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Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Comunicação Social PUBLICIDADE SOCIAL Juiz de Fora 2006 2 Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Comunicação Social PUBLICIDADE SOCIAL Por Fernando Henrique de Resende Corrêa Monografia apresentada ao Departamento de Jornalismo Faculdade de Comunicação Social da UFJF como requisito para a graduação em Comunicação Social, habilitação jornalismo. Orientadora: Profª Drª Márcia Cristina Vieia Falabella. Juiz de Fora 2006 3 CORRÊA, Fernando Henrique de Resende Publicidade Social Juiz de Fora: UFJF; Facom. 1.Sem.2006, 100p. BANCA EXAMINADORA: Profª. Drª. Márcia Cristina Vieira Falabella (Orientadora) Profª. Drª. Marise Mendes Pimentel Prof.º Ms. Álvaro Trigueiro Americano Conceito: Trabalho avaliado em: 4 “Toda informação é, de certa forma, uma proposta ou elemento de formulação de propostas. É matéria- prima fundamental da ação política e, portanto, do trabalho cotidiano dos movimentos populares” (Herbert de Souza, Betinho) 5 AGRADECIMENTOS Agradeço à Percival Caropreso, Sandra Diogo e Daniel Tevah pela atenção e tempo dispensados. Aos amigos pelas longas conversas sobre o tema. À Marcinha pela paciência e a minha mãe pela tolerância. Por fim, agradeço à Débora, pela atenção, tempo, conversas, paciência, tolerância, compreensão e amor. 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. PUBLICIDADE, A COMUNICAÇÃO COMO SEDUÇÃO 2.1. Consumir para viver 2.2. A necessidade do social 2.3. Por uma publicidade social 3. OITO JEITOS DE MUDAR O MUNDO 3.1. Em busca da mudança 3.2. Eu posso, você pode. Nós podemos. 3.3. Ação e reação, os efeitos da campanha 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7 1. INTRODUÇÃO A monografia apresentada a seguir – Publicidade Social – é fruto de aproximadamente 8 meses de trabalho e pesquisa para a conclusão do curso de Comunicação Social. O tema foi escolhido devido à preocupação de trabalhar com algo que possa mudar ou melhorar o mundo em que se vive. Neste caso, a publicidade aplicada à mudanças sociais. Inicialmente, pretende-se abordar a relação que existe entre a força comunicacional da publicidade e suas conseqüências na sociedade. A globalização; a evolução dos modos de produção e das tecnologias; o aumento da velocidade da comunicação; o fácil acesso à informação e principalmente o aumento do estímulo ao consumo, através da publicidade, proporcionaram o que se pode chamar de “Sociedade do Consumo”. E é sobre essa sociedade que se vê realizada através do consumo que se fala no primeiro subitem do capítulo a seguir. A partir da observação de uma sociedade em que tudo, de uma forma ou de outra, se transforma em produto, em que a compra é início e fim de uma realização pessoal, percebe-se a falta de norte desta sociedade, que está sempre incompleta. Então, o que se propõe a falar é de uma necessidade do social, em que se começa a perceber para onde o mundo caminha, se não houver um movimento imediato em direção às mudanças. Dados atuais são apontados para comprovar que, realmente, a sociedade necessita de mudanças, principalmente em relação à fome e a miséria; educação; desigualdade; mortalidade infantil; saúde e meio ambiente. Por outro lado, outros dados mostram o aumento de movimentos sociais e, principalmente do voluntariado no Brasil. 8 Partindo desta necessidade do social, chega-se ao ponto principal e objetivo deste projeto: o estudo da “publicidade social”. No terceiro subitem do capítulo 2, procura- se conceituar este termo e dar exemplos que apontam as características e conceitos usados, além da sua abrangência. Este tipo de comunicação pode ser utilizado pelos três setores encontrados dentro do mercado: governos, empresas e terceiro setor. Através do estudo do crescimento da responsabilidade social e da utilização do marketing social como forma de divulgação desta responsabilidade, relacionada com o conceito de publicidade comercial, se chega ao que se entende por publicidade social. Através da pesquisa prévia de vários trabalhos, uma campanha social específica chamou atenção, não só pela força comunicacional que tem, mas pelo seu reconhecimento mundial e, principalmente, pelos seus resultados. A campanha brasileira para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, “Nós podemos – 8 jeitos de mudar o mundo”, reconhecida pela ONU como uma das 5 melhores do mundo e já é usada em mais de 22 países, entre eles Itália, Albânia, Guianas, Bósnia, Argentina e Bolívia. Pela importância desta campanha para este tema, um capítulo será dedicado a ela. Além da pesquisa documental de toda a campanha, foi realizada uma entrevista presencial com Percival Caropreso, publicitário e Marketeiro envolvido há mais de 16 anos com projetos sociais. Houve contato também com Sandra Diogo, secretária nacional do Movimento Nacional pela a Cidadania e Solidariedade e Daniel Tevah empresário do Rio Grande do Sul, um dos motivadores para a criação do Movimento. O capítulo mostra de onde surgiu a campanha, como foi criada, com qual objetivo e por fim, o que conseguiu provocar de mudança na sociedade. Este trabalho tem a intenção de mostrar como a comunicação, principalmente a publicidade pode contribuir para a formação de um mundo mais justo. 9 2. PUBLICIDADE, A COMUNICAÇÃO COMO SEDUÇÃO Antes de falar diretamente de uma “publicidade social”, é necessário contextualizar a sociedade atual. Um dos aspectos que compõem e orientam os movimentos dessa sociedade é o consumo. Surge, a partir daí, a necessidade de entender sua evolução, que pode ser percebida na busca de mudança de comportamento social. Em relação ao consumo, este capítulo identifica a causa ou as causas de seu crescimento, nomeando-as “necessidades-motivos”. Entre elas, aparentemente, a que mais se destacou foi a força do capitalismo, com o aumento da produção e da busca pelo lucro, subsidiados pela comunicação midiática, dentre elas a publicidade. Visualiza-se, então, uma sociedade deficiente, sempre incompleta. Uma sociedade a procura de algo, que ainda não identificou, mas que pode estar se refletindo no ambiente social. O que parece surgir e crescer é uma “necessidade do social” - consideradas neste projeto como relações entre os seres humanos, com o objetivo de mudar a situação, na tentativa de “melhora” geral da sociedade e de seus sobreviventes. Partindo desta última necessidade, o que se percebe é uma efervescência de campanhas publicitárias, ou melhor, campanhas de comunicação, com foco no social. Terceiro Setor, Governos e empresas privadas usando o discurso social através da comunicação. Funções, linguagem, projetos, conceitos, objetivos, causas, e conseqüências. 2.1. Consumir para viver Em nenhum momento na história da humanidade o consumo caracterizou-se pelos seus aspectos puramente econômicos. Sua importância cultural e representacional 10 sempre esteve presente. Com o incrementoda produção de mercadorias, este processo foi incentivado ainda mais, tornando-se parte da cultura contemporânea. Nós homens intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para distinguirmos de longe, para realizar desejos e para pensar nossa situação de mundo, para controlar o fluxo errático dos desejos e dar-lhe constância ou segurança em instituições rituais. (CANCLINI, 1999, p.91) Na sociedade atual, a “necessidade” do consumo se expandiu de tal forma, que fica complicado reduzi-lo a um único motivo. Ele, agora, possui, para cada pessoa, cada situação, uma ou várias “necessidades-motivos”. Um dos primeiros autores contemporâneos a teorizar o consumo, identificando a existência de uma “sociedade de consumo” foi Jean Baudrillard (1970, 1991). Segundo ele, o consumo, expressão atual do capitalismo, invade a vida das pessoas, suas relações envolvem toda a sociedade e as satisfações pessoais são completamente traçadas através dele. Neste contexto, e dentro da visão do autor, o desenvolvimento se estabelece através da incessante produção dos chamados bens de consumo duráveis, tais como os automóveis e os eletro-eletrônicos. Embora estes produtos tenham hoje uma qualidade maior, é uma exigência do sistema que possuam durabilidade ou obsolescência programadas para que sejam novamente adquiridos e substituídos em uma autêntica roda-viva. É o que pode-se chamar do “mito da novidade”, em que se joga fora tudo que perdeu significado social (na moda) e substitui-se por algo mais moderno e novo. O exemplo mais clássico da perenidade do consumo é a produção de celulares. Enquanto no Brasil é lançada a segunda geração de celular (GSM1), no Estados Unidos já se começa a produzir a 4ª geração, celulares com tecnologia tão avançada que possuem conexões com canais de TV. 1 GSM é a sigla para Global System for Móbile Communications, Sistema Global de Comunicação Móvil. 