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Souza-Aridez Mental, problema maior

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Prévia do material em texto

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) 
Instituto Nacional do Semi-Árido (INSA) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aridez mental, problema maior 
Contextualizar a educação para construir 
o ‘dia depois do desenvolvimento’ 
no Semi-Árido Brasileiro1 
 
 
José de Souza Silva2 
EMBRAPA Algodão 
josedesouzasilva@gmail.com 
 
 
 
 
 
 
 
 
Campina Grande-PB, 10 de junho de 2011 
 
 
1 Documento de apoio ao “Curso de Especialização em Educação Contextualizada para a Convivência com o 
Semi-árido Brasileiro”, realizado no Campus de Cajazeiras-PB da Universidade Federal de Campina Grande 
(UFCG). O documento corresponde ao conteúdo dos dias 10 e 11 de junho de 2011, originalmente 
apresentado pelo autor no Painel “Educação Contextualizada para a Convivência com o Semi-Árido 
Brasileiro”, do I Seminário Nacional sobre Educação Contextualizada para a Convivência com o 
Semi-Árido Brasileiro, realizado em Campina Grande-PB, de 31 de Maio a 02 de Junho de 2010. 
2 Engenheiro Agrônomo, nascido em Areia-PB, com Mestrado em Sociologia da Agricultura e Ph.D. em 
Sociologia da Ciência e Tecnologia. Foi o criador e primeiro Gerente da Secretaria de Gestão e Estratégia 
(SGE) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), trabalhou no International Service for 
National Agricultural Research (ISNAR), onde criou a Red Nuevo Paradigma para la Innovación Institucional 
en América Latina, 1995-2006, e foi consultor do Instituto Nacional do Semi-Árido (INSA). Na Embrapa 
Algodão, Campina Grande-PB, é pesquisador das relações ciência-tecnologia-sociedade-inovação (CTSI) e 
estrategista em inovação institucional. 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 2 
Introdução 
A inovação da inovação na educação, 
do universal, mecânico e neutro ao contextual, interativo e ético 
 
“Se você viajar de avião, de Salvador para as terras do interior da Bahia, e observar a 
paisagem, irá deparar com uma brusca mudança. O ambiente úmido da orla marinha, 
povoado de graciosos coqueiros, e a extensa planície de densa vegetação são, 
repentinamente, substituídos, a menos de 90 quilômetros do mar, por uma plataforma 
imensa, de solo pedregoso, de coloração amarelo-avermelhada onde vegetam apenas 
os cactos e arbustos espinhosos e retorcidos. Uma paisagem seca e pobre, 
contrastando tristemente com o panorama vivo e alegre do mar e das matas que 
ficaram para trás. É a paisagem do sertão. Sua vegetação é a caatinga. O que 
caracteriza, realmente, essa vegetação, que se estende a perder de vista sobre as 
chapadas nordestinas, é a sua aparência ressequida, tortuosa e agressiva, como que 
torturada pelo sol calcinante e pela ausência de chuvas. O caboclo é o único ser 
humano capaz de sobreviver nessas terras. O sertanejo é apenas contratado pelo 
fazendeiro, um rico proprietário, que vive no litoral e que, muitas vezes, nem sequer 
conhece suas próprias terras. De aparência indolente e tostado pelo sol, com a pele 
esturricada como as próprias plantas espinhentas e retorcidas que o cercam. O 
principal meio de transporte no sertão nordestino é o jegue. Como não possui 
automóvel, o sertanejo leva um dia inteiro transportando, sobre a cabeça ou no lombo 
do jegue, uma lata d’água que mal dá para saciar a sede da família. A riqueza cultural 
do sertanejo, responsável pela sua regionalidade e baseada em tradições, observações 
e costumes milenares, deve ser objeto de estudo para oferecer-lhe explicações 
racionais e objetivas sobre a natureza da caatinga, em substituição às suas crendices e 
atitudes incoerentes e nocivas. A jacarezada é prato típico das regiões situadas às 
margens do Velho Chico e, segundo dizem, muito saboroso. Porque, o solo do Sertão 
não produz quase nada”3. 
 
“Temos exagerado na influência das crises climáticas no atraso do polígono das secas. 
As condições adversas do meio não têm mais tanto poder inibidor de progresso, na era 
moderna, com os conhecimentos e o instrumental científico [atuais]. Muitos erros 
foram cometidos em nome da aridez generalizada. Entre eles está a adoção da solução 
hidráulica, geral, que não deu os frutos esperados” (Duque 1953:11). 
 
Pior do que a aridez das terras é a aridez das mentes. Quem conhece o Semi-Árido Brasileiro 
(SAB) em sua complexidade, diversidade, diferenças e contradições jamais o descreveria como o 
faz o Professor da Universidade de São Paulo (USP) citado nesta introdução. A falta de ética 
profissional e de honestidade intelectual, constitutivas das falsas verdades partilhadas em seu 
livro, só floresce numa mente em avançado processo de desertificação cultural. Uma mente onde 
só germinam sementes forâneas, semeadas por dominadores antigos e modernos, cujos frutos 
localmente irrelevantes são colhidos sempre em uma paisagem esterilizada pela homogeneidade 
imposta por modelos globais que violam histórias, saberes, desafios e sonhos locais. 
 
O citado autor é um fiel representante da educação descontextualizada que prevalece sobre a 
região, que reproduz a ‘idéia de semi-árido’ dominante desde o tempo do Império, na qual o SAB 
é um “problema”, uma “região inviável” a ser tratada com o paradigma das “adversidades”. Mas, 
a pergunta crítica que paira no ar é: se a educação contextualizada é a mais relevante, porque 
prevaleceu historicamente a educação descontextualizada, que ainda persiste entre nós? 
 
A institucionalização da educação contextualizada no SAB exige primeiro desqualificar a visão de 
mundo—concepção de realidade—que originou e ainda legitima a educação descontextualizada 
 
3 Samuel Murgel Branco, Professor da Universidade de São Paulo (USP), em seu livro Caatinga: A 
paísagem e o homem sertanejo [Editora Moderna, 2003], adotado em escolas do Sudeste brasileiro; em 
Queiróz (2009:16, 17). 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 3 
que nos legou a ‘idéia de semi-árido’ hoje impregnada no imaginário de muitos líderes, gerentes, 
educadores, profissionais, políticos e intelectuais de todas as religiões, geografias e orientações 
ideológicas. Sem saber sua gênese histórica, intenção política e conseqüências epistemológicas, 
muitos não encontrarão razões relevantes para rejeitar sua irrelevância. O documento contribui 
nesta direção. A v isão de mundo e o pensamento que instituíram o SAB como “região-problema” 
têm origem na ciência moderna que viabilizou a consolidação do capitalismo a partir dos séculos 
XVI e XVII, e nos legou o paradigma clássico de inovação que penetrou e condicionou a natureza 
e dinâmica da “educação universal” que temos, mas que não queremos e devemos superar. 
 
O paradigma clássico—universal, mecânico e neutro—de inovação nos legou uma educação que 
aliena e domestica ao homogeneizar o SAB, ignorando a diversidade das relações, significados e 
práticas entre as diferentes formas e modos de vida na região. Chegou a hora de inovar nossa 
forma de inovar na educação, com uma alternativa paradigmática contextual, interativa e ética. 
No SAB, a educação contextualizada deve formar construtores—e não seguidores—de caminhos, 
a partir da ‘pedagogia da pergunta’, guiada pelo paradigma das potencialidades e inspirada pela 
filosofia da semi-aridez como vantagem (INSA 2008). 
 
Nossa tese é que a ‘idéia de desenvolvimento’ instituída como meta a ser alcançada por todas as 
sociedades nos mantém reféns da dicotomia superior-inferior, criada a partir da noção de raça, 
que no passado classificou a humanidade em civilizados-primitivos e no presente nos divide em 
desenvolvidos- subdesenvolvidos. No SAB a educação descontextualizada reproduz esta dicotomia 
criada para a dominação,enquanto a educação contextualizada potencia a construção do ‘dia 
depois do desenvolvimento’ ao substituir ‘desenvolvimento’ como meta por ‘bom viver’ como fim. 
O objetivo é construir comunidades e sociedades felizes com modos de vida sustentáveis. 
 
A superação da aridez mental, resultante da educação colonial descontextualizada—alienadora, 
domesticadora—que temos, inclui uma desconstrução cultural e descolonização epistemológica. A 
desconstrução torna visíveis falsas verdades (culturalmente invisíveis) que inspiram e orientam 
‘decisões e ações de desenvolvimento’. A descolonização revela a gênese histórica, a intenção 
política e a origem epistemológica destas ‘verdades do desenvolvimento’. A desconstrução e a 
descolonização devem incorporar o marco da etnografia institucional que analisa criticamente as 
relações entre poder (política) e saber (ciência) que afetam a vida (ética) cotidiana das pessoas 
comuns (Smith 2005). O enfoque foi aplicado com sucesso por pensadores críticos da América 
Latina, como o Antropólogo colombiano Arturo Escobar em A Invenção do Terceiro Mundo: 
 
“[...] a etnografia institucional [põe] ao descoberto o trabalho das instituições para 
prepararmos a tarefa de ver o que culturalmente aprendemos a ignorar. A participação 
das práticas institucionais na construção do mundo [...] nos prepara para discernir 
como vivemos e inclusive nos produzimos [...] dentro dos espaços conceituais e sociais 
tecidos...pelo monótono mas eficaz trabalho das instituições de todo tipo. Um trabalho 
etnográfico como este trata de explicar a produção da cultura feita por instituições que 
são, elas mesmas, o produto de uma cultura determinada” (Escobar 1998:218). 
 
