Buscar

Monografia+Pronta+PDF

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 80 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 80 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 80 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O PROCESSO DE ‘MUDANÇA’ DE SEXO ENTRE TRANSEXUAIS NO BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS
Ana Clésia Silva Dias Costa
Universidade Federal de Sergipe - UFS
São Cristóvão
Abril, 2013
�
1
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
O PROCESSO DE ‘MUDANÇA’ DE SEXO ENTRE TRANSEXUAIS DE
ARACAJU: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS
Monografia de conclusão de curso apresentado à
Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Psicólogo
por
Ana Clésia Silva Dias Costa
Orientador: Prof. Drs. Elder Cerqueira-Santos
Abril, 2013
�
2
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
O PROCESSO DE ‘MUDANÇA’ DE SEXO ENTRE TRANSEXUAIS D E
ARACAJU: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS
Ana Clésia Silva Dias Costa
Monografia apresentada para apreciação e parecer da	Banca Examinadora
____________________________
Elder Cerqueira-Santos - Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul / University of Nebraska - USA (2008).
Orientador
____________________________
Joilson Pereira da Silva - Doutor em Psicologia pela Universidade Complutense de Madri-Espanha.
Avaliador
____________________________
Francis Deon Kich - Mestre em Psicologia - FUNESA
Avaliador
�
3
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
AGRADECIMENTOS
À minha família pela compreensão e total apoio disp ensados durante todo o processo de construção e finalização deste trabalho.
A todas às pessoas que direta ou indiretamente tamb ém contribuíram para a construção deste estudo, com incentivo, apoio e orientações so bre a melhor forma de prosseguir, em especial, à Francis Deon, Gicelma Nascimento, Gr aziela Lins, Ariane de Brito, Marcelo Oliveira, Catarina Barboza, Danilde Figueiredo e Gardênia Santos.
A todos os Professores do Departamento de Psicologia, que nos anos de convivência, muito me ensinaram, contribuindo para meu crescimento científico e intelectual.
Aos Professores que farão parte da Banca Examinador a, pela gentileza de aceitarem o convite, o que para mim é uma grande honra.
Ao Prof. Dr. Elder Cerqueira-Santos, pela atenção, apoio e paciência durante o processo de definição e orientação.
À Universidade Federal de Sergipe por me proporcion ar a oportunidade e privilégio de ser aluna desta Instituição.
Às pessoas que compõem a Astra, uma ONG que luta pe los direitos da população LGBT e pelo combate à homofobia, pela gentileza e a tenção com as quais me acolheram se disponibilizando a ajudar e facilitando o contato com as participantes que ajudaram na construção deste estudo.
E em especial, às pessoas que gentilmente ajudaram a construir este estudo na qualidade de participantes.
Enfim, MUITO OBRIGADA A TODOS!
�
4
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
O PROCESSO DE ‘MUDANÇA’ DE SEXO ENTRE TRANSEXUAIS DE
ARACAJU: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS 1
THE PROCESS OF ‘CHANGE’ OF SEX BETWEEN TRANSSEXUALS
ARACAJU: A STUDY OF MULTIPLE CASES
2
Ana Clésia Silva Dias
Elder Cerqueira-Santos3
RESUMO
O tema da transexualidade serviu como conceito para a realização desta monografia que teve como objetivo analisar o processo de transexualização a partir da crença do próprio indivíduo com relação ao enfrenta mento pessoal, familiar e social durante seu processo de transformação. Para realização deste estudo foram investigados os relatos das transexuais em Aracaju, com base nas referências sobre identidade e transexualidade, além de outros assuntos referentes a esses temas. A pesquisa foi de natureza qualitativa, tendo como método história oral/história de vida, e técnicas de coletas de dados através de entrevista semiestruturada. Foram analisados dois casos de pessoas auto identificadas como transexuais. A análise dos dados foi realizada através da análise de conteúdo, na qual foi possível criar categorias baseadas nas similaridades/singularidades presentes nas narrativas das participantes. Dessa forma, percebeu-se que mesmo numa sociedade ainda preconceituosa, que baseia-se no modelo dicotômico de sexualidade com normas sociais que pr ivilegiam a heterossexualidade, desfavorecendo os grupos sexuais minoritários, observou-se a busca de estratégias de enfrentamento por parte dos sujeitos em vários aspectos de sua vida.
Palavras-chave: Transexualidade. Identidade. Preconceito. Enfrentamento.
1 Monografia de Conclusão de Curso – Departamento de	Psicologia da UFS
2 Acadêmica em Psicologia da UFS.
3 Doutor em Psicologia, Orientador de Monografia de Conclusão de Curso - UFS
�
5
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
ABSTRACT
The transexuality issue served as the conceptual framework for the realization of this monograph. It was aimed to analyze the process of transexualization from individual's own belief about personal, family and social coping during their process of transformation. For the realization of this study we investigated narratives of transsexuals in Aracaju, based on references about identity and transexuality, and other issues related to these topics. The research was a qualitative study, using oral history/life history method, and techniques of data collection through semi-structured interviews. Two cases were analyzed from individuals self-identified as transexuals. The Data analysis was performed by content analysis, in which it was possible to create categories based on similarities/singularities present in the narratives of the participants. Thus, it was realized that even in a still prejudiced society, based on the dichotomous model of sexuality with societal norms that privilege the heterosexuality, discouraging the minority sexual groups, there was observed a search for strategies of confronting by individuals in various aspects of his life.
Keywords: Transexuality. Identity. Prejudice. Confronting.
