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HISTÓRIA MEDIEVAL OCIDENTAL CAPITULO 2 A GUERRA SANTA DOS CRISTAOS E A UNICA GUERRA JUSTA

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HISTÓRIA MEDIEVAL OCIDENTAL
CAPÍTULO 2 - A GUERRA SANTA DOS CRISTÃOS É A ÚNICA GUERRA JUSTA?
Beatriz Nogueira de Sousa
INICIAR
Introdução
Uma das grandes imagens da Idade Média é o cavaleiro. Desde sua vestimenta, a armadura, até sua arma, a espada, são os referenciais que ficaram no imaginário coletivo sobre o período medieval. Contudo, quem são esses homens? Como a cavalaria se formou como grupo de poder? Em uma sociedade na qual é típica a rigidez social, de que forma os mais pobres poderiam chegar ao posto de cavaleiro? Durante todo o estudo sobre o período medieval, é recorrente a menção à Igreja não só como intercessora no âmbito religioso, mas também como atuante no âmbito político. De que forma a Igreja evoluiu desde o Império Romano até se tornar a grande potência que se tornou no período medieval? E qual relação podemos fazer entre cavalaria e Igreja? Podemos afirmar que a relação direta entre Igreja e cavalaria nesse período é, de fato, a expedição cruzadista. O que é especificamente uma “Cruzada”? A cruzada difere de uma expedição militar comum por conta de sua especificidade: ela se dirige apenas contra hereges ou infiéis; ou seja, são expedições militares legitimadas pela Igreja que tem como questão central a proteção do cristianismo e a perseguição aos inimigos da fé. É importante ressaltar que o termo “Cruzada”, segundo Hilário Franco Jr. (2001), só surgiu a partir do século XIII, quando o fenômeno já não estava mais em seu apogeu. Geralmente, os termos utilizados pelos contemporâneos ao fenômeno são “guerra santa” ou “peregrinação”. O que define um cruzado é justamente o uso do bordado da cruz vermelha em túnica branca – dessa cruz que vem a alcunha dada à expedição – e o fato de esses combatentes acreditarem que são o braço armado de Cristo. Isso nos faz lembrar de que a Igreja permeia todos os aspectos da vida durante a Idade Média. Neste capítulo vamos estudar as principais características das cruzadas e de seus cavaleiros. Bons estudos!
2.1 A cavalaria medieval        
Quando pensamos em cavalaria, imediatamente pensamos em exército. Os cavaleiros medievais, mais do que apenas armas a serviço da nobreza, constituem-se como grupo social importante e diversificado, dividido em diversas ordens religiosas cujos ideais de honra, proteção e amor cortês são comuns a todos.
2.1.1 Formação e transformação da cavalaria no período medieval
Os cavaleiros correspondem ao grupo daqueles que “lutam”, encabeçado pela nobreza que detém as armas e o poder militar. Sua origem não está ligada apenas à ascensão da nobreza, mas sim a uma grande gama de fatores que explicitaremos a seguir. 
Na obra A sociedade cavaleiresca, Georges Duby (1989) exemplifica a chamada “sociedade das três ordens” medieval: o clero, a nobreza e os servos. Desse modo, ele trabalha as relações e incongruências entre os três grupos, com ênfase no período após o ano mil.
A cavalaria com sua função militar existe desde as primeiras migrações bárbaras (FRANCO JÚNIOR, 2001). A importância da cavalaria nesse período não orbita em torno apenas de poder de guerra, mas também, do ideal cavaleiresco que se instaura a partir de então. A cavalaria coloca-se como grupo com um aparato ideológico bem delimitado valorizando sempre a honra, a coragem, a morte em batalha, o papel central do cavalo, o amor ideal e o apreço pela força física. Isso se relaciona à herança bárbara de valorização e honra ao chefe; o que dá origem à cavalaria medieval propriamente dita. É só a partir do século XI, porém, que podemos falar na cavalaria como instituição militar e social, além de se configurar na Idade Média como uma das poucas formas de ascensão social, dada a rígida estratificação social típica daquele período. 
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Figura 1 - O cavaleiro medieval geralmente estava ligado a uma casa real que possuía um estandarte como símbolo.Fonte: Photo Spirit, Shutterstock, 2018.
Posteriormente, conforme Jean Flori (2002) descreve bem em seu verbete especial sobre a cavalaria para o Dicionário Temático do Ocidente Medieval, os próprios reis criaram as ordens cavaleirescas correspondentes a sua casa real, com seu próprio código de cavalaria. É importante ressaltar que, embora existam diferenças entre as ordens de cavalaria orientadas por diferentes reis e diretamente associadas às ordens religiosas, como a ordem dos Templários e dos Hospitalários, a base do código moral de honra do cavaleiro é a mesma em toda a Idade Média: o valor cristão, a proteção das mulheres e dos humildes, a defesa contra a injustiça e a pureza de caráter. 
Ainda segundo Jean Flori (2002), além dos cavaleiros comuns, combatentes em guerras ou organizadores do feudo, chamados de miles, a cavalaria a partir do século XII conta também com os escudeiros, os cavaleiros oriundos das ordens religiosas, as lanças, e os cavaleiros da espora dourada, que não necessariamente possuíam título nobiliárquico. Desse modo, podemos notar que há uma rígida estrutura interna na própria cavalaria.
Essa gama de estratificações que emerge na classe dos cavaleiros a partir do século XII nos mostra que cada vez mais no decorrer no período medieval ser cavaleiro deixa de ser apenas um papel social ligado ao serviço militar – o que não significa abandonar a posição de bellator, mas sim a guerra propriamente dita – e passa a ter forte conotação social por meio do sistema de honrarias que aos poucos se institui.
O filme O nome da Rosa (BIRKIN, et al., 1986) é baseado na obra literária de Umberto Eco (1986), estudioso do medievo. O enredo mostra a dinâmica das ordens religiosas medievais. Uma curiosidade sobre esse filme é que o diretor, Jean Jacques Annaud, teve como auxiliar de verossimilhança histórica o historiador Jacques Le Goff.
