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EECONOMIACONOMIA 
II
NTERNACIONALNTERNACIONAL
CCONTEMPORÂNEAONTEMPORÂNEA
N ILSON A RAÚJO D E S OUZA
DA DEPRESSÃO DE 1929
AO COLAPSO F INANCEIRO DE 2008
 
NILSON ARAÚJO DE SOUZA NILSON ARAÚJO DE SOUZA 
ECONOMIA INTERNACIONALECONOMIA INTERNACIONAL
CONTEMPORÂNEA CONTEMPORÂNEA 
Da Depressão de 1929Da Depressão de 1929
ao Colapso Financeiro de 2008ao Colapso Financeiro de 2008
 
 Material do Portal Atlas
SÃO PAULOSÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2009EDITORA ATLAS S.A. – 2009
 
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Editora Atlas
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1. Elementos de Economia Internacional
2. Liberalismo e protecionismo na formação da economia mundial
3. A onda larga e a crise estrutural
4. As primeiras tentativas de explicar a Grande Depressão
5. Monopolização da economia aumentou gravidade e duração da crise
6. Capital financeiro continua
7. Não existem capitais globais
8. O embate teórico sobre a dependência da America Latina
9. Crise começa a alterar destino setorial do capital estrangeiro em alguns
 países da periferia
10. Gravidade da crise imobiliza FMI 
11. Os níveis da integração econômica regional
12. Integração econômica regional: os casos da União Europeia e da América
Latina
13. Protecionismo dos EUA contra o Brasil
14. Ou Alca ou Unasul
15. Crescimento dos “anos dourados” foi muito baixo
16. Exuberância irracional não tem base na produtividade
17. Ameaça de nova recessão mundial em 2001 veio dos EUA, e não da OPEP 
18. O impacto da crise sobre os países emergentes
 
Sumário
 
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Editora Atlas
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 1
Neste capítulo, aborda-se um conjunto de questões teóricas, cuja compreensão ajuda
no acompanhamento do livro Economia internacional contemporânea: da depressão de 1929 ao
colapso nanceiro de 2008. Trata-se de conceitos básicos e teorias, com exemplos históricos,
que foram elaborados no contexto da Economia Internacional.
Termos de intercâmbio e intercâmbio desigual, taxa de câmbio e regimes cambiais,
 balanço de pagamentos são algumas das questões tratadas aqui.
O objeto de estudo da Economia Internacional é a interação econômica entre estados
soberanos, bem como a formação e desenvolvimento da economia mundial.
Neste capítulo, estudaremos alguns elementos teóricos que contribuem para a com-
preensão dessa interação econômica. No próximo, examina-se o processo de formação e
desenvolvimento da economia mundial.
Termos de intercâmbio e sua deterioração
A noção de termos de intercâmbio é importante para a compreensão das relações
econômicas internacionais. Tem a ver com os ganhos e perdas das economias nacionais em
suas relações comerciais com outras economias.
Para facilitar a compreensão desse conceito, precisamos recorrer, inicialmente, a dois
outros conceitos: o de preço relativo e o de relações de troca.
Preço relativo é a relação de preços entre as mercadorias, o que se traduz no poder
de compra de umas mercadorias em relação às outras.
Se considerarmos a relação entre duas mercadorias, a “A” e a “B”, o preço relativo de
“A” pode se expressar matematicamente da seguinte forma:
PRA = PA/PB, em que
PRA é o preço relativo de “A”
PA é o preço de “A”
PB é o preço de “B”.
1
 
Elementos de Economia Internacional
 
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 1Assim, se o preço de “A” for R$ 10,00 e o de “B” for R$ 5,00, temos:
PRA = R$ 10 / R$ 5 = 2.
Ou seja, o poder de compra de “A” em relação a “B” é de 2 unidades, quer dizer, uma
unidade de “A” compra 2 de “B”.
Esse conceito serve para o estudo do processo inacionário. Se, em algum momento,
a estrutura de preços relativos estiver, por qualquer razão, favorecendo um produto que
tenha um peso importante na estrutura produtiva – por exemplo, o aço –, a tendência é que,
num momento futuro, essa situação possa impactar o resto da estrutura de preços, desenca-
deando um processo inacionário.
A noção de relações de troca corresponde à utilização do conceito de preços rela-
tivos nas relações entre os setores da produção. Signica a relação de preços entre
os setores produtivos, ou seja, o poder de compra dos produtos de um setor em
relação aos demais.
Se considerarmos a relação entre dois setores, agricultura (“A”) e indústria (“I”), a
relação de troca de “A” em relação a “I” pode se expressar matematicamente da seguinte
forma:
RTA = PA/PI, em que
RTA é a relação de troca de “A” em relação a “I”
PA é o índice de preços médio de todos os produtos de “A”PI é o índice de preços médio de todos os produtos de “I”
Assim, se o índice de preços de “A” for 80 e o de “I” for 100, temos:
RTA = 80/100 = 0,80.
Isso signica que uma unidade de um produto agrícola poderia comprar apenas
0,80, isto é, 80% de uma unidade de um produto industrial.
Este conceito foi bastante utilizado pela Cepal1 para estudar os problemas estrutu-
rais dos países da América Latina. A queda dessa relação de troca entre agricultura e indús-
tria signicaria que a indústria estaria se beneciando na sua relação com a agricultura e,
no futuro, isso poderia implicar o estancamento desta última, acarretando problemas para odesenvolvimento econômico e para a estabilidade dos preços.
Os termos de intercâmbio correspondem à extensão do conceito de relações de tro-
ca para as relações comerciais internacionais. Trata-se da relação de preços entre
os produtos exportados por um país e os produtos importados, isto é, o poder de
compra das exportações.
Podem se expressar matematicamente da seguinte forma:
1 CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão criado pela ONU em 1948 para estudar
os problemas econômicos da América Latina e propor soluções.
 
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 1TI = PX/PM, em que
TI são os termos de intercâmbio
PX é o índice médio de preços das exportações
PM é o índice médio de preços das importações
Assim, se o índice médio de preços das exportações de um determinado país for
igual a 480 e o das importações corresponder a 800, temos:
TI = 480/800 = 0,60
Isso signica que, em média, uma unidade de um produto exportado compra 0,60,
isto é, 60% de uma unidade de um produto importado.
Se essa relação, por exemplo, estiver caindo, isso signica que o país tem que ex-
portar cada vez mais para conseguir importar a mesma quantidade que importava antes. A
queda dos termos de intercâmbio de um país reete suas perdas no comércio internacional.
A Cepal utilizou esse conceito para estudar a inserção da América Latina no con-
texto internacional. Segundo seu fundador, coordenador por muitos anos e um dos
principais teóricos, o economista argentino Raúl Prebisch, haveria uma tendência
estrutural à deterioração dos termos de intercâmbio da América Latina em relação
ao mundo desenvolvido. Segundo ele, essa questão foi levantada pela instituição
desde seus primeiros relatórios.
A ideia básica do autor é a de que “a srcem deste fenômeno está nessa relativa len-
tidão com que cresce a procura mundial de produtos primários, comparada com a de pro-
dutos industriais” (PREBISCH, 1964: 97). Verica-se, então, que na base do problema estava
a divisão internacional do trabalho, que reservava aos países ricos a produção e exportação
de produtos industriais e aos periféricos a produção e exportação de produtos primários.
Se havia uma lentidão da demanda internacional de produtos primários, por que
então a oferta não se ajustava? Segundo Prebisch, o problema era que o baixo nível de de-
senvolvimento industrial dos países latino-americanos não permitia a absorção de força de
trabalho eventualmente expulsadas atividades primárias, dicultando seu deslocamento
do campo para a cidade.
Como resultado, os salários nas atividades primárias não cresciam com o incremen-
to da produtividade do trabalho nessas atividades. Assim, este incremento “se transformará
em aumento dos lucros e estimulará o crescimento da produção para lá do ritmo imposto
pelo da procura, com a consequente descida dos preços dos produtos primários, em relaçãoaos industriais” (Ibidem: 98).
A conclusão do autor é a de que a deterioração dos termos de intercâmbio implicaria
perdas de renda por parte dos países exportadores de produtos primários. Assim,
os ganhos de produtividade que obtinham em suas atividades seriam transferidos,
via comércio, para os países industrializados importadores de matérias-primas.
O raciocínio de Prebisch é parcialmente verdadeiro, ou seja, o subdesenvolvimento
industrial dos países latino-americanos impedia o deslocamento de força de trabalho do
 