Em sua corrente crítica, a etnografia institucional (Smith 2006) identifica o discurso hegemônico 
(fonte de realidade) e os dispositivos concretos e subjetivos que o viabilizam: regras políticas 
(fonte de poder), papéis epistemológicos (fonte de verdades), significados culturais (fonte de 
sentido), arranjos institucionais (fonte de padrões de comportamento), práticas institucionais 
(fonte de mudanças). Nesta perspectiva, o trabalho (i) sintetiza a emergência da ciência moderna 
no contexto da ascensão do capitalismo sobre o feudalismo; (ii) identifica idéias da Revolução 
Científica que mudaram a forma de ver o mundo e de pensar sobre a natureza e a dinâmica da 
realidade, descontextualizando a vida e matematizando a existência; (iii) delineia o perfil do 
paradigma clássico de inovação da ciência que condicionou modos de interpretação e intervenção 
na época do industrialismo, estabelecendo a educação descontextualizada na África, América 
Latina e Ásia; e, (iv) reconstrói a presença do paradigma clássico no antigo binômio civilizados-
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 4 
primitivos, durante o colonialismo imperial, e no binômio desenvolvidos-subdesenvolvidos do 
atual imperialismo sem colônias. A conclusão comparte premissas críticas para inspirar o esforço 
de desconstrução cultural e descolonização epistemológica imprescindíveis para construir outra 
‘idéia de semi-árido’, e outra educação sobre o que é e como funciona o SAB. 
 
A colonização cultural, a desertificação mental 
e o ‘dia depois do desenvolvimento’ 
 
“[...] as sociedades...‘avançadas’ precisam de mentes servis e colonizadas nas áreas 
mais ‘atrasadas’. No Brasil [e no Semi-Árido Brasileiro] isso é evidente. Colonizam-se 
as mentes dos dominantes [elites locais], que passam a defender mais os interesses 
do capital internacional do que os interesses da nação que habita” (Costa 2010: ...)4. 
 
“Nós, o povo soberano do Equador, reconhecendo nossas raízes milenares, forjadas 
por mulheres e homens de distintos povos, celebrando a natureza, a Pacha Mama, 
da qual somos parte e que é vital para nossa existência, invocando o nome de Deus 
e reconhecendo nossas diversas formas de religiosidade e espiritualidade, apelando à 
sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem como sociedade, como herdeiros 
de...lutas sociais de liberação frente às...formas de dominação e colonialismo, 
[comprometidos] com o presente e o futuro, decidimos construir uma nova forma de 
convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bom 
viver, o sumak kawsai [...]”5 
 
Desenvolver ou não desenvolver? Esta não é a questão. Depois de cinco séculos de progresso e 
seis décadas de desenvolv imento, a humanidade nunca foi tão desigual e o planeta jamais esteve 
tão vulnerável. Neste contexto, desde os anos 1990, a América Latina é a região mais desigual 
do mundo. Se este é o estado atual da região, como reflexo da história do progresso no passado 
e da do desenvolvimento no presente, que futuro aspirar para o SAB, sob a ‘idéia de semi-árido’ 
dominante no Brasil? A paisagem—natural, social e institucional—devastada pelo progresso, sob 
seu disfarce atual, o desenvolvimento, indica que se esgota o tempo para imaginar, negociar e 
construir outro futuro relevante, que terá inicio no ‘dia depois do desenvolvimento’, como propõe 
a ousada Constituição do Equador ao substituir o desenvolvimento como meta pelo bom viver 
como fim. Mas não será fácil; este dia deve nascer primeiro em nossa imaginação (compreensão) 
e coração (compromisso). A educação contextualizada deve emocionar a muitos. Sem emoção 
não há paixão, e sem paixão não há compromisso. Contra isso existe o pensamento dominante. 
 
O pensamento social hegemônico na América Latina não é latinoamericano. Eram autóctones os 
construtores de caminhos em Abya-Yala (continente americano) até 1492, cuja construção incluía 
suas histórias, cores, aromas, sabores, emoções, saberes, sonhos, sons e desafios constitutivos 
dos modos de ser, sentir, pensar, fazer, produzir, consumir e falar dos povos originários. Desde 
1492, caminhantes forâneos chegaram destruindo antigos caminhos e construindo outros com os 
ingredientes constitutivos de seus modos de ser, sentir, pensar, fazer, produzir, consumir e falar, 
criando violências, desigualdades e injustiças em nome do progresso ou do desenvolvimento que 
viabiliza a estratégia de (neo)colonização cultural que reproduz o sistema capitalista e o ideal de 
sociedade concebido pela civilização ocidental. A (neo)colonização cultural esteriliza a diversidade 
do pensamento crítico e criativo local e semeia o pensamento único, universal, do dominador. O 
problema da educação descontextualizada é que foi concebida para levar-nos a pensar como Eles 
 
4 As citações Costa (2010) correspondem ao texto Aspectos históricos e culturais do semiárido 
brasileiro desenvolvido para o curso de Especialização em Educação Contextualizada para a Convivência 
com o Semi-Árido Brasileiro, por José Jonas Duarte da Costa, Professor do Departamento de História e do 
Programa de Pós-graduação em História da UFPB. As citações não incluem os números das páginas porque 
o referido texto ainda não foi concluído. 
5 Extrato do Preâmbulo da Constitución de la República del Ecuador, 2009 (Negrito no original). 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 5 
para ser como Eles; um desafio da educação contextualizada é construir o dia a partir do qual 
pensaremos como nós para sermos nós mesmos. Este será o ‘dia depois do desenvolv imento’. 
 
Em países como o Brasil e regiões como o Semi-Árido Brasileiro (SAB), com experiência colonial, 
a colonização cultural transcendeu à colonização territorial, alienou mentes, desvalorizou saberes 
e domesticou corações. Gerado para viabilizar a dicotomia superior-inferior, o discurso colonial 
normalizou relações assimétricas de poder e naturalizou violências, desigualdades e injustiças.Legitimado pela idéia de progresso, o discurso justif icou no passado a conquista do Novo Mundo. 
O “civilizado” tinha o direito à dominação e o “primitivo” a obrigação da obediência. Porém, como 
afirma Jonas Duarte, Historiador da UFPB, a resistência histórica de nossos indígenas à ocupação 
colonial do SAB indicava seu potencial para a sustentabilidade e sentido de seus modos de vida. 
Porém, prevaleceu o interesse do invasor: saquear as ‘potencialidades’ do SAB e divulgar suas 
‘adversidades’. Instituiu-se a visão do SAB como região homogênea em termos de sua paisagem 
natural e de seu quadro de “problemas”. Ao penetrar, esterilizar e recriar os imaginários—técnico 
e social—locais, a colonização cultural instituiu a v isão da região seca e pobre: “região inviável”. 
 
Dada a geopolítica—eurocêntrica—do conhecimento que prevalece desde 1492 com a expansão 
colonial do capitalismo, que fez os centros de saber coincidirem com os centros de poder, hoje a 
educação neocolonial continua reproduzindo e aperfeiçoando a visão do mais forte—civilizado/ 
desenvolvido—entre os mais débeis—primitivos/subdesenvolvidos. Esta cultiva um pensamento 
subordinado ao conhecimento autorizado pelo mais forte. O processo de desertificação mental 
piora com o mimetismo que nos induz a pensar como Eles para ser como Eles. A realidade local 
do autodenominado superior assume o status de realidade universal, enquanto nossos contextos 
históricos, materiais, culturais, institucionais locais perdem sua visibilidade e relevância, apesar 
de sua complexidade, diversidade, diferenças e contradições. No caso do SAB, ao reproduzir 
certa forma de ver a região, a educação neocolonial institui certo modo de inovação cuja 
principal característica é a descontextualização do “objeto” de transformação. 
 
Se a forma de ver o mundo condiciona a forma de nele atuar para transformá-lo, a cada visão de 
mundo corresponde uma filosofia de inovação que articula modos de interpretação e intervenção. 
Nos últimos séculos, a visão de mundo dominante foi concebida durante a Revolução Científica 
dos séculos XVI e XVII, na Europa ocidental, quando a visão—orgânica e divina—de mundo e o 
pensamento filosófico estabelecidos na Grécia antiga foram desafiados e depois superados pela 
visão—mecânica—de mundo e o pensamento—utilitarista—ocidentais. A partir daí, leis universais 
homogeneizaram—descontextualizaram—as realidades locais. Com a matematização do universo 
e da vida, o que não pode ser quantificado não existe, não é verdade ou não é relevante. Os 
saberes, paixões, experiências, desafios, aspirações, frustrações, desejos, histórias, significados, 
sonhos e potencialidades locais eclipsaram sob o efeito homogeneizador/descontextualizador de 
modelos globais dominantes em todos os campos do conhecimento, inclusive no da educação. 
 