O percurso do cavaleiro começava já na infância. Com oito anos de idade, o menino tornava-se pajem. Após a introdução no estudo do uso das armas, ele só se torna elegível ao posto de cavaleiro aos 21 anos, e essa posição só é alcançada caso algum lorde lhe conceda o título.
Figura 2 - O cavaleiro veste uma pesada indumentária que o protege de ataques de armas finas, como o punhal. A cota de malha é parte imprescindível dessa indumentária.Fonte: Tereshchenko Dmitry, Shutterstock, 2018.
É importante ressaltar que todo o cerimonial de ordenação de um cavaleiro é permeado por elementos eclesiásticos. É feita a benção da espada e há uma vigília de reza no dia anterior à ordenação. Isso se dá pelo fato de a Igreja reivindicar os cavaleiros na guerra santa – e para isso, o rei ou o lorde responsável por sua formação deve controlá-los. 
2.1.2 As novelas de cavalaria
A literatura de cavalaria cria uma ilusão de justiça em torno do cavaleiro. Como ele é um nobre sem posses, cuja único privilegio é poder comprar as armas e ter influência para adquirir posição junto a um grande senhor feudal, muitas vezes, na prática, o cavaleiro se apropria de meios escusos a fim de sobreviver como, por exemplo, o furto. Mas, o cavaleiro das novelas medievais propriamente ditas, não tem desvios de conduta. Isso se dá principalmente por conta de a investidura tornar o cavaleiro, após o século XII, um servo e representante de Cristo (FRANCO JÚNIOR, 2001). Sendo assim, a vida do cavaleiro é toda normatizada por princípios eclesiásticos, que evidentemente não permitem esse tipo de desvio, como o roubo ou o furto. O seu compromisso, a partir da investidura, passa a ser não mais apenas a proteção dos pobres e das mulheres, mas também a proteção dos interesses da Igreja, que irá convocá-lo para guerrear em seu nome sempre que necessário.
A literatura de cavalaria será parte da vida cotidiana em toda a Europa, mas é na França que ela terá mais audiência, justamente pelo fato de ser nesse mesmo local em que a cavalaria gozou de maior prestígio como instituição. 
Para o historiador é um pouco difícil afirmar quão prática é a atuação da cavalaria em prol dos ideais formados em torno dela. A defesa da honra e a proteção dos desemparados acontece, realmente? Ou é só discurso? Não podemosesquecer dos diversos saques e estupros cometidos pelos cruzados – membros da cavalaria medieval – nas ofensivas contra os muçulmanos. Grande parte da ideia que se faz do que é ser cavaleiro tem origem na literatura do período medieval, nas chamadas “novelas de cavalaria”, que fazem sucesso até o século XVII. As novelas de cavalaria trazem alguns dos arquétipos tradicionais do que é ser um cavaleiro medieval. O primeiro é a honra: um pilar ideológico tão forte na cavalaria, que o maior medo dos cavaleiros é ser tratado como vilão, pois isso é um atentado contra sua honra.
O grande tema da maioria das novelas de cavalaria é a aventura ligada ao amor cortês, ou seja, o amor puro, singelo, aquele que admira a mulher amada ainda que ela seja inalcançável. As novelas de cavalaria giram em torno do desamparo do cavaleiro por não ter acesso à mulher amada que, geralmente, é comprometida com algum rei ou grande nobre. Isso, somado à ação que envolve a busca por esse amor que nunca é conquistado, é que dá o grande tom heroico das novelas, como se pode observar na novela El libro del corazón de amor prendido, de René D’Anjou (1984). 
As novelas de cavalaria variam pouco de acordo com a região em que foram escritas, mas a base do enredo é a mesma para todas: uma missão, que pode ser a busca pelo Santo Graal, a luta contra os mouros ou a guerra santa como um todo, permeada pelo auxílio aos desvalidos, somada a um amor impossível cuja inspiração motiva o cavaleiro. Além desses elementos, porém, aparecem outros que contribuem muito para a audiência desse tipo de literatura. São os que Jacques Le Goff (2007) chama de “maravilhoso medieval”, composto pelas feiticeiras, duendes, fantasmas, gigantes, dragões etc., que fazem com que a história fique ainda mais instigante, e a aventura mais desafiadora.
Devemos sempre lembrar de que falar em audiência durante o período medieval não é a mesma coisa que falar em audiência nos dias atuais. Nesse período, grande parte da população é pobre e analfabeta. Sendo assim, as novelas de cavalaria fazem maior sucesso justamente no ambiente de sua gênese: a corte. Desse modo, com o passar do tempo e o declínio da cavalaria, cada vez mais essas novelas servem para estimular a imaginação de toda a nobreza ociosa, que se burocratiza cada vez mais com a aproximação da era moderna.
2.2 A Igreja Católica medieval
A historiografia afirma que a Igreja Cristã é uma das grandes instituições que possibilitam o sucesso das migrações bárbaras. Isso não no que diz respeito à chegada, mas à aculturação dos bárbaros, ou seja, a sua “mistura” com os romanos. O cristianismo cria elo entre os germânicos e os romanos, possibilitando, assim, a legitimação de determinados reinos bárbaros, como o Reino Franco. Alguns autores, como Hilário Franco Jr. (2001), pontuam que é a articulação entre os romanos e os bárbaros promovida pela Igreja o que irá, de fato, originar a Idade Média, uma vez que esse período é o ponto de encontro entre os dois povos. 
2.2.1 Consolidação da Igreja na alta Idade Média
Para que o cristianismo consolidasse sua vitória no ocidente, foi necessário que se estabelecesse uma rígida hierarquia institucional, de forma a dar legitimidade para a própria Igreja. Assim, surge o clero. 
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Figura 3 - No período medieval, a Igreja adquire grande opulência demonstrada principalmente na grandiosidade de suas construções.Fonte: Catarina Belova, Shutterstock, 2018.