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 1campo, pressionando os salários para baixo e os lucros para cima na atividade primária,fomentando a oferta de produtos primários.
No entanto, é um raciocínio incompleto. A questão central é que as corporações dos
países centrais, usando seu poder de monopólio no comércio internacional, cobram
um sobrepreço pelos produtos industriais que vendem para os países da periferia e
pressionam para baixo os preços das matérias-primas que deles adquirem.
Taxa de câmbio e regimes cambiais
Taxa de câmbio é outro conceito importante para a compreensão das relações eco-
nômicas internacionais. E, apesar de relativamente simples, existe muita confusão acerca de
seu signicado.
Taxa de câmbio não é meramente a relação entre duas moedas, como muita gente
pensa – até mesmo gente especializada. Essa noção leva a equívocos, como o de referir-se à
desvalorização da taxa de câmbio como se fosse a mesma coisa que desvalorização da pró-
pria moeda.
Ora, ao desvalorizar-se a taxa de câmbio, signica que ela está abaixando, depre-
ciando. E isso quer dizer que está pagando-se menos moeda nacional por moeda estrangei-
ra, ou seja, a moeda nacional está se valorizando, e não se desvalorizando.
Isto porque o conceito correto é: taxa de câmbio é o preço da moeda estrangeira emmoeda nacional, ou seja, é quanto se paga, em moeda nacional, por cada unidade
de moeda estrangeira.
Portanto, se a taxa de câmbio se desvaloriza, isso signica que a moeda nacional está
se valorizando – e vice-versa.
A taxa de câmbio tem um efeito importante sobre as relações comerciais de um país
com o resto do mundo. Vejamos duas circunstâncias:
• se a taxa de câmbio estiver baixa, isto é, se a moeda do país estiver valorizada,
o impacto na balança comercial será o seguinte:
 − os produtos estrangeiros tornam-se mais baratos dentro do país, porque se
teria que pagar menos em moeda nacional, estimulando o aumento das im-
portações; − os exportadores do país receberiam menos, em moeda nacional, por suas
exportações, desanimando-os a exportar.
• se a taxa de câmbio estiver alta, isto é, se a moeda do país estiver depreciada, o
impacto na balança comercial será o seguinte:
 − os produtos estrangeiros tornam-se mais caros dentro do país, porque se
teria que pagar mais em moeda nacional, desestimulando as importações;
 − os exportadores do país receberiam mais, em moeda nacional, por suas ex-
portações, animando-os a aumentá-las.
 
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 1No caso 1, a tendência seria a geração de décit na balança comercial; no caso 2, po-deria ocorrer superávit comercial.
Para se saber se uma moeda está se valorizando ou depreciando, não basta vericar
a evolução da taxa de câmbio nominal, isto é, se ela, por exemplo, variou de R$ 1,50
por US$ 1,00 para R$ 2,30. É preciso calcular sua variação real. Para isso, desconta-se
da variação nominal a diferença de inação entre os países emissores das moedas.
Existem várias formas de se estabelecer a taxa de câmbio do país – e todas elas já
foram adotadas em todos os países em momentos distintos de sua história. Essas formas são
conhecidas como regimes cambiais, que são os seguintes:
• regime de câmbio xo – quando o governo do país estabelece uma paridade
xa entre sua moeda e a moeda estrangeira;
• regime de câmbio utuante – quando o preço da moeda estrangeira é estabe-
lecido pelo jogo entre a oferta e a procura da mesma no mercado doméstico;
• regime de câmbio administrado – quando cabe ao governo o estabelecimen-
to do preço da moeda estrangeira, mas, em lugar da paridade xa, ele admi-
nistra seu comportamento de acordo com seus objetivos de política econô-
mica e de comércio exterior.
Há uma variante do regime de câmbio xo, que passou a ser conhecida como regime
de câmbio semixo. Neste caso, em lugar de uma paridade xa, pode-se estabelecer um teto
ou um intervalo de variação, em torno de um determinado valor.
O regime de câmbio xo e sua variante de câmbio semixo foram largamente ado-
tados ao longo da década de 1990, sobretudo na América Latina, mas também em
outras regiões, como em parte da Ásia.
Foram utilizados como instrumentos de combate à inação, à medida que, ao per-
mitir a valorização da própria moeda, barateavam os produtos estrangeiros dentro do país
importador, o que pressionava a estrutura de preços para baixo e bloqueava o processo in-
acionário.
No entanto, ao mesmo tempo, ao baratear e estimular o crescimento das importa-
ções e criar diculdade para as exportações, o resultado foi a geração de décits crescentes
nas balanças comerciais. Para cobrir esses décits, os países recorreram a capitais de fora,
nas várias modalidades de empréstimos, investimento direto estrangeiro2 ou capitais espe-
culativos, aumentando signicativamente o passivo externo desses países.
3
Esse regime de câmbio, além de retirar qualquer autonomia na denição de política
econômica por parte do país, tende a engendrar vulnerabilidade externa, ao aumentar o
passivo externo. Na América Latina, um dos países que mais se esmeraram na adoção do
2 Na maioria dos casos, não se tratou de investimento em nova capacidade produtiva, mas da mera aquisição de
patrimônio, público ou privado. Segundo levantamento da consultoria KPMG, entre 1992 e meados de 1997, mais
de 60% dos negócios de fusão e aquisição no Brasil foram comandados por empresas estrangeiras (SOUZA, 2008:
54).
3 Passivo externo é o estoque de capitais externos, em suas várias modalidades, dentro de um país.
 
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 1câmbio xo foi a Argentina: chegou a incluir na Constituição a paridade de um peso paraum dólar. O Brasil adotou o mecanismo do câmbio semixo.4
O regime de câmbio utuante passou a ser adotado largamente entre o nal da
década de 1990 e o começo da de 2000 na maioria dos países, depois do colapso
do câmbio xo que se vericou nas várias crises nanceiras ocorridas desde a crise
mexicana de 1994-1995. Seriam as forças de mercado - isto é, a oferta e a procura da
moeda estrangeira – que deniriam a taxa de câmbio.
Segundo os defensores desse regime de câmbio, a utuação do câmbio permitiria o
ajuste da balança comercial:
• quando houvesse décit comercial, isto signicaria que estaria saindo do
país mais moeda estrangeira do que entrando, ou seja, estaria diminuindo
sua oferta, o que provocaria o aumento da taxa de câmbio; em outras pala-
vras, estaria havendo a desvalorização da moeda nacional, o que resultaria
no aumento das exportações e na diminuição das importações, reequilibran-
do a balança comercial;
• quando houvesse superávit comercial, isto signicaria que estaria entran-
do mais moeda estrangeirado que saindo, ou seja, estaria aumentando sua
oferta, o que provocaria a redução da taxa de câmbio; em outras palavras, a
moeda nacional estaria se valorizando e, por conseguinte, aumentariam as
importações e diminuiriam as exportações, reequilibrando a balança comer-
cial.
Esse raciocínio seria correto se fossem cumpridas as seguintes condições:
• se o movimento da taxa de câmbio fosse denido apenas pela entrada e saí-
da de recursos externos pela via comercial;
• se houvesse livre concorrência no mercado internacional de produtos;
• se houvesse livre concorrência no mercado internacional de câmbio.
Ocorre que nenhuma dessas três condições se cumpre atualmente:
• dados o montante e a volatilidade dos recursos especulativos que circulam
em nível internacional, o nível da taxa de câmbio decorre, sobretudo, da mo-
vimentação desses recursos;
• considerando as poderosas estruturas internacionais que controlam os ne-
gócios de mercadorias, sobretudo de commodities, o volume negociado e os
preços não dependem da concorrência, mas da ação monopolista dessas es-truturas, o que impacta seriamente a balança comercial dos países exporta-
dores de produtos primários;
• considerando que alguns poucos grupos nanceiros dos países centrais con-
trolam o mercado de câmbio em nível internacional,5 são eles que decidem
sobre o movimento de capitais nesse nível e, portanto, as taxas de câmbio
pelo mundo afora.
4 Sobre o impacto da adoção desse regime na economia brasileira, ver SOUZA (2008).
5 Um único fundo nanceiro, o Soros Fund, quase quebrou o Banco da Inglaterra num ataque especulativo sobre
sua moeda, a libra esterlina, no começo da década de 1990. É importante registrar que a crise iniciada em 2007 che-
gou a ser tão profunda que até esse fundo, pertencente ao mega-especulador George Soros, quebrou.
 
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 1O problema central desse regime cambial é que os governos nacionais são seriamen-te limitados na denição de uma variável chave para o funcionamento da economia, pois do
comportamento dela depende, não apenas a balança comercial, mas a atividade econômica
interna, à medida que as exportações e importações incidem fortemente nessa atividade.
Em lugar de a taxa de câmbio ser utilizada como instrumento de política econômica,
os donos e gestores das instituições e fundos nanceiros que operam no mercado de câmbio
são que a utilizam para favorecer seus ganhos em nível internacional. E, dependendo de
como a utilizam, pode haver um choque direto com os interesses dos países. Vejamos duas
hipóteses:
• se, em algum momento, as instituições que operam no mercado de câm-
 bio decidissem concentrar seus capitais em determinado país, o aumento
da oferta de moeda estrangeira provocaria a diminuição da taxa de câmbio,
valorizando a moeda desse país, o que ensejaria a queda das exportações e o
aumento das importações, com o consequente décit na balança comercial;6
• se, em outro momento, em face de uma crise internacional, essas mesmas
instituições optassem por retirar, em grande escala, seus recursos desse país,
o resultado seria o forte crescimento da demanda por moeda estrangeira
e a consequente elevação da taxa de câmbio, desvalorizando a moeda do-
méstica; poderia melhorar a balançar comercial, ao aumentar as exportações
e diminuir as importações, mas, a depender do grau de desvalorização da
moeda local e do consequente encarecimento das importações, poderia de-
sencadear um processo inacionário.
O câmbio administrado implica o risco de os gestores da política cambial se adian-
tarem ou se atrasarem na correção da taxa de câmbio, impactando desfavoravelmente a
 balança comercial e a atividade econômica.
No entanto, sua adoção possibilita aos governos nacionais a utilização de um impor-
tante instrumento de política econômica com vistas a atingir seus objetivos de política de
comércio exterior e, por conseguinte, de desenvolvimento da economia interna.
Se, por exemplo, um governo traçar como objetivo estimular as exportações e coibir
as importações, estabelece uma taxa de câmbio mais alta, isto é, desvaloriza a moeda nacio-
nal. A China tem utilizado esse mecanismo.
Transações correntes e variáveis macroeconômicas
Examinaremos nesta seção a relação entre as contas externas de um país e o compor-
tamento interno de sua economia. Para isso, cabe, inicialmente, denir o balanço de paga-mentos e suas respectivas contas.
O balanço de pagamentos de um país, também designado de contas externas, é o re-
gistro contábil, por um determinado período de tempo, geralmente de um ano, do
conjunto das transações econômicas entre um país e o resto do mundo – ou, dito de
outro modo, entre os residentes e não residentes de um país. É composto de várias
contas, também designadas de balanças:
6 Sobre o impacto do câmbio utuante na economia brasileira, ver SOUZA (2008).
 