Quando o projeto capitalista de expansão colonial incorporou essa homogeneização da realidade, 
a educação no Novo Mundo foi concebida sob a pedagogia da resposta para implementar a 
dicotomia superior-inferior concebida a partir da noção de raça. Camuflada na idéia de progresso, 
a referida dicotomia classificou a humanidade em civilizados-primitivos; hoje, disfarçada na idéia 
de desenvolvimento, nos hierarquiza em desenvolv idos-subdesenvolvidos. A geopolítica global do 
conhecimento estabelece que o relevante existe sempre em certos idiomas, é criado sempre por 
certos atores e nos chega sempre desde certos lugares, que nunca coincidem com nossos 
idiomas, atores e lugares. Sem história nem contexto, sem sonhos nem emoção, nossa educação 
forma receptores de valores, conceitos, teorias e modelos criados longe de nossa realidade e sem 
compromisso com nosso futuro. Somos formados como “inocentes úteis” que assumem todas as 
formas de desigualdades como “naturais”, para o que a escola nos prepara para sermos 
receptores de idéias, conceitos, teorias, paradigmas e modelos, cuja adoção exige apenas imitar, 
nunca criar nem criticar, porque para ser como Eles devemos apenas pensar como Eles. 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 6 
 
Vamos à escola memorizar respostas que os desenvolvidos construíram para suas perguntas, a 
partir de seus valores locais e seus interesses globais. Este processo de colonização cultural 
forma seguidores de caminhos já existentes. Há apenas um modelo universal de sociedade—
desenvolvida—que todos devem aspirar e podem alcançar. Basta aplicar as soluções globais que 
o poderoso generoso “transfere” para resolver problemas locais, com uma educação universal 
concebida para homogeneizar/descontextualizar/domesticar a realidade, que pode ser conhecida, 
quantificada e controlada de forma objetiva e neutra. Os sistemas de educação reproduzem e 
refletem a dicotomia superior-inferior que se expressa dentro dos países e de suas regiões. 
 
No Brasil, o Centro-Sul é aplaudido como desenvolv ido, e o Norte-Nordeste é condenado como 
subdesenvolvido. Dentro do Nordeste, a região litorânea é “moderna”, só tem potencialidades; o 
SAB é “tradicional”, só tem adversidades. Esta intenção de homogeneizar de forma dicotômica a 
experiência humana, onde a sabedoria flui sempre de certa realidade superior para todas as 
demais realidades, inferiores, explica a predominância de práticas institucionais assimétricas e 
descontextualizadas em diversos âmbitos dos diferentes sistemas nacionais das sociedades, 
inclusive na concepção de pesquisas, formulação de políticas, gestão de processos educativos e 
execução de estratégias pedagógicas. 
 
O capitalismo, a Revolução Científica, a visão mecânica do mundo 
e a descontextualização da experiência humana 
 
“Essa é a lógica do sistema capitalista. Ele se desenvolve produzindo desigualdades. 
Para termos a riqueza mundial concentrada na Europa ocidental e na América do Norte 
é preciso ter a pobreza...na América Latina, África e Sul da Ásia. O desenvolvimento 
capitalista é desigual. Desde sua origem, se acentuando na medida em que o sistema 
foi dominado por grandes empresas corporativas no mundo todo. E ele se combina 
com uma parte ‘atrasada’, que alimenta a parte ‘desenvolvida’ com a mão-de-obra 
barata e um mercado consumidor à disposição, colonizado” (Costa 2010: ...). 
 
“A filosofia está escrita neste...livro [a natureza] que permanece...aberto frente a 
nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendemos primeiro a linguagem 
e os caracteres em que foi escrita. Esta linguagem é a matemática, e os caracteres são 
triângulos, círculos e outras figuras geométricas” ([Galileu] Capra 1982:50). 
 
É impossível compreender a natureza do paradigma clássico de inovação, e de sua contribuição à 
descontextualização da realidade, sem entender primeiro o momento histórico que pariu a ciência 
moderna na Europa ocidental antes, durante e depois da Revolução Científica gestada nos 
séculos XVI e XVII. O capitalismo mercantil em expansão tinha muitas necessidades, entre elas, 
uma visão de mundo, desde a perspectiva do dominador, para instituir uma nova ordem natural, 
uma nova ordem social e uma nova ordem moral para “normalizar”—na experiência humana—a 
superioridade de sua racionalidade sobre a do sistema feudal (Bernal 1971; Busch 2000). 
 
O capitalismo emergente exigia um modo de inovação que transcendera a dimensão técnica da 
transformação da realidade material para mudar, também, a concepção de mundo da sociedade 
feudal; para que esta aceitara como necessárias, positivas e “normais” as condições que seriam 
criadas para facilitar o desenvolvimento e sucesso de um sistema cujo objetivo único é apenas 
acumular, sempre mais, a qualquer custo, ad infinitum. Por exemplo, a premissa religiosa de que 
“é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino do 
céu”, condenava o lucro e a usura, o que não interessavaao capitalismo que precisava legitimar 
a acumulação como fim, o lucro como critério e o crescimento como estratégia (Polanyi 2001). 
Para instituir uma nova ordem mundial amigável ao capitalismo emergente na Europa ocidental, 
alguns atores formularam propostas concretas, que foram sintetizadas pelo Sociólogo Lawrence 
Busch em The Eclipse of Morality: science, state, and market: 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 7 
 
“Francis Bacon propôs um mundo ordenado pela ciência natural, Thomas Hobbes, um 
mundo ordenado pela ciência do Estado e Adam Smith, um mundo ordenado pela 
ciência da economia [...] Desde tempos imemoriais, os seres humanos se preocupam 
com o problema da ordem. O desejo por ordem não é limitado a nenhuma forma 
particular de conhecimento. A ordem natural, a ordem social e a ordem moral 
necessitam igualmente de explicação, clarificação e segurança” (Busch 2000:3, 5). 
 
Segundo Bernal (1971), o capitalismo precisava ocidentalizar—homogeneizar—as regras do jogo 
da acumulação para facilitar sua penetração e estabelecimento nos quatro pontos cardeais do 
planeta. A homogeneização e a legitimação de sua racionalidade expansionista foram instituídas 
pela ciência moderna, dependente de financiamento para seu desenvolvimento. Para criar uma 
nova ordem de coisas ao seu favor, o capitalismo mobilizou as fontes de inovação disponíveis: do 
Renascimento italiano à Reforma alemã, das guerras religiosas no Velho Mundo às viagens 
marítimas para a conquista do Novo Mundo, da Restauração inglesa ao Iluminismo francês, e da 
Revolução (econômica) Industrial à Revolução (política) Francesa. Porém, a fonte de inovação 
preferida do capitalismo foi a ciência moderna ocidental (Bernal 1971). 
 
O Historiador francês Alexandre Koiré avaliou as mudanças conceituais da Revolução Científica 
como “a mais profunda revolução alcançada ou sofrida pela mente humana desde a antiguidade 
Grega”. O Historiador inglês Herbert Butterfield julgou que “a Revolução Científica reluziu mais do 
que qualquer acontecimento desde a emergência da Cristandade, e reduziu o Renascimento e a 
Reforma ao status de meros episódios” (Bernal 1971; Shapin 1998). A ordem científica instituída 
pela referida revolução estabeleceu um regime de verdades que foi disseminado (Basalla 1967) 
para criar as ordens natural, social e moral dominantes nos últimos séculos, através dos sistemas 
nacionais de educação e comunicação, e da formação de profissionais especializados na arte de 
“colonizar”, no passado, e na arte de “desenvolver”, no presente. 
 
A Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, representada pela separação entre a Igreja 
católica e a ciência ocidental emergente, teve como pensamento dominante o da burguesia 
capitalista ascendente em sua época. A v isão teológica de mundo da Igreja perdeu sua força e 
glamour para uma visão mecanicista, utilitarista e mercantil. Mais tarde, o crescimento da ordem 
capitalista trouxe consigo o processo de industrialização para o qual a ciência moderna deveria 
dar respostas e soluções práticas no campo da técnica. A noção de verdade passou a depender 
necessariamente da legitimação da ciência, e o método científico se transformou na medida da 
verdade. Só há uma verdade: a verdade científica (Bernal 1971; Capra 1982; Shapin 1998). 
 
No entanto, a natureza das contribuições do paradigma clássico tampouco pode ser entendida a 
partir de uma lista de suas características. É imprescindível conhecer a gênese histórica, intenção 
política e conseqüências epistemológicas das idéias que o constituem. Como é extensa a lista dos 
protagonistas da Revolução Científica, cujas contribuições já foram analisadas (Bernal 1971; 
Shapin 1998), aqui foram selecionados apenas alguns dos que geraram as premissas essenciais 
constitutivas da ciência moderna: Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton. 
Outros foram selecionados porque contribuíram à penetração do paradigma clássico de inovação 
em outros campos do conhecimento: John Locke na política, August Comte nas ciências sociais e 
Frederick W. Taylor na ciência da administração. 
 
Algumas idéias essenciais da Revolução Científica 
 
Segundo Bernal (1971), o mecanicismo da ciência moderna começou a ser gestado bem antes da 
Revolução Científica. O Renascimento projetou Leonardo da Vinci, um apaixonado pelos artefatos 
mecânicos que podiam ter utilidade militar. Era um especialista também em Hidráulica e 
Mecânica, mas seu gênio era demasiado avançado para seu tempo. Não havia conhecimento 
quantitativo sobre dinâmica e estática que viabilizara a produção material da maioria de suas 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 8 
propostas inovadoras, que ficaram imortalizadas nos seus desenhos. Concretamente, ele nunca 
logrou ultrapassar os limites das práticas tradicionais dos artesãos de seu tempo, mas diferia 
deles em sua criatividade desde o pensamento mecânico. Neste período o capitalismo emergente 
inovava o pagamento dos salários em dinheiro, o que gerou turbulências no sistema feudal que 
explorava o trabalho forçado. Era necessário criar um sistema de valores que legitimasse a 
agenda inovadora do capital mercantil, na qual os trabalhadores seriam libertados do jugo da 
terra para serem aprisionados pelo salário, que seria supostamente alto para premiar a eficiência, 
mas que dava apenas para reproduzir a força de trabalho. Foi neste contexto que alguns atores 
contribuíram à criação da nova visão de mundo, do novo pensamento e da nova ordem que o 
capitalismo emergente exigia. 
 