�
6
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Sumário
Introdução	7
1.	Objetivos	11
1.1. Objetivo Geral	11
1.2. Objetivos Específicos	11
2.	Aspectos Teóricos	12
2.1 Transexualidade: Da problemática do diagnóstico à prescrição de tratamento
cirúrgico	12
2.2 O preconceito na transexualidade	16
2.3 Vivenciando a experiência transexual	..	24
3. Método	27
3.1.1 História oral e história de vida.	27
3.2 Coleta dos dados	29
3.3 Análise dos dados	..	31
4. Resultados e Discussão	32
4.1 História de Fernanda	32
4.2 História de Carolaine	33
4.3 Categorias	35
4.3.1 Infância	35
4.3.2 Primeiras experiências sexuais	..	37
4.3.3 Relação com a família	40
4.3.4 Identidade Trans	43
4.3.5 Enfrentamento	54
4.3.6 Transexualização	63
5. Considerações finais	66
6. Referências	70
7. Apêndices	74
�
7
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Introdução
A transexualidade já existe há muitos anos, mas apesar da constatação, é um fenômeno social que está em pauta. O sentimento e o desejo de ser do outro sexo são
tão remotos como qualquer outra forma de sexualidad e, o que se torna mais recente é a realização da mudança de sexo por meio da intervenç ão cirúrgica, juntamente com o tratamento hormonal, sendo considerados fatores associados à questão da diversidade de gênero que se produziu na contemporaneidade. De acordo Meyorowitz (2002), foi na Áustria do ano de 1910, que surgiram os relatos das primeiras tentativas de ‘mudança’ de sexo em experiências feitas com animais. E a partirda década de 1920, foram realizadas cirurgias de ‘mudança’ de sexo em seres humanos no Instituto de Ciência Sexual de Magnus Hirschfeld, com destaque para a cirurgia feita no artista dinamarquês Einar Wegener, que passou a se chamar Lili Elbe (Arán & Murta, 2009).
No que se refere à sexualidade, vivemos numa socied ade na qual o sexo é dividido entre masculino e feminino, contudo, a depender do contexto histórico e social ao qual se está inserido, essa dicotomia vai sofrerinfluências para se adequar as normas sociais estabelecidas. Desde a década de 1940 essa divisão vem sendo colocada em discussão nas sociedades ocidentais e contemporânea s. O relatório Kinsey, por exemplo, mostra que não existe uma divisão de macho s em dois grupos opostos, no qual de um lado estão os homossexuais e do outro os hete rossexuais, vive-se num mundo que é representado por um continuum nos seus diversos aspectos. Dessa forma, estabelecer fatos em compartimentos separados é uma peculiaridade humana localizada em determinado tempo e cultura (Fry & Macrae, 1991).
Assim, a partir das reflexões atuais, a Psicologia tem questionado a imposição feita à realidade de sexo de gênero e de corpo, pois, a concepção de gênero como dois polos opostos, feminino e masculino, fundamentada na divisão de sexo se constitui enquanto produções culturais, podendo ser pensadas como categorias sociais. No entanto, são partilhadas de maneira consensual, ou seja, são produções humanas. Diante disso, estabelece-se uma discussão geradora de muit a polêmica e que ainda enfrenta muitos obstáculos, mesmo nos dias atuais, pois atépouco tempo atrás o termo homossexualidade, que era chamado de homossexualismo, estava inserido no DSM por ser considerado um distúrbio psíquico.
�
8
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Apesar da orientação sexual não estar mais inclusa no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), já que desde 1973 deixou de ser considerada um distúrbio (Herek, 1991, 2002 & Meyer, 2003, citado por Cerqueira-Santos, Winter, Salles, Longo & Teodoro, 2007), considera-se ser este um marco importante do ponto de vista da diversidade sexual, até mesmo como forma de estimular outras batalhas contra ‘títulos estigmatizantes’.
No entanto, no que se refere à discussão sobre iden tidade de gênero, a transexualidade passou a ser considerada uma ‘disforia de gênero’, termo que foi cunhado por John Money em 1973. Sendo assim, a Harry Benjamin International Gender Dysphoria Association (HBIGDA) legitimou-se como responsável pela normatização do ‘tratamento’ para as pessoas transe xuais no mundo inteiro (Bento, 2006). Dessa forma, se preserva ainda o termo ‘disforia de gênero’ para designar pessoas que são consideradas transexuais, fator est e considerado como principal para que uma pessoa no Brasil possa legalmente realizar uma cirurgia de mudança de sexo. Por esse motivo, hoje no Brasil adota-se o DSM V4 no qual o termo “Transtorno de Identidade de Gênero”, devido ao seu caráter estigmatizante, foi substituído por “Disforia de Gênero”, termo que reflete mais adequadamente o cerne do problema.
Já o CFM (Conselho Federal de Medicina), através daResolução nº 1.955/2010, dispõe sobre a cirurgia de trangenitalização e revo gando a Resolução CFM nº 1.652/02, autoriza a cirurgia de transgenitalização do tipo n eocolpovulvoplastia5 e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caract eres sexuais secundários em pacientes transexuais no País, com a explicação de que esta possui caráter terapêutico. Sendo assim, esta resolução baseia-se no princípio de que “o/a paciente transexual é
4 DSM V: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor nos Mentais (O futuro Manual de Diagnóstico Psiquiátrico). Disponível em: http://www.dsm5.org/ProposedRevision/Pages/proposedrevision.aspx?rid=482#.
5 É feita uma incisão na região do períneo. A uretra é parcialmente dissecada e isolada. Os testículos e seus anexos são retirados. É feito o procedimento d e ´desenluvamento` do pênis. A pele do pênis é invertida e introduzida no canal criado cirurgicamente, a neovagina. Parte da uretra é recanalizada na posição da uretra feminina. Uma parte da pele da bo lsa escrotal é utilizada para simular os grandes lábios.
A cirurgia dura, em média, três horasDisponível. em: http://www.ufpe.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=39683:cirurgia--mudanca-no-corpo-e-na-alma-&catid=9&Itemid=73.
�
9
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
portador(a) de desvio psicológico permanente de ide ntidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoexter mínio” (Brasil, 2010).
No que tange ao campo da Psicologia, tanto o CFP (Conselho Federal de Psicologia), quanto os CRP’S (Conselhos Regionais de Psicologia) apoiam a Campanha Internacional “Stop Trans Pathologization-2012”. Es ta objetiva a despatologização das identidades ‘trans’ (travestis, transexuais e trans gêneros), assim como a sua exclusão dos catálogos de doenças, o DSM, da Associação Amer icana de Psiquiatria, e a CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) da Organização Mundial de saúde (CRP-SP, 2011) 6.