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 1• Balança de transações correntes:
 − balança comercial: composta por exportações e importações, registra as tran-
sações comerciais;
 − balança de serviços: registra a remuneração de “fatores estrangeiros”, tais
como capitais, navios, tecnologia etc.; essa remuneração recebe as formas de
 juros, lucros, dividendos, fretes , royalties , turismo etc; 7
 − balança de transferências unilaterais: registra as transferências internacio-
nais sem contrapartida, tais como doações, remessas de migrantes.
• Balança de capitais (ou movimento de capitais);8
 − movimento de capitais autônomos: é integrado pelo movimento de capitaissob as formas de investimento direto estrangeiro, empréstimos e nancia-
mentos e aplicações em carteira;9
 − movimento de capitais compensatórios: trata-se dos recursos aportados por
instituições multilaterais,10 quando as contas externas do país não fecham.
O balanço de pagamento é um conceito de uxo, isto é, de movimento, mas re-
lacionado a ele existe um conceito de estoque: as reservas cambiais. Trata-se do estoque
que um país dispõe de moeda estrangeira, ouro ou obrigações de outros países. Um
país que dispõe de elevado volume de reservas cambiais está mais protegido diante
de turbulências nanceiras internacionais que possam impactar suas contas externas.11
Os países que se inserem de forma dependente na economia mundial tendem a serdecitários na balança de serviços. Isso porque, contando com grande passivo externo, têm
que fazer remessas de juros, lucros e dividendos para o exterior.12 Se um determinado país,
além disso, viesse a apresentar décit comercial, passaria a sofrer décit na balança de tran-
sações correntes. Nestas condições, teria três alternativas:
• recorrer a recursos externos, em suas várias modalidades,13 para cobrir o
décit na conta corrente; esses capitais seriam registrados na balança de ca-
pitais;
7 A nova nomenclatura adotada pelo Banco Central, por recomendação do FMI, divide a balança de serviços em
 balança de serviços (que inclui juros de empréstimos e nanciamentos internacionais, fretes e viagens internacio-
nais, royalties , aluguel de equipamentos, licenças, seguros internacionais e serviços governamentais) e rendas (que
contempla lucros e dividendos de investimento direto estrangeiro, lucros e dividendos de aplicações em carteira,
 juros de empréstimos inter companhias, juros de títulos de dívida com renda xa e juros de créditos de fornecedo-
res).
8
 A balança de capitais passou a chamar-se de conta de capital e nanceira. Dentro dela, a conta de empréstimose nanciamentos passou a integrar-se em outros investimentos estrangeiros ao lado de créditos comerciais, moeda
e depósitos, outros ativos e passivos e operações de regularização.
9 As aplicações em carteira também são conhecidas como capitaisvoláteis ou especulativos.
10 Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento ou Banco Mun-
dial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
11 O Brasil, quando iniciou a crise de 1998, possuía US$ 75 bilhões de reservas e foi seriamente afetado por ela,
tendo que iniciar um processo de desvalorização da moeda; quando, em 2008, começou a se agravar a crise inter-
nacional iniciada em 2007, o volume de reservas era de US$ 206 bilhões e, portanto, estava em melhores condições
de defender-se.
12 Isso costuma ocorrer com países dependentes situados na periferia do mundo capitalista. Mas, como veremos
no capítulo 10, os EUA se converteram na primeira grande potência a se tornar decitária na sua conta de serviços.
13 Investimento direto estrangeiro, empréstimos e nanciamentos e capital especulativo.
 
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 1• implementar um programa de contenção da economia, cortando gastos pú- blicos, créditos e salários, a m de reduzir a demanda por importações e li-
 berar excedentes exportáveis; o objetivo seria gerar superávit comercial para
cobrir o décit da balança de serviços, isto é, para remeter juros, lucros e
dividendos para servir ao passivo externo;
• adotar um programa de mudança estrutural que implique realizar a subs-
tituição de importações, isto é, passar a produzir internamente o que vinha
sendo importado.14
A primeira alternativa permite um fôlego imediato ao equilibrar momentaneamente
as contas externas. Mas, a médio e longo prazos, implica aumentar o passivo externo e, por
conseguinte, o décit na balança de serviços, ao exigir mais remessa de juros, lucros e divi-
dendos para fora. Ademais, além de transferir parte da poupança interna para o exterior,
torna o país mais vulnerável diante de crises nanceiras internacionais.
Esse caminho foi adotado em toda a América Latina na década de 1990 e conduziu
às várias crises que a região sofreu no período.15
A segunda alternativa também foi implementada em toda a América Latina depois
da crise da dívida externa inaugurada em 1982, após a moratória mexicana. Os programas
adotados foram monitorados pelo FMI. A contenção econômica adotada permitiu gerar os
superávits comerciais destinados a cobrir o décit da conta de serviços.
No entanto, o resultado, do ponto de vista da atividade econômica, foi uma longa
estagnação econômica, a ponto de a década de 1980 ter passado a ser conhecida como a “dé-
cada perdida”.
A terceira alternativa foi adotada no Brasil duas vezes: depois de 1930, como reação
à Grande Depressão, e no período 1974-1979, como reação à crise internacional inauguradaentre o nal da década de 1960 e o começo da de 1970.
Na primeira vez, realizou um amplo programa de substituição de importações na
área industrial, o qual possibilitou consolidar a industrialização no país. Na segunda, avan-
çou signicativamente a industrialização pesada, ao internalizar parcela expressiva da pro-
dução de máquinas, equipamentos, bens intermediários, insumos básicos (SOUZA, 2008).
Uma outra forma de perceber o signicado das contas externas é relacionando-as
com as principais contas nacionais. Para isso, vamos examinar a relação da balança de tran-
sações correntes com as principais variáveis macroeconômicas, tais como a Absorção Inter-
na (AI), o Produto Interno Bruto (PIB), o Produto Nacional Bruto (PNB) e a Renda Nacional
(RN), integrantes das contas nacionais.
A Absorção Interna é a expressão monetária da parcela da produção interna que é
consumida e investida no país por residentes domésticos.
A Absorção Interna é assim composta:
AI = C + I + G, em que
C é o consumo total de todas as famílias do país
14 Houve países que, diante de uma forte crise das contas externas, além do programa de substituição de impor-
tações, adotou medidas para conter a drenagem de recursos para o exterior.
15 A mais forte se vericou na Argentina no começo da década de 2000, quando o país amargou um verdadeiro
caos nanceiro.
 
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 1I é o investimento total de todas as empresas do país
G é o gasto total do governo em custeio e investimento
O PIB é a expressão monetária do somatório de todos os bens e serviços nais pro-
duzidos internamente num país em determinado período de tempo, seja por nacio-
nais ou estrangeiros.
Sua composição básica é:
PIB = AI + (X – M), em queX é o valor total das exportações
M é o valor total das importações
Assim, o PIB de um país é igual à Absorção Interna mais o saldo da balança comer-
cial. Ou seja, acrescenta-se à AI parcela da produção interna que é exportada e subtrai-se a
parte do consumo interno que é importada. Isso signica que, se o saldo comercial for posi-
tivo, o PIB será maior do que a Absorção Interna; se for negativo, o PIB será menor.
O PNB expressa monetariamente o somatório, em determinado período, da pro-
dução de todos os bens e serviços pertencentes a residentes no país, sejam ou não
produzidos internamente.
O PNB é igual ao PIB mais as Rendas Líquidas Recebidas do Exterior (RLRE), ouseja:
PNB = PIB + RLRE
As RLRE são o resultado líquido das remessas e recebimentos da remuneração de
fatores estrangeiros (contabilizados na balança de serviços) e das transferências
unilaterais.
Isso signica que:
• se as RLRE forem negativas, o PNB será menor do que o PIB;
• se as RLRE forem positivas, o PNB será maior do que o PIB.Assim, um país que esteja na primeira situação – ou seja, em que o PNB é menor do
que PIB ou, dito de outra forma, em que o valor dos bens e serviços pertencentes a nacionais
é menor do que foi produzido internamente – está transferindo para o exterior parte da ren-
da produzida por ele.
Encontram-se nessa situação os países que contam com um passivo externo líquido,
situação que costuma caracterizar os países da periferia que se inserem de forma dependen-
te na economia mundial.16
16 Como veremos no capítulo 10, os EUA se converterem na primeira potência a ter um passivo externo líquido
e, portanto, a ter um PNB menor do que o PIB.
 