A existência de um grupo restrito de pessoas comandando a cristandade não é recebida com estranheza por parte dos cristãos, uma vez que essa formulação administrativa é imposta desde o início da organização do cristianismo. Essa origem se relaciona à ordenação dos apóstolos como os escolhidos por Jesus para a expulsão dos demônios, a cura de doenças, a intercessão e a difusão da Palavra.  Desse modo, desde sua origem, o clero se diferencia da grande massa cristã.
O Papa Bonifácio VIII (1235-1303) é famoso pela discussão com o Rei da França, Felipe IV. O Rei teria o esbofeteado em uma ocasião, e o levado ao exílio. Além disso, Bonifácio VIII é condenado no inferno de Dante Alighieri sob acusação de simonia, que é a venda de favores divinos (BOASE, 1933).
A base da lógica eclesiástica formula-se no decorrer do século IV (BOASE, 1993). Nesse momento, é imposta a castidade, a doação de esmola por parte dos fiéis, a existência de um tribunal exclusivamente para os membros do clero e a isenção de impostos para os clérigos.
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Figura 4 - A eleição do Papa Francisco pelo conclave no Vaticano trouxe maior diálogo com outras religiões, dada a postura conciliatória do pontífice.Fonte: Roman Yanushevsky, Shutterstock, 2018.
É justamente a rígida estrutura episcopal, porém, que abre precedentes para o surgimento das heresias. Na mesma medida em que os dogmas dão força centralizadora para a Igreja, também dão brecha para o surgimento de diversas heresias, já que são fruto do sincretismo, ou seja, resultado da reunião das culturas romanas e germânicas, o que abre certo espaço para interpretações diferentes das mesmas doutrinas.
A formação da cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval, obra de Christopher Dawson, foi escrita em 2014 e traz informações complementares sobre a formação cultural cristã. Com ela, você poderá entender melhor o processo de construção institucional que resultará na Igreja tal como a conhecemos nos dias atuais.
Essas interpretações, em um primeiro momento, eram submetidas ao bispo local para só depois serem discutidas como questão de doutrina nos concílios. O primeiro dessa temática foi o Concílio de Niceia, em 325, reunido para discutir a existência do arianismo, ou seja, da doutrina que negava a natureza divina de Cristo. Após esse concílio, são executados mais 19 concílios, todos com a intenção de ajustar os dogmas e discutir a doutrina cristã.
O papa não pode ser julgado por ninguém e tem seu poder muito bem colocado como superior, principalmente após o Papa Gelásio I (492-496) ter definido sua teoria dos dois poderes, que diferencia o poder temporal do poder espiritual. Os bispos, a partir dessa teoria, são superiores ao poder temporal, diferenciando-se assim do poder terreno. Dessa forma, todo o corpo eclesiástico, ou o poder espiritual, se afasta dos reis e senhores, atingindo um patamar de supremacia sobre estes.
Segundo Christopher Dawson (2014), embora o celibato dos padres católicos seja explicado pela Igreja como resultado do casamento do sacerdote com Cristo, a questão está ligada à posse da terra. O nascimento de descendentes de padres consumiria o patrimônio católico por meio da hereditariedade e da posse de herança e, por isso, o casamento e a geração de herdeiros são proibidos. Por outro lado, é importante ressaltar que não há consenso historiográfico sobre essa informação.
A partir do momento em que o cristianismo se torna religião oficial do império, é estabelecida uma relação dúbia de legitimação. Por um lado, o Império protege a Igreja, permitindo sua expansão, que é bem-sucedida uma vez que, a partir do século VIII, podemos considerar que todo o ocidente está convertido e, por outro, a Igreja legitima o poder estatal, sagrando o imperador e tornando-o irrefutável por sua origem divina (BOASE, 1933).  Essa relação é transferida do poder romano para o poder germânico, representado no Reino Franco. A Igreja se adapta à dinâmica política na mesma medida em que os imperadores ou reis acabam se subordinando à Igreja nessa época. Muitas vezes, porém, uma esfera acaba interferindo na outra, o que ocasiona diversos conflitos no decorrer do período medieval.
2.2.2 O papel político e social da Igreja na Idade Média
Gregório Magno (590-604) é considerado uma das figuras mais influentes da Igreja no primeiro período medieval. Ele estabelece as obrigações do clero nos seus escritos intitulados A Regra Pastoral (2014) que, a princípio, são voltadas apenas aos padres, mas acaba tornando-se um manual de conduta utilizado portoda a Idade Média. Além disso, ele investe na difusão da fé cristã por meio do envio de monges para a conversão dos germânicos e, também, da criação do canto gregoriano, consagrado até os dias atuais. Atribui-se muito do sucesso do cristianismo no século VIII à realização dessas ações.
É interessante ressaltar que nesse período surge o patrimônio da Igreja na Itália. Ele é justificado como de origem episcopal em um documento chamado Donatio Constantini, que é a concessão do poder imperial de todo o ocidente para o papado por parte do imperador romano Constantino. Esse documento justifica, então, a pretensão do papa de se tornar, de certo modo, suserano do mundo ocidental. 
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Figura 5 - O Vaticano é um grande símbolo de poder da Igreja durante o período Medieval.Fonte: ultramansk, Shutterstock, 2018.
O estado romano se torna cada vez mais complexo com a criação da Cúria Romana, que funciona como uma espécie de centro administrativo da Igreja. Os cardeais compunham a Cúria e, a partir de 1059, são responsáveis pela eleição do papa por meio de um conclave, que é a reunião dos cardeais para votação secreta. Ao mesmo tempo, é planejada a arrecadação da Igreja com as rendas decorrentes das propriedades do papado, impostos pagos pelos vassalos cristãos, o imposto de São Pedro e taxas gerais da administração central da Igreja.
2.2.3 As ordens religiosas na Idade Média
Durante a Idade Média forma-se ainda o que ficou conhecido como clero regular, composto por aqueles que vivem de acordo com uma regra religiosa específica, diferenciada dos demais membros do corpo eclesiástico. Um grupo dessas pessoas que segue o mesmo conjunto de regras forma uma ordem religiosa, que geralmente vive reclusa em mosteiros ou conventos.