Galileu Galilei (1564-1642) 
 
A Revolução Científica teve início realmente quando Nicolau Copérnico (1473-1543) se opôs à 
concepção geocêntrica do universo, de Ptolomeu e da Bíblia, aceitada como um dogma por mais 
de mil anos. Com sua astronomia heliocêntrica, Copérnico destronou a Terra do centro do 
universo, e a pôs entre outros planetas que circundavam o Sol, um astro secundário na fronteira 
de um número infinito de galáx ias. Como conseqüência, também destronou ao homem da sua 
arrogante posição central na criação de Deus (Bernal 1971). 
 
Certo de que sua teoria heliocêntrica teria um grande impacto na consciência religiosa, Copérnico 
retardou sua publicação até 1543, o ano de sua morte. Ainda assim, apresentou sua teoria como 
mera hipótese. Menos prudente do que Copérnico, Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado 
pela Inquisição romana por promover o sistema heliocêntrico. Mas foi Galileu quem desqualificou 
a velha cosmologia quando estabeleceu a hipótese de Copérnico como teoria científica válida. 
Galileu Galilei, o Pai da Ciência Moderna, foi o primeiro a combinar a experimentação científica 
com a linguagem matemática para formular as leis da natureza (Capra 1982). 
 
Para que a natureza fora descrita cientificamente, Galileu postulou que os cientistas deveriam 
restringir-se ao estudo das propriedades essenciais dos corpos materiais, suas quantidades, 
formas e movimentos, que podiam ser medidos e quantificados. A sensibilidade, a estética, os 
valores, a qualidade, a subjetividade, os sentimentos, os motivos, as intenções, a consciência, o 
espírito, tudo desapareceu da paisagem científica, inclusive a experiência humana dependente do 
contexto e seus significados. Esta contribuição de Galileu levou à obsessão dos cientistas pela 
quantificação e a medição nos últimos quatrocentos anos. Sob a perspectiva da matemática e da 
geometria, o desinteresse pela história e o contexto deixou de instigar a curiosidade científica. 
 
Francis Bacon (1561-1626) 
 
Enquanto Galileu realizava seus criativos experimentos na Itália, Francis Bacon descrevia o 
método empírico da ciência na Inglaterra, formulando pela primeiravez uma teoria clara dos 
procedimentos do processo indutivo: realizar experimentos para retirar deles conclusões gerais a 
serem testadas outra vez por novos experimentos. Desenvolveu a Filosofia Experimental, e foi o 
primeiro a dar uma nova direção à ciência emergente rumo ao progresso da indústria material. 
Para ele, a idéia de entender a natureza era a única maneira de controlá-la para o lucro dos 
empreendimentos humanos. Saber é poder, quando é útil ao lucro e à acumulação, pensava ele. 
Em sua novela ficção Nova Atlântida, Bacon apresentou seu ideal para a organização da ciência, 
a Casa de Salomão, que mais tarde inspirou a criação de sociedades e institutos científicos na 
Europa. Ele propunha um mundo administrado no qual os cientistas informam ao Estado que 
conhecimento é bom e que conhecimento é mau. Também propôs que a ciência deve controlar a 
natureza para fazê-la útil ao homem, e que os cientistas devem eliminar a emoção e deixar-se 
manejar apenas pela razão: 
 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 9 
“Para vencer a natureza é preciso obedecê-la. Para vencer é preciso obedecer, e para 
obedecer é preciso disciplinar a mente, eliminar todos os subjetivismos” (Filho e 
Chaves 2000:70). 
 
Desde seu utilitarismo e objetiv ismo, Bacon, em Novum Organum, queria destronar Aristóteles e 
o pensamento de outros “antigos”, para que uma “Nova América” de conhecimento fora possível, 
viabilizando viagens transoceânicas para “descobrir” novos continentes. O colonialismo ocidental 
se legitimou com sua obra. Bacon também foi um dos primeiros ideólogos do mundo-máquina, e 
sua atitude patriarcal marcou profundamente a emergência da ciência moderna. A natureza para 
Bacon era como uma mulher à espera de ser v iolada; seus segredos deveriam ser arrancados 
sob tortura—o experimento—com a ajuda de instrumentos mecânicos. O antigo conceito da Mãe 
Terra nutriente desapareceu por completo dos escritos de Francis Bacon (Capra 1982). 
 
Reduzida a um depósito passivo de recursos úteis para o capitalismo emergente, a complexidade 
da natureza perdeu sua importância para a relação simples de causa-efeito que dispensa 
preocupações com as demais variáveis do contexto. A descontextualização da realidade ganha 
mais um adepto em Bacon. Sob a ditadura da razão, Bacon não somente achava que poder é 
saber, mas também pensava que os homens racionais eram verdadeiros Deuses, como hoje os 
biólogos moleculares pensam que são Deuses porque descobriram e podem alterar o código da 
vida. Por tanto, podem inventar uma segunda Natureza, inclusive “fabricar” seres humanos. 
 
René Descartes (1596-1650) 
 
O Pai da Filosofia Moderna teve que lutar contra o sistema medieval de pensamento consolidado 
nas universidades oficiais da França, o que não o impediu de desenvolver o método dedutivo de 
pesquisa. Rompeu com o passado e consolidou um conjunto de conceitos para argumentar sobre 
o mundo material em termos exclusivamente quantitativos e geométricos. Obcecado pela dúvida, 
Descartes propôs um mundo ordenado e previsível: 
 
“...rejeitamos todo conhecimento que é meramente provável e consideramos que só 
se deve crer naquelas coisas que são perfeitamente conhecidas e sobre as quais não 
pode haver dúvidas...Toda ciência é conhecimento certo e evidente” (Filho e Chaves 
2000:71). 
 
Como conseqüência de sua concepção mecânica do universo, Descartes valorizou apenas a parte 
física da realidade. Ele ignorou a dimensão moral e reduziu a experiência sensorial à Mecânica e 
à Geometria. O foco da ciência passou a ser tudo o que é quantificável, que resulta ser o que ele 
chamou de “qualidades primárias” da realidade. Com sua premissa Cogito ergo sum (Penso, logo 
existo), Descartes desenvolveu seu método analítico, que consiste em decompor certa realidade, 
problema ou pensamento em todas suas partes constitutivas, para recompô-la em um processo 
semelhante à desmontagem e remontagem de um relógio. 
 
O método de Descartes incluía a combinação de quatro regras: (i) a regra da evidência, que evita 
os preconceitos e qualquer precipitação, para acolher apenas idéias claras e distintas; (ii) a regra 
da análise, sob a qual os problemas devem ser divididos no maior número possível de partes 
para melhor resolvê-los; (iii) a regra da síntese, que distingue as verdades mais simples das mais 
complexas, o que presume a ordenação das partes segundo o critério da relação constante entre 
elas de modo que possam ser comparadas sempre com base na mesma unidade de medida; e 
(iv) a regra da enunciação, sob a qual se deve selecionar exclusivamente o que for necessário e 
suficiente para a solução do problema. A coerência deste conjunto de regras emergiu da visão 
cartesiana de um mundo mecânico, constituído de partes discretas, a ser descoberto pela Física: 
 
“Toda filosofia é como uma árvore. As raízes são a Metafísica, o tronco é a Física e os 
ramos são todas as demais ciências” (Capra 1982: 63). 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 10 
 
Com seu método analítico—reducionista, mecanicista, racionalista—Descartes descontextualizou 
o próprio contexto da prática científica. Como conseqüência, descontextualizou todas as decisões 
e ações derivadas dos resultados da pesquisa científica. 
 
Isaac Newton (1643-1727) 
 
O golpe final da Revolução Científica à visão de mundo e ao pensamento dos “antigos” foi dado 
por Isaac Newton: a Lei da Gravitação Universal. O universo Newtoniano é um sistema mecânico 
que funciona segundo leis matemáticas exatas, sob a influência determinante da força da 
gravidade. Esta Lei natural explica e sustenta o padrão dos movimentos dos corpos celestes. No 
entanto, temendo o poder da Igreja, Newton explicava que esta máquina perfeita implicava na 
existência de um criador externo, o Deus monárquico que governava o mundo a partir do alto, 
impondo-lhe a Lei divina. Porém, ele não falava que os fenômenos físicos eram divinos e, pouco 
a pouco, o divino foi desaparecendo de seus escritos até que foi criado um vazio espiritual em 
sua ciência mecânica. Desapareceu o Deus celestial, ficando os monarcas terrenais administrando 
o mundo-máquina de Newton. 
 
Com Newton, o método cartesiano se transformou em sinônimo de método científico. Os aportes 
da Física Mecânica foram aperfeiçoados e sintetizados do sistema de Copérnico à racionalidade 
de Descartes. As leis mecânicas para a consagração do mundo-máquina foram institucionalizadas 
e canonizadas em equações matemáticas. Newton finalizou a “substituição da antiga imagem de 
um mundo qualitativo, orgânico, limitado e religioso, herdado dos Gregos e canonizado pelos 
teólogos da Igreja, por outro mundo, quantitativo, mecânico, infinitamente grande, ilimitado e 
dessacralizado” (Carvalho 1991:48, 49). 
 
Ele desenvolveu uma formulação matemática da concepção mecânica da natureza, em uma 
impressionante síntese das obras de Copérnico, Kepler, Galileu, Bacon e Descartes. Criou um 
método novo—Cálculo Diferencial—para descrever o movimento dos corpos sólidos, e foi muito 
brilhante realmente quando unificou a experimentação sistemática de Bacon, o método indutivo, 
com a análise matemática de Descartes, o método dedutivo. Segundo Isaac Newton, tanto os 
experimentos sem interpretação sistemática como a dedução a partir de princípios sem evidência 
experimental não conduziam a uma teoria confiável. 
 