11 A satisfação pessoal trazida pelo consumo vem da sensação de poder e vitória provocada pela compra. A superação dos problemas é experimentada no ato da compra de um determinado bem, considerado pela sociedade de grande valor. A compra de um carro importado vai muito além do luxo e do conforto que ele proporciona. O sucesso profissional e pessoal também estão colocados à mostra. Canclini (1999) apud Castells, 1999) diz que o consumo é um lugar onde os conflitos entre classes ganham continuidade através da distribuição e apropriação dos bens, tendo origem na participação na estrutura produtiva. Para Canclini (1999) “consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo”. Essa disputa fica escancarada nas relações entre os jovens, que não têm pudor em mostrar o que possuem e o que podem possuir. “Os objetos criam um sentido para além de sua utilidade ou de sua beleza ou, melhor dizendo, sua utilidade e sua beleza são subprodutos desse sentido que vem da hierarquia mercantil”. (SARLO, 1997, p.30) Atualmente, tudo gira em torno das mercadorias. Através delas, os indivíduos comunicam-se com a sociedade e sentem-se nela incluídos. O ato de possuir ou desejar bens os tornam mais ou menos ‘distintos’ ou ‘iguais’ aos demais membros de seu grupo sócio-cultural. Como exemplo, os jovens que se vestem de preto, usam pearcing, tatuagens. Eles estampam, no seu modo de vestir, que pertencem àquela “tribo”, e não se encaixam em “tribos” de “mauricinhos” ou “patricinhas”. Os meios de comunicação impõem a moda e fazem com que determinados grupos selecionem os “dignos” através daquilo que compram. Quando se anda nas ruas, principalmente à noite e em lugares freqüentados por adolescentes, percebe-se o surgimento de “tribos”. Mesmas roupas, mesmos cabelos, falando a mesma língua (gírias). A identificação ou inclusão é guiada pelo consumo, mais precisamente, pelo que se tem. 12 As práticas de consumo têm grande importância nas relações comunicacionais. Canclini (1999) considerou o consumo como uma das dimensões do processo comunicacional, relacionando-o com práticas e apropriações culturais dos diversos sujeitos envolvidos neste sistema. Afirmou que por meio dele os sujeitos transmitem mensagens aos grupos sócio-culturais dos quais fazem parte. Canclini (1999) afirma “Diga-me o que consomes e te direi quem és”. No mesmo exemplo do carro, quem não o possui, anda a pé, de bicicleta, de ônibus, de metrô, de táxi. Há quem não possua um, não por falta de condições financeiras, mas por falta de afinidade. Já quem compartilha desta paixão, a marca, o ano, os assessórios e mesmo a cor determinam sua classe social e sua personalidade, dando ao “produto” outras funções que ultrapassam a de veículo automotivo para transporte. No plano simbólico, o consumo atinge a todos, pois as classes médias e os trabalhadores mais pobres sofrem o mesmo tipo de pressão para que consumam. Ambos desejam ou necessitam desejar a participação neste mesmo sistema, independente de suas condições materiais. Porém, as representações geradas no interior do campo simbólico do consumo estão relacionadas a um determinado espaço físico, quer dizer, possui particularidades, adaptando-se aos aspectos locais no qual ele foi criado. Um morador da zona rural terá necessidades simbólicas de consumo totalmente diferentes de um morador urbano. O sonho de consumo de um morador rural pode ser desde um pedaço de terra até uma TV, mas dificilmente será um lap top ou um IPOD. Canclini (1999) compara o consumo a processos rituais, onde “os grupos selecionam e fixam – graças a acordos coletivos – os significados que regulam a sua vida. (...) cuja função primária consiste em dar sentido ao fluxo rudimentar dos acontecimentos”. Além disso, os produtos consumidos são chamados de “assessórios rituais”. Domingo, não 13 é mais dia de ir à missa. Agora as famílias aproveitam o dia para passear nos shoppings ou hipermercados, trocando a oração pela compra. Segundo Beatriz Sarlo (1997) é a “comunidade imaginária” - a dos consumidores, cujo livro sagrado é o advertising2, e cujo ritual é o shopping spree3, e cujo templo é o shopping, sendo a moda seu código civil. Vivemos numa sociedade do Shopping Center como cidade extraterritorial e lugar de fuga: a cidadania se constitui no mercado, e, por isto, os shoppings podem ser vistos como os monumentos de um novo civismo: ágora, templo e mercado como nos foros da velha Itália romana.(SARLO, 1997, p.18) O consumo, mesmo que não possa ser efetivamente exercido, está presente nas crenças e desejos existentes, assim como as demais construções ideo-simbólicas sobre a vida humana e a natureza. Passou a fazer parte da cultura contemporânea, sendo uma prática bastante incentivada pelo sistema, principalmente pela comunicação midiática, com destaque para publicidade. Uma das principais mensagens veiculadas pelos meios de comunicação é a da associação entre consumo e felicidade. A idéia de que através da aquisição de determinados produtos as pessoas conseguirão ser felizes é bastante incentivada e adotada por nossa sociedade. Se o consumo é assim compreendido, deve gerar nos consumidores sensações de felicidade. Mas, se isto ocorre, pode-se dizer e observar no cotidiano, que os sentimentos de frustração por não ter (decepção) ou ter em demasia (tédio), de inveja e ressentimento dos que têm (rancor), dentre outros, caminham no mesmo sentido. Surge então um vazio que é preenchido pelo efêmero sentimento de felicidade que o consumo proporciona. A campanha publicitária das lojas Magazine Luíza mostra como isso é colocado com o conceitode campanha “Felicidade já”, e o slogan “Vem ser feliz”. 2 Advertising - propaganda 3Shopping Spree – expressão usada quando se quer falar sobre “farra das compras. 14 Sarlo (1997) vai mais além quando identifica o “consumidor às avessas”, ou seja, o sujeito que coleciona não objetos, mas atos de compra. E daí, já sai da loja com um sentimento de frustração por conta de um produto que não preencherá os espaço do desejo. O corpo foi transformado em um dos símbolos e objetos vendáveis e cultuáveis do mundo capitalista. De acordo com Baudrillard (1991), o sistema de produção induz nos sujeitos uma dupla prática: a do corpo como capital, isto é, como o finalizador do processo de produção, e como fetiche, sendo ele o próprio objeto de consumo. Vide as propagandas de cerveja, as próprias revistas pornográficas e a evolução do mercado pornográfico mundial e principalmente brasileiro. A imagem erotizada das mulheres tem sido a principal marca das campanhas publicitárias das cervejas brasileiras, como exemplo Skol e Antártica. 15 O amor, que segue o mesmo caminho, tem sido tratado e comparado a objetos de consumo. Observa-se na sociedade atual uma grande dificuldade de se encontrar o “verdadeiro amor”. Zygmunt Bauman em seu livro “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”, (2004) toca especialmente neste ponto. Essa cultura consumista provoca uma capitalização das relações sociais, tanto afetivas como amorosas. 16 E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o processo pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. (BAUMAN, 2004, p.21) O amor é confundido com a paixão e o desejo do outro. Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. Enquanto a realização do desejo coincide com a aniquilação do seu objeto, o amor cresce com a aquisição deste e se realiza na sua durabilidade. Se o desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua.(BAUMAN, 2004, p.24) Bauman (2004) ainda complementa fazendo uma colocação importante sobre a relação dos “novos casais” com a vontade de ter filhos. O capitalismo direcionou o pensamento da sociedade para custo-benefício. E não é diferente no “objeto” filho. Embora não exista produto capaz de substituir o sentimento de paternidade e maternidade, os filhos já não são desejados pelo simples prazer de cumprir esses papéis. Ter filhos significa avaliar o bem-estar de outro ser, mais fraco e dependente, em relação ao nosso próprio conforto. A autonomia de nossas preferências tende a ser comprometida, e continuamente: ano após ano, dia após dia. (...) Ter filhos pode significar a necessidade de diminuir as ambições pessoais, ‘sacrificar uma carreira’. Ter filho significa aceitar a dependência divisória da lealdade por um tempo indefinido, aceitando o compromisso amplo e irrevogável, sem uma cláusula adicional ‘até segunda ordem’ – o tipo de obrigação que se choca com a essência da política de vida do líquido mundo moderno e que a maioria das pessoas evita, quase com fervor, em outras manifestações de sua existência.(BAUMAN, 2004, p.60,61) Por uma junção de poderes, comandada pela força da mensagem publicitária, a gama de “necessidades-motivos” de consumir aumenta a cada dia. O consumo, ato efêmero, é transmissor de mensagens, possui elementos de distinção, e pode até gerar luta entre classes. Provoca a satisfação pessoal (como prova do crescimento profissional e pessoal, poder, aparência), inserção e inclusão social. Possibilita a fuga da realidade, o lazer ou diversão. Por fim, o consumo é capaz até de substituir necessidades afetivas como amor e amizade. 