Todavia, por se tratar de um campo complexo e até mesmo híbrido, historicamente existe uma confusão ao diferenciar o rientação sexual de identidade de gênero. Assim, para uma maior compreensão do assunto, será feita uma breve apresentação de alguns conceitos. Conforme os dados trazidos pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2004), entende-se orientação sexual como u ma atração que uma pessoa sente por outra, sendo que esta atração tanto pode ser se xual como afetiva. Além disso, possui sua existência num continuum que permeia diversas ormasf de sexualidade, desde a assexualidade que é a inexistência de atração sexual, até a pansexualidade quando há atração por diversos gêneros, aceitando a existência de mais de dois gêneros, ou seja, uma pessoa com uma orientação mais abrangente.
Já a identidade sexual é um conjunto de características sexuais que distingue as pessoas umas das outras, evidenciando singularidades como preferências sexuais, sentimentos ou atitudes relacionadas ao sexo. Dessa maneira, pode-se dizer que a identidade sexual é o sentimento de masculinidade ou feminilidade que acompanha a pessoa durante a vida, podendo haver discordância c om relação ao seu sexo biológico. No entanto, ser homem e ser mulher não significa se r masculino ou feminino (Brasil, 2004).
No que se refere à identidade de gênero, esta estárelacionada ao reconhecimento que o indivíduo possui de si mesmo, diante de padrõ es de gênero instituídos pelas
6 Conselho Regional de Psicologia. Manifesto pela Despatologização das Identidades Tra ns. Disponível
em http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=365.
�
10
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
normas sociais estabelecidas. Desse modo, a discussão sobre outras formas de sexualidade, como no caso da experiência transexual, merece um cuidado e conhecimento mais específico do assunto, pois, não se trata de uma orientação sexual e sim, segundo os catálogos de doença, de um transtorno de identidade de gênero (TIG) em que o indivíduo vivencia um papel no qual seu sexo biológico se distingue da imagem que este possui sobre si, o que faz com que o mesmo viva o sofrimento de se sentir preso a um corpo que não lhe pertence.
Além dessa batalha contra si mesmo, este indivíduo ainda precisa enfrentar a pressão massificadora da sociedade, a começar pelos próprios familiares que na maioria das vezes custam, ou mesmo nunca aceitam esta situação, o impossibilitando de receber o apoio que precisa para minimizar seu sofrimento e fortalece-lo na sua necessidade.
Diante do que foi exposto, percebe-se que não se tr ata de um processo simples de ser resolvido, pois envolve questões culturais e sociais que necessitam de um longoprocesso para serem reconstruídas. Apesar da existência de movimentos sociais como o LGBTTT (lésbica, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais) que contribuem para seu direito de legitimidade no campo sociocultural, ainda há um longo caminho a ser percorrido. O interessante a ser observado é como ocorre esse processo de transformação de sexo, já que há uma multiplicidade de fatores que perpassam a vida do indivíduo durante essa sucessão de mudanças. Poi s, além da não aceitação de si mesmo, ainda há a não aceitação que o ‘outro’ dirig e a este indivíduo o tratando como ‘a coisa’ e ignorando o ser humano ali presente que independente de sua sexualidade, cor da pele, grau de instrução ou religião merece s er tratado com respeito.
Dentro desse contexto, busca-se um maior entendimento sobre a(s) crença(s) que o indivíduo possui e/ou venha a adquirir, durante seu processo de transexualização diante das relações instituídas tanto no campo pess oal e familiar, como no campo social ao qual está inserido. Pois, a partir do momento que o indivíduo dá início a essa ‘transformação sexual’, este não será submetido ape nas a uma mudança física, mas a uma mudança total de sua vida, na qual haverá uma diversidade de questões que irão perpassar este processo afetando nas demais áreas. Assim, pretende-se adquirir um maior conhecimento sobre como ocorre este processo e como durante o mesmo, a vida deste indivíduo é afetada e quais estratégias ele tilizaráu no enfrentamento de tais questões.
�
11
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
1. Objetivos
1.1 Geral
Analisar o processo de transexualização a partir d a crença do próprio indivíduo com relação ao enfrentamento pessoal, familiar e so cial durante seu processo de transformação.
Específicos
Compreender a trajetória individual e o entendiment o da tomada
de decisão para o processo de mudança de sexo;
Investigar qual importância e o papel das relações familiares nesse processo de tomada de decisão;
Entender como se dá a mudança de papel social e quais as estratégias utilizadas pelo indivíduo transexual para inserir-se no seu grupo.
�
12
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Aspectos Teóricos
Transexualidade: Da problemática do diagnóstico à prescrição de tratamento cirúrgico
A transexualidade sempre está acompanhado de muitoceticismo e equívocos na medicina. Seu diagnóstico e tratamento são heterodo xos na conduta médica, pois, não é uma categoria reconhecível ou identificável com a qual se pode chegar rapidamente a um acordo. Além disso, apesar do/da transexual transmitir com êxito a mensagem de que sua vida é espantosa e não vale a pena ser vivida, a menos que seu corpo seja adaptado a sua mente, ainda permanece a dúvida sobre a possibilidade desta convicção ser modificada (Gooren, 2003).
Segundo Meyorowitz (2002), foi no ano de 1910 na Áu stria, que foram relatadas as primeiras tentativas de mudança de sexo em exper iências feitas com animais. Posteriormente, na década de 1920, o Instituto de Ciência Sexual de Magnus Hirschfeld realizou cirurgias de mudança de sexo em seres huma nos, havendo destaque para a cirurgia feita no artista dinamarquês Einar Wegener, que passou a se chamar Lili Elbe (Arán & Murta, 2009).
Castel (2001) acena que a cirurgia de transgenitalização de maior repercussão aconteceu em Copenhague, na Dinamarca, em 1952, pela equipe do médico Christian Hamburger no jovem George Jorgensen. Após os tratam entos hormonais em conjunto com a intervenção cirúrgica de transgenitalização, o mesmo adquire uma aparência totalmente feminina e passa a se chamar Christine Jorgensen. Posteriormente, em 1954, devido à repercussão mundial do seu caso, Christine foi eleita a “mulher do ano”.