Uma vez que a visão mecânica de mundo foi consolidada “cientificamente” no século XVIII, a 
Física se transformou naturalmente na referência para todas as ciências. Se o mundo é uma 
máquina e funciona como tal, para melhor entendê-lo e descobrir como ele funciona basta 
recorrer à Física mecânica de Newton (Capra 1982), para a qual omundo-máquina existe de 
forma independente da história e do contexto. 
 
Como conseqüência da síntese newtoniana, a Física Mecânica se tornou o verdugo racionalista 
que, com golpes matemáticos e geométricos precisos, exterminou a história e o contexto da 
paisagem científica, des-historializando e descontextualizando a existência. Quando a Física de 
Newton foi institucionalizada como o paradigma a ser emulado pelas demais ciências, a natureza 
e dinâmica de todos os campos do conhecimento passaram a responder às suas premissas, 
descontextualizando tudo com seu “toque” matemático e geométrico. 
 
Outras idéias relevantes 
 
O espaço do documento não comporta uma exploração profunda nem mais ampla de outros 
pensadores que contribuíram diretamente à Revolução Científica, o que já foi realizado por outros 
autores (Bernal 1971; Shapin 1998). Nem há espaço para incluir atores que contribuíram para a 
consolidação, aperfeiçoamento e disseminação das idéias essenciais da referida revolução. Mas, 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 11 
devemos citar três, pela importância de suas contribuições a características do paradigma 
clássico de inovação em outras áreas de interesse para o tema abordado aqui. Este é o caso de 
John Locke, August Comte e Frederick W. Taylor. Locke contribuiu à ciência política (ou à Arte do 
Estado), Comte às ciências sociais e Taylor à ciência da administração. 
 
John Locke (1632-1704) 
 
A teoria de Newton do universo e o enfoque racional dos problemas humanos tiveram impacto 
tão grande nas classes medias do século XVIII que o período de sua influência foi chamado de 
Iluminismo, a era da Ilustração, era das luzes. Um dos atores mais influentes desta era foi o 
Filósofo britânico John Locke, adepto fervoroso do pensamento de Descartes e Newton, a partir 
do qual desenvolveu uma concepção atomística da sociedade, descrevendo-a em termos de seu 
componente básico, o ser humano individual, átomo social. Locke reduziu os padrões observados 
na sociedade ao comportamento dos indivíduos. A análise da natureza humana de Locke foi 
derivada do pensamento do Filósofo Thomas Hobbes para quem a percepção sensorial é a base 
do conhecimento. Inspirado nesta teoria, John Locke propôs a metáfora da Tabula Rasa para 
comparar a mente humana, em seu nascimento. Como uma Tabula Rasa, onde nada existe ao 
início, a mente humana “grava” o conhecimento adquirido através da experiência sensorial. 
 
Locke estava também convencido de que as leis da natureza governavam a sociedade humana, 
leis semelhantes às que governavam o universo físico. Suas idéias foram a base do pensamento 
do movimento da Ilustração e tiveram influência no desenvolvimento do pensamento econômico 
e político. Os ideais de individualismo, mercados livres, governos representativos e direito de 
propriedade, que são atribuídos a ele, influenciaram o pensamento de Thomas Jefferson e estão 
refletidos na Declaração de Independência e na Constituição dos Estados Unidos (Capra 1982). 
 
August Comte (1798-1857) 
 
Como observador interessado em manter a ordem burguesa vigente, Comte criou uma corrente 
de pensamento denominada Positivismo, a tradição filosófica que monopolizou a consolidação de 
certas premissas essências da ciência moderna, estendendo a influência do regime de verdades 
de seu paradigma clássico de inovação ao âmbito das relações humanas, condicionando o 
desenvolvimento das ciências sociais. Sua proposta de uma nova filosofia e de uma reforma na 
ciência tinha como objetivo sustentar ideologicamente o poder conquistado pela classe burguesa. 
 
Para Comte, o conhecimento é baseado na observação dos fatos e nas relações entre eles. Estas 
relações são as descrições das leis que regem o fenômeno. O conhecimento só é possível quando 
se observa o concreto, de forma objetiva e neutra. Somente o que pode ser comprovado por 
meio da experiência é considerado científico. Os termos “útil”, “certo”, “positivo” e “neutro” 
descrevem certas qualidades do conhecimento “produzido” sob a filosofia de Comte (Filho e 
Chaves 2000). Segundo Comte, as ciências deveriam usar um método único, o método positivo. 
Neste método, o rigor metodológico, a estandardização das condições da experimentação, a 
possibilidade da repetição das experiências, a neutralidade científica baseada na objetividade (o 
abandono da subjetividade), a definição operacional do “objeto” de pesquisa, a ordenação e 
precisão dos dados, tudo era condição sine qua no para a prática correta da pesquisa científica. 
Comte assumiu a ordem natural como referência para o estudo da sociedade, que chamou Física 
Social e que, depois, foi denominada Sociologia. 
 
Para Comte, a sociedade é regida pelas mesmas leis universais, naturais, mecânicas, invariáveis e 
independentes da vontade humana, e pode ser estudada pelos mesmos métodos empregados 
pelas ciências da natureza. Ele queria ver na sociedade a mesma ordem imutável que percebia 
na natureza. Obcecado pela ordem social, Comte contribuiu à institucionalização da idéia de 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 12 
progresso vinculada à questão da ordem. Acreditava que somente através da ordem era possível 
o progresso, e v ice-versa. 
 
“Ordem e Progresso” foi o lema que Comte criou para seu movimento filosófico. O positiv ismo foi 
tão disseminado e seu impacto tão profundo e duradouro que seu lema—Ordem e Progresso—
ficou institucionalizado na Bandeira do Brasil. A idéia de progresso está associada à imagem de 
uma linha contínua, como um rio seguindo seu curso sempre adiante, rumo à perfeição onde 
mais é sinônimo de melhor. A idéia de progresso assume que uma civ ilização se move rumo a 
um modelo perfeito de vida em sociedade onde o maior número de indivíduos é feliz. No entanto, 
Comte e seus seguidores nunca responderam satisfatoriamente às perguntas: Que é a felicidade? 
Pode o progresso assegurar a felicidade? Os positivistas que tentaram fazê-lo igualaram a maior 
felicidade ao maior conforto material e ao maior acesso ao progresso tecnológico. 
 
Frederick Winslow Taylor (1856-1915) 
 
Taylor não foi um filósofo, não foi um cientista, não participou da Revolução Científica nem 
contribuiu à sua consolidação. Porém, ele foi instrumental para a penetração de algumas das 
premissas—verdades—da referida revolução no campo da administração, com efeitos profundos 
na pesquisa e na educação, e principalmente na administração de fábricas e, depois, na gestão 
de organizações (privadas e púbicas), e de programas e projetos de “desenvolvimento”. Ele era 
muito interessado na gestão eficiente da produção industrial e no controle preciso dos obreiros, 
seus corpos e seus movimentos. 
 
Em 1872, Taylor realizou uma viagem à Europa para conhecer os métodos de administração das 
fábricas industriais e principalmente para familiarizar-se com as idéias e o pensamento em 
ascensão da ciência moderna, positivista. O mais atrativo para ele foi a metáfora do mundo-
máquina construída e cultivada por grandes nomes da ciência ocidental, como René Descartes, 
do qual foi um admirador fanático, principalmente de seu método analítico. Em 1909, ele realizou 
uma conferência na Escola de Negócios da Universidade de Harvard onde comparou seu método 
de pesquisa a uma organização militar, que para ele era a instituição que mais se aproximava do 
ideal da organização-máquina. 
 
Seus princípios da administração científica, resultantes de seu método cartesiano de pesquisa e 
gestão, representam a penetração das premissas da ciência moderna, e de suas verdades sobre 
a natureza e sua dinâmica, assim como sobre o ser humano, a sociedade e suas instituições, no 
mundo da administração pública e da gestão privada.Sua influência continua através de modelos 
racionalistas de gestão disfarçados sob novas etiquetas que hoje estão de moda: planejamento 
estratégico, reengenharia e qualidade total (Boje e Winsor 1993). 
 
A promessa da administração científica era controlar com precisão matemática o trabalho dos 
obreiros industriais em particular e as empresas em geral. Taylor cultivou a razão instrumental 
que se manifestava em sua fé na eficiência, tecnificação do planejamento, organização dos 
fatores de produção e a divisão do trabalho entre os que planejam e decidem e os que devem só 
executar. Refém da visão mecânica da realidade, herdada da ciência moderna, Taylor percebia 
aos obreiros como autômatos biológicos. No Congresso dos Estados Unidos lhe perguntaram seu 
conceito do trabalhador ideal, aquele que preencheria todos os requisitos dos princípios de sua 
“administração científica”. Comte respondeu assim: 
 
“Meu conceito do trabalhador ideal é o de ‘homem boi’, forte, submisso e estúpido: 
forte para produzir muito, submisso para cumprir ordens sem questioná-las, e estúpido 
para não perceber que é sobre-explorado. Ademais, o ‘homem boi’ é tão estúpido que 
não se presta para outro tipo de serviço” (De Souza Silva 2007:36). 
 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 13 
Portanto, o paradigma clássico da ciência moderna emerge principalmente da articulação da 
realidade matemática e geométrica de Galileu, do utilitarismo e empirismo mecanicista de Bacon, 
do racionalismo e reducionismo mecanicistas de Descartes, da Física do mundo-máquina de 
Newton e da ciência objetiva, neutra e positiva de Comte. No campo do desenvolvimento, pode-
se adicionar para o caso da educação a Tabula Rasa de Locke, que descontextualizou a realidade 
educativa do processo pedagógico, e o conceito de “homens bois” de Taylor que, transformado 
em “recursos humanos”, descontextualizou as histórias de vida de educadores e educandos. 
 