17 O consumo gerou uma crença no individualismo. As pessoas não são seduzidas ou interessadas em projetos coletivos, que tenham como finalidade à modificação de estruturas existentes, passaram a se preocupar principalmente com o que podem comprar. Ao desenvolver este vínculo com os objetos, os indivíduos acabam transformando-se em objetos, já que o mais importante não é o que se é, mas o que se pode ter. Isto acontece provavelmente porque, nesta relação, os objetos possuem uma importância maior do que os sujeitos. A objetificação do ser humano, que ocorre através da aceitação da ideologia do consumo, pode inviabilizar a possibilidade de transformação do indivíduo em cidadão. Neste processo há uma desumanização do homem, pois ele pode valorizar principalmente as interpenetrações existentes entre estes e as mercadorias. É comum nos dias de hoje, por exemplo, que muitas pessoas prefiram viver cercadas de objetos, ao invés de se relacionar com outros indivíduos. O consumo, tal como hoje é posto à disposição das pessoas, com suas normas e exigências por vezes absurdas, pode ser considerado como um dos elementos que contribuem para o isolamento e a separação entre as pessoas. O desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os seres humanos como objetos de consumo e julgá- los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu ‘valor monetário’. Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na atividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e interpretação ativa podem intensificar esses prazeres. (BAUMAN, 2004, p.96) A sociedade atual chegou a esse ponto por vários motivos, entre eles, a força do capitalismo produtivo concomitante aos processos de comunicação. A mídia outorga os gostos e necessidades da sociedade provocando uma cultura do consumo. Partindo deste “governo midiático”, surge uma necessidade que não deriva diretamente do consumo, que 18 pode até ser contrária ao consumo, mas está inclusa nessa cultura citada: a necessidade do social. 2.2. A necessidade do social Alguns dados elementares, tirados do site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revelam e mapeiam as causas e expressões da questão social que afetam mais de um terço da população mundial e deixam explícitos a segregação e o acesso desigual aos bens de consumo. No mundo, mais de um bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Outros 2,7 bilhões lutam para sobreviver com menos de dois dólares por dia. A pobreza nos países em desenvolvimento, no entanto, vai muito além da pobreza de renda. Significa ter de caminhar mais de 1,5 quilômetros todos os dias, apenas para ir buscar água e lenha. No que diz respeito à fome, mais de 800 milhões de pessoas vão se deitar todas as noites sem ter o que comer; dentre elas, 300 milhões são crianças. Desses 300 milhões de crianças, apenas 8% são vítimas de fome ou de outras condições de emergência. Mais de 90% sofrem de má nutrição prolongada e de um déficit de micronutrientes. A cada 3,6 segundos, mais uma pessoa morre de fome; em sua grande maioria, crianças com menos de 5 anos. Todos os anos, seis milhões de crianças morrem de má nutrição antes mesmo de fazer cinco anos. Em relação à agricultura, em 1969, a África era um exportador líquido de alimentos; hoje, o continente importa um terço dos cereais de que necessita. Mais de 40% dos africanos não têm capacidade de obter diariamente alimentos suficientes para sua auto- subsistência. Deve-se ao fato de uma decrescente fertilidade dos solos, a sua degradação e a 19 pandemia da AIDS que levaram a uma diminuição da produção de alimentos per capita da ordem dos 23%, nosúltimos 25 anos, apesar de a população ter aumentado significativamente. E, o agricultor africano paga pelos fertilizantes convencionais, entre três e seis vezes mais do que o seu custo no mercado mundial. Em alguns países extremamente pobres, menos de metade das crianças freqüentam o ensino primário e uma percentagem inferior a 20% passa para o ensino secundário. No mundo inteiro, 114 milhões de crianças não recebem instrução sequer ao nível básico e 584 milhões de mulheres são analfabetas.A taxa de analfabetismo é 11%, pessoas de 15 anos ou mais e 25% estudaram até 3 anos na vida. Mais de 80% dos agricultores da África são mulheres. Mais de 40% das mulheres africanas carecem de acesso ao ensino básico. Se uma menina receber instrução durante seis anos ou mais, a sua utilização, quando adulta, dos cuidados pré e pós-natais e a taxa de sobrevivência ao parto aumentam significativamente. As mães que possuem instrução vacinam os filhos com uma freqüência 50% superior à das mães não-instruídas. A AIDS propaga-se com o dobro da rapidez entre as meninas não instruídas, em comparação com aquelas que têm alguma escolaridade. Os filhos de uma mulher que freqüentou o ensino primário durante cinco anos apresentam uma taxa de sobrevivência 40% superior aos filhos das mulheres sem qualquer instrução. Em cada minuto, uma mulher morre no mundo durante a gravidez ou o parto. Isto significa que, no total, morrem 1.400 mulheres por dia – isto é, 529.000 por ano – devido a causas relacionadas com a gravidez. Uma mulher da África sub-saariana tem 1 possibilidade em 16 de morrer durante a gravidez ou no parto. Na América do Norte, o risco de é 1 em cada 3700 casos. “Quase metade dos partos, nos países em 20 desenvolvimento, não são assistidos por um técnico de saúde”. (http://www.pnud.org.br/milenio/numeroscrise.php, 2005) E há que se considerar ainda outros aspectos, mais de 2,6 bilhões de pessoas - mais de 40% da população mundial – carecem de saneamento básico e mais de um bilhão continua a usar fontes de água imprópria para o consumo. Quatro em cada dez pessoas no mundo carecem de acesso a uma simples latrina. Cinco milhões de pessoas, na sua maioria crianças, morrem todos os anos de doenças relacionadas à qualidade da água. Há diversas doenças que há tempos foram erradicadas nos países desenvolvidos, mas que nos países pobres, até hoje, luta-se contra elas. Todos os anos morrem onze milhões de crianças, a maioria das quais com menos de cinco anos; e mais de seis milhões morrem devido a causas totalmente evitáveis como a malária, a diarréia e a pneumonia. A cada 30 segundos, uma criança africana morre devido à malária – o que significa mais de um milhão de crianças mortas por ano. Mais de 50% dos africanos sofrem de doenças relacionadas à qualidade da água, como cólera e diarréia infantil. Todos os dias, o HIV mata 6.000 pessoas e infecta outras 8.200. A cada ano, aproximadamente 300 a 500 milhões de pessoas são infectadas pela malária. Aproximadamente três milhões de pessoas morrem por causa da doença. Tuberculose é a principal causa de morte relacionada com a AIDS e, em algumas partes da África, 75% das pessoas portadoras do vírus HIV também têm TB. Um país de dimensões continentais como o Brasil, com 8 514.215,3 km2, composto por 27 Unidades da Federação e 5.507 municípios existentes, possui, atualmente, uma população de cerca de 186.523.063 milhões de habitantes. Dentre os que possuem renda mensal, 9,2% recebem até meio salário mínimo; 18,4 % ganham de meio a 1 salário 21 mínimo e 28,5% da população vivem com uma média de um a dois salários mínimos. Segundo dados do IBGE4, 11,2% não possuem rendimento. Apesar da taxa de desemprego ter diminuído nos últimos anos, ainda existem 10,4% de desempregados, em 2004. Cerca de 500 mil famílias vivem em situação de miséria. Com relação à habitação, existem 51.752.528 domicílios permanentes com apenas 68,9% possuindo rede geral de esgotamento sanitário. O mais inusitado é que 90% das casas possuem televisão e apenas 87% possuem geladeira. A partir desse cenário, percebe- se a necessidade explícita e urgente de mudança, por todo o mundo. Necessidade clamada não apenas pelos necessitados, mas por toda a sociedade. O medo de uma decadência mundial, a displicência dos governos, a falta de convívio e inclusão, são fantasmas que precisam ser exorcizados, bem como a da cidadania e de solidariedade. As discussões sobre responsabilidade social, o interesse financeiro e o modismo devem ser considerados. Por fim, o consumo, por tudo já relacionado. Grande parte da sociedade se sente culpada justamente por consumir tanto, com tantas pessoas que não possuem nem o básico para sobreviver. Sente-se culpada pelas líquidas relações atuais, pela promiscuidade, pelo individualismo, pela guerra do poder e até pelo simulacro que produz a falsa felicidade. (...) todas as formas de relacionamento íntimo atualmente em voga portam a mesma máscara de falsa felicidade que foi usada pelo amor conjugal e mais tarde pelo amor livre... Ao olharmos mais de perto e afastarmos a máscara, descobrimos anseios não realizados, nervos em frangalhos, amores frustrados, sofrimentos, medos, solidão, hipocrisia, egoísmo e compulsão à repetição... As performances substituíram o êxtase, o físico está por dentro, a metafísica, por fora... A abstinência, a monogamia e a promiscuidade estão todas igualmente distantes da livre vida da sensualidade que nenhum de nós conhece”. (BAUMAN, 2004, p.64) 4 FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. (1) Os resultados de 2001 a 2003 foram retabulados com base nas projeções de população revistas em 2004. (2) Os resultados de 2004 estão agregando, pela primeira vez, as informações da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 22 O mais inusitado é o gasto como forma de explicação para o consumo. Essa culpa está provocando um aumento nos investimentos sociais. Não só a culpa, mas a necessidade de mostrar que algo está sendo feito, a chamada responsabilidade social, apesar de tudo. Contudo, a maior parte do dinheiro gasto, e mais ainda o crescimento dos gastos, é usada para financiar a luta contra o equivalente, para a sociedade de consumo, das “moléstias iatrogênicas” – problemas causados pela exarcebação e posterior apaziguamento dos impulsos e novidades de ontem. A indústria norte-americana de alimentos gasta por ano, cerca de 21 bilhões (média até 2004) de dólares semeando e cultivando o desejo por comidas mais sofisticadas, exóticas e supostamente mais saborosas e excitantes, enquanto a indústria de produtos diabéticos e de emagrecimento fatura 32 bilhões, e os dispêndios com tratamento médico, em grande parte explicados pela necessidade de enfrentar a maldição da obesidade, devem dobrar o curso na próxima década. Os habitantes de Los Angeles pagam uma média de 800 bilhões de dólares por ano para queimar petróleo, enquanto os hospitais recebem números recordes de pacientes sofrendo de asma, bronquite e outros problemas respiratórios causados pela poluição atmosférica, elevando suas contas, já recordistas. (BAUMAN, 2004). Bauman (2004) completa o pensamento dizendo que “à medida que consumir (gastar) mais do que ontem, porém (espera-se) nem tanto quanto amanhã, se torna a estrada imperial para a solução de todos os problemas sociais (...)”