No entanto, para que a realização da cirurgia de mudança de sex o seja possível, antes é preciso ser diagnosticado como portador do transtorno de identidade de gênero (TIG) (Arán, 2006). Segundo consta no DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), este transtorno contem dois compo nentes que devem estar presentes no diagnóstico: “Deve haver evidências de uma forte e persistente identificação com o gênero oposto, que consiste do desejo de ser, ou ainsistência do indivíduo de que ele é do sexo oposto (Critério A). Esta identificação com o gênero oposto não deve refletir
�
13
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
um mero desejo de quaisquer vantagens culturais percebidas por ser do outro sexo. Também deve haver evidências de um desconforto persi tente com o próprio sexo atribuído ou uma sensação de inadequação no papel d e gênero deste sexo (Critério B)” (DSM-IV, 1995). Para um conhecimento mais amplo sobre os critérios diagnósticos para Transtorno de Identidade de Gênero, será descrito abaixo um quadro com o resumo de tais critérios como consta no DSM IV.
Resumo baseado nos critérios Diagnósticos do DSM IV
Critério A Uma forte e persistente identificação com o gênero oposto (não meramente um desejo de obter quaisquer vantagens culturais percebidas pelo fato de ser do sexo oposto).
Critério B Desconforto persistente com seu sexo ou sentimento de inadequação no papel de gênero deste sexo.
Critério C A perturbação não é concomitante a uma condição int ersexual física.
Critério D A perturbação causa sofrimento clinicamente signifi cativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Butler (2009) complementa ao afirmar que é necessário haver a presença de conflito, ou seja, de um sofrimento intenso, no qual se perceba uma identificação constante com o outro sexo. Assim, torna-se necessário que o indivíduo permaneça transvestido no gênero oposto por um período de tempo para avaliar sua adaptação, além de ser submetido a acompanhamento psicológico e apresentar cartas que ateste seu equilíbrio mental. Dessa forma, é necessário que pessoa seja submetida a uma série de procedimentos para que haja a possibilidade de aquisição de algo que se possa assemelhar ao exercício da liberdade.
Diante disso, para que o diagnóstico de transexuali dade seja realizado, torna-se necessário que o indivíduo seja submetido a uma exaustiva avaliação na qual inclui-se um histórico completo do caso, testes psicológicos e sessões de terapia. Sendo assim, todo/a candidato/a necessita fazer terapia por um período que seja suficiente para que não haja dúvidas entre a equipe no que se refere aos resultados, e nem arrependimento do/a ‘candidato/a’ após a cirurgia. Geralmente este período é de no mínimo dois anos,
�
14
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
sendo que ao final desse tempo, não significa que o /a ‘candidato/a’ esteja automaticamente preparado/a para a cirurgia, pois, a equipe médica pode deduzir que não se trata de um indivíduo transexual (Bento, 200 6).
Também é necessário haver a realização de tratamento hormonal, no qual o/a
candidato/a	precisa	tomar	hormônios	adequados	para	modificar	as	características
secundárias do seu corpo. Ou seja, devem ser administrados em quantidades variadas os andrógenos para os transexuais masculinos e progest erona ou estrogênio para as transexuais femininas. No entanto, o tempo para iniciar o tratamento hormonal vai depender de cada especialista, sendo que estes, tanto podem recomendar que o tratamento hormonal tenha início um tempo depois de iniciada a terapia, como recomendar que seja iniciado após a realização de e xames gerais (Bento, 2006).
No que se refere às cirurgias em si, estas, nos tra nsexuais masculinos, constam de histerectomia (remoção do aparelho reprodutor), mastectomia (retirada dos seios) e construção do pênis. Esta é a parte mais difícil, pois as técnicas cirúrgicas são mais delicadas. Além disso, diversos músculos já foramestados como matérias-primas para o pênis, sendoos mais utilizados os músculos do antebraço, da panturrilha, da parte interna da coxa ou do abdômen. Já para a construção do escroto, uma das técnicas utilizadas é a difusão dos grandes lábios para o implante de expansores tissulares ou implante de silicone (Bento, 2006).
Segundo Bento (2006), alguns problemas são mais com uns para esse tipo de cirurgia, entre eles está a incontinência urinária,necrose do neofalo, cicatrizes no local doador e urina residual. Sendo assim, os transexuais masculinos optam pelos métodos cirúrgicos de histerectomia e mastectomia.
Com relação às transexuais femininas, a cirurgia é composta pela produção da vagina e de plásticas para a produção dos pequenos e grandes lábios. Para a construção da vagina há o aproveitamento dos tecidos externosdos pênis como revestimento das paredes da nova vagina. Os tecidos selecionados do escroto são utilizados para os grandes e pequenos lábios. O clitóris é produzido omc um pedaço da glande. Após a cirurgia, é necessária a utilização de uma prótese por um período de tempo na tentativa de evitar o estreitamento ou fechamento da nova vagina. Depois de finalizados todos esses procedimentos, é iniciado o processo judicial para a mudança dos documentos (Bento, 2006).
�
15
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
No Brasil, o tratamento para realização do processo transexualizador foi regulamentado em 1997, pelo Conselho Federal de Medicina, após a publicação da Resolução nº 1.482, que alegou seu caráter terapêutico. Esta resolução se fundamenta na ideia de que “o paciente transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendê ncia à automutilação ou autoextermínio” (CFM, 1997).
Dessa forma, baseando-se na norma do Conselho Federal de Medicina, pressupõe-se que a transexualidade é uma doença, e que o transtorno de identidade de gênero (TIG) é a ‘porta de entrada’ para a assistência médica e jurídica para transexuais (Murta, 2007, citado por Arán, Murta & Lionço, 2009).
Assim, a intervenção cirúrgica passa a ser legítim a, desde que o paciente apresente intenso sofrimento psíquico e demande tratamento cirúrgico, possibilitando desse modo, que este tenha direito a realizar a cirurgia de mudança de sexo gratuitamente. Todavia, antes precisa ter idade superior a 21 anos (Arán, et al., 2009), e realizar todos os procedimentos citados anteriormente.