Dada a natureza dos referidos aportes, pode-se agora imaginar a natureza do paradigma clássico 
e de suas contribuições à educação, que foi des-historializada e des-contextualizada. 
 
O paradigma clássico de inovação da ciência moderna 
 
Se queremos compreender a natureza das contribuições do paradigma clássico de inovação da 
ciência moderna à educação que temos, é imprescindível entender o que é um paradigma. A 
maioria dos profissionais e dos educadores nem sequer está consciente de que a natureza e 
dinâmica de sua prática são influenciadas por verdades que o paradigma clássico instituiu sobre o 
que é a realidade e como esta funciona, no caso, sobre a natureza e dinâmica da educação em 
geral e do processo de aprendizagem em particular. 
 
Se certas verdades ontológicas, epistemológicas, metodológicas e axiológicas de um paradigma 
definem a natureza e dinâmica da realidade, o paradigma clássico de inovação, que emergiu 
durante a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, influenciou também o significado da idéia 
de progresso, da idéia de desenvolv imento, da “idéia de semi-árido” e do conceito e da prática 
da educação. Mas, o que é um paradigma? 
 
Paradigma: o conceito e suas dimensões constitutivas 
 
Depois da publicação em 1962 de A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Khun, um 
Físico, Filósofo e Historiador da Ciência, o conceito de paradigma ganhou imensa popularidade ao 
transcender as fronteiras do imaginário científico e invadir os imaginários técnico e social. Em 
termos gerais, um paradigma (Khun 1970) é um marco que articula uma constelação de “regras” 
para influenciar a forma de ser, sentir, pensar, fazer e falar de uma comunidade de seguidores. 
 
Para Khun, um paradigma científico define para a comunidade de seus seguidores os valores 
culturais a compartilhar, os temas relevantes a pesquisar, as perguntas críticas a responder, as 
teorias apropriadas a adotar, as regras metodológicas a seguir, os exemplos paradigmáticos de 
pesquisas já realizadas a emular e até a natureza dos resultados a lograr. Sob estas condições, 
ocorre o que Khun chama ciência normal, quando a coerência do conhecimento gerado está 
em correspondência com as premissas constitutivas do paradigma, e a dinâmica de seu avanço é 
de caráter acumulativo. Porém, cedo ou tarde, anomalias nos resultados de pesquisa emergem 
em contradição com uma ou mais premissas orientadoras do paradigma. I sso deflagra uma crise 
irreversível do paradigma, que perde sua credibilidade como fonte de inspiração e orientação, 
como ocorreu com o paradigma geocêntrico da astronomia, quando certos resultados mostraram 
que a Terra não era fixa nem o centro do universo. Este foi o paradigma desafiado e superado 
pelo paradigma heliocêntrico de Copérnico. Esta crise gera o que Khun denomina revolução 
científica, que transforma o pensamento científico dominante e abre espaço para a construção 
de outros candidatos a paradigma, um dos quais, em competição com os demais, substituirá 
àquele no qual a comunidade científica perdeu a confiança. 
 
Apesar de que Khun atribui excessiva autonomia à comunidade científica no processo político de 
substituição de paradigmas, ignorando a influência da sociedade nestas matérias, sua teoria é 
robusta e consegue demonstrar que o avanço do conhecimento científic o não é acumulativo e 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 14 
que os paradigmas não são eternos. Rupturas e emergências caracterizam melhor a história 
paradigmática do conhecimento científico em qualquer campo. 
 
Um paradigma é construído a partir de uma visão de mundo—concepção de realidade que é a 
fonte de coerência das verdades que este propõe para explicar a natureza e dinâmica da 
realidade. O conjunto dessas verdades é a lente cultural através da qual indivíduos, famílias, 
comunidades, grupos sociais, sociedades e até civilizações inteiras interpretam a realidade e nela 
atuam para transformá-la. Se uma premissa é uma crença, e uma crença é uma verdade que não 
necessita ser demonstrada, uma visão de mundo é um regime de verdades sobre o que é e como 
funciona a realidade. Então, derivado de uma visão de mundo, um paradigma é o meio através 
do qual uma concepção de realidade é implementada em sua plenitude. Todo candidato a 
paradigma concebe verdades na forma de respostas a perguntas críticas que estão vinculadas às 
dimensões—ontológica, epistemológica, metodológica e axiológica—que o constituem: 
 
• Dimensão ontológica. Refere-se à natureza da realidade; a pergunta crítica a responder 
é: que é a realidade? Perguntas como, Que é o semi-árido?, Que é ser Sertanejo no SAB, 
Que é a educação, Que é saúde e Quem sou Eu?, são perguntas de caráter ontológico. 
 
• Dimensão epistemológica. Refere-se à natureza do conhecimento e do processo para sua 
geração e apropriação; a pergunta crítica a responder é: que é relevante conhecer na 
realidade, através de que processo? 
 
• Dimensão metodológica. Refere-se ao método e à natureza do indagar (à natureza do 
diálogo com a realidade que se quer conhecer); a pergunta crítica a responder é: como 
conhecer o que é relevante conhecer na realidade? 
 
• Dimensão axiológica. Refere-se a valores éticos e estéticos e à natureza da intervenção; 
a pergunta crítica a responder é: que valores éticos e estéticos devem prevalecer na 
intervenção para conhecer o que é relevante conhecer na realidade? 
 
Para o paradigma clássico da ciência moderna, a fonte de coerência para suas respostas a estas 
perguntas críticas, a que todos os candidatos a paradigma devem responder, é a visão mecânica 
de mundo que o inspira, construída na Revolução Científica dos séculos XVI e XVII. Nesta visão, 
o universo é uma engrenagem perfeita, o mundoé uma máquina regular, precisa e objetiva, que 
pode ser conhecido, controlado e traduzido à linguagem matemática, sem nenhuma alusão à 
história ou ao contexto, à subjetividade ou à emoção, e muito menos ao potencial transformador 
da experiência humana sobre sua realidade, através de outras percepções, decisões e ações. 
 
É a partir de premissas como estas que o perfil do paradigma clássico da ciência ocidental pode 
ser delineado para revelar suas profundas implicações para a educação descontextualizada que 
hoje prevalece na maioria dos países da África, América Latina e Ásia. 
 
O perfil do paradigma clássico da ciência moderna 
e a emergência da educação descontextualizada 
 
“O problema do ‘modo [paradigma] clássico’ de inovação não é…sua origem européia, 
mas sim o fato de que, sendo uma concepção particular, desenvolvida desde certo 
lugar, por certos atores e em certos idiomas, haja sido imposto a todos como o único 
modo possível para a inovação para o desenvolvimento. [...] Se o ‘modo clássico’—
eurocêntrico—não resultou...satisfatório para promover o bem-estar inclusivo, chegou 
a hora de inovar nossa forma de inovar” (Escobar 2005:18, 19) 
 
“Para Descartes como para Newton, o universo material é como uma máquina na qual 
não há vida, nem telos, nem mensagem moral...só movimentos e coisas ensambladas 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 15 
que podem explicar-se de acordo com a disposição lógica de suas partes. Não só a 
natureza física, mas também os homens, as plantas, os animais são vistos como meros 
autômatos, regidos por uma lógica mecânica. Um homem enfermo equivale...a um 
relógio descomposto, e o grito de um animal ferido não significa mais do que o ruído 
de uma roda sem óleo lubrificante” (Castro-Gómez 2007: 82, 83). 
 
O perfil de um paradigma emerge de suas respostas às perguntas vinculadas às suas dimensões 
ontológica, epistemológica, metodológica e axiológica. O paradigma clássico da ciência moderna 
manteve o monopólio das respostas às referidas perguntas, construídas durante a Revolução 
Científica e instituídas como as únicas válidas a partir da Revolução Industrial que o capitalismo 
emergente estabeleceu para sua expansão. Os demais paradigmas específicos foram concebidos 
refletindo as premissas do paradigma clássico da ciência moderna incorporado à realidade da 
indústria capitalista em ascensão. Estes paradigmas foram amplamente aplicados a todos os 
campos do conhecimento e todas as esferas da experiência humana, como referência para sua 
compreensão do que é a realidade e como esta funciona. O monopólio das respostas instituídas 
pelo paradigma clássico foi assegurado por uma única tradição filosófica, o Positivismo, para a 
qual “só existe uma ciência”, aquela que aplica “o método científic o”, o único capaz de gerar 
conhecimento objetivo e válido para todas as realidades. 
 
As respostas do paradigma clássico às perguntas paradigmáticas, que persistiram nos últimos 
séculos, mas que já não têm o monopólio da verdade, são as seguintes: 
 
• Que é a realidade? A realidade—o mundo—é uma máquina constituída de partes; para 
conhecer o todo basta desmontá-lo em suas partes constitutivas, até conhecer todas 
elas, inclusive a menor de todas (o átomo, no caso do universo, o gene no caso da vida), 
para remontá-lo ou reconfigurá-lo. A realidade concreta—objetiva—é como um relógio; 
pode ser decomposta para ser conhecida, e recomposta para ser controlada e manejada. 
Esta resposta des-historializa y descontextualiza a realidade em geral e a experiência 
humana em particular. Por exemplo, nesta percepção, tanto as políticas públicas quanto 
a educação são concebidas de forma abstrata, desvinculadas da diversidade, diferenças e 
contradições constitutivas da complexidade das múltiplas realidades locais em qualquer 
continente, região, pais, município ou comunidade. 
 
