção de problemas físicos ou emocionais, através da assistência obtida em oficinas de pré- aposentadoria, livros de auto-ajuda e programas patrocinados pelas empresas. De acordo com Leite (1993) os programas de preparação para a aposentadoria, cada vez mais freqüentes, possibilitam o condicionamento psicológico do futuro aposentado como também assume o papel de suavizar a passagem, geralmente traumática,da atividade para a inatividade. Acredita-se que com o desenvolvimento e aperfeiçoamento das políticas de recursos humanos crescem as preocupações com essa transição. Leite (1993) afirma que a melhor maneira de tornar tranqüila a transição para aposentadoria, seja, quando possível, o afastamento gradual, pois este processo cria condições para que a pessoa se adapte mental e psicologicamente à nova perspectiva, formando novos hábitos, acostumando-se à aposentadoria, ao mesmo tempo em que a família assimila a presença do idoso aposentado em casa em dias e horários não habituais. Para Jacques e Carlos, apud Nascimento (2006), a preparação para a aposentadoria consiste em uma reorganização da vida familiar, novas relações afetivas, novos espaços de convívio e de relacionamento fora do mundo do trabalho, juntamente com o surgimento de trabalhos alternativos, ‘hobbies’, experiências em artes e ofícios que implicam em autonomia com relação à organização do trabalho. 11 Segundo Canedo (2000) uma forma eficiente de ajustamento à aposentadoria seria através da realização de uma orientação profissional com a finalidade de produzir e realizar projetos, pois ela permite que alguns atributos, antes não considerados pelo indivíduo, sejam redescobertos e traduzidos em novas possibilidades de atuação profissional. De acordo com Canedo (2000), a terceira idade pode ser uma etapa de reconstrução e mesmo de construção de formas mais integradas e positivas de viver. A busca por uma nova inserção profissional seria um ponto de partida para a manutenção da vitalidade, e a experiência de estar aposentado pode permitir a retomada dos sonhos esquecidos ou abandonados, ou ainda, a renovação do sentido de vida por meio de novos projetos. Lucchiari (1997) afirma que através da reorientação profissional seja possível facilitar o processo de adaptação profissional frente às mudanças exigidas pela modernização e globalização, sendo seu maior objetivo trabalhar a relação homem trabalho, a vivência da aposentadoria, assim como os sentimentos experimentados e as mudanças exigidas. As empresas e os órgãos públicos geralmente também se beneficiam dos seus programas de preparação para a aposentadoria, além de poderem conservar bons funcionários por mais tempo, eles propiciam aos demais tranqüilidade em relação ao futuro (LEITE, 1993). Atualmente as organizações apresentam uma preocupação maior com o bem-estar dos trabalhadores, pois nota-se que trabalhador satisfeito trabalha melhor e com mais qualidade. Com o aperfeiçoamento na área de recursos humanos foi possível identificar que mudanças no mundo do trabalho são geralmente agentes estressores, mesmo quando estas parecem positivas, como, por exemplo, uma promoção repentina de funcionário, que pode sentir-se pressionado a produzir mais do que está acostumado. A aposentadoria significa uma grande mudança, e por isto merece toda atenção, o que nem sempre acontece, pois os patrões, na maioria das vezes, não se preocupam com as implicações na vida dos funcionários em processo de aposentadoria. 12 Conclusão Durante a construção desta pesquisa foi possível constatar que o trabalho é supervalorizado pela sociedade, podendo prejudicar no processo de aposentadoria, pois a perda do trabalho, pode contribuir para que surjam sentimentos de inutilidade, além de afetar a identidade, a auto-estima e o sentido de vida da pessoa. O trabalho representa um dos aspectos mais importantes da identidade individual, uma vez que propicia o reconhecimento social. Sendo o papel profissional, conferidor de identidade e do senso de utilidade, posto que o indivíduo define a si próprio de acordo com os papéis que assume. A reinserção no mundo produtivo possibilita ao idoso uma transição favorável no processo de aposentadoria, pois o afastamento do trabalho, muitas vezes, implica em queda de rendimentos e o idoso pode passar a depender financeiramente da família, sendo uma das maiores preocupações das pessoas da terceira idade. A reinserção no mundo do trabalho também pode significar um ponto de partida para a manutenção da vitalidade, ganhando um novo ânimo para a vida. Em relação à aposentadoria pode-se perceber que esta interfere no âmbito social do indivíduo ao modificar a sua participação em alguns contextos sociais, assim como a possível perda da identidade, motivação e algumas vezes a pessoa chega ao adoecimento. As interrupções do trabalho, atividade desempenhada durante vários anos e a perda dos vínculos sociais podem trazer danos à qualidade de vida dos idosos. A dificuldade financeira que muitas pessoas aposentadas enfrentam, aliada ao preconceito daqueles que não acreditam na capacidade produtiva e adaptativa da terceira idade, e o fato de que o aposentado geralmente não possui a qualificação necessária para reinserir-se no mercado de trabalho, faz com que seja de grande importância a preparação para a aposentadoria, pois esta pode possibilitar o condicionamento psicológico do futuro aposentado, além de amenizar a passagem, muitas vezes traumática, da atividade para a inatividade. Os programas de preparação à aposentadoria visam auxiliar as pessoas, no período de pré-aposentadoria, a se adaptarem à nova realidade de suas vidas, permitindo que estas se familiarizem com a aposentadoria, que criem formas de se prevenirem 13 financeiramente, trabalhem o desenvolvimento social, encontrem formas de convívio social, se adéqüem à rotina doméstica, além de possibilitar a criação de estratégias para a reinserção no mundo do trabalho. Assim, propiciará a estas pessoas que mantenham-se integradas à comunidade e, principalmente, com outras que estão passando pela mesma etapa do desenvolvimento humano. Observou-se que a aposentadoria emerge de maneira diferente para os sexos, sendo esta mudança mais significativa para o homem, já que a mulher continua ligada à família e à casa, portanto ainda se manterá ativa e conservará seu papel de dona de casa. Foi possível constatar que a aposentadoria acontece de formas distintas nos diferentes extratos sociais. Sendo que, as classes média-alta e alta podem usufruir o tempo livre, possuem oportunidades de lazer, condições para acompanharem as mudanças no mundo do trabalho, e assim continuarem trabalhando como profissionais liberais. Já para os indivíduos de classe média e baixa, a aposentadoria representa a continuação das dificuldades para manter o mesmo padrão de vida, pois para estes, na maioria das vezes, a inatividade implica em queda dos rendimentos, sendo assim, eles têm que continuar realizando trabalhos temporários e mal remunerados, pois geralmente não estão preparados para a nova configuração do mercado de trabalho. Referências bibliográficas ARAÚJO, F. A; COUTINHO, M.P.L; CARVALHO, V.A.M.L. Representações sociais da velhice entre idosos que participam de grupos de convivência. Revista ABOP. v.1, n.1. Brasília: CRP, 2005. BRUNS, M.A.T; ABREU, A. S. O envelhecimento: encantos e desencantos da aposentadoria. Revista ABOP. v. 1, n. 1, 1997 CAMARANO, A. A. O idoso brasileiro no mercado de trabalho. Rio de Janeiro. Ed. IPEA, 2001. 14 CANEDO, I. R. Reorientação profissional na aposentadoria. In: LISBOA, M.D; SOARES, D.H.P, (Org.). Orientação profissional em ação. Ed. Sumus, 2000. DEBERT, G.G. 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