Após a revogação da primeira resolução (1.482/97) p ela Resolução nº 1.652/02, que considerou bons os resultados estéticos e funcionais das neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares, resolve que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para feminino poderão ser praticadas em h ospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa. No entanto, devido a sua alta complexidade, as cirurgias de neofaloplastia, faloplastia e metoidioplastia, nas quais há a adequação do fenótipo feminino para masculino, mantiveram-se res tritas as práticas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para pesquisa (CFM, 2002).
Diante dessas resoluções, foram estabelecidos por a lguns hospitais universitários do país, programas interdisciplinares objetivando atender à crescente demanda de usuários transexuais. Contudo, mesmo reconhecendo aimportância que alguns serviços têm dirigido a estes usuários, é importante ressaltar sobre a problematização que vem sendo direcionada a necessidade de ser estabelecido o diagnóstico para adequação dos usuários transexuais ao tratamento (Arán, et al.,009)2.
De acordo com Butler (2009), o ‘diagnóstico’ pode c ausar vários efeitos, por isso, sua utilização deve ser feita de modo estratégico, ou seja, como um meio para
�
16
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
realizar a cirurgia sem, no entanto, considerar o que neste está escrito. Acena ainda,
sobre as vantagens e desvantagens do diagnóstico do TIG. Entre as vantagens a autora
aponta a possibilidade de fazer a cirurgia gratuitamente ou assistida pelo plano de saúde,
o	que	gera	autonomia	para	os/as	trans	se	sentirem	realizados/as.	Já	entre	as
desvantagens está a estigmatização destes indivíduos, que são vistos como “aberrações”
e podem acabar internalizando esses rótulos negativ os, e consequentemente culminar
em atos trágicos como o suicídio.
Sendo assim, de certo modo, para que uma pessoa seja ela mesma é necessário
primeiro se desfazer, ou seja, é preciso ser parte de um amplo tecido social para
originar-se. Este é, indubitavelmente, o paradoxo da autonomia, o mesmo é elevado
quando as relações de gênero têm o papel de cessara capacidade de ação do gênero em
seus diversos níveis. Mas, até chegar o momento dessas condições sociais sofrerem
mudanças radicais, a liberdade demandará a não-liberdade, e a autonomia estará atada
em sujeição. Se há a necessidade de mudança do mund o social para que haja a
possibilidade de autonomia, então a escolha de cada um mostrará dependência desde o
início, de condições que não foram produzidas ou de	sejadas por nenhum indivíduo,
sendo que nenhum deste terá capacidade de fazer escolhas externas ao contexto social
que sofreu mudanças radicais. Pois, a mudança se or igina de ações coletivas ampliadas
e transmitidas que não seria particular a nenhum su jeito singular, mesmo que uma
consequência dessas mudanças seja a possibilidade de agir como um sujeito (Butler,
2009).
2.2 O preconceito na transexualidade
Um Estado democrático de direito não pode aceitar práticas sociais e institucionais que criminalizam, estigmatizam e marginalizam as pessoas por motivo de sexo, orientação sexual e/ou identida de de gênero (Plano Nacional de Promoção da cidadania e direitos humano s de LGBT).
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qu alquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião polí tica ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (Declaração Universal dos Direitos Humanos - Artigo II).
�
17
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Dentre os temas inseridos no campo dos Direitos Humanos e que é pauta de
discussão para a sociedade, principalmente nas últimas décadas, estão as questões referentes à orientação sexual e à identidade de gê nero (Mendonça, 2011, p. 3) 7.
O entendimento relacionado à sexualidade, desde os tempos remotos, é o fator
transmissor para os saberes e as relações sociais r eferente às questões sexuais dos indivíduos, determinando seus desejos, prazeres e impondo as condutas sexuais aceitáveis ou recusadas no campo social, e consequentemente levando a impor e limitar as fronteiras à sexualidade humana. Dessa forma, su bmete-se os indivíduos à condição
de	seres	sexuais	estabelecidos	previamente,	imóveis	e	acabados,	e	assim,
impossibilitados para novas descobertas e prazeres, num processo normalizador do
sexual.	Questão	esta,	que	tem	sido	a	causadora	de	p rofunda	perturbação	em
consequência das desigualdades motivadas pela forma como a sexualidade é compreendida, por meio do prisma da dominação mascu lina e da supremacia da heterossexualidade (Joca, 2009, 2011)8.
De acordo com Joca (2011), é o que acontece com lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT através dos processos de produção e reprodução da homofobia9, gerando as desigualdades de direitos e dificultando a harmonia na vivência e convivência com a diversidade sexual. Segundo Herek (2000) citado por Cerqueira-Santos e colaboradores (2010), já na década de 60,o significado da palavra homofobia estava atrelado à atitudes e comportamentos ofensiv os dirigidos a gays e lésbicas. Tal terminologia, foi alvo de várias críticas ao pressupor que taisatitudes hostis estão
7 Rosa Helena Mendonça, supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC). Disponível em http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/17562704-EduDiversidadeSexual.pdf.
8 Mestre e doutorando em Educação Brasileira pela Uni versidade Federal do Ceará e membro do Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB. Consultor da série. Disponível em http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/17562704-EduDiversidadeSexual.pdf.
9 Medo, aversão ou ódio sem motivo ou razão por homos sexuais, estes são pessoas que possuem atração sexual e afetiva por outras do mesmo sexo. É a principal causa para a ocorrência da discriminação e violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros
– LGBTTT. Assim, a homofobia pode ser expressa de m aneira oculta por meio de atitudes e comportamentos preconceituosos, levando também a discriminação. Além disso, a atitude homofóbica é geradora de injustiça e exclusão socia l para suas vítimas. Disponível em http://www.seguranca.mt.gov.br/centroglbt.php?IDCategoria=896.
�
18
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
associadas a algum tipo de medo irracional sentido por maior parte das pessoas heterossexuais, por este motivo, inserida num modelo de enfermidade no qual há a possibilidade de haver tratamento, como acontece com as demais fobias. Devido à atitude homofóbica, a sociedade passa por profundas desigualdades e violências representadas através do preconceito e da discriminação, que tanto podem ser expressos sutilmente, como através de crimes bárbaros contraos homossexuais (Joca, 2011).