Sendo assim, podemos dividir o clero em dois grandes grupos: o clero secular, composto por bispos, padres e outros membros da Igreja, que eram responsáveis pelos ritos e pela sociedade como um todo. Esse clero mantém os dogmas em funcionamento como, por exemplo, o sacramento do batismo e do casamento. Em contraponto a ele, temos o clero regular, cuja função é servir a Deus isoladamente. Esse sistema tem origem no Egito e na Síria com Santo Antão (251-346), que se retira para o deserto em busca de ascensão espiritual individual. 
Domingos de Gusmão, mais conhecido como São Domingos (1170-1221) é o frade responsável pela criação da Ordem dos Pregadores, ordem mendicante cuja oficialização foi recusada pelo Concilio de Latrão (1215). Sua oficialização foi dada em 1216 e os mendicantes desse grupo ficaram conhecidos como dominicanos (FLETCHER, 2004).
No ocidente, o monasticismo, ou a vida reservada aos mosteiros, aparece com a regra de São Bento em 534, que prega o trabalho e a oração como pilares da salvação. Esses preceitos dão origem à Ordem Beneditina, estabelecida nos princípios que permeiam o ideário de todas as ordens a partir daí: a pobreza, a obediência e a castidade. Além disso, os monges devem se educar sempre que possível, dentro do mosteiro, além de hospedar viajantes. Por conta disso, é que geralmente ao lado dos mosteiros havia uma escola, somada à biblioteca. Desse modo, os mosteiros aos poucos se constituem como os grandes centros educacionais da Europa medieval.  A Ordem Beneditina é famosa pelos seus escritorium, copiando e traduzindo livros do grego para o latim. 
No decorrer do período medieval, surgem outras ordens, ligadas ao ideal mendicante e à crítica ao clero regular, por estes cada vez mais terem se afastado dos ideais de Cristo de pobreza e penitência.
2.3 As expedições militares da Igreja Católica: as Cruzadas
Quando nos referimos à Idade Média, automaticamente pensamos na figura do guerreiro, fortemente protegido por sua armadura, guerreando em cima de um cavalo. Essa imagem que temos do período medieval é pautada na nobreza guerreira, voltada para o ideal combativo, e se origina no conjunto de expedições militares chamadas pela historiografia de Cruzadas, que foram um movimento de expansão política, econômica, social e religiosa dos reinos cristãos em direção ao oriente e à retomada da Península Ibérica.
O filme Cruzadas (MONAHAN, 2005) demonstra a trajetória de Balian (interpretado por Orlando Bloom), um pequeno nobre em busca de vingança pela morte da família, que decide conquistar a terra santa com os cruzados. Lá, ele ganha um título de nobreza e terras, e a trama se desenvolve em torno de sua relação com o rei de Jerusalém. Vale a pena conferir, ainda que os filmes não passem verossimilhança total com os períodos históricos.
Atualmente, a perspectiva da guerra em nome de Deus não nos é estranha. Com muita frequência nos deparamos com o termo “Guerra Santa” nos telejornais, sempre se referindo aos ataques terroristas promovidos na Europa por grupos específicos de origem muçulmana xiita. Poucos de nós sabemos, porém, que por muito tempo esse termo foi utilizado pelos cristãos para justificar os assaltos e massacres que foram feitos pela Igreja no oriente durante o período medieval. Estima-se de forma não muito precisa que cerca de 100.000 muçulmanos foram assassinados nessa época em nome da fé, número muito superior ao atingido pelo terrorismo na atualidade (FRANCO JÚNIOR, 2001). Neste tópico, explicitaremos quais as motivações, processos e consequências da expedição militar católica intitulada de Cruzada.
2.3.1 As causas das Cruzadas
É muito difícil situarmos o número específico de cruzados combatentes que havia em uma cruzada, já que populares também se misturavam ao movimento e não há fontes que descrevem um número específico. Hilário Franco Jr. (2001) nos fornecerá os dados históricos que discutiremos neste tópico. Ele aponta que os cruzados não ultrapassavam 10.000 combatentes, uma vez que, segundo ele, a proporção de guerreiros e não guerreiros era de um para dois, e entre cavaleiros e infantes, um para sete. Por outro lado, a questão que vem à tona quando pensamos nesse grande movimento de massa é: o que motivou essas pessoas a abandonarem a Europa em busca da Terra Santa?
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Figura 6 - A cidade de Jerusalém com seus diversos grandes monumentos religiosos é considerada sagrada para o monoteísmo.Fonte: Kanuman, Shutterstock, 2018.
A cruzada começa quase sempre a partir de uma ordem papal. O papa Urbano II, em 1095, proclama a primeira cruzada, com o título de guerra santa (FLETCHER, 2004). Além disso, sempre há um chefe espiritual, representante do papa, chamado de legado pontifício, que acompanha a expedição. A segunda cruzada por exemplo, em 1147, recebe apoio de São Bernardo que, embora não fosse papa, era representante do clero. Sendo assim, ainda que no campo de batalha a cruzada seja chefiada pelo rei ou por condes e duques, a ordem de início e a justificativa é da Igreja. O movimento ou é financiado pela Igreja e pelos próprios cruzados, ou por pequenos nobres que penhoravam seus bens ou vendiam a liberdade de seus servos em prol do ideal. Muitas vezes os cruzados pegam empréstimos para financiar a viagem, ou com mercadores ou com as ordens religiosas, como os templários. 
A cidade de Jerusalém é considerada a Terra Santa para as três principais religiões monoteístas do mundo: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Para os judeus, ela é sagrada pois seria o local onde supostamente existiu o Templo de Salomão. Para os cristãos, por abrigar o Santo Sepulcro e para os muçulmanos, por conta do Domo da Rocha, local onde supostamente Maomé ascendeu ao céu.