. Por virem, na maioria das vezes, de grandes empresas, a preocupação com a responsabilidade social está vinculada diretamente com o lucro. E não é só isso, com o 23 investimento em projetos sociais, as empresas conseguem isenção parcial ou total de impostos,além de conseguir mostrar bem a sua marca. A necessidade de solidariedade parece suportar as agressões do mercado e sobreviver a elas – mas não porque o mercado deixe de tentar. Onde há necessidade há chance de lucro – e os especialistas em marketing levam sua engenhosidade ao limite para indicar maneiras de adquirir em lojas a solidariedade, o sorriso amigo, o convívio ou a ajuda no momento da necessidade. Constantemente têm êxito – e constantemente fracassam. (BAUMAN, 2004, p. 91). E isso não quer dizer que esse investimento não tem um papel importante para o começo de uma mudança social. É um investimento de mão dupla, tanto a sociedade quanto a empresa ganham, e muito. A chamada “economia moral” de Bauman (2004) pode ser lucrativa, mas está diretamente ligada ao compromisso social e à solidariedade. “(...) ‘economia moral’ – cuidado e auxílio mútuos, viver para os outros, urdir os tecidos dos compromissos humanos, traduzir direitos em obrigações, compartir a responsabilidade pela sorte e pelo bem-estar de todos”. (BAUMAN, 2004, p.94) Um bom exemplo desta solidariedade empresarial é a iniciativa do HSBC com a campanha “Faça um mundo melhor”. O banco criou o instituto solidariedade, onde a idéia é que cada pessoa perceba que pode mudar o mundo a partir do seu próprio meio. Se há uma solidariedade empresarial, há maior ainda, o sentimento solidário da sociedade. Segundo a pesquisa “Doações e Trabalho Voluntário no Brasil” coordenada por Leilah Landim e Maria Celi Scalon, realizada em maio 1998 e publicada em 2000, no Brasil, 50% das pessoas fazem doações em dinheiro ou bens para instituições – 21% doam dinheiro e 29%, apenas bens , estes, na sua grande parte, alimentos. Em 1998, estimava-se que 44.200.000 indivíduos doavam. Isto seria, como enfatizaram as autoras, o equivalente à população da África do Sul. Somando-se a esses os que fazem doações apenas para pessoas, diretamente (sem passar por instituições), chega a quase 80%, perto de 70.000.000 24 – quatro entre cinco indivíduos adultos doam algo para alguma entidade ou alguém, em algum momento. Isso, levando-se em conta que a amostra era composta por pessoas com mais de 18 anos vivendo em cidades com mais de 10.000 habitantes, em todo o país. Em relação a trabalho voluntário, ou seja, atividades que as pessoas fazem de graça para ajudar instituições ou pessoas que não sejam parentes ou amigos, representavam 22,6% os que doavam alguma parte que seja do seu tempo para ações de “ajuda” a alguma entidade ou pessoa fora de suas relações mais próximas. Somavam 19.748.388 pessoas. Dessas, as que fazem voluntariamente apenas em instituições são 16%, ou 13.905.532 pessoas, com uma média de 6 horas mensais. Somando o que foi declarado pelos 21% que doavam dinheiro, chegou-se a R$ 1.703.000.000,00 em doações. O valor médio da doação individual foi de R$ 158,00 por ano (estes valores são da época em que o Real se equiparava nominalmente ao dólar). E esse valor é valor insignificante, se colocado, por exemplo, ao lado do que se arrecada no campeão Estados Unidos, a partir de doações que são feitas por quase 70% da população adulta – U$ 111 bilhões, com valor médio de U$ 1.017,00 anual por doação. Contudo, confrontos de quantidades pouco revelam se os números não forem analisados dentro de seu contexto. No caso do Brasil, considerando fatores como o grau de pobreza existente, a debilidade da cultura associativista ou da participação institucional, a quantidade de pessoas e as doações realizadas podem ser avaliadas positivamente. A pesquisa mostra que, considerando o total do volume de recursos doados, 50% vai para as instituições religiosas (igrejas, paróquias, locais de culto – através das quais fazem-se também trabalhos sociais) e 46% para as de assistência social (consideradas como tal, instituições dedicadas a práticas assistenciais diversas como creches, abrigos, orfanatos, atendimento a população que vive na rua etc.). Apenas 2,8% da quantidade 25 doada destina-se a outras instituições (de saúde, educação, defesa de direitos, ação comunitária). Observe-se que, apesar de mobilizarem doações de maior vulto, as instituições religiosas caem em representação proporcional, caso se considere não o volume de dinheiro, mas o número de doadores: dentre esses, são 36% os que escolhem doar através de espaços religiosos, subindo para 50% a proporção das pessoas que preferem fazer doações para entidades assistenciais. Em relação à idade, mais da metade, dentre eles (55%) está acima de 40 anos. A média de idade dos que fazem doações em dinheiro para instituições é de 44 anos. É claro que a idade está relacionada ao nível socioeconômico, que inclui por sua parte renda e educação. Na educação, quanto maior a escolaridade, mais propensão tem os indivíduos para fazer donativos tanto em dinheiro, como em bens. Os que doam para instituições têm uma média de escolaridade de 6 anos de estudo, ao passo que os que não fazem doações têm 4,3 anos, em média – estando todos, vale observar, na faixa de escolaridade que concentra a maior parte da população brasileira (35% da população acima de 10 anos está na faixa entre 4 e 7 anos de estudo). A renda obviamente tem a ver com a probabilidade de doar, havendo diferenças significativas nas médias de renda familiar entre as pessoas que doam dinheiro, doam bens e não fazem doações: respectivamente, 7,4 salários mínimos, 5,2 e 3,7 salários. Em termos de quantidade, 49% da população adulta de renda familiar acima de 20 salários mínimos doa dinheiro para instituições, proporção que vai diminuindo conforme se ganha menos. No entanto, cerca de 8% das pessoas que recebem até um salário mínimo fazem doações em dinheiro. Mais que isso, entre as pessoas que têm renda familiar entre um e dois salários, 13% doam dinheiro para instituições (sendo que aí, a proporção dos que doam 26 bens – 26% - é idêntica a dos que possuem mais de 20 salários). Qual a proporção de sua renda da qual abrem mão os mais pobres? Nada menos do que 3,6% do que possuem – uma proporção muito maior, é claro, do que a observada quanto aos mais ricos: para os que recebem acima de 20 salários, a quantidade doada representa apenas 0,8% da sua renda. Qualquer pequena doação certamente vai representar uma proporção mais alta em uma renda muito baixa, mas também não deixa de fazer mais falta no orçamento. Não por acaso, os mais pobres escolhem doar, em sua maioria, através de igrejas ou centros religiosos. Dentre os que têm até 2 salários mínimos, 64% fazem doações em dinheiro para estas instituições, contra 32% do total de doadores que o fazem através de espaços religiosos no país. As diferentes práticas de doar possuem feixes de relações sociais nas quais estão inseridos os sujeitos que doam e recebem. Desta forma, pode-se perceber que toda doação implica em algum tipo retribuição. “Dar, receber e retribuir” fazem parte de circuitos de reciprocidade. Mas, ao mesmo tempo, gostaríamos também de chamar a atenção para a porosidade da sociedade que elege temas e palavras que contaminam diferentes circuitos de doações, ainda que não tenham o poder de homogeneizá-los. As mudanças que vêm ocorrendo nos diferentes circuitos de doadores que se relacionam entre si e com a agenda pública. Por fim, são lembrados os desafios para combater a indiferença e ampliar os espaços de solidariedade em uma sociedade como a nossa em que se evidenciam e se ampliam distâncias e desigualdades sociais. Porém, dentro desta questão sobre voluntariado, pode-se localizar um grande problema. Com tantos voluntários no país, no mundo, porque as questões sociais não estão resolvidas? Em entrevista feita, em São Paulo,dia 10 de julho de 2006, com Percival 27 Caropreso, marketeiro e publicitário há 36 anos, e em paralelo, nos últimos 16 anos, trabalha em causas sociais foi explicitada essa situação. O voluntariado só resolve quando ele tiver uma articulação política, um conteúdo de conscientização. Porque