Para um maior entendimento sobre o assunto, torna-se necessário esclarecer, através de uma breve apresentação, alguns conceitos como, preconceito, estereótipos, estigma e discriminação que serão utilizados no dec orrer deste tópico, a fim de evitar possíveis dúvidas acerca dos mesmos.
No que se refere ao preconceito, Allport (1954/1979) o define como uma atitude aversiva ou hostil, direcionada a um indivíduo unicamente por pertencer a um grupo que é desvalorizado socialmente. Sendo assim, pode-se falar em preconceito como um padrão de hostilidade nas relações interpessoais, q ue tanto pode ser dirigido contra um grupo inteiro, como a membros individuais, desempenhando uma função específica e irracional para seu portador.
Silveira (2006) complementa ao falar que o preconceito possui sua origem na ultrageneralização, nos juízos temporários e na ausência do conhecimento. Assim, os preconceitos criam obstáculos para o desenvolviment de diversas esferas do dia a dia. E mesmo estando na esfera do pensamento, são concre tizados através dos comportamentos, expressando-se na linguagem, no gesto e no olhar, estando ou não na presença de seu alvo. No entanto, na formação do pr econceito são inseridos os estereótipos, estes são analogias e esquemas já formados, impostos constantemente pela cultura, crença e educação pertencentes ao contexto no qual o indivíduo encontra-se inserido.
Assim como acontece com os estereótipos, o preconce ito também leva à discriminação e ao estigma, que normalmente são usa dos como sinônimos ou conceitos quase parecidos, além disso, todos eles colocam o ndivíduo como ser inviável para ser aceito socialmente (Silveira, 2006). Conforme Elias e Scotson (2000), há uma propensão a debater o problema da estigmatização so cial o colocando como uma questão simples de pessoas que mostram, de modo ind ividual, desconsideração por outras pessoas, sendo que a maneira mais conhecida para denominar esta atitude é
�
19
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
classifica-la de preconceito. Contudo, esta é uma entativa de analisar de modo individual, algo que torna-se incompreensível se nã o for percebido, simultaneamente, no plano grupal. Além disso, atualmente, é comum não se diferenciar a estigmatização de um grupo e o preconceito de caráter individual,sem relacioná-los entre si (Elias & Scotson, 2000). Dessa forma, pessoas estigmatizadas possuem um atributo que as tornam alvo de estereótipos, preconceitos e discrim inação. Ou seja, o estigma afeta as interações sociais e as oportunidades, além da form a como as pessoas estigmatizadas veem e avaliam a si próprias. Cada um desses domíni os de influência tem importantes
implicações para a ‘saúde mental’, o ajustamento do	estigma, e algumas formas de lidar
com o preconceito dos outros (Blaine, 2007).
Ainda no campo da estigmatização, Elias e Scotson ( 2000) pontuam que um
grupo estigmatizador precisa está inserido em posições de poder para que haja eficácia
na estigmatização dirigida ao grupo excluído dessas	posições, pois, firmar o rótulo de
‘valor humano inferior’ a outro grupo é uma das estratégias utilizadas pelos grupos superiores na luta pelo poder, como forma de permanecer neste posto. Diante disso, o estigma social imposto por este ao grupo menos favorecido, tem por hábito entrar na auto-imagem deste útimo e, consequentemente, enfraquecê-lo ainda mais (Elias & Scotson, 2000).
Da mesma forma ocorre com o preconceito social, pois este submete os grupos
sociais a um mecanismo de hierarquização, juntament e com a legitimação da inferiorização social, podendo na maioria das vezes levar a consolidação da violência e
do ódio entre os grupos. Mesmo pertencendo a campos distintos, tanto a hierarquização
como a inferiorização são processos complementares. Assim, esta complementaridade é utilizada historicamente como forma de manutenção d e desigualdades e aumento da
exclusão social, as quais podem ocorrer de diversas	formas, desde o aniquilamento
humano e a violência social, até formas de inserçãosubalternizadas, destacando assim, a gravidade destes processos que são causadores de tr anstornos não apenas a determinados grupos sociais, mas a sociedade no geral (Prado & Machado, 2008).
Entretanto, há diversas formas de invisibilidade social reproduzidas nos preconceitos, de cunho político, econômico, étnico, sexual, etário e de gênero, entre outros, passando pelos distintos grupos sociais (Silveira, 2006). No referente à sexualidade, o preconceito social resultou na invisibilidade de determinadas identidades
�
20
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
sexuadas, firmando a subalternidade de alguns direitos sociais e, consequentemente, legitimando práticas de inferiorização social, como a homofobia (Prado & Machado, 2008). Esta, no âmbito do tratamento discriminatór io, possui uma função importante por se tratar de uma forma de inferiorização, pois, é resultado direto da hierarquização das sexualidades e concede à heterossexualidade um status de supremacia e naturalidade. Desse modo, a heterossexualidade é considerada uma forma de sexualidade normal, na qual o indivíduo heterossexual possui atração por uma pessoa de sexo oposto, diferentemente da homossexualidade, jáque esta não está inserida dentro dessa normalidade, e consequentemente é designada com os mais ‘baixos’ vocábulos (Borrilho, 2010).
Observa-se assim, uma desproporção linguística reve lada por uma operação ideológica na qual há uma definição excessiva daqui lo que é colocado como problemático, deixando subentendido o que é posto omoc natural. Diante disso, a distinção entre homo/hetero, além de comprovada, possui o papel de determinar um regime de sexualidades no qual apenas os comportamentos heterossexuais são considerados como modelo a ser seguido. Na direção dessa ordem, o sexo biológico (macho/fêmea) estabelece um desejo sexual unívoco hetero),( juntamente com um comportamento social exclusivo (masculino/feminino), sendo o sexismo e a homofobia elementos básicos do regime binário de sexualidades.Entretanto, atenta-se para o fato de que os homossexuais não são mais os únicos alvos do comportamento violento e homofóbico, pois este também é dirigido a todos que não se inserem a esta ordem clássicado gênero, como os travestis, transexuais,bissexuais e outros (Borrilho, 2010).