Mas, quais são as motivações para o empreendimento das Cruzadas? Devemos ter em mente que a motivação não é apenas espiritual, no sentido de derrotar o inimigo herege, mas também material e mental, posto que o homem medieval sempre está em peregrinação e movimento, seja para uma nova localidade ou para um local sagrado.
O contexto de fundamentação do feudalismo dá as condições necessárias para as Cruzadas se desenvolverem. Segundo Marc Bloch (1982), o feudalismo, em seus primeiros séculos, promove um aumento demográfico por causa de seu isolamento em relaçãoao oriente, o que faz com que as epidemias transmissíveis sejam reduzidas; bem como pela suspensão das grandes guerras por território entre germânicos e romanos ou entre os próprios germânicos.
Guerras feudais ainda ocorrem, mas em número menor e mobilizando um contingente menor de pessoas, o que faz com que suas baixas não tenham impacto demográfico considerável. Além disso, há melhora na qualidade da alimentação da população no período, uma vez que aumentam os recursos naturais resultantes do sistema de cultivo feudal. Aponta-se ainda que, por volta do ano mil, o clima europeu tornou-se seco e mais quente, o que possibilitou a plantação de gêneros agrícolas que até então não vingavam em solo europeu, isso somado às inovadoras técnicas agrícolas. A melhora na qualidade da alimentação da população e o aumento da expectativa de vida influenciaram o crescimento demográfico a partir do ano mil.
A esse contexto, soma-se o surgimento de um comércio com o oriente, ainda que em menor escala do que o do período posterior, no qual há a ascensão das cidades. Para Veneza e Gênova, que eram as localidades que tomam a frente desse comércio por sua posição privilegiada, a questão das Cruzadas se confundia com os interesses comerciais.
Devemos sempre entender que as causas das Cruzadas não são exclusivamente materiais, mas também subjetivas. Toda a base da sociedade feudal é resultado da dialética entre honras e obrigações, decorrente do contrato feudo-vassálico. Assim, em resultado da maneira de pensar do homem da época, a relação com Deus também é adaptada ao contexto feudal; desse modo, Deus é visto como o grande senhor de todos, e a humanidade como seu vassalo, devendo-lhe obrigações. O próprio Diabo era visto como um servo de Deus que não o serviu de forma correta, orbitando sempre como um espectro do que aconteceria caso não se honrassem as obrigações divinas. Nesse contexto, em que a sociedade está permeada pelo ideal guerreiro e se enxerga como diretamente submissa à vontade divina, é natural que apareça o ímpeto da guerra em nome de Deus. É por esse laço essencialmente religioso que o homem da época muitas vezes nomeava as Cruzadas como peregrinação. O combate contra os infiéis se formula, então, como necessidade material, política e religiosa. 
2.3.2 O conflito entre cristãos e muçulmanos
As Cruzadas são divididas em oito e ocorrem, desde a primeira até a última, em um movimento quase contínuo. Por isso, podemos problematizar essa divisão mecânica do movimento, já que constantemente grupos de ocidentais chegam ao oriente. Geralmente, elas são nomeadas pela historiografia tradicional por número ou pelo nome que geralmente designa o grupo social predominante na peregrinação. É importante ressaltar, também, que muitas vezes, principalmente entre os pobres, algumas pessoas peregrinam rumo à Terra Santa sem necessariamente estarem ligadas a algum movimento cruzadista.
Segundo Hilário Franco Jr. (2001), antes da primeira cruzada oficial, há um movimento conhecido como Cruzada Popular ou Cruzada dos Mendigos; nome que caracteriza a multidão composta pela população pobre das atuais França e Alemanha. Simultaneamente, a primeira cruzada oficial (1096-1099) é organizada pelo papado mobilizando a nobreza. Ela é empreendida após o discurso de Urbano II no Concílio de Clermont-Ferrand em 1095, no qual o papa convoca os cristãos contra os muçulmanos em busca da retomada de Jerusalém. Em 1099 eles chegam a Jerusalém, promovendo um verdadeiro massacre. Desse modo, os cristãos fundam quatro estados diferentes nos territórios conquistados, os quais são alvo de migração, ainda que grande parte dos guerreiros tenham voltado. Contudo, a posição dos cristãos era frágil, devido à abordagem que eles tiveram com os nativos, bem como por seu isolamento territorial, uma vez que Bizâncio mantinha posicionamento hostil com relação aos cruzados, que haviam prometido retorno das terras para o Império do Oriente e não cumpriram. Por esse motivo, articula-se uma segunda cruzada (1147-1149) para fortalecer a posição ocidental em Jerusalém. Ela é idealizada, essencialmente, por São Bernardo.
Jerusalém sofre influência cristã por 84 anos, até que Saladino (1138-1193), líder muçulmano, a retoma. Isso faz com que os cristãos organizem a terceira cruzada (1189-1192). Com o passar do tempo, as Cruzadas foram adquirindo um tom mundano. A quarta cruzada, por exemplo, é resultado de uma barganha com o papado, uma vez que os venezianos, maiores interessados nesse movimento por conta do comércio, exigem que o representante eclesiástico presente na cruzada tenha função exclusivamente comercial. Há ainda a Cruzada das Crianças, de 1212, que só alcança Gênova e na qual grande parte das crianças é escravizada ou morta no caminho. A quinta cruzada, convocada no Concílio de Latrão em 1215, cuja meta era o Egito, por ser a região mais rica dos muçulmanos fracassa também, assim como a sexta, a sétima e a oitava Cruzadas. 
Cada vez mais, no decorrer das últimas Cruzadas, já sem adesão de diversos senhores e reduzidas a anseios extremamente locais, fica clara a intencionalidade por trás da evocação do ideal cruzadista. As motivações, quase sempre econômicas ou territoriais contra os muçulmanos, enfraquecem o empenho e a adesão popular em torno do movimento cruzadista (FRANCO JÚNIOR, 2001).