a pessoa esta sendo voluntária se tiver uma estruturação do trabalho voluntário. O que eu quero dizer com isso? O voluntariado individual movido apenas por um senso de compaixão, é bacana, mas é muito mais bacana pra pessoa, pro indivíduo que esta sendo voluntário. Isso o gratifica pessoalmente; apazigua algumas angústias individuais que ele tem; aplaca possíveis sentimentos de culpa que ele tem, ou seja, isso fica muito no individual. É claro que a ação voluntária do indivíduo acaba captando alguém, alguma causa social e isso é bom.Agora, precisa acontecer com conteúdo consciente, e de uma forma estruturada para que fique em escala, para que fique do tamanho da necessidade que se atende. Quando um voluntário atua sozinho movido por uma motivação pessoal, emocional, ele esta se beneficiando e beneficiando poucas outras pessoas. Quando este mesmo indivíduo voluntário atua numa rede, sabendo o porquê ele esta atuando, além da sua crença pessoal, ele está se beneficiando e impactando muito mais gente através da ação em rede, do voluntariado em escala. (PERCIVAL CAROPRESO, anexo 1). Nos últimos anos, é possível acompanhar uma transformação que emerge de novas concepções de solidariedade e de cidadania e se reflete na ânsia de participação da sociedade civil para a construção de um país mais justo e igualitário, com maior divulgação nos meios de comunicação e crescente comprometimento do empresariado brasileiro com o movimento de responsabilidade social. Enfim, vive-se um momento de consolidação da atividade voluntária como alternativa de participação cidadã. Propor estas questões implica recolocar a questão do público. O descrédito dos Estados como administradores de áreas básicas da produção e informação, assim como a não-credibilidade dos partidos (incluídos os de oposição), diminuiu os espaços onde o interesse público podia se fazer presente, onde deve ser limitada e arbitrada a luta – de outro modo selvagem – entre os poderes mercantis privados. Começam a surgir em alguns países – através do ombudsman, de comissões de direitos humanos de instituições e periódicos independentes – instâncias não-governamentais e apartidárias que permitem desembaraçar a necessidade de fazer valer o público face da decadência das burocracias estatais. Alguns consumidores querem ser cidadãos. (CANCLINI, 1999, p.92) 28 Além do sentimento de solidariedade, o anseio por ser cidadão, por fazer parte de um determinado grupo social está presente na sociedade. De acordo com Canclini (1999), isso não tem haver apenas com os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para que os que nasceram em um território, mas também com as práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que se sintam diferentes os que possuem a mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades. O autor fala da crise da nação. Canclini (1999) et al Lechner (1991) fala de um “desejo de comunidade”, que atribui a uma reação ao descrédito suscitado pelas promessas de mercado de gerar coesão social. Canclini (1999) vai além, a história recente da América Latina, sugere que, se ainda existe algo como um desejo de comunidade, este se relaciona cada vez menos a entidades macrossociais, tais como a nação ou a classe, dirigindo-se, em troca, a grupos religiosos, conglomerados esportivos, solidariedades geracionais e círculos de consumidores de comunicação de massa. Dessa forma,“assistimos tendencialmente à substituição de um social racionalizado por uma sociabilidade com dominante empática”.(CANCLINI, 1999, pag. 17) Essa busca por participação é comprovada com o aumento generalizado das comunidades e das populações das igrejas, principalmente evangélicas. A perda da eficácia das formas tradicionais e ilustradas de participação cidadã (partidos, sindicatos, associações de base) não é compensada pela incorporação das massas como consumidoras ou participantes ocasionais dos espetáculos que os poderes políticos, tecnológicos e econômicos oferecem através dos meios de comunicação. (CANCLINI, 1999, pag. 53) A preocupação com a segurança, fortemente abalada nas grandes cidades, é um impulso a ações em busca de mudança social. São Paulo, por exemplo, é considerada uma cidade sem relações. Até a década de 1960, os setores mais pobres das classes médias urbanas que moravam nos subúrbios das maiores cidades brasileiras desenvolviam uma intensa vida 29 comunitária, sendo comum, inclusive, os vizinhos se visitarem. Isto foi progressivamente diminuindo e está em vias de desaparecer. São Paulo é uma cidade de muros. Barreiras físicas foram construídas em toda parte – em torno da casas, prédios, parques, praças, escolas e complexos empresariais... Uma nova estética da segurança modela todos os tipos de construções e impõe uma nova lógica de vigilância e distância...” (BAUMAN, 2004, apud CALDEIRA 2000, p.131) Até mesmo dentro de casa, as relações se tornaram estritamente “profissional”. O consumo e a mídia criaram uma sociedade televisiva. Os diálogos foram reduzidos. As famílias não mais conversam. Modelou-se um novo ambiente para todas as casas. Novas casas dentro das próprias casas: os quartos completos com televisão, rádio, geladeira, banheiro, computador. Tudo isso é provado pelo crescimento do terceiro setor no país. Empresas bem preparadas sem a função de lucrarem. A filantropia data, no Brasil, do final do século XVI, com o surgimento das Santas Casas de Misericórdia, as quais tinham óticas assistencialistas. Ao final do século XIX, tais instituições passaram por mudanças administrativas. Neste período intensificou- se a ação do Estado na área social, principalmente para a população urbana. A partir de 1910, as instituições assistenciais iniciaram dependência financeira do Estado, que passou a controlá-las. Com a crescente industrialização e urbanização nas décadas de 20 e 30, aumentou a massa de operários e também o número de organizações sem fins lucrativos. Surgem os sindicatos, as associações profissionais, as federações, as confederações, que vinculavam o setor privado às práticas de assistência para imigrantes e operários. 30 Durante os períodos ditatoriais, as instituições não-governamentais buscaram lutar pelos direitos do cidadão e pelo retorno à ordem democrática. Aquelas obtiveram apoio de agências de cooperação internacional por representarem formas de ação política opostas ao autoritarismo. Surgidas em regimes militares, eram alternativas ao fechamento do sistema político e seu propósito era o de manter espaços de ação cidadã e de defesa da democracia. Somente nos anos 70, em contraponto à ditadura militar, tem-se, no Brasil, movimentos de militância esquerdista combinada com educação popular, tais como a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Em seguida, vieram os movimentos sociais, que distanciados dos aparelhos do Estado, não eram vistos como ameaça. Suas ações focalizavam o que era viável obter ao redor, mobilizando algumas dezenas de pessoas. Clamavam pela resolução de falta d’água, de esgotos, luz, segurança, ocupação de terrenos, poluição, preços, trânsito descontrolado, entre outros. Posteriormente, vieram os movimentos das minorias: mulheres, negros, homossexuais e índios. A conjuntura histórica do final dos anos 70 e início da década de 80 foi pontuada por uma grave crise econômica acompanhadade uma rearticulação política da sociedade civil. Como se sabe, o regime mundializado de acumulação de capital predominantemente financeiro tem exigido dos países industrializados, assim como dos “periféricos e dependentes”, uma contra-reforma do Estado que impõe uma revisão dos direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora com a Constituição de 1988. Com a perda desses direitos e com o crescimento da superpopulação relativa, a classe operária encontra-se diante do aumento da exploração precarizada e flexível do trabalho, trabalho- excessivo, trabalho-parcial etc. O projeto neoliberal que se insere na década de 90, traz uma 31 nova orientação social, propõe uma desregulamentação do papel do Estado na economia e na sociedade como um todo, transferindo responsabilidades do Estado para as instituições organizadas. Desta forma, é neste cenário que se afirmam as instituições do Terceiro Setor. Terceiro Setor “surge como conceito cunhado, nos EUA, em 1978, por John D. Rockefeller III e chega ao Brasil por intermédio de um funcionário da Fundação Roberto Marinho (cf. Ioschpe, 1997: II)” (MONTAÑO, 2000, pag. 53). O termo nasceu do modelo organizador da sociedade em três segmentos: o Primeiro Setor, o Estado; o Segundo Setor, o Mercado e o Terceiro Setor, tudo que não é Estado nem Mercado. Neste Terceiro Setor, estariam as ONGs, as Fundações, as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP. O que hoje se denomina “terceiro setor”, “responsabilidade social das empresas éticas e cidadãs”, cooperativas “autogestionárias” e várias outras atividades desenvolvidas no “mercado solidário” e competitivo são, na realidade, reações às novas expressões do pauperismo e do exército de reserva, “seqüelas sociais” do processo de acumulação do capital. É um instrumento da estratégia neoliberal, que assume a função de transformar o padrão de respostas a seqüelas da “questão social”, constitutivo de direito universal, sob a responsabilidade