• Que é relevante conhecer na realidade? Existe apenas uma realidade concreta, objetiva. 
Nesta realidade fixa e independente, o relevante é conhecer as leis—naturais, universais, 
mecânicas, imutáveis—que regem seu funcionamento, através de um processo de 
decomposição do todo para que suas partes sejam sistematicamente analisadas, e suas 
relações traduzidas à linguagem matemática. O conhecimento da realidade é objetivo 
porque sua “produção” é inspirada em leis naturais e orientada pelo método científico. 
Estas leis e método condicionam a natureza da pesquisa e de sua gestão, para assegurar 
sua objetiv idade e neutralidade. A essência desta resposta é que, se as leis que regem o 
funcionamento da realidade são universais, as histórias e diferenças locais eclipsam sob o 
efeito homogeneizador das referidas leis, insensíveis à complexidade da realidade. 
 
• Como conhecer o que é relevante conhecer na realidade? A realidade objetiva é também 
independente da percepção humana. O método ideal para conhecer a realidade é aquele 
que separa o pesquisador do “objetivo” de pesquisa, para evitar que valores e interesses 
humanos “contaminem” a descrição da realidade como ela realmente é. Além disso, o 
método científico deve separar o “objeto” de pesquisa do seu “contexto”. O contexto é 
uma inconveniência, por possuir mais variáveis do que as que devem ser analisadas na 
relação causa-efeito. Como para cada efeito só há uma causa, onde A causa B, sempre 
em um só sentido, da causa ao efeito, o que se necessita é de uma hipótese sobre que 
causa o que, para isolar ambas variáveis e analisar o efeito e sua causa, em um lugar 
absolutamente controlado para estudar, manejar, descrever e controlar suas relações de 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 16 
forma sistemática. A interação entre o pesquisador com atores humanos e não-humanos 
do contexto de pesquisa é uma inconveniência; os atores humanos podem contaminar os 
resultados com seus valores, enquanto o contexto pode alterar os resultados com a 
presença de variáveis que não participam da relação simples de causa-efeito. Esta dupla 
separação tenta realizar duas proezas absolutamente impossíveis. Por um lado, tenta 
separar o pesquisador do contexto da pesquisa, a realidade da qual ele passa a ser parte 
constitutiva no momento que começa a pensá-la para atuar sobre ela com seu método 
de observação, com seu modo de intervenção para indagá-la e com seu marco cultural 
de referência para descrevê-la. Por outro lado, o método tenta separar o problema 
estudado do contexto que o gerou. Mas é o contexto que o faz emergir e expressar-se 
de certa forma e não de outra, contexto este do qual é parte constitutiva, e que também 
oferece “pistas” para distinguir entre opções de solução aquela cuja coerência estará em 
maior grau de correspondência com as circunstâncias históricas, materiais, culturais, 
socioeconômicas, políticas, ecológicas, institucionais e éticas locais. 
 
• Que valores—éticos e estéticos—devem prevalecer na intervenção para conhecer o que é 
relevante conhecer na realidade? A dimensão axiológica é totalmente desnecessária na 
prática científica. O método científico faz uma “assepsia” político-ideológica no processo 
de pesquisa para afastar os valores e interesses humanos que podem contaminar seus 
resultados. Igualmente, o método científico evita que o contexto contamine o “objeto” de 
pesquisa ao evitar a intromissão de variáveis que não participam da relação simples de 
causa-efeito. O contexto é reduzido às variáveis indicadas na hipótese científica. Em um 
lugar absolutamente controlado, descontextualizado, só as relações entre as variáveis 
propostas pela hipótese científica são controladas e sistematicamente analisadas sob a 
aplicação meticulosa e precisa de certos procedimentos metodológicose instrumentos 
científicos. A resposta indica que a pesquisa científica dispensa discussão sobre valores. 
Na concepção positivista da ciência, o método científico esteriliza qualquer vestígio de 
vida humana e não-humana, já que as plantas, os animais e até os seres humanos são 
percebidos como máquinas bioquímicas. Por isso, os “objetos” de pesquisa prescindem 
de atenção ou de preocupação ética, já que o contexto axiológico inexiste em um mundo 
vazio de valores, de sonhos, de desejos, de paixões, de decepções, em fim, de emoção. 
 
Concebidas no ventre da metáfora do mundo-máquina, as respostas do paradigma clássico às 
perguntas paradigmáticas compartilham a visão do universo como uma engrenagem perfeita; a 
universalidade do conhecimento científico; a existência de leis naturais, mecânicas e imutáveis 
que regem o funcionamento da natureza e da sociedade; a hierarquia constitutiva da ordem 
natural; o mecanicismo do funcionamento da realidade; o reducionismo “natural” do processo 
analítico que estuda apenas as partes da realidade; e a singularidade, objetividade e neutralidade 
do conhecimento “produzido” a partir da aplicação disciplinada do método científico. 
 
Nesta ordem de coisas, conclui-se que o paradigma clássico de inovação da ciência moderna se 
apresenta como universal em suas possibilidades, é mecânico na sua abordagem da dinâmica 
da realidade e reivindica ser neutro quanto aos seus impactos. Sua racionalidade instrumental 
elimina a relevância da história, contexto, complexidade, diversidade, diferenças, contradições, 
emoção, em fim, tudo vinculado à subjetividade, à espiritualidade. O humano, o social, o cultural, 
o ecológico e o ético estão ausentes do foco do referido paradigma; o que não é quantificável 
não existe, não é verdade ou não é relevante. Portanto, não deve constituir surpresa a resultante 
descontextualização de tudo que é penetrado, influenciado ou condicionado pelo paradigma de 
inovação da ciência moderna, desde a concepção de políticas até a execução de projetos, da 
formulação de programas educativos até a execução de estratégias pedagógicas. 
 
Porém, no contexto mais amplo da crise da civilização ocidental, tudo está sob questionamento, 
suas instituições, seu modelo cultural, seu sistema capitalista (Wallerstein 1999), sua idéia de 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 17 
progresso (Dupas 2006), sua idéia de desenvolvimento (Attali et al. 1980), sua ciência (Restivo 
1988) e seu método científico (Feyerabend 1975), seus modelos de gestão (Boje et al. 1996) e 
sua educação, criticada por Paulo Freire. Depois de cinco séculos da idéia de progresso e seis 
décadas da idéia de desenvolvimento, a humanidade nunca este tão desigual e o planeta tão 
vulnerável. É sob estes e outros questionamentos graves que os significados da contribuição do 
paradigma clássico da ciência moderna à educação devem ser interpretadas. 
 
Mas, para explorar o processo de descontextualização da realidade em geral e da educação em 
particular, é critico compreender a geopolítica do conhecimento que revela a gênese histórica, 
intenção política e origem epistémica da dicotomia superior-inferior. Esta foi estrategicamente 
disfarçada na idéia de progresso durante o colonialismo imperial, através do binômio civilizados-
primitivos, e camuflada na idéia de desenvolv imento durante o atual imperialismo sem colônias, 
iniciado depois da Segunda Guerra Mundial, através do binômio desenvolvidos-subdesenvolvidos. 
 
A geopolítica do conhecimento, a idéia de progresso/desenvolvimento 
e a descontextualização da realidade, desde 1492 
 
“A história do conhecimento está marcada geograficamente...tem um valor e um lugar 
de origem [...] Os conhecimentos [produzidos] na África, América Latina ou Ásia não 
são...sustentáveis. O conhecimento, como a economia, está organizado em centros de 
poder e regiões subalternas...Não devemos pensar que o que vale como conhecimento 
está em certas línguas e chega de certos lugares. A geopolítica do conhecimento 
[impede] que o pensamento seja gerado em outras fontes [...] O pensamento crítico... 
deve ser um processo de descolonização intelectual [para] contribuir à descolonização 
de outras áreas, ética, econômica e política” (Mignolo 2003: 1, 2, 3, 23). 
 
“O nativo dessas bandas [Semi-Árido Brasileiro], batizado depois de índio, se utilizava 
dessas extensas áreas de terras, ao seu modo e sob sua forma que considerava mais 
adequada para...seu povo e...sua terra. A sabedoria indígena veio de seu aprendizado 
com a rica flora e fauna que a cobria e a habitava, pois nela e dela se consolidou um 
povo apegado ao lugar [seu território, seu contexto]...” (Costa 2010 ). 
 
“O neocolonialismo é um aperfeiçoamento do antigo sistema. Continua a dependência 
dos países periféricos em relação aos países centrais, cujo poder emana, não da força 
de suas armas, mas da pujança de suas economias e, sobretudo, da sua supremacia 
tecnológica e financeira [...] Alem disso, impõem padrões comportamentais e culturais 
estranhos aos países dependentes” (Ribemboim 2002:69, 70). 
 
“No futuro, as raças civilizadas quase certamente exterminarão e substituirão as raças 
selvagens em todo o mundo” (Darwin 2000:33) 
 
“[...] O mais forte não o será jamais bastante, para ser sempre amo e senhor, se não 
transforma sua força em direito e a obediência em dever” (Rousseau 1985:95). 
 
Rousseau reconhece, no Contrato Social, que o mais forte não está satisfeito em ser apenas o 
mais forte em sua relação com o mais débil. Ele institucionaliza relações assimétricas de poder 
para criar seu direito à dominação e estender ao subalterno a obrigação da obediência. O direito 
do mais forte há sido a fonte de inspiração mais efetiva do discurso, regras, papéis, arranjos, 
significados e práticas institucionais que estabeleceram as desigualdades globais desde 1492 
(Dussel 1992; Escobar 1998, Mignolo 2000, 2003). 
 