2.3.3 O significado das Cruzadas para a Europa medieval
Um movimento tão grande quanto as Cruzadas, que envolve uma série de motivações políticas, sociais e religiosas evidentemente deixa marcas na sociedade na qual ela atuou. Tanto do ponto de vista cristão, como do ponto de vista muçulmano, o mundo não é mais o mesmo após o movimento cruzadista. Ainda que possamos considerar as Cruzadas como um fracasso cristão, uma vez que seu objetivo último, a retomada da Terra Santa, não se fez real ao término das oito expedições, ficam claras as marcas deixadas por esse movimento nas sociedades ocidental e oriental. As mudanças trazidas para o mundo após as expedições cruzadistas são amplamente discutidas na obra de Richard Fletcher (2004). Essa obra, que traz uma percepção atualizada e dinamizada das fontes históricas desse período, nos descreve mudanças religiosas, políticas e sociais, que discutiremos a seguir.
Primeiro, abordaremos as mudanças religiosas. Se por um lado, a cruzada obriga os cristãos a conviverem com os muçulmanos, por outro, ela aumenta o ódio entre cristãos, bizantinos e judeus. Isso ocorre em razão das diversas promessas feitas aos bizantinos que não são cumpridas, além da balbúrdia que se torna Constantinopla com a chegada das tropas de cruzados e pelo fato de os judeus serem confundidos com o inimigo herege na passagem dos cruzados por seus vilarejos. 
A principal mudança nesse aspecto, porém, é o crescente desprestígio que a Igreja enfrenta. Em um mundo no qual sinais místicos e divinos regem a vida social, o fracasso do movimento cruzadista passa a ser interpretado como sinal de que Deus não está de acordo com o clericalismo da época.  Isso repercute diretamente no aumento das heresias. Com relação aos laços sociais, as Cruzadas vão resultar no enfraquecimento das relações de servidão, fortalecimento da burguesia pelo incremento do comércio e, consequentemente, na perda de poder para a nobreza.
Grande parte dos nobres empobrecem em razão das Cruzadas. Com o fracasso do projeto de expansão para o oriente, muitos deles perdem suas terras, além disso, há o fato de a Igreja assegurar a proteção dos bens do cruzado em caso de sua ausência ou morte. Hilário Franco Jr. (2001) aponta que, no Norte da França, região em que há grande número de voluntários para as expedições cruzadistas, o número de famílias nobres passa de 100, no ano de 1150, para 12, em 1300. Além disso, os poucos que obtêm sucesso na empreitada para o oriente e adquirem feudos naquela região, perdem suas posses no decorrer do tempo, com a retirada dos cruzadistas e com os sucessivos ataques dos muçulmanos. Ou seja, mesmo para aqueles que ganham algo com as Cruzadas, o ganho podeser considerado irrisório, posto que é passageiro. É evidente que em alguns casos os cruzados voltaram mais ricos para a Europa Ocidental, mas cabe ressaltar que esse não é o caso da maioria.
Os laços de servidão são intensamente prejudicados pelo movimento das Cruzadas. Isso acontece tanto pelo fato de muitos nobres venderem a liberdade de seus servos em busca de recursos para a retomada da Terra Santa, quanto pela fuga dos servos que, em momentos de ausência do senhor, vão em busca da vida urbana, que nesse período inicia fervoroso desenvolvimento. O fato é que a servidão sofre um duro golpe com o advento do movimento cruzadista.
Esse período da Idade Média é marcado pela ascensão burguesa. Grande parte das consequências das Cruzadas em seu âmbito social caminham para o processo de fortalecimento dos estados nacionais que culmina na chegada ao poder de grandes monarquias centralizadas. O recuo da servidão, o sumiço de diversas linhagens nobres e a expansão do comércio e da cidade dão as condições que resultam nesse processo de fortalecimento muito posteriormente, a partir do século XV (FRANCO JÚNIOR, 2001).
É interessante destacar que a visão do historiador H. Pirenne (1968) – segundo a qual a invasão muçulmana causa o fechamento das rotas comerciais do mediterrâneo no século VIII; e as Cruzadas impulsionam a reabertura do comércio – atualmente é considerada ultrapassada. Hoje, do ponto de vista econômico, os historiadores acreditam que o comércio não é interrompido com a invasão muçulmana na Península Ibérica, mas sim diminuído substancialmente. O que se observa a partir das Cruzadas é o aumento das trocas comerciais transcontinentais que influencia diretamente no avanço econômico das cidades de Veneza e Gênova. 
Fazendo um balanço geral do movimento cruzadista, podemos pensar: a guerra santa cristã, foi de fato uma guerra justa, assim como os cristãos a chamavam na época? O massacre promovido pelo exército cruzado é sem precedentes. Fontes muçulmanas apontam que após a tomada de Jerusalém em 1099, os cristãos deixam cem mil muçulmanos mortos, não poupando sequer mulheres, crianças e idosos (FRANCO JÚNIOR, 2001). 
Vale relembrar que Jerusalém é a terra santa não só para os cristãos, mas também para os muçulmanos e judeus, que reivindicam sua posse. Fica claro para nós que, no contexto da época, é construída a imagem do muçulmano malvado e infiel, na mesma medida em que os muçulmanos enxergam os cristãos dessa forma. Assim, podemos dizer que as Cruzadas, apesar de todo seu discurso poético e religioso no período medieval, é fruto de diversos interesses muito mais mundanos do que a Igreja e a nobreza gostariam de assumir naquele período. O massacre promovido pelos cristãos no oriente médio, então, surge como um dos fatores que aprofundam ainda mais a dicotomia entre ocidente e oriente, colocando-os como inimigos e perpetuando os estereótipos que até hoje ocasionam conflitos entre ambos os grupos. 
2.4 As cidades medievais e a economia comercial
O comércio é a ligação entre a cidade e o campo. É a efervescência comercial que muda a relação do homem com a terra e a relação do homem consigo mesmo, já que é a ascensão do comércio que dinamiza a sociedade medieval. 
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Figura 7 - Os fossos e os rios em torno da cidade medieval têm função protetiva.Fonte: Sergey Didenko, Shutterstock, 2018.