prioritária do Estado, em atividades localizadas e de auto-responsabilidade dos sujeitos portadores das carências; atividades desenvolvidas por voluntários ou implementadas em organizações sem garantia de permanência, sem direito. Instituições como a Fundação Abrinq, a Pastoral da Criança, a AACD, a Fundação Roberto Marinho, entre muitas outras, reconhecem a importância da ação voluntária e contribuem para a consolidação de uma cultura de voluntariado no país. 32 (...) em nenhuma outra época a intensa busca por humanidade comum... foi tão urgente e imperativa como agora. Na era da globalização, a causa e a política da humanidade compartilhada enfrentam a mais decisiva de todas as fases que já atravessaram em sua longa história. (BAUMAN, 2004, pag.182,183) Dessa grande necessidade de social, juntamente com a oportunidade fundada pelo Marketing Social que aparece a “Publicidade Social”, com foco na mudança de comportamento, usando sua linguagem retórica como forma motivacional. Não só a sociedade, mas os próprios profissionais de publicidade e propaganda estão sentindo a necessidade de reverem seus conceitos e seu papel na construção da cidadania. Uma empresa de comunicação não pode mais ficar apenas atendendo aos interesses comerciais de seus assinantes/clientes; é necessário que eles mesmos criem um diferencial em sua atuação, levando em conta sua responsabilidade social. 2.3 Por uma publicidade social O mundo, o Brasil, as pessoas, as organizações estão vivendo um momento de grande motivação social. Isso é facilmente notado no cenário atual através da onda de programas de responsabilidade social, não só empresarial, mas em qualquer tipo de organização. A Responsabilidade Social busca estimular o desenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadania individual e coletiva. A ética social é focada no dever cívico. As ações de Responsabilidade Social abrangem a todos os que participam da vida em sociedade – indivíduos, governo, empresas, grupos sociais, movimentos sociais, igreja, partidos políticos e outras instituições (MELO NETO e FROES, 2001, p.26-27). A Responsabilidade Social pode representar a idéia de obrigação legal e ainda um comportamento responsável no sentido ético. Pode ser simplesmente equiparada a uma 33 contribuição caridosa ou ao sentido de ser socialmente consciente. Porém, existem autores que criticam a visão de que a Responsabilidade Social seria apenas uma caridade. Segundo Moreira (2002), a Responsabilidade Social refere-se à ética como base das ações com todos os públicos com os quais uma organização pode interagir, ou seja, os seus stakeholders - clientes, funcionários, fornecedores, acionistas, governo, sociedade, meio ambiente. Uma visão mais ampla, proposta por Ashley et al. (2002, p. 6 ), define a “responsabilidade social como toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade”. O ponto de vista adotado pelas organizações privadas socialmente responsáveis refere-se às estratégias a longo prazo. As empresas que, em busca de desempenho e lucro, passam a preocupar-se com os efeitos sociais e ambientais de suas atividades, têm o objetivo de contribuir para o bem comum e para a melhoria da qualidade de vida das comunidades. (CAMARGO et al., 2001). Nessa visão organizacional, a Responsabilidade Social Corporativa pode ser entendida como qualquer compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que incidam positivamente em alguma comunidade, demonstrando uma postura pró- ativa e coerente da empresa no que tange ao seu papel específico na sociedade e na sua prestação de contas para com ela (ASHLEY et al., 2002) De acordo com o pensamento de Melo Neto e Froes (2001) a Responsabilidade Social é um exercício da cidadania corporativa e as empresas que querem transmitir uma imagem ética e moral podem, futuramente, ser beneficiadas pelas suas atitudes. Por exemplo, através da prática da Responsabilidade Social, como estratégia de valorização de produtos e serviços, que, além de prezar pela qualidade, prima pelo status de produtos e serviços socialmente corretos. Para uma empresa, a estratégia social de desenvolvimento da 34 comunidade pode inserir a organização como um agente do desenvolvimento local, através do apoio de outras entidades comunitárias e do próprio governo. Alguns benefícios da Responsabilidade Social voltada para as empresas podem ser traduzidos em vantagens como: o fortalecimento da marca e imagem da organização; a diferenciação perante aos concorrentes; a geração de mídia espontânea; a fidelização de clientes; a segurança patrimonial e dos funcionários; a atração e retenção de talentos profissionais; a proteção contra ação negativa de funcionários; a menor ocorrência de controles e auditorias de órgãos externos; a atração de investidores e deduções fiscais (MELO NETO e FROES, 1999). Para demonstrar algumas vantagens conseguidas por empresas que investem em ações sociais Ashley et al. (2002) cita uma pesquisa realizada pela International Business Machines (IBM), onde 75% dos profissionais entrevistados afirmaram que uma empresa com responsabilidade social e um plano de trabalho voluntário atrai e retém talentos. E outra pesquisa feita pela You & Company com aproximadamente 2000 alunos de MBA5, constatou que 83% dos que procuravam por empregos afirmaram que escolheriam a oferta da empresa que demonstrasse maior Responsabilidade Social, e 50% deles mencionaram preferir trabalhar em companhias éticas mesmo com salários menores. A prática da Responsabilidade Social de forma correta pode melhorar o desempenhoe a sustentabilidade da empresa a médio e longo prazos, proporcionando, dentre outros fatores, valor agregado à imagem corporativa da empresa; motivação do público interno; posição influente nas decisões de compras; vantagem competitiva; influência positiva na cadeia produtiva; reconhecimento dos dirigentes como líderes empresarias e melhoria do clima organizacional. (ASHLEY et al., 2002). Porém, Melo Neto e Froes (1999) esclarecem que a partir do momento em que a empresa deixa de cumprir com as suas obrigações sociais em relação aos seus 5 MBA é a sigla para Master of Business Administration um grau acadêmico ao nível do mestrado destinado a administradores e executivos na área de gestão de empresas. 35 empregados, comunidade, fornecedores, acionistas, clientes e parceiros, ela perde o seu capital de Responsabilidade Social, a sua credibilidade, prejudica sua imagem e ameaça a sua reputação. No âmbito interno, pode ocorrer a deterioração do clima organizacional, a desmotivação generalizada, o surgimento de conflitos, greves e paralisações, baixa produtividade e aumento de acidentes de trabalho. No âmbito externo, podem ocorrer prejuízos maiores como: acusações de injustiça social; boicote de consumidores; reclamações dos fornecedores e revendedores; queda nas vendas; gastos extras com passivo ambiental e até mesmo risco de falência. Empresas que praticam a Responsabilidade Social podem ser reconhecidas através do seu Balanço Social, documento divulgado anualmente pela empresa, como uma forma de comprovar sua atuação no campo social. O balanço social visa demonstrar os impactos sofridos e causados pela instituição em relação aos ambientes social e ecológico, identificando a qualidade das relações com seus empregados, com a comunidade e com o meio ambiente, quantificando-as sempre que possível. Conforme Camargo et al. (2001), muitas empresas começaram a divulgar o balanço social principalmente para tornar público o que elas têm feito na área social, pois perante seus clientes isto se torna um fator importante na decisão de compra de seus produtos ou serviços, e também pode ser um diferencial perante seus concorrentes, acionistas, investidores e funcionários. Dessa maneira, a empresa que cumpre seu papel social aumenta a capacidade de atrair maior quantidade de consumidores. O balanço social pode ser uma ferramenta de marketing para a empresa, pois a sua divulgação funciona como um instrumento de publicidade, mostrado a política da empresa, a forma como é administrada e quais são os fatores que ela preza. Além disso, 36 pode funcionar como uma publicidade da empresa, capaz de seduzir empresários e o público em geral. O crescente número de empresas que praticam a Responsabilidade Social demandou a criação de uma certificação para aquelas que atuam neste meio, pela qual podem ser reconhecidas por suas ações socialmente responsáveis e por atuarem preocupadas com a sociedade, seu público interno e externo, bem como com o meio ambiente. Dentre as várias possibilidades existentes em âmbito nacional e internacional, tem-se a Certificação SA 8000 - Social Accountability 8000, criada em 1997 pelo The Council on Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA) e coordenada pelo Social Countability International, uma organização não governamental sediada nos Estados Unidos. E por último, a certificação ISO 260006 de Responsabilidade Social que será lançada em 2008 A norma SA 8000 tem por objetivo melhorar o bem-estar e as boas condições de trabalho, e também a criação de um mecanismo de verificação que garanta a contínua conformidade com seus padrões estabelecidos. Ela serve para demonstrar os valores éticos que a empresa utiliza para com aqueles as quais ela está ligada, como seus colaboradores, fornecedores, consumidores e comunidade. A base da norma é a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção dos Direitos das Nações Unidas (MELO NETO e FROES, 2001). 