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 1Se se descontam do PNB todos os investimentos feitos para repor a depreciação do
capital xo investido, chega-se ao Produto Nacional Líquido (PNL), que é igual à
Renda Nacional (RN). Dividindo a Renda Nacional pelo número de habitantes do
país (H), atinge-se a renda per capita (RPC).
Assim:
RPC = RN/H
A renda per capita é um indicador do nível de desenvolvimento de um país. Países
com RPC elevada são considerados desenvolvidos; ao contrário, países com RPC baixa sãoclassicados como pobres.
No entanto, para medir o grau de desenvolvimento de um país, não basta saber
sua renda per capita. Celso Furtado inclui entre as medidas do desenvolvimento o nível de
distribuição de renda. Para ele, se a renda per capita de um país for elevada, mas o conjunto
da renda nacional for altamente concentrado, não se pode armar que esse país seja desen-
volvido (FURTADO, 1965).
Questionário
1. Dena termos de intercâmbio e mostre por que, na análise de Raúl Prebisch, eles
tendem a se deteriorar na relação entre países de base agrícola e países industriais.
2. Dena taxa de câmbio e apresente os vários regimes cambiais, indicando as van-
tagens e desvantagens de cada um deles.
3. O que é balanço de pagamentos? Indique e descreva cada uma das suas contas.
4. Quais as alternativas que podem ser adotadas por um país que conte com um
 balanço de pagamentos decitário?
5. Mostre a diferença entre PIB e PNB, indicando as consequências de um PNB
maior que o PIB.
 
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 1Referências bibliográficasReferências bibliográficas
BAUMANN, R.; CANUTO, O.; GONÇALVES, R. Economia internacional: teoria e experiên-
cia brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
FURTADO, C.Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1965.
____________. Formação econômica do Brasil. 11 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1971.
HAMILTON, A.Relatório sobre as manufaturas. Apresentação de Barbosa Lima Sobrinho. Rio
de Janeiro: Sol. Iberamerica, 1995.LIST, G. F. Sistema nacional de economia política. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Os Economistas.)
LIST, G. F. Sistema nacional de economia política. 2 ed. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo:
Nova Cultural, 1986. (Os Economistas.)
PREBISCH, R. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1964.
RICARDO, D. Princípios de economia política e de tributação. Trad. Maria Adelaide Ferreira.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1975.
SMITH, A. Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João
Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (O Economistas.)
SOUZA, N. A. de. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2 ed. São Paulo: Atlas,
2008.
 
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Liberalismo e protecionismo na formação
da economia mundial
Para entender a economia mundial a partir da Grande Depressão de 1929, é impres-
cindível a compreensão do processo de formação dessa economia, tema que é objeto do
segundo capítulo deste livro.
Neste capítulo, abordam-se teorias que, ao serem implementadas no século XIX,
tiveram grande importância na conformação inicial da economia mundial.
Examinam-se aqui as teorias do comércio internacional elaboradas entre o nal do
século XVIII e o começo do século XIX: as teorias do livre comércio e as protecionistas.1
Liberalismo econômico e livre comércio
O pensamento econômico liberal ou, dito de outra forma, o liberalismo econômico
surgiu em meados do século XVIII a partir da crítica a dois aspectos que limitavam a liber-
dade de comércio:
• as sobrevivências feudais, tais como a existência de monopólios, que impli-
cavam a criação de obstáculos ao livre comércio e, por conseguinte, à livre
concorrência dentro das fronteiras de cada país;
• a prática do protecionismo nas relações internacionais de comércio, que cria-
va obstáculos ao livre comércio entre os países.
O primeiro aspecto do liberalismo econômico clássico, que criticava as reminiscên-
cias feudais internas, cumpriu um papel importante no desenvolvimento do novo sistema
econômico – o capitalismo – que estava nascendo, à medida que justicava a derrubada de
 barreiras internas ao livre desenvolvimento das relações mercantis, condição indispensávelà expansão da nova economia.
Seria impossível a expansão capitalista sem que houvesse liberdade de produção e
comercialização, que os franceses sintetizaram nas expressões laissez-faire, laissez-passez , isto
é, deixa fazer, deixa passar – deixa produzir, deixa circular. No feudalismo, o feudo rural
monopolizava a produção primária, as corporações de ofício monopolizavam a produção de
manufaturas e as companhias de comércio monopolizavam o comércio exterior.2 Teria que
acabar com os monopólios feudais para o capitalismo vicejar.
1 No sítio www.EditoraAtlas.com.br , consta um texto teórico, intitulado Elementos de economia internacional , que
contribui para uma melhor compreensão da análise da economia mundial realizada neste livro.
2 As mais conhecidas eram a Companhia das Índias Orientais e a Companhia das Índias Ocidentais.
 
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 2Mas o que nos interessa aqui, do ponto da vista de Economia Internacional, é o se-
gundo aspecto da crítica feita pelo pensamento econômico liberal – o protecionismo
que criava obstáculo ao livre comércio internacional. A prática do protecionismo na
época tinha como fundamento a doutrina econômica que predominou do século
XV ao XVIII e que foi a responsável pela primeira formulação de uma teoria do co-
mércio exterior. Trata-se do mercantilismo.
Essa doutrina surgiu numa época em que o feudalismo estava transitando para o
capitalismo e em que estavam se formando os estados nacionais europeus.3 Atingiu o apo-
geu na época das grandes navegações, após o descobrimento do caminho marítimo para as
Índias e da América. Colocava como centro da sua concepção a defesa do interesse nacional,
pois o objetivo era formar e desenvolver a nação.
Assim, “a doutrina mercantilista era altamente nacionalista ao priorizar o bem-estar
do próprio país, ao mesmo tempo em que favorecia a regulação e o planejamento da ativi-
dade econômica como meios ecientes de atingir os objetivos estabelecidos” (BAUMANN
et al., 2004: 10).
Um dos principais formuladores do ideário mercantilista foi Jean-Baptiste Colbert,
que era o responsável pelas nanças francesas durante o reinado de Luiz XIV. Para os au-
tores mercantilistas, a riqueza de uma nação seria constituída por sua população e pelo
estoque de metais preciosos (ouro e prata) de que dispusesse – sobretudo este último. Isso
porque o acúmulo de metais preciosos aumentaria o poder de compra de um país.
Por isso, quanto mais uma nação acumulasse metais preciosos, mais próspera ela
seria. E o caminho para acumular essa riqueza seria o comércio exterior. Como os pagamen-
tos internacionais eram feitos em ouro ou prata, uma nação que obtivesse superávit na sua
 balança comercial com o exterior recebia a diferença nesses metais preciosos. O objetivo bá-sico, então, para poder acumular riqueza, seria obter superávit comercial. Daí a necessidade
de planejamento estatal como forma de promover as exportações.
Mas não bastava isso. Os mercantilistas davam mais ênfase à limitação das impor-
tações, pois o Estado nacional teria mais condição de regular as importações do
que garantir as exportações. E assim nasceu a primeira formulação da doutrina
protecionista. Segundo os mercantilistas, ao Estado nacional cabia criar uma série
de mecanismos – indo até a proibição – para coibir as importações.
Observa-se, assim, que o objetivo central dos mercantilistas, ao elaborar sua doutri-
na protecionista, não era proteger a atividade econômica interna de produtos estrangeiros
– ainda que também o fosse –, mas criar as condições para a obtenção dos superávits comer-
ciais necessários ao acúmulo de metais preciosos, isto é, de poder de compra, de riqueza.
Um dos primeiros críticos do pensamento mercantilista foi o inglês David Hume.
Em 1752, em seu Political Discurses , postulou a ideia de que o acúmulo indenido de ouro
poderia afetar a competitividade do país em nível internacional. Isso porque, segundo ele,
esse acúmulo de ouro – que era o dinheiro da época – implicava o aumento da oferta de di-
nheiro e, por conseguinte, dos preços, comprometendo “a competitividade das exportações
do país superavitário, reduzindo sua possibilidade de continuar gerando excedente comer-
cial” (BAUMANN et al., 2004: 11).
3 Antes, os povos europeus estavam isolados em feudos, pequenos reinos ou até pequenas repúblicas (cidades-
estado), como ocorria em algumas regiões da península itálica.
 