O surgimento da cidade e das novas classes sociais expõem de forma cada vez mais latente as incoerências da sociedade medieval. Aos poucos, fica claro que o antigo modelo de vida baseado totalmente na servidão e na posse da terra já não se encaixa mais na sociedade dinâmica e nas relações sociais que o comércio desenvolve. Gradualmente, desenvolvem-se relações de trabalho e de comércio que desembocam no capitalismo. É nesse momento que se inicia a transição entre o modo de produção feudal e o capitalista. Devemos deixar claro, porém, que a ascensão do capitalismo é um processo de longa duração, ou seja, ele começa com algumas estruturas nesse momento de crise do modo de produção feudal e ao longo dos séculos vai se modificando e se especializando até chegar à formulação que conhecemos no século XX, que já não é a mesma do capitalismo global do século XXI. Sendo assim, do mesmo modo que os outros processos de longa duração, o feudalismo não apresenta uma data específica para terminar; e o capitalismo, uma para começar. Ambos os sistemas coexistem por muito tempo, e o desenvolvimento de um em detrimento de outro não é uniforme em todas as regiões (LE GOFF, 1992).
2.4.1 O surgimento do comércio e a transformação do feudalismo
As primeiras mudanças na relação de trabalho ocorrem no campo. Há uma abertura nas relações, de modo que em grande parte da Europa Ocidental o trabalho passa a ser feito por contrato – um paralelo com as jornadas urbanas – ou, em casos muito específicos e extremos, com uma pequena remuneração. Não é possível o surgimento do comércio e das cidades caso não haja, no campo, um conjunto de transformações cujo resultado é a produção de excedentes. A principal transformação que destacamos é o arroteamento, que consiste no aumento da área produtiva por meio da derrubada de florestas e aproveitamento de áreas de pântano, o que resulta na diminuição do pousio, ou seja, do descanso dado à terra. É o campo que vai abastecer a cidade, possibilitando, assim, o florescer urbano, com a liberação da mão de obra do campo para a cidade. 
A diferença entre as localidades europeias acontece de acordo com o desenvolvimento das relações envolvendo trocas monetárias na região. Onde o comércio é mais especializado e a rede de moedas mais desenvolvida, com extenso uso do câmbio e de outros mecanismos de administração monetária, a mudança proporciona a existência do trabalho remunerado ou contratual. Esse movimento é conhecido como movimento de abertura do sistema feudal. A justificativa para essa abertura orbita em torno do desenvolvimento do comércio, pois os senhores feudais, cada vez mais pressionados pela necessidade do consumo de insumos agrícolas na cidade, têm a necessidade imediata de expandir o número de trabalhadores, o que não era possível no sistema de servidão total. Assim, outras formas de trabalho aparecem no âmbito rural. Justamente por essa questão é que, onde o capitalismo se desenvolve vagarosamente, o sistema feudal se fecha ainda mais – as obrigações aumentam e a servidão tende à escravidão. Nessas regiões, não há necessidade de aumento da produção.
Com relação à abertura do sistema feudal, podemos elencar ainda outra razão: o aumento da densidade demográfica em decorrência do desenvolvimento agrícola do ano mil, que possibilitou um aumento na mão de obra disponível. 
2.4.2 A cidade medieval e as corporações de ofício
No século XI, ocorre uma crise do sistema feudal, baseada no crescimento populacional proporcionado pela melhoria agrícola do ano mil. Sobre essa questão, Jacques Le Goff (1992) nos dá diversos dados históricos que discutiremos a seguir. Mas, a produção não aumenta progressivamente tal como a população o que, consequentemente, gera problemas de abastecimento.
Com o aumento da população, os pequenos agrupamentos de pessoas dão origem às grandes cidades. Como ocorre esse processo de abandono do campo e busca pelo ambiente citadino essencialmente artesanal e mercantil? Essa questão é polêmica e diversos autores têm posicionamentos diferentes sobre o tema. 
Começaremos entendendo melhor a perspectiva de Henri Pirenne (1968), historiador belga especialista em economia medieval, um dos pioneiros na discussão desse assunto. Para ele, a origem do problema está no crescimento da população medieval, pois não há mais terra para que todos possam trabalhar. Dessa forma, os servos são expulsos do campo e tornam-se pessoas marginalizados na sociedade. Aos poucos, esses trabalhadores sem ocupação vão desenvolver o pequeno comércio como forma de sobrevivência.
Com a chegada do inverno, esses pequenos comerciantes buscam abrigo, residindo próximo a castelos ou igrejasde forma permanente. O fluxo de pessoas que se agrega nesses pequenos centros de comércio é, para Henri Pirenne (1968), a origem das cidades medievais. Desse modo, na visão do autor, a ascensão da cidade medieval está intimamente ligada ao comércio e ao renascimento comercial, retomado com o reatamento das negociações diretas com os orientais, a partir do século XI.
Embora essa seja uma visão muito respeitada e aceita por determinados segmentos de historiadores, ela também é muito criticada e debatida.
Segundo Georges Duby (1989), um dos autores que discordam dessa visão de formação das cidades de Pirenne (1968), há, sim, um aumento da produtividade agrícola a partir do ano mil. Esse aumento é resultado de uma série de fatores, mas também da disseminação do plantio de leguminosas que permite o processo de nitrogenação do solo, fertilização natural que aumenta a produtividade dos campos de cultivo. 
O arroteamento aliado à mão de obra gera um excedente que Duby (1989) aponta como sendo a base do desenvolvimento mercantil. Isso contribui para a transformação da economia, que passa de autossuficiente para uma produção com circuitos mercantis e fluxos de bens e pessoas, ou seja, uma produção com excedente disponível. Mas, ainda é o sistema de trocas que articula a produção local e a produção transcontinental. Essas trocas ocorrem nas feiras e é no interior delas que o câmbio é feito, principalmente por meio das letras de câmbio e das cartas trocáveis. Esse é o momento no qual ocorre a proliferação na cunhagem de moedas. Para o autor, essas condições somadas é que vão desencadear a revolução urbana medieval.