Dessa forma, as pessoas que sofrem o preconceito sã o segregadas no espaço urbano, principalmente na escola e no mercado de trabalho (Borges, Medeiros & D’adesk, 2002). Um exemplo disso é com relação a ho mofobia, esta, mostra-se como um complexo assunto para os pesquisadores que estudam a violência na escola, pois acarreta inclusão/exclusão, educação para a sexuali dade, orientação sexual, identidade sexual, estudos sobre gênero e homossexualidade. Aorientação sexual e a identidade de gênero são classes consideradas pelo Ministério da Saúde como determinantes e condicionantes da situação de saúde, não somente po rque implicam práticas sexuais e sociais específicas, mas pelo fato de expor lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais à agravos consequentes de estigma e da exclusão social (Koehler, 2009).
�
21
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Diante disso, os comportamentos homofóbicos se dive rsificam desde a violência
física pela agressão e/ou assassinato até à violência simbólica e/ou psicológica, na qual há quem considere admissível afirmar que prefere não ter um colega ou aluno homossexual (Koehler, 2003, 2009), tornando visível a ausência de reflexão no que diz respeito ao gênero e a sexualidade nas escolas. Umexemplo importante que ilustra esta percepção está relacionado à linguagem e sua implic ação na constituição dos sujeitos, no poder que certas coisas adquirem quando são fala das e a maneira como essas falas e discursos subjetivam. Fatores estes, que impulsionam o indivíduo a refletir no modo como a escola tem o poder de produzir vulnerabilidades por meio da linguagem (Koehler, 2009).
Junqueira (2007) complementa ao afirmar que a escola é um ambiente no qual os
jovens GLBT enfrentam, metodicamente, discriminaçõe s oriundas de colegas, professores, dirigentes e servidores escolares, além de estarem expostos a diversos obstáculos na hora de fazerem a matrícula na rede pública, participarem de atividades pedagógicas e possuírem suas identidades com o míni mo de respeito (Koehler, 2009).
Desse modo, toda a educação fica prejudicada com o	preconceito, é o que afirma
a pesquisa “Preconceito e discriminação no ambiente	escolar”, da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe). Pois, conforme a refer ida pesquisa, pode-se afirmar que o preconceito define limites aos grupos que são alvos dele, através da pressão social e da violência às quais estão suscetíveis os que sofrem discriminações. No espaço da escola, o preconceito, a discriminação e as práticas discriminatórias ofensivas estão diretamente relacionadas com o desempenho dos/as alunos/as e professores/as. Um exemplo disso é com relação às notas, pois, quanto maior o índice d e preconceito, mais baixas são as notas (Torres, 2009)10.
Silva (2011) acena que, na grande maioria dos casos, e por causa do intenso assédio que sofrem, muitos/as transexuais não têm apossibilidade nem mesmo de concluir os estudos. Segundo o Relatório sobre a Vi olência Homofóbica no Brasil
10 Professor da Universidade Federal de Ouro Preto, atuando nas licenciaturas e formação continuada de professores/as e doutorando no Programa de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Consultor da série: Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC). Disponível em http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/17562704-EduDiversidadeSexual.pdf.
�
22
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
(2012), no ano de 2011 foram notificados relatos de violências dos mais variados tipos contra a população LGBT. Tais comportamentos encont ram-se presentes nas diversas esferas de convívio social e constituição de identi dades dos indivíduos. Ainda de acordo com o citado relatório, de janeiro à dezembro de 20 11, foram denunciadas 6.809 violações de direitos humanos contra população LGBT , envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. Um aspecto importante trazido pelas estatísticas e que chama atenção, está relacionado ao fato de haver maior número de uspeitos em relação ao de vítimas. Tal fato sugere o caráter de violências cometidasorp mais de um agressor ao mesmo tempo, assim percebe-se que a ocorrência de gruposde pessoas que se reúnem para espancar homossexuais são um exemplo comum deste ti po de crime. Entretanto, são bastante comuns, por exemplo, os casos em que a violência física, como socos e pontapés, não serem os únicos tipos de violência sofrida por estes indivíduos, mas também a violência psicológica, através de humilhações e injúrias. No Brasil, durante todo o ano de 2011, foram reportadas 18,65 violaçõe s de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. Os dados mostram, que durante o ano de 2011, a cada dia 4,69 pessoas sofreram com a violência homofóbica no país (Secretaria de Direitos Humanos, 2012).
Diante do que foi exposto, pode-se perceber o grau de dificuldade que é para um indivíduo transexual assumir-se, já que, além de ser incompreendido pela família, é excluído desde cedo pela sociedade, além de ser considerado como uma anomalia e ter que enfrentar uma batalha para conseguir um emprego formal, principalmente quando os documentos não condizem com o seu fenótipo. Cons equentemente, a grande maioria não consegue escapar da vala comum de empregos que possuem maior abertura para os homossexuais, travestis e transexuais, como as atividades de cabeleireiras e maquiadoras, e na pior das circunstâncias, aos caso s de prostituição. Assim, o preconceito dirigido à essas pessoas não está limitado à esfera laboral, abrangendo todas as relações sociais e instituições, chegando a famí lia, a escola, a igreja e aos estabelecimentos públicos e privados (Silva, 2011).
No que se refere ao contexto familiar, Lévi-Strauss(1976, citado por Zambrano, 2006) apontou que a família não é uma entidade em si, muito menos, uma entidade fixa, mas, um lugar no qual as normas de filiação e de pa rentesco se desenvolvem, formando sistemas elementares com o objetivo de juntar os indivíduos entre eles e à sociedade. A
�
23
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
família se origina a partir dos vínculos existentes entre os indivíduos, e são as variações possibilitadas por estes vínculos intrafamiliares que a descreve juntamente com suas possíveis formas (Zambrano, 2006).
Percebe-se, então, a dificuldade na passagem por es tas etapas, pois o percurso é bastante longo, íngreme, com muitos retornos, caídas e muito necessitado de ajuda até se chegar a aceitação. Assim, o tempo que cada famí lia, ou que cada um dos pais vai levar para poder chegar à aceitação vai depender do fator identidade, sendo que ao final deste percurso vai ser constituída a identidade de todos os membros da família, a qual o nível de consciência se regula pela medição da normatividade. Além disso, o indivíduo sofre metamorfoses após o percurso de cada uma das diversas etapas da vida (Silveira, 2006).