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 2Foi a partir daí que o fundador da Economia Política, Adam Smith, elaborou sua teoriado livre comércio, em seu livro clássicoRiqueza das nações , publicado em 1776, na Inglaterra.
O objetivo do livro foi explicitado em seu subtítulo: “investigação sobre sua natureza e suas
causas [da riqueza das nações]”.
Quando Smith escreveuseu livro, as relações capitalistas já predominavam na In-
glaterra. Então, ele queria desvendar como se produz riqueza numa economia capitalista.
Para Smith, a riqueza seria constituída, não pelo estoque de metais preciosos, como
pensavam os mercantilistas, mas pelo valor de troca de todo o manancial de mercadorias
produzidas e colocadas à disposição da sociedade: “Por vantagem ou ganho entendo não o
aumento da quantidade de ouro e prata, mas o aumento do valor de troca da produção anual
da terra e da mão de obra do país, ou seja, o aumento da renda anual de seus habitantes”
(SMITH, 1983: 405).
A riqueza, portanto, não seria medida pela quantidade de dinheiro ou metais pre-
ciosos, mas pelo que o dinheiro seria capaz de comprar.
A questão passou a ser então: como produzir e como aumentar essa riqueza?
Segundo o pensador, uma nação teria tanto mais condição de aumentar sua riqueza
quanto maior fosse a quantidade de trabalho disponível e quanto maior fosse a divisão do
trabalho. Isso porque a divisão do trabalho, ao possibilitar maior especialização, aumenta-
ria sua produtividade (SMITH, 1983: cap. 1).
Ao mesmo tempo em que denia a riqueza de forma diferente da denição dos
mercantilistas, o fundador da Economia Política, ao dedicar-se à questão do comércio exte-
rior, concentrou-se, inicialmente, na crítica do protecionismo mercantilista que vinha sendopraticado na Inglaterra.
Constatou que “a variedade de mercadorias cuja importação está proibida na Grã-
Bretanha, de maneira absoluta ou em certas circunstâncias, supera de muito o que facilmen-
te supõem os que não estão bem familiarizados com as leis alfandegárias” (SMITH, 1983:
377).
Essa proteção assumia três formas: proibições de importação, tarifas alfandegárias e
subsídios à produção interna. Além disso, prejudicava, principalmente, os produtos france-
ses – precisamente por que a França era, na época, o país com maior capacidade de competir
com a Inglaterra (SMITH, 1983: 383-384).
Criticando o protecionismo, propugnou que “talvez não seja igualmente evidente
que tal monopólio tende a aumentar a atividade geral da sociedade ou a dar-lhe a direção
mais vantajosa” (SMITH, 1983: 377).
A partir daí, formulou sua teoria do comércio exterior. Para isso, estendeu para aeconomia internacional o princípio que defendia nas relações econômicas internas: o de que
a divisão do trabalho, ao aumentar a produtividade do trabalho, ensejaria o aumento da
riqueza.
Sinteticamente, sua formulação é a seguinte:
Se cada país se especializar naquelas atividades econômicas em que for mais e-
ciente e se, além disso, houver livre comércio entre os vários países, todos sairão
ganhando, isto é, todos carão mais ricos.
 
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 2 Nas palavras do próprio Smith: “o comércio que, sem violência ou coação, é efetu-ado com naturalidade e regularidade entre dois lugares, sempre traz vantagem para os dois
lados, ainda que essa vantagem não seja sempre igual para ambos” (SMITH, 1983: 405).
É possível, partindo da teoria do valor-trabalho postulada pelo autor, apresentar
uma formulação matemática da sua teoria do livre comércio. Para facilitar o raciocínio, con-
sideremos que existem apenas dois produtos (tecido e vinho) e dois países (Inglaterra e
Portugal). Se apresentarmos o “custo” de cada produto em termos de horas de trabalho4 
utilizadas para produzi-lo, a situação desses dois países em relação aos dois produtos pode
aparecer conforme exibido na tabela seguinte:
Tabela 2.1 Inglaterra e Portugal: valor da produção por unidade de produto
Países Vinho (horas de trabalho) Tecido (horas de trabalho)
Portugal 100 110
Inglaterra 110 100
 Os dados apresentados indicam que Portugal gasta menos na produção de uma
unidade de vinho do que a Inglaterra (100 contra 110 horas de trabalho). Por outro lado,
a Inglaterra gasta menos do que Portugal na produção de tecidos (também 100 contra 110
horas de trabalho).
Digamos que não haja comércio entre os dois países e que cada um deles produza e
consuma uma unidade de cada produto. Neste caso, cada país gastaria 210 horas de traba-
lho.
Agora, suponhamos que haja livre comércio entre eles e que cada um se especialize
naquilo que produz com mais eciência, isto é, com menor custo; além disso, cada um se-
guiria consumindo uma unidade de cada produto. Neste caso:
• Portugal produziria duas unidades de vinho: uma para consumo próprio e
outra para trocar com uma unidade de tecido que adquiriria da Inglaterra;
• por outro lado, a Inglaterra produziria duas unidades de tecido: uma para
consumo próprio e outra para trocar por uma unidade de vinho a ser com-
prada de Portugal.
Resultado: Portugal gastaria 200 horas de trabalho (2 unidades de vinho vezes 100
horas de trabalho) e a Inglaterra também gastaria 200 horas (2 unidades de tecido vezes 100
horas de trabalho). Assim, consumindo a mesma coisa que antes, os dois países, ao inter-
cambiarem entre si, economizariam cada um 10 horas de trabalho – que poderiam ser utili-
zadas para incrementar a produção de cada bem, tornando cada país “mais rico”.
Essa teoria smithiana foi designada de teoria das vantagens absolutas porque com-
para a diferença absoluta de custo dos produtos entre os países.
O principal discípulo de Smith, David Ricardo, sosticou um pouco mais essa teo-
ria, em sua principal obra, Princípios de economia política e de tributação , que lançou em 1817.
Segundo ele, ainda que uma economia fosse mais eciente em todos os produtos, o comér-
cio internacional seria possível e vantajoso para todos.
4 A soma das horas de trabalho utilizadas para produzir o produto mais o que se gastou de trabalho nas maté-
rias-primas e na parte das máquinas e equipamentos desgastada nessa produção.
 
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 2Na sua opinião, “num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país consagrao seu capital e trabalho às atividades que lhe são mais rendosas. Esta procura de vantagem
individual coaduna-se admiravelmente com o bem-estar universal” (RICARDO, 1975: 149).
Da mesma forma que Smith, sua defesa intransigente do livre comércio parte de
uma crítica ao protecionismo: “Os prêmios à exportação ou à importação e os novos
impostos sobre os produtos, atuando muitas vezes direta e outras vezes indireta-
mente, perturbam o desenvolvimento natural das trocas” (RICARDO, 1975: 158).
O exemplo que Ricardo utiliza para demonstrar sua tese encontra-se na tabela a
seguir:
Tabela 2.2 Inglaterra e Portugal: valor absoluto e relativo dos produtos
Países Vinho(trabalhadores por ano)
Tecido
(trabalhadores por ano)
Preços
relativos
Portugal 80 90 80/90 = 0,89
Inglaterra 120 100 120/100 = 1,2
Em lugar de adotar como medida do valor e, portanto, dos custos as horas de tra-
 balho, Ricardo usa a quantidade de trabalhadores por produção anual de cada produto.
No caso de Portugal, seriam necessários 80 trabalhadores para produzir o vinho e 90 para o
tecido; na Inglaterra, 120 trabalhadores para vinho e 100 para tecido.
Se esse exemplo fosse aplicado à versão mais simples de Smith, Portugal, com menor
custo nos dois produtos (vinho: 80 homens contra 120; tecido: 90 contra 100), teria vantagemabsoluta em ambos e, assim, não haveria possibilidade de intercâmbio entre os dois países.
No entanto, segundo Ricardo, o que determinaria as relações comerciais interna-
cionais seria a vantagem relativa ou comparativa, e não a vantagem absoluta. Neste
caso:
• se a Inglaterra concordasse em trocar com Portugal o tecido em que usou
100 trabalhadores na produção pelo vinho em que este último usou 80
trabalhadores, seria vantajoso para Portugal, porque evitaria de ter que
usar 90 trabalhadores para produzir o próprio tecido; assim,ele poderia
produzir uma tonelada para o próprio consumo e outra para trocar com o
tecido inglês;
• por outro lado, a Inglaterra, mesmo tendo usado 100 trabalhadores paraproduzir o tecido, poderia ter interesse em trocar pelo vinho português
que usou apenas 80 trabalhadores, porque, se fosse produzir o próprio vi-
nho, teria que usar 120 trabalhadores; assim, produziria uma tonelada de
tecido para o próprio consumo e outra para trocar com o vinho português.
Havendo a troca, Portugal economizaria 10 trabalhadores e a Inglaterra 20, poden-
do utilizá-los para aumentar a produção. Isso porque o primeiro, em lugar de usar 170
trabalhadores para produzir vinho e tecido, utilizaria apenas 160 para produzir o dobro do
vinho; enquanto isso, a segunda, em lugar de usar 220 homens para produzir os dois produ-
tos, usaria apenas 200 para produzir o dobro do tecido que necessitaria.
 