6 International Standartization Organisation – disponível em http://isotc.iso.org/livelink/livelink/fetch /2000/2122/830949/3934883/3935096/home.html?nodeid=4451259&vernum=0 37 Uma forma que alguns institutos, órgãos governamentais e ONGs (Organizações Não Governamentais) encontraram para expressar um reconhecimento por ações sociais desenvolvidas por empresas foi a criação do Selo Social. Os selos são fornecidos apenas para as empresas que publicam seu balanço social no modelo proposto pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase7). Por meio deste selo, a empresa estará divulgando que possui investimentos na área social, demonstrando que está disposta a ser uma empresa-cidadã comprometida com a sociedade. A restrição para a obtenção do selo é para as empresas que trabalham com cigarro/fumo, bebidas alcoólicas ou que estejam envolvidas com a exploração de trabalho infantil; nesses casos específicos o reconhecimento não será concedido. Outro selo bastante conhecido é o Selo Empresa Amiga da Criança, fornecido pela Fundação Abrinq, que pode ser utilizado em embalagens e campanhas realizadas pela empresa. Este selo prima pela não utilização do trabalho infantil pela empresa e seus fornecedores. Ao contrário, a organização merecedora deste selo deverá estar desenvolvendo programas de melhoria de vida para crianças. Como forma de difusão de ações sociais, as organizações podem lançar mão do Marketing Social, que tem um caráter fundamental para a formação da imagem da instituição. Para um melhor entendimento de marketing social é importante definir, primeiramente, o que é marketing utilizando um enunciado clássico realizado por Kotler (2000, p. 30): “Marketing é um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com outros”. 7Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas 38 Em uma visão mais ampla, Las Casas (1993) afirma que o “marketing é uma área do conhecimento que engloba atividades direcionadas às relações de trocas, orientadas para a satisfação dos desejos e necessidades dos clientes, visando alcançar determinados objetivos de empresas ou indivíduos e considerando sempre o meio ambiente de atuação e o impacto destas relações com a sociedade”. Neste último conceito pode-se perceber uma preocupação direcionada para a sociedade. Uma das derivações do marketing, o marketing social pode ser conceituado como “a prática da Responsabilidade Social de forma correta pode melhorar o desempenho e a sustentabilidade da empresa a médio e longo prazos”. (KOTLHER 1978, p.287). O projeto, a implementação e o controle de programas procuram aumentar a aceitação de uma idéia social num grupo-alvo. Utiliza conceitos de segmentação de mercado, de pesquisa de consumidores, de configuração de idéias, de comunicações, de facilitação de incentivos e a teoria da troca, a fim de maximizar a reação do grupo-alvo. A busca da ampliação do conceito de marketing social pode ser caracterizada pela transposição dos conceitos da área comercial para a social. Como demonstra Kotler e Roberto (1992), o marketing social é uma estratégia de mudança de comportamento, combinando os melhores elementos das abordagens tradicionais de mudança social num esquema integrado de planejamento e ação aproveitando os avanços na tecnologia das comunicações e na própria capacidade de marketing.A expressão marketing para causas sociais, em vez de marketing social, foi utilizada pela primeira vez por Thompson e Pringle (2000, p. 03), segundo os quais: ”o marketing para causas sociais pode ser definido como uma ferramenta estratégica de marketing e de posicionamento que associa uma empresa ou marca a uma questão ou causa social relevante, em benefício mútuo.” 39 Assim, o marketing social pode ser entendido como uma estratégia de mudanças comportamentais utilizada em qualquer tipo de organização (pública, privada, lucrativa ou sem fins lucrativos), desde que esta tenha uma meta final de produção e de transformação de valores sociais. Esta subdivisão do marketing vem tomando proporções cada vez maiores nos últimos anos e trazendo benefícios para as empresas que a praticam, para as entidades e para a sociedade. A empresa se beneficia, pois a imagem vinculada a uma causa social traz visibilidade perante seu público e mercado. (...) o verdadeiro marketing social atua fundamentalmente na comunicação com os funcionários e seus familiares, com ações que visam aumentar comprovadamente o seu bem-estar social e o da comunidade. Essas ações de médio e longo prazos garantem sustentabilidade, cidadania, solidariedade e coesão social (...) a empresa ganha produtividade, credibilidade, respeito, visibilidade e, sobretudo, vendas maiores (MELO NETO e FROES, 2001, p. 74). Segundo Melo Neto e Froes (2001), existem várias formas de se utilizar marketing social, a saber: em primeiro lugar há o “marketing de filantropia”, em que a empresafaz uma doação a uma entidade que será beneficiada. Já no “marketing de patrocínio dos projetos sociais”, o patrocínio pode ser a terceiros, com as empresas atuando em parceria com os governos no financiamento de suas ações sociais, como o Programa Comunidade Solidária, e também o patrocínio próprio, em que as empresas, através de seus institutos e fundações, criam seus projetos e implementam-nos com recursos próprios. No que diz respeito ao “marketing de relacionamento com base em ações sociais” utiliza-se o pessoal de vendas da empresa para orientar os clientes como usuários de serviços sociais. Uma outra prática muito comum é o “marketing de campanhas sociais”, que consiste em veicular mensagens de interesse público através de embalagens de produtos, organizar uma força de vendas para determinado percentual ou dia de vendas ser destinado a entidades, ou veicular em mídia televisiva como em novelas. Por fim, o autor assinala o “marketing de 40 promoção social do produto e da marca”, em que a empresa utiliza o nome de uma entidade ou logotipo de uma campanha, agregando valor ao seu negócio e gerando aumento de vendas. O marketing social pode ser aplicado pela própria empresa ou mediante parceria com uma entidade do terceiro setor que necessite de seu apoio para que ambas possam oferecer uma campanha em virtude de uma causa que afeta a sociedade ou parte dela. Um programa de marketing para causas sociais pode ser desenvolvido por meio de uma aliança estratégica entre uma empresa e uma organização voluntária ou beneficente comprometida com a área de interesse social definida ou diretamente em benefício da causa em si. (THOMPSON e PRINGLE, 2000, p. 03) Assim, as empresas do segundo setor podem aliar-se a uma entidade para apoiá- la no propósito de realizar, por exemplo, campanhas de ajuda a crianças portadoras de deficiência, de combate ao fumo ou à mistura de bebida e direção. Muitos consumidores apóiam essas idéias e as vêem como algo bom e que trará benefícios à sociedade, dispondo-se até mesmo a pagar mais por determinado produto por saber que este adicional no preço destina-se a uma entidade que defende uma causa social. Contudo, o segundo setor deve analisar criteriosamente qual será a causa de interesse social mais relevante para seu público, pois caso contrário o consumidor não se identificará com a campanha e poderá haver uma recusa do produto. Os autores Thompson e Pringle (2000, p.114) citam uma pesquisa realizada em 1997, pela Research International, na Inglaterra, que aponta que “64% dos consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais por um produto associado a uma causa social; 20% 41 da população se dispõe a pagar 10% a mais pela causa certa; 61% dos consumidores mudariam de loja se a outra fosse associada a uma boa causa”. Esse tipo de pesquisa motiva muitas empresas a adotarem a prática da Responsabilidade Social, pois elas podem também organizar um plano de marketing com base em uma causa social que julguem importante, seja por sua filosofia, missão ou objetivos internos. Ashley et. al (2002) divulgam em sua obra alguns dados que demonstram essa preocupação e citam uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), segundo a qual 90% das empresas pesquisadas afirmam que começaram a investir em ações sociais por acreditarem estar melhorando a sua imagem institucional. A ampliação das relações da empresa com a comunidade foi apontada por 74% das empresas como um motivo relevante para ações de Responsabilidade Social e 19% acreditam que ser socialmente responsável incrementa a lucratividade. Portanto, do ponto de vista organizacional, pode-se inferir que o marketing social é uma conseqüência da Responsabilidade Social. A empresa deve se utilizar das estratégias de marketing social, observando o modo de como fazer, por que fazer e quando fazer. Muitas empresas utilizam o marketing para divulgar suas ações relacionadas ao social, principalmente se ela é responsável socialmente. Assim, pode-se dizer que a Responsabilidade Social e o marketing social dependem intrinsecamente um do outro. O marketing social inicia-se como uma verdadeira forma de exercício de Responsabilidade Social, podendo