A etnografia institucional investiga os vínculos entre a experiência social cotidiana e os processos 
trans-locais que organizam e coordenam esta experiência como parte dos dispositivos de poder—
relações e práticas institucionais de controle-comando-dominação—da sociedade (Smith 1987; 
Brooks 1994; Campbell e Gregor 2002). Nesta perspectiva, a institucionalização internacional da 
desigualdade incorporou a América Latina desde o final do século XV, quando impérios da Europa 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 18 
ocidental invadiram o que denominaram Novo Mundo com a estratégia de dominação para a 
exploração que instituiu seu imaginário para “naturalizar” sua superioridade e a inferioridade do 
Outro (Dussel 1992; Quijano 2000, 2007). 
 
A estratégia materializou-se na dicotomia superior-inferior—civilizados-primitivos—que viabilizou 
o projeto político-ideológico-epistêmico da Europa ocidental para criar uma ordem política, 
econômica e militar conveniente aos seus interesses globais e à sua ambição expansionista. A 
institucionalização da dicotomia superior-inferior implicou na emergência da colonialidade do 
poder, colonialidade do saber e colonialidade do ser6, absolutamente críticas para a criação, 
consolidação e sustentabilidade do sistema-mundo—moderno/colonial—capitalista a partir de 
1492 (Lander 2000; Mignolo 2007). Desde então, a natureza e dinâmica das relações ciência-
tecnologia-sociedade-inovação (CTSI) foram influenciadas pela colonialidade do poder, do saber 
e do ser (Castro-Gómez e Grosfoguel 2007). 
 
A colonialidade do poder (Quijano 2007) expressa uma estrutura global de poder criada pelo 
colonizador para controlar a subjetividade dos povos colonizados. A invasão do imaginário do 
Outro e sua ocidentalização se deu atravésdo discurso—moderno/colonial—que tenta destruir o 
imaginário do Outro ao mesmo tempo em que reafirma o próprio. O centro de seu núcleo 
ideológico está na idéia de raça. Existem raças superiores e raças inferiores, o que dá à raça 
superior o direito à dominação e exige das raças inferiores a obrigação da obediência, conforme 
o direito do mais forte criticado por Rousseau em sua pesquisa para escrever O Contrato Social. 
 
Na antiguidade, existia uma visão tripartite do mundo—África, Ásia e Europa—na qual a Europa 
aparece como uma cultura superior, visão esta reforçada pelo relato cristão da Idade Media que 
menciona uma Europa povoada pelo bom Jafé, o filho abençoado de Noé. Por isso, o discurso do 
colonialismo incluiu a América como uma extensão da Europa, ainda que inferior, para legitimar a 
“civilização” e “cristianização” deste continente. Com o discurso da pureza de sangue na Espanha 
do século XIV, emergia a primeira classificação social da população mundial, que ao início do 
século XVI inclui a união de cor e raça, e permite comparar para justificar certos modos de vida. 
Na geografia social do sistema capitalista emergente, nasce uma divisão racial do trabalho na 
qual a escravidão é a ocupação exclusiva do negro, a servidão é a ocupação obrigatória do índio 
e o trabalho assalariado é quase um monopólio do branco. O Estado gerencia a colonialidade do 
poder, da qual é também constitutivo. Em síntese, a colonialidade do poder é uma estrutura 
hegemônica global de poder e dominação que articula raça, trabalho, espaços e pessoas, de 
acordo com as necessidades do capital e para o benefício da raça superior. 
 
A colonialidade do saber (Lander 2000; Mignolo 2007) é uma geopolítica do conhecimento cuja 
hegemonia epistemológica surge do singular poder de dar nome pela primeira vez, criar 
fronteiras, decidir quais conhecimentos e comportamentos são ou não legítimos, e estabelecer 
uma visão de mundo dominante. E sta concepção é imposta aos colonizados para subalternizar 
suas culturas e suas línguas, o que é violência epistemológica para os que têm seu imaginário 
invadido e eventualmente destruído. Para isso, inventaram a ciência ocidental com o objetivo de 
criar uma justificativa científica do mundo e sua dinâmica, a partir da visão do colonizador (Blaut 
1993). Também para comparar os modos de vida das várias raças, para justif icar a missão das 
superiores de “civilizar”—ocidentalizar—às raças inferiores. A ciência da Europa foi criada para 
viabilizar o capitalismo através de inovações tecnológicas para transformar a realidade material e 
de inovações institucionais, sociais e políticas convenientes para os interesses globais do 
capitalismo emergente e da ambição expansionista dos impérios da Europa ocidental. 
 
6 Os conceitos de colonialidade do poder, colonialidade do saber e colonialidade do ser foram desenvolvidos 
por pensadores desobedientes da América Latina que integram o Grupo Latinoamericano de Pesquisa sobre 
a Modernidade/Colonialidade. Seu pensamento foi analisado e sintetizado por Escobar (2003) e Pachón-Soto 
(2007a), e pode ser encontrado atualizado pelo próprio grupo em Castro-Gómez e Grosfoguel (2007). 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
 19 
 
Apoiados na razão e na experimentação, os cientistas querem ser Deuses. A natureza pode ser 
controlada quando expressada matematicamente na forma de leis universais. As ciências sociais 
podem decifrar as leis naturais do funcionamento da sociedade e suas instituições. A legitimação 
científica do mundo surge de um ponto de vista supostamente universal, objetivo e neutro, que 
Santiago Castro-Gómez conceitua como a hybris do ponto zero: “localizar-se no ponto zero é o 
começo epistemológico absoluto. Equivale a ter o poder de instituir, de representar, de construir 
uma visão sobre o mundo social e natural reconhecida como legítima e avalizada pelo Estado” 
(Castro-Gómez 2005:25). O cânon, o molde, o modelo, o padrão, o paradigma, em fim, o centro 
civilizado do mundo é Europa, superior, enquanto o resto é sua periferia, inferior. 
 
Para legitimar a superioridade de uns e estabelecer a inferioridade de outros, os impérios da 
Europa ocidental contaram com filósofos, como Kant, e com cientistas, como Linnaeus, que 
emprestaram sua credibilidade científica e competência epistemológica à iniciativa imperial de 
classificação social da humanidade a partir do critério de raça: 
 
“Gênero original: branco; Primeira raça: ...louro de frio úmido (Europeus); Segunda 
raça: vermelho cor de cobre (Americanos [indígenas]), de frio seco; Terceira raça: 
negra (Africanos) de calor seco; Quarta raça: amarelo cor de oliva (Índios [asiáticos]) 
de calor seco. Em países cálidos o ser humano amadurece primeiro, mas não alcança a 
perfeição das zonas temperadas. A humanidade existe em sua maior perfeição na raça 
branca. Os negros são inferiores, mas os mais inferiores são os povos americanos 
[indígenas]. Os...amarelos são os que têm menor talento”7. 
 
“Karl Von Linnaeus...famoso catalogador de nosso conhecimento do mundo natural 
enumerou quatro importantes e originais grupos humanos...os Europeus, governados 
com base em leis, os americanos governados por meio de seus costumes, os asiáticos 
governados pela opinião, e os africanos governados com base no contingente e no 
arbitrário” (Mendieta 1998:148). 
 
A colonialidade do ser (Maldonado-Torres 2007) é a dimensão ontológica da colonialidade que se 
afirma na violência da negação do Outro. O ser europeu, superior, é um ser excludente, que não 
inclui a experiência colonial da não-Europa. A certeza do Ego conquiro (Eu conquisto) do 
conquistador (Dussel 1992) precede a certeza do Ego cogito de Descartes. Como disse Fanón: 
 
“Não basta ao colono limitar o espaço do colonizado; o colono faz do colonizado a 
quinta essência do mal. O colonizador desfigura e deforma o imaginário do colonizado” 
(Fanón 2003: 35, 36). 
 
Sob esta racionalidade cruel, os subalternos vivem dominados, sem esperança, com sua vida em 
perigo constante, sem utopia, sem futuro. A modernidade se consolida como paradigma da 
guerra, da violência, sob o qual o Outro é descartável, é um mero objeto de domínio, para ser 
apropriado e explorado (Pachón-Soto 2007a). 
 
A colonialidade do ser naturaliza a escravidão e a servidão, legitima o genocídio em nome do 
progresso (e de Deus) e banaliza a violência, a desigualdade e a injustiça. A colonialidade do ser 
emerge da colonialidade do poder, gerenciada pelo Estado, e da colonialidade do saber, liderada 
pela ciência moderna. O ser europeu emerge junto com a invenção do Outro, que pode e deve 
ser conquistado, domesticado e explorado. A Europa criou a modernidade e seu outro rosto, a 
colonialidade (Mignolo 2007), se posicionou por cima dela e se auto-proclamou modelo perfeito 
para a humanidade. O Outro do Novo Mundo (periferia) se encontra na minoria de idade: a 
incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem a tutela de outro. Por exemplo, assim 
 
7 Immanuel Kant em Sobre as Variedades das Diferentes Raças de Homens (De Souza Silva et al. 
2006:82; grifo nosso) 
De Souza Silva, José O dia depois do desenvolvimento 
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pensava Sepúlveda, o contraditor de Bartolomeu de las Casas, quando se referiu aos indígenas 
da América, e Montesquieu, quando se referiu aos africanos, respectivamente: 
 
“com perfeito direito, os espanhóis imperam sobre os bárbaros do Novo Mundo e ilhas 
adjacentes, havendo entre eles tanta diferença como a que vai de monos a homens” 
(Sepúlveda, em Pachón-Soto 2007a:16). 
 
“Não é concebível que Deus, um ser tão sapientíssimo, haja

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