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 2Isso pode ser explicado de outro modo. Observando-se a Tabela 1.2, percebe-se que,em Portugal, o preço relativo do vinho em termos de tecido é de 0,89, enquanto na Inglaterra
é de 1,2. Assim:
Se a Inglaterra pode importar uma unidade de vinho a um custo inferior a 1,2
unidade de tecidos, terá ganho com o comércio. Se Portugal pode importar mais
do que 0,89 unidade de tecidos em troca de uma unidade de vinho, também será
 beneciado. Desse modo, se uma unidade de vinho pode ser exportada de Portu-
gal para a Inglaterra em troca de algo entre 0,89 e 1,2 unidade de tecidos, ambos os
países serão beneciados pelo comércio internacional (BAUMANN et al., 2004: 14).
Essa teoria é conhecida como a das vantagens comparativas porque, em lugar deconsiderar como critério para a possibilidade de troca entre países o valor ou custo absolu-
to de cada produto, comparando um país com outro, considera, inicialmente, a relação de
troca, isto é, o preço relativo entre os produtos dentro de um mesmo país para, só então,
comparar com o outro país.
Segundo Ricardo, essa possibilidade de trocar mais trabalho por menos trabalho
existiria no comércio internacional, e não no comércio interno, porque o capital teria mais
diculdade de “circular de um país para outro à procura duma atividade mais rendosa”,
enquanto haveria facilidade de transitar “de uma província para outra dentro do mesmo
país” (RICARDO, 1975: 151).
Protecionismo e Estado na economia
Na mesma época em que Smith formulava sua teoria do livre comércio, o Primeiro-
ministro de Dom José I, Rei de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, o conhecido
Marquês de Pombal,5 examinando o tratado de preferência tarifária entre Portugal e Ingla-
terra, o Tratado de Methuen, rmado em 1703, chegava a conclusão contrária quanto aos
 benefícios universais dessa teoria.
O funcionamento de uma espécie de zona de livre comércio entre os dois países
teria beneciado a Inglaterra e prejudicado Portugal. Isso porque:
• a indústria nascente neste último teria sido destruída pela concorrência
inglesa, que possuía uma indústria mais madura e mais eciente;
• por isso, Portugal teria se transformado numa espécie de entreposto co-
mercial dos produtos industriais ingleses;• a balança comercial portuguesa se teria tornado decitária;
• Portugal, em consequência desse décit, teria transferido para a Inglaterra
o ouro que recebia do Brasil e, além disso, se teria endividado com aquele
país.
A causa dessa deterioração econômica de Portugal teria sido a prática do livre co-
mércio com uma nação mais desenvolvida economicamente e, portanto, com maior capaci-
dade competitiva.
5 O Marquês de Pombal foi Primeiro-ministro durante todo o reinado de Dom José I, de 1750 a 1777.
 
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 2Pouco depois, esse debate seria retomado na jovem nação estadunidense – que coin-cidentemente proclamou sua independência no ano em que Smith lançou seu livro: 1776.
Foi nomeado como o Secretário do Tesouro6 do primeiro governo dos EUA, presidi-
do por George Washington, o jovem Alexander Hamilton, que lutara na Guerra de Indepen-
dência como ajudante-de-ordens de Washington. Na sua nova função, apresentou à Câmara
dos Deputados do país, em 5 de dezembro de 1791, um documento intitulado Relatório sobre
as manufaturas, cujo objetivo era traçar os rumos econômicos do país que acabava de nascer.
Hamilton partiu da ideia básica de Smith de que a riqueza de uma nação seria cons-
tituída das mercadorias que pudesse produzir, e que essa produção – e, portanto, a riqueza
– seria tanto maior quanto maior fosse a disponibilidade de força de trabalho e a divisão
do trabalho. Avançando a divisão do trabalho, cresceriam a produtividade e a riqueza. No
entanto, ele contestava a ideia de que, nas nações agrícolas, esse crescimento da riqueza po-
deria ocorrer por meio do livre comércio.
Dedicou seu relatório “ao assunto das manufaturas, particularmente, aos meios para
fomentar as que tendam a tornar os Estados Unidos independentes de outras nações em seu
abastecimento militar e de bens essenciais” (HAMILTON, 1995: 31). Assim, o objetivo cen-
tral de seu programa econômico seria promover a industrialização do país.
Em sua análise, ele descreve as desvantagens de ser uma nação meramente agrícola
e as vantagens da industrialização.
Entre as desvantagens de ser uma nação agrícola, cita as seguintes:
• “as regras restritivas [protecionismo] que, nos mercados estrangeiros, limi-
tam a venda dos crescentes excedentes de nossos produtos agrícolas”(Ibidem:
32);
• o empenho das nações industrializadas “em não permitir que as nações
agrícolas gozem das suas [vantagens naturais], sacricando os interesses de
um intercâmbio mutuamente benéco à vã pretensão de vender tudo e não
comprar nada” (Ibidem: 54);
• “a demanda externa para os produtos dos países agrícolas [seria], em grande
medida, mais casual e ocasional do que segura ou constante” (Ibidem: 54);
• “a constante e crescente necessidade estadunidense de bens europeus e a
parcial e ocasional demanda dos seus, em troca, os expõe a uma situação de
empobrecimento” (Ibidem: 58-9);
• a existência de produção agrícola nos países industrializados e a inexistência
de produção industrial nos países agrícolas fariam com que estes últimos
sofressem “perdas por dois lados, o que, seguramente, conduzirá a uma ba-
lança comercial desfavorável” (Ibidem: 90);
• a inexistência da indústria num país comprometeria sua segurança externa,
à medida que implicaria a falta do material indispensável à defesa, isto é, a
“incapacidade de abastecer-se a si próprios” (Ibidem: 89).
Por outro lado, Hamilton indicou quais seriam as vantagens da industrialização:
• a divisão do trabalho – a indústria ensejaria maior divisão do trabalho, ao
permitir o nascimento de novos setores da economia, o que possibilitaria
maior destreza do trabalhador e economia de tempo, aumentando a produ-
tividade;
6 Cargo equivalente ao do ministro da Fazenda.
 
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 2• a ampliação do uso de maquinaria – as atividades manufatureiras seriammais suscetíveis ao uso de maquinaria que as atividades agrícolas, e essa
aplicação de máquinas também aumentaria a produtividade;
• a geração de mais emprego – ao ensejar a criação de novos setores, a indus-
trialização geraria empregos para “classes da sociedade que, comumente,
não se dedicam a essas atividades”;
• o fomento à imigração – no caso de países pouco habitados, como o eram na
época os Estados Unidos, a industrialização poderia fomentar a imigração e,
por conseguinte, o povoamento;
• o desenvolvimento dos talentos – ao diversicar, em face das inúmeras ati-
vidades que cria, o uso dos talentos,a indústria possibilitaria o desenvolvi-mento da criatividade dos indivíduos e seu uso em benefício da sociedade;
• a abertura de campo mais amplo e variado para as empresas – a industriali-
zação, ao diversicar mais a economia, expandiria o campo para o desenvol-
vimento do “espírito de empresa”;
• a garantia e criação de maior demanda para os produtos agrícolas – em lugar
de prejudicar a agricultura, como professavam os que contraditavam a in-
dustrialização, esta, ao contrário, poderia beneciá-la, ao servir de demanda
para seus produtos (Ibidem: 46-54).
Hamilton sintetizou essas vantagens na seguinte observação:
Não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem es-
tar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas. Toda nação que pretenda atingir
estes grandes objetivos deve procurar possuir o essencial para o abastecimento nacional. Aí
se incluem os meios de sustentação, habitação, vestimenta e defesa (Ibidem: 88).
Propugnava o pensador estadunidense que, “para produzir-se o quanto antes as
mudanças desejáveis [para garantir a industrialização], são necessários, pois, o es-
tímulo e o patrocínio do governo” (Ibidem: 61). Isto porque, sem o Estado, “estas
mudanças tendem a ocorrer mais tarde do que o que conviria ao interesse tanto da
sociedade como do indivíduo” (Ibidem: 61).
O maior obstáculo à industrialização numa nação agrícola consistiria “das subven-
ções, recompensas e demais auxílios que, em muitos casos, são dados às indústrias das
nações onde já estão estabelecidas” (Ibidem: 62). Ou seja, era o protecionismo das nações
industriais.
Portanto, a ação do Estado com vistas à industrialização signicaria, de um lado, a
adoção de medidas de proteção à indústria nascente e, de outro, a intervenção interna visan-do à criação de condições que favorecessem a industrialização. O programa proposto por
Hamilton constava das seguintes medidas:
1. tarifas alfandegárias protecionistas, quer dizer, tarifas sobre os artigos estran-
geiros rivais dos produtos nacionais que se pretendem fomentar;
2. proibição de artigos rivais ou tarifas equivalentes a uma proibição;
3. veto à exportação de matérias-primas necessárias às manufaturas;
 