chegar a construir, a longo prazo, um valor diferencial para a marca, agregação de valor ao produto, aquisição de clientes, e possibilitando uma vantagem competitiva para as empresas. Há uma discussão acadêmica sobre a relação entre marketing e comunicação. Alguns autores afirmam que o marketing é uma ferramenta da comunicação, outros que a 42 comunicação é uma ferramenta de marketing. Este projeto não pretende entrar no mérito desta questão, porém é notável a importância da junção destas duas áreas para o bom resultado de qualquer que seja a ação. Dentro da comunicação, a publicidade ainda se destaca entre as ferramentas usadas para divulgar ou vender de determinado produto, instituição ou causa. Publicidade é só uma perninha cada vez menor de uma aranha chamada comunicação, que envolve marketing de relacionamento, marketing promocional, marketing esportivo, marketing social, marketing político, marketing cultural, internet, enfim, uma série de outras formas de se comunicar com o consumidor que não apenas a propaganda, a publicidade convencional. (PERCIVAL CAROPRESO, anexo 1). Segundo a noção do Comitê de Definições da American Association of Adversiting Agencies (AAAA) encontrado na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: “publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de idéias como de bens e serviços, por um patrocinador identificado”.Na legislação nacional, a Lei 4.680, de 29 de junho de 1965, que regulamentou o exercício profissional da publicidade e as relações existentes entre agências, veículos e anunciantes, o conceito de publicidade como “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado” (art.5º). Carlos Alberto BITTAR define publicidade como “a arte e técnica de elaborar mensagens para, por meio de diferentes formas de manifestaçãoe de veiculação, fazer chegar aos consumidores determinados produtos ou serviços, despertando neles o desejo de adquiri-los ou deles dispor”. A partir dessas considerações, pode-se então conceituar como publicidade toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não-personalizadas, feita 43 através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente de produtos ou serviços com ou sem finalidade lucrativa. Influenciar o público é a razão de ser da publicidade; não importa se de maneira direta, como por exemplo, levando o público consumidor a comprar o produto/serviço por ela divulgado, ou indiretamente, influindo sobre o conceito que seus destinatários têm sobre determinada empresa/marca/produto por de meio campanhas institucionais. A publicidade é um dos fenômenos sociais mais marcantes do final do século XX. Tem grande influência na evolução social e pessoal para a “Sociedade de consumo”, citada no primeiro tópico deste capítulo. Da forma como conhecemos, como atividade de massa destinada a atingir milhares ou até milhões de pessoas, a publicidade é fenômeno recente. O seu desenvolvimento acompanha o processo de concentração econômica responsável pela transformação dos mecanismos de mercado, que caracterizou as economias industriais a partir da segunda metade do século XIX. Nesta época, a publicidade era praticamente uma troca de informações entre vendedor e comprador acerca das qualidades do bem oferecido ao público. As relações entre ambos eram fundadas no conhecimento pessoal e na confiança. A decisão de adquirir ou não determinado produto devia-se em grande parte à confiança que o comprador depositava no vendedor. A publicidade refletia o conceito de seriedade e honestidade que este desfrutava, assumindo verdadeiro caráter de qualidade da mercadoria e conveniência de sua aquisição. A intensificação do processo de concentração econômica e as mudanças ocorridas no mercado com o surgimento de monopólios e oligopólios, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, alteraram o relacionamento entre produtores e consumidores e foram determinantes para a mudança do sentido e função da publicidade comercial. 44 Esta deixou de ser, unicamente, um mecanismo de informação ao público para converter-se em instrumento destinado a convencer os consumidores sobre as virtudes reais ou fictícias dos produtos existentes no mercado. Ou seja, a antiga função informativa passou à função persuasiva. A publicidade passou a orientar o consumo, estimulando necessidades e provocando demanda. Desta forma, tem-se tornado cada vez mais usual que as técnicas de convencimento utilizadas pela publicidade ultrapassem limites éticos e morais, podendo ser, até mesmo, prejudiciais ao público. Na atualidade, alguns produtos nocivos,o caso dos cigarros, por exemplo, já não têm tanto espaço na mídia publicitária, uma vê que regulamentação sobre o meio aumentou e muito. Mesmo assim, a publicidade imprime a certos produtos valores que não são os de uso, como foi falado sobre a “Sociedade do consumo”. Faz-se um jogo de persuasão para arrebatar-se a preferência. A vulnerabilidade do consumidor manifesta-se de forma clara no campo da publicidade. Ele está exposto, diariamente, à campanhas publicitárias que lhe “criam” necessidades que não existiam e influem de maneira categórica sobre suas escolhas, orientando e, muitas vezes, induzindo seu comportamento. Aí pode estar a força e ao mesmo tempo a fraqueza da publicidade. Pode-se então explicar o surgimento de uma “publicidade Social” ou como coloca Percival Caropreso, “Publicidade de causas sociais”. Existe uma noção clara do que é publicidade social. Isso já existe. Bom, semanticamente, você pode escrever Marketing Social. Tem gente que interpreta de uma maneira, tem gente que interpreta de outra. Marketing relacionado à causa. Então estas terminologias são de moda. Agora, a expressão “publicidade social” é muito antiga. Eu acho que ela data desde o Estado Novo de Getúlio, que significa a publicidade do serviço público. Então, por exemplo, a campanha de vacinação do governo é uma Publicidade Social, porque ela está vendendo um bem de serviço, de caráter social, de cunho social, vacinar as crianças. A campanha de civilidade no transito, a campanha da dengue, use camisinha, isto tecnicamente é chamado de Publicidade Social, então esta 45 expressão em si ela já existe, e ela tem haver com bem público, o bem em comum. (PERCIVAL CAROPRESO, anexo 1) No meio publicitário, a “publicidade Social” já é conceituada, ou entendida como, a publicidade com a função de mudança de comportamento, uma comunicação conscientizadora, vinda principalmente do governo. Para fins de estudo, considera-se, a “Publicidade Social”, como todo e qualquer tipo de comunicação midiática com o objetivo de “vender” uma causa social, uma instituição social ou uma mudança de comportamento social. É comunicação final, que chega ao receptor com o objetivo de, além de informar socialmente, influenciá-lo para determinadas mudanças comportamentais: quanto à forma de sentir, perceber, pensar e agir sobre uma determinada questão, adotando a respeito novos conceitos e atitudes. É possível que o Marketing Social planeje e direcione as criações da “Publicidade Social”, da mesma maneira que o Marketing contribui para a publicidade comercial. Porém, independente da ação do marketing, a Publicidade deve seguir uma linha social contextualizada com o marketing, buscando atingir uma linguagem simples, direta e retoricamente forte. Diferentemente da publicidade “socialmente responsável”, a Publicidade Social tem como um objetivo específico, provocar, além da conscientização, uma mudança de comportamento que trará benefícios para toda a sociedade. Mensagens que provoquem modificações em questões sociais como diversidade cultural e racial, política, comportamento, solidariedade, paz, meio ambiente. A Publicidade Social pode ser feita por qualquer organização, entre elas: primeiro setor (órgão governamental), segundo setor (empresa privada) ou do terceiro setor 46 (ONGs, Ocipes8, etc). Da mesma forma que há um aumento considerável do envolvimento das empresas com responsabilidade social, muitas agências estão criando setores para trabalhar a área social. Entre elas Full Jazz com a Full Jazz Comunidade e a McCann Ericson com a McCan Social. E as vantagens para as agências, também são as mesmas citadas para as organizações. Pode-se considerar vários tipos de campanhas publicitárias sociais. A campanha com o objetivo educativo e preventivo. Por exemplo, o Governo lança todo ano a campanha de uso de camisinha no carnaval. 8 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público 47 48 A campanha pode ser feita por uma ONG com objetivos bem diferentes deste anterior. Vê-se no ótimo exemplo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que foca suas campanhas em mobilização, porém empresarial. A primeira campanha, de 2001, foi bem agressiva, em termos de imagens, cor e texto. O título era “Sun. One day all this will be yours” ou “Filho. Um dia isso tudo será seu”. O texto completava as imagens chocantes. 49 50 Atualmente, com o instituto Ethos, tendo reconhecimento nacional, o objetivo da campanha é atentar o empresário para a evolução do mundo. A ONG AVAPE - Associação para Valorização e Promoção dos Excepcionais propõe outro tipo de apelo nas suas publicidades seu público é a população em geral, porém 51
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