As explicação de Duby (1989) e de H. Pirenne (1968) para o início da organização das aldeias em cidades diferem entre si pela própria natureza do saber histórico, que é fruto do estudo do homem no seu tempo, e do historiador em seu tempo também. Assim, o nexo interpretativo varia entre os historiadores, baseado, em primeiro lugar, nas fontes as quais o historiador recorre para estudar alguma questão; bem como pela influência de suas crenças, vivência, aporte teórico e o período em que ele vive.
A cidade é composta por uma zona fortificada chamada de burgo, mas não se reduz somente a ele. Com o crescimento dos povoados promovido pelo comércio, cada vez mais a população em torno dos burgos e do castelo aumenta. É justamente do lado de fora das muralhas (forisburgus, subúrbio) da cidade, “depois da ponte”, que se localizam os artesãos, os comerciantes, os cambistas e toda essa nova camada social que surge com o advento da cidade. Com o tempo, pessoas com diferentes ocupações passaram a se organizar em corporações de ofício.  
As corporações se desenvolviam em oficinas chefiadas pelo mestre artesão. Para auxiliá-lo, há os oficiais ou companheiros, parte dos trabalhadores e os aprendizes, que são mais próximos do mestre e diretamente subordinados a eles. Os trabalhadores contratados por jornada de trabalho são conhecidos como jornaleiros.
O desenvolvimento da atividade comercial especializada contribui para a criação de um mercado sedentário, para o surgimento da figura do banqueiro, e para o declínio das feiras itinerantes. Isso representa um avanço para o comércio, pois se desenvolve um caráter local e uma tradição em torno dos eixos comerciais, o que aumenta a facilidade de consumo.
De qualquer modo, as rotas comerciais continuam a existir movidas pelo comércio transcontinental. As rotas se dividem entre marítimas e terrestres, mas as marítimas são privilegiadas. As rotas terrestres, ainda que aparentemente sejam de fácil utilização, por não precisar de transportes específicos como barcos e navios, apresentam o empecilho dos pedágios cobrados pelos senhores feudais. Sobre o rio Reno, por exemplo, há 64 pedágios no século XIV. Além disso, as péssimas condições das estradas prejudicam o trânsito de animais e de carroças, o que dificulta o transporte de grandes cargas. Contudo, o grande fator que facilita a rota terrestre para o comércio internacional é o fato de, nesse período, ainda não existirem fronteiras bem delimitadas, ou seja, não há empecilhos alfandegários (LE GOFF, 1992). 
A rotas terrestres mais famosas tem ligação com as cidades italianas. As principais rotas ligam Itália, Flandres e Constantinopla; e a mais importante delas é a conhecida rota de champagne. 
Com relação às rotas marítimas, a principal é a do mar mediterrâneo. O comércio transcontinental nesse período na Europa é, principalmente, com o oriente. Os produtos provenientes da região da Península Itálica são tecidos, enquanto os produtos orientais enviados são artigos de luxo como marfim, perfumes e sedas. 
O comércio transcontinental com o oriente e a África, bem como a ascensão de diversos centros comerciais por toda a Europa, são os elementos-chave para a organização de complexas relações comerciais. Com o desenvolvimento comercial, observa-se o aumento do número de corporações de ofício, o emprego da moeda, da contabilidade e das letras de câmbio, bem como a dinamização dos objetos vendidos e das relações entre os homens de diferentes localidades.
Sendo assim, podemos notar que, com o passar do tempo, o comércio vai se adaptando às novas situações e se especializando. É justamente essa capacidade de adaptação que o capital tem, forjando mecanismos de defesa e de fundamentação que faz com que o modo de produção capitalista se desenvolva em várias regiões, principalmente a partir da Revolução Industrial entre os séculos XVIII e XIX, dominando o mercado mundial como um todo até o século XX (LE GOFF, 1992).
Síntese
Concluímos o segundo capítulo do curso de História Medieval Ocidental. Em resumo, abordamos, neste capítulo, a questão das Cruzadas como problema e alvo de intensa discussão historiográfica, suas causas e consequências para a época em que foram praticadas e o surgimento do comércio na sociedade medieval impulsionado, também, pelo movimento das Cruzadas. 
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
observar que a crise feudal no século XI é resultante do crescimento demográfico que aumenta o mercado consumidor europeu; um dos grandes fatores econômicos e sociais motivadores das Cruzadas e do êxodo rural;
entender que as Cruzadas são resultado da soma de uma série de fatores políticos, sociais e econômicos, que resultam em grandes movimentos de peregrinação em busca da terra santa;
aprender que o advento da Igreja como maior força política medieval está diretamente ligado ao apoio que a instituição religiosa dá aos soberanos que surgem nesse período, em troca de proteção;
compreender que a Igreja cria um extenso aparato administrativo a partir da Cúria Romana, que possibilita a manutenção de suas posses a torna a principal instituição medieval;
reconhecer que a ascensão do comércio está ligada à revolução agrícola, ao desenvolvimento da cidade medieval e à abertura das rotas comerciais terrestres e marítimas do mediterrâneo e do oriente.
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D’ANJOU, R. El libro del corazón de amor prendido. 3ª ed.  Tradução de J. Ramón Martínez Castellote. Palma de Mallorca: José J. de Olañeta, Editor, 1984. 
DAWSON, C. A formação da cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval. Tradução de Marcia Xavier de Brito. São Paulo: É Realizações Editora, 2014.  
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FLORI, J. A cavalaria: a origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005.
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LE GOFF, J. O apogeu da cidade medieval. Tradução. Antônio de Padua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
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MAGNO, G. A regra pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.
MONAHAN, W. Cruzadas. Direção: Ridley Scott. Produção: Ridley Scott; Scott Free Productions; Inside Track; Studio Babelsberg Motion Pictures GmbH. Distribuição: 20th Century Fox. Reino Unido; Estados Unidos; Alemanha, 2005.

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