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 24. subsídios pecuniários à produção local;
5. prêmios para recompensar “alguma superioridade ou excelência especial, al-
guma aptidão ou esforço extraordinários”;
6. isenção tarifária para a importação de matérias-primas necessárias às manu-
faturas locais;
7. reintegração das tarifas cobradas sobre as matérias-primas para as manufa-
turas;
8. fomento a novos inventos e descobertas no próprio país e introdução dos que
sejam feitos em outros países, particularmente os referentes à maquinaria;
9. normas prudentes para a inspeção de bens manufaturados a m de garantir
a qualidade;
10. agilização das remessas monetárias de um lugar a outro do país por meio de
um sistema bancário e creditício ágil e generalizado em nível nacional;
11. agilização do transporte de mercadorias (Ibidem: 96-109).
Duas conclusões importantes se impõem a partir do pensamento de Hamilton:
• o livre comércio com as nações industriais inviabilizaria a industrialização
das nações agrícolas, sendo necessária a adoção de medidas protecionistas
para que essas nações pudessem seguir a senda industrial;
• enquanto o protecionismo mercantilista, ainda que pudesse favorecer a
industrialização, tinha como objetivo básico a obtenção dos superávits co-
merciais necessários à acumulação de metais preciosos – que condensaria
a riqueza, para eles –, o protecionismo de Hamilton tinha como seu princi-
pal objetivo favorecer a industrialização e, dessa forma, aumentar a produ-
tividade e a produção de mercadorias – que condensaria a riqueza, na sua
acepção.
Os opositores do protecionismo costumavam alegar, entre outros argumentos, que
essa prática provocaria o aumento dos preços internos. Contra essa alegação, Hamilton ar-
gumentou que, “do ponto de vista nacional, o aumento temporário do preço será sempre
compensado pela sua redução permanente” (Ibidem: 84), já que o desenvolvimento indus-
trial interno, ao possibilitar o aumento da produtividade, ensejaria uma futura queda dos
preços. O alemão Georg Friedrich List foi o principal continuador da obra de Hamilton.7 Vi-
veu inicialmente numa Alemanha ainda dividida em principados, ducados, cidades-livres e
pequenas nações, como a Prússia e a Áustria. Foi não apenas um dos principais teóricos do
protecionismo, como também um dos principais ativistas dessa causa.
Chegou a ser eleito deputado para a Assembleia de Wurenberg, mas, em face de
sua rme campanha em favor de medidas protecionistas e de um estado alemão unicado,
teve o seu mandato cassado e foi condenado à prisão.
7 Dentro dos EUA, o imigrante irlandês Mathew Carey e seu lho Henry Carey também escreveram várias obras
sobre o chamado Sistema Nacional de Economia Política, que tinha como eixo a questão do protecionismo.
 
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 2Decidiu então exilar-se na Inglaterra, França e Suíça, mas terminou partindo em1925 para os EUA. Antes disso, já havia tido as primeiras ideias de uma “economia políti-
ca nacional” – que contrapunha ao livre comércio da “economia política cosmopolita” de
Adam Smith – e do zollverein , que seria uma união aduaneira de uma Alemanha unicada.
Nos EUA, teve um contato mais estreito com a teoria protecionista de Hamilton e de
seus seguidores, Mathew e Henry Carey. Foi com base nessa experiência que escreveu sua
principal obra, intitulada Sistema nacional de economia política , publicada em maio de 1841.
Ele deniu a essência de sua teoria da seguinte forma: “diria que a característica
 básica deste meu sistema reside na NACIONALIDADE. Toda a minha estrutura está basea-
da na natureza da nacionalidade , a qual é o interesse intermediário entre o individualismo e a
humanidade inteira” (LIST, 1983: 5).
De maneira mais contundente que Hamilton, List elaborou seu sistema teórico a
partir da crítica ao livre comércio:
As tentativas que têm sido feitas por nações individuais no sentido de intro-
duzir a liberdade de comércio di’ante de uma nação que é predominante na
indústria, riqueza e poder, e que se caracteriza por sistemas alfandegários ex-
clusivos – como fez Portugal em 1703, a França em 1786, a América do Norte
em 1786 e 1816, a Rússia de 1815 até 1821, e como a Alemanha fez durante
séculos – mostram-nos que dessa maneira se sacrica a prosperidade nas na-
ções individuais, sem que haja benefícios para a humanidade em geral, ser-
vindo exclusivamente para o enriquecimento da nação dominante do ponto
de vista industrial e comercial (Ibidem: 85).
O sistema teórico de List, no que se refere ao protecionismo, implicava a existênciade três estágios no processo de desenvolvimento de uma nação:
no primeiro estágio, adotando comércio livre com nações mais adiantadas como
meio de saírem elas mesmas de um estado de barbárie e para fazerem progresso
na agricultura; no segundo estágio, promovendo o crescimento das manufaturas,
da pesca, da navegação e do comércio exterior, adotando restrições ao comércio; e
no último estágio, após atingirem o mais alto grau de riqueza e poder, retornan-
do gradualmente ao princípio do comércio livre e da concorrência sem restrições,
tanto no mercado interno como no mercado internacional, de maneira que seus
agricultores, comerciantes e manufatores possam ser preservados da indolência e
estimulados a conservar a supremacia que adquiriram (Ibidem: 86).
Assim, para List, no estágio da industrialização, a nação deverá adotar o programa
protecionista, abdicando do mesmo depois que conquistar uma produtividade compatívelcom o padrãode seus concorrentes internacionais. Assim, para ele, “as medidas protecio-
nistas só se justicam com o intuito de fomentar e proteger a força manufatureira interna”
(Ibidem: 207).
Como veremos ao longo deste livro, a realidade posterior revelou que, mesmo de-
pois de haver atingido “o mais alto grau de riqueza e poder”, as nações contemporâneas não
abdicaram do protecionismo. Ao contrário, o reforçaram.
 
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 2Como garantir a proteção da indústria infante? Diz List: “O protecionismo
pode ser alcançado proibindo sistematicamente a importação de certos arti-
gos manufaturados, impondo taxas tão altas que praticamente equivalem à
proibição, ou impondo taxas mais moderadas” (Ibidem: 207).
List, mais do que Hamilton, postulava que a transformação de uma nação agrícola
em uma nação industrial exigia a ação do Estado. Para ele, “a mesma história demonstra,
porém, que só se pode atingir uma atividade manufatureira perfeitamente desenvolvida,
uma importante marinha mercante e um comércio exterior em larga escala, mediante a in-
tervenção do poder do Estado” (LIST, 1986: 125).
Questionário
1. O que era a riqueza para os mercantilistas? Quais os mecanismos por eles
propostos para uma nação obter e acumular riqueza?
2. Exponha a teoria do livre comércio baseada nas vantagens absolutas, apre-
sentando exemplos numéricos.
3. Exponha a teoria do livre comércio baseada nas vantagens comparativas,
apresentando exemplos numéricos.
4. Sintetize a crítica feita pelo Marquês de Pombal ao acordo de preferência ta-
rifária (Acordo de Methuen) entre Portugal e Inglaterra.
5. Quais as desvantagens de uma nação agrícola, na visão de Alexander Hamil-
ton?
6. Quais as vantagens de uma nação industrial, na visão de Alexander Hamil-
ton?
7. Exponha e comente o programa proposto por Hamilton para viabilizar a in-
dustrialização.
8. Apresente os estágios econômicos conforme indicados por Friedrich List,
 bem como as medidas por eles propostas para garantir a industrialização.
9. Mostre a principal diferença quanto aos objetivos entre o protecionismo mer-
cantilista e o protecionismo de Hamilton e List.
 
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 2Referências bibliográficasReferências bibliográficas
BAUMANN, R.; CANUTO, O.; GONÇALVES, R. Economia internacional; teoria e experiên-
cia brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
FURTADO, C.Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1965.
____________. Formação econômica do Brasil. 11 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1971.
HAMILTON, A.Relatório sobre as manufaturas. Apresentação de Barbosa Lima Sobrinho. Rio
de Janeiro: Sol. Iberamerica, 1995.LIST, G. F. Sistema nacional de economia política. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Os Economistas.)
____________. Sistema nacional de economia política. 2 ed. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo:
Nova Cultural, 1986 (Os Economistas).
PREBISCH, R. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultu-
ra, 1964.
RICARDO, D. Princípios de economia política e de tributação. Trad. Maria Adelaide Ferreira.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1975.
SMITH, A. Riqueza das nações – investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz
 João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas.)
SOUZA, N. A. de. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2 ed. São Paulo: Atlas,
2008.
 
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A onda larga e a crise estrutural
Para entender a dinâmica da economia capitalista mundial, é importante recorrer às
noções de onda larga e crise estrutural.
Essa economia, desde a década de 1820, vem se desenvolvendo de forma cíclica,
passando por períodos de reanimação, prosperidade e crise.
Autores como Robert Malthus, Karl Marx, Joseph Schumpeter e John M. Keynes,
dentre outros, constataram que essa dinâmica cíclica seria consequência inevitável
das contradições inerentes a esse tipo de economia. Segundo eles, as leis gerais de
funcionamento desse sistema, ao mesmo tempo em que garantem sua expansão,
também provocam crises periódicas.
A forma de desenvolvimento que o capitalismo assume em cada momento histórico
condiciona o caráter e a profundidade das suas crises, bem como o papel que estas podem
cumprir, quer destruindo capacidade produtiva, quer criando condições para mudanças.
Os conceitos de padrão de reprodução de capital, ciclo longo ou onda larga e crise
estrutural são de grande valia para captar o que de característico existe em cada fase do de-
senvolvimento capitalista, bem como a natureza de suas crises.
Entendemos por padrão de reprodução do capital a forma como a economia capita-
lista se reproduz em um período e em um espaço determinados.1 Isso implica considerar os
seguintes fatores:
• a forma de inserção de cada país no sistema capitalista mundial: país central,
dependente ou independente;
• a ênfase no progresso das forças produtivas: processo de trabalho, meios de
trabalho ou objeto de trabalho;
• as formas principais de extração de excedente econômico: aumento da jorna-
da ou da produtividade do trabalho, redução do salário real;
• as relações entre os setores produtivos: se a expansão se assenta na indústria
de meios de produção, na de bens de consumo popular ou na de bens sun-
tuários;
1 Os economistas costumam designar de modelo econômico uma forma especíca de desenvolvimento do ca-
pitalismo.
 
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 3• o padrão de distribuição de renda e realização das mercadorias: se a rendaé melhor distribuída ou mais concentrada, se predomina o mercado externo
ou o interno, como se conforma o mercado interno;
• a forma de ação do Estado na economia: se predomina a participação ativa
do Estado ou o liberalismo econômico.
A duração do padrão de reprodução não se confunde com o ciclo econômico clássi-
co. Durante a vigência de um mesmo padrão de reprodução, podem ocorrer vários
ciclos. O ciclo é a forma clássica como se manifesta a expansão e a crise no capi-
talismo. Começa por um período de expansão, primeiro calma, depois intensa, e
termina com a crise.
Porém, a forma especíca que assume o ciclo depende do padrão de reprodução
vigente. Isto é, os elementos gerais que estão presentes em toda a expansão econômica ca-
pitalista e em toda a crise econômica têm sua forma modicada em função do padrão de
reprodução. Além disso, o ciclo assume forma e caráter distintos conforme ocorra na emer-
gência e expansão ou no período de declínio do padrão de reprodução.
O período de declínio do padrão de reprodução corresponde às crises estruturais
do sistema. Trata-se da crise do próprio padrão de reprodução vigente e só se su-
pera à custa de modicações substanciais na natureza do padrão de reprodução.
Segundo Manuel Castells,
o especíco de uma crise estrutural é que o processo de acumulação não pode
recomeçar até que se eliminem ou contrabalancem os obstáculos. Geralmenteesta solução signica que se produzirá uma transformação básica nas rela-
ções entre as classes, entre as frações do capital e entre o capital e as forças
produtivas (CASTELLS, 1978: 85).
Como essas modicações não ocorrem facilmente, tal crise tende a ser prolongada
e a destruir mais profundamente as forças produtivas já acumuladas. No decorrer de crises
como essa, o ciclo econômico normal não deixa de operar, só que com predomínio da crise
sobre a reanimação econômica. É por isso que é nesses momentos que tendem a ocorrer as
mudanças.
O conceitode ciclo longo ou onda larga e sua relação com o de padrão de reprodu-
ção contribuem para precisar a relação entre as crises e os períodos de expansão ou declínio
do padrão de reprodução.
Segundo Karl Kautsky (1978), foi o russo Alexander Parvus quem primeiro formu-
lou a ideia de existência no capitalismo de um “ciclo maior”, mais longo do que ciclo indus-trial periódico. Vale a pena transcrever o trecho em que Parvus desenvolve essa ideia:
Existem momentos, nos quais o desenvolvimento da economia capitalista amadu-
receu tanto em todos os terrenos – na técnica, no mercado monetário, no comércio,
nas colônias – que deve vericar-se uma iminente expansão do mercado mundial,
a totalidade da produção mundial é levada a uma nova base, muito mais ampla.
Então se inicia um período de embate e luta (Sturm und Drung) para o capital. A
mudança periódica de auge e crise não é suprimida por isso, porém o auge se de-
senvolve em uma progressão maior, a crise é mais aguda, porém de menor duração.
Assim se segue até que as tendências do desenvolvimento acumuladas alcançam
 
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seu completo desenvolvimento. Então se produz o estalido mais agudo da crise
comercial, que nalmente se transforma na depressão econômica. A depressão eco-
nômica está caracterizada por um retardamento no desenvolvimento da produção.
Esta encurta a magnitude do auge e seu espaço, porém estende, pelo contrário, a
crise comercial, que perde seu vigor. Quase se tem a impressão de que a produção
 já não se poderia levantar até que as potências do desenvolvimento hajam evoluído
até um período de embate e luta (PARVUS, apud KAUTSKY, 1978: 227).
Kautsky assumiu essa posição e procurou demonstrar que, historicamente, a econo-
mia capitalista se desenvolveu de acordo com esses “grandes períodos”. Descobriu, além
disso, que, na base de cada período de expansão da onda larga (“embate e luta”), era possí-
vel encontrar eventos como conquistas coloniais e intensas inovações tecnológicas. Ao con-
trário, nos períodos de depressão econômica, haviam progredido as lutas por mudanças.
Em verdade, o período de “embate e luta” de uma onda larga corresponde ao pe-
ríodo de emergência e expansão de um padrão de reprodução, enquanto o de depressão
econômica corresponde ao de seu declínio.
Nesse sentido, a utilização do conceito de ciclo longo ou onda larga nada mais é do
que a forma temporal de examinar o processo de vida e morte de um padrão de reprodução.
Cada onda larga corresponderia a um distinto padrão de reprodução.
A ideia de ciclo longo foi mais tarde retomada pelo economista russo Nicolai Kon-
dratiev, equivocadamente considerado o pai dessa teoria. Kondratiev assimilava os ciclos
longos aos ciclos industriais periódicos, estabelecendo para aqueles a mesma regularidade
econômica que caracteriza estes; isto é, ele concebia aqueles também como resultante da
dinâmica interna da economia capitalista.
Na realidade, não é possível demonstrar essa regularidade interna do ciclo longo.Sua duração depende das forças impulsoras e do grau de contradição que encerra o padrão
de reprodução correspondente. As forças impulsoras iniciais, conforme percebeu Kautsky,
são externas à dinâmica própria da acumulação de capital, ainda que façam parte de sua
lógica de expansão, como guerras, conquistas coloniais etc.
Estas são forças impulsoras iniciais à medida que, ao destruírem profundamente
forças produtivas acumuladas ou estenderem o mercado mundial, propiciam uma tal ele-
vação da taxa de lucro que permite a incorporação ao processo produtivo de descobertas
tecnológicas realizadas no período anterior e que pode até se converter em verdadeiras re-
voluções tecnológicas.
O processo de generalização da nova “onda tecnológica” corresponde ao período
de expansão do novo padrão de reprodução, ao período de “embate e luta” do novo ciclo
longo. A tônica desse período é o progresso geral da economia, mas não deixa de ser entre-
cortado por crises, ainda que curtas. Curtas porque é muito forte, nesse período, o peso das
forças compensatórias da tendência à queda da taxa de lucro e que se fazem presentes nas
forças impulsoras iniciais.2
O esgotamento dessas forças impulsoras e dos efeitos “revolucionários” da “onda
tecnológica” que provocaram retira o peso das forças compensatórias da tendência da taxa
de lucro a cair. Assume então preponderância a tendência à substituição do homem pela
máquina e do consequente crescimento mais rápido da massa de capital investido em rela-
ção à massa de lucro, embutido nos avanços tecnológicos.
2 Ver no capítulo 2 a indicação da teoria da tendência a cair da taxa de lucro.
 
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 3Inicia-se, assim, o período de declínio do padrão de reprodução, o período de de-
pressão econômica do ciclo longo. A tônica geral desse período é a ocorrência de
crises periódicas, é a destruição de forças produtivas, ainda que haja ligeiros perío-
dos de reanimação econômica.
Estes decorrem de efêmeras melhoras na taxa de lucro, geradas pela própria crise,
mas esta, enquanto não puder alterar o padrão de reprodução, não será capaz de
promover a elevação da taxa de lucro a ponto de garantir um período sustentado e
duradouro de expansão econômica.
O padrão de reprodução pode ser especíco de um determinado país, mas, na faseda internacionalização da economia3 , as características das economias hegemônicas tendem
a demarcar o caráter do padrão de reprodução em nível mundial, condicionando a dinâmica
de cada economia nacional.4
Assim, a onda larga que se desenvolve nas economias dependentes tem também sua
dinâmica condicionada, em última instância, ainda que não mecanicamente, pela onda larga
da economia mundial. Cada país dependente se condiciona a esse ciclo longo segundo sua
forma de inserção no sistema capitalista mundial. Isto é assim porque as condições gerais do
ciclo longo só ocorrem em nível mundial, ainda que possam iniciar-se em um determinado
e importante centro do sistema capitalista.
Por tudo isso, resulta de fundamental importância, quando se investiga a crise mun-
dial ou a de um país em particular, examinar em que fase se encontra e quais as caracte-
rísticas da onda larga. Ainda que não haja uma determinação mecânica, essa análise pode
ajudar, em grande medida, a entender melhor o período que se inaugura com a crise.
Questionário
1. Dena padrão de reprodução do capital e onda larga e mostre a relação entre es-
ses dois conceitos.
2. Dena crise estrutural.
3 Ver seção capítulo 1 do livro.
4 Isso não signica que não se mantenham determinadas especicidades nacionais.
 
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 3Referências BibliográficasReferências Bibliográficas
CASTELLS, M. La crisis económica mundial y el capitalismo americano. Trad. José Cano Temble-
que. Barcelona: Laia, 1978.
KAUTSKY, K. Teorías de las crisis. México: Siglo XXI, 1978.
 
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As primeiras tentativas de explicar a
Grande Depressão
Foi a quebra da bolsa de Nova Iorque a espoleta que deagrou o processo de crise.
Essa quebra, por sua vez, foi precipitada pela elevação da taxa básica de juros a partir de
agosto de 1929. Esta é uma sequência comum nos processos de deagração de crises econô-
micas:
• no auge do crescimento econômico, tende a exacerbar as pressões inacio-
nárias;
• seguindo a visão convencional,1 os bancos centrais elevam a taxa de juros
com o objetivo de conter essas pressões;
• como consequência, os capitais fogem das bolsas para se beneciar da maior

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