Com o movimento feminista, por exemplo, originou-se a distinção entre sexo e gênero, sendo o último descrito como uma construçãosocial e não um dado natural e biológico. Pode-se dizer, então, que a família faz parte do conjunto de categorias que mediam esta construção, já que, ainda durante a gestação, a partir do momento que os pais adquirem conhecimento do sexo da criança que i rá nascer, adquirem também atitudes correspondentes às características de cada um. Sendo assim, o sexo biológico é o fator sinalizante da expectativa da sociedade com relação à família no que se refere aos padrões reguladores da construção da identidade de gênero (Silveira, 2006).
No entanto, quando esta construção difere da estabe lecida pela sociedade gera-se um problema, pois, como sinaliza Silveira (2006), a diversidade só se torna um problema a partir do momento que grupos humanos se utilizam dela para estabelecer hierarquia e justificar o subjugo de uns sobre os outros.Sendo que o discurso que decorre dessas diferenças é sempre valorativo, já ue,q trata-se de uma dimensão importante na identidade de ambos os grupos, tanto dos agentes causadores como dos que sofrem a discriminação.
Diante do que foi exposto, observa-se que a aceitaç ão do que é considerado diferente e incompreendido pela sociedade só ocorre rá de fato quando se tornar igual e compreendido. Por isso, torna-se necessário que hajam pesquisas que estudem e divulguem a transexualidade como uma manifestação a ceitável do ser humano. Além disso, essa multiplicidade de designações de sexual idade que atualmente rondam os vários campos de estudo e tornam-se popularizadas,a saber, gays, lésbicas, transexuais,
�
24
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
travestis, hermafroditas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, entre outras, possa ser um alerta de que não haja dois únicos gêneros -o homem ou a mulher -, mas, uma diversidade que precisa ser reconhecida e aceita (Silva, 2011).
De acordo com Silva (2011), o ser humano, sempre está buscando categorizar o que está à sua volta, contudo, com o movimento da sociedade há o surgimento de novos conceitos, assim, demanda-se a ampliação das catego rias para o estabelecimento de novas construções sociais, com o intuito de que est as não sejam alvo de exclusão e discriminação. Dessa maneira, o/a transexual é um ser humano que necessita de reconhecimento, respeito e direito como qualquer outra pessoa (Silva 2011).
2.3 Vivenciando a Experiência Transexual
A desconstrução do caráter patologizante concedido pelo saber oficial à experiência transexual deve iniciar-se pela problematização da linguagem que origina e identifica os sujeitos que vivem essa experiência.‘Transexualismo’ é a nomenclatura oficial utilizada para definir os indivíduos que vivem uma incoerência entre corpo e subjetividade. O sufixo ‘ismo’ indica condutas sexu ais perversas, um exemplo disso é o ‘homossexualismo’ (Bento, 2006). Apesar de tal cons tatação, pretende-se neste trabalho fazer uso do sufixo ‘idade’, diante disso, serão ut ilizados os termos homossexualidade e transexualidade no decorrer deste.
A transexualidade pode ser melhor definida como uma forma extrema de disforia de gênero. Esta é uma diferenciação entre a identidade/papel de gênero e as características físicas do corpo. Na transexualidade, a identidade/papel de gênero de um sexo coexiste numa mesma pessoa, com as características primárias e secundárias do sexo oposto. Contudo, para uma pessoa não-transexua l, este problema lhe parece tão estranho e inimaginável que se torna difícil comprender o drama vivido pelo/a transexual. Os/As transexuais vivem permanentemente numa situação na qual sentem que seu corpo físico não reflete quem de fato são. Dessa forma, sentem-se como se estivessem aprisionados em seus próprios corpos (Go oren, 2003).
Para a pessoa transexual, é de suma importância viver de forma íntegra como ela é no seu interior, tendo seu nome social aceito e respeitado ou o direito a usar o banheiro que corresponda a sua identidade, entre outras coisas. Tais aspectos auxiliam
�
25
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
na concretização da sua identidade e na avaliação p ara ver se há possibilidade/necessidade de realizar a cirurgia de trangenitalização ou não, pois algumas pessoas transexuais optam pela não realizaç ão desta (Jesus, 2012).
Contudo, é importante ressaltar que a construção de uma identidade de gênero
não é um processo simples e rápido, já que, demandatempo e deve ocorrer de forma ininterrupta. Assim, ainda na socialização primária, são originadas as estruturas das primeiras disposições duráveis, chamadas por Bourdieu de habitus (Bento, 2006). Ao vinculá-lo à produção dos gêneros, Bento (2006) fal de um ‘ habitus de gênero’,
edificado pela reiteração, que, na socialização pri	mária, irá achar nas instituições
familiares, escolares e religiosas os responsáveispor este processo de reprodução das
verdades que, aos poucos, vão sendo naturalizadas e incorporadas. Através da ‘manipulação’ teórica desse conceito, compreende-se como pessoas, após o nascimento,
deparam com uma complexa rede de funções estruturai s, bem definidas, nas quais, devido ao convívio social, interiorizam formas de ser, ancoradas de acordo com seu gênero (Bento, 2006).
Segundo Louro (1997), não são, necessariamente, as características sexuais, e sim o modo como estas são representadas ou valoriza das e o que é dito ou pensado sobre as mesmas, que vai constituir, de fato, o que é masculino ou feminino numa sociedade e num dado momento histórico. Uma forma d e se compreender o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade é obse rvar não exatamente seus sexos, mas tudo que foi socialmente construído sobre estes (Louro, 1997). Prado e Machado (2008) reforçam essa ideia ao afirmarem que, tanto a sexualidade quanto as práticas sexuais são construídas socialmente e estão intimam ente relacionadas com as diversas dimensões simbólicas e estruturais de cada sociedad e.
Ao aproximar às formulações mais críticas dos Estud os Feministas e dos Estudos Culturais, tem-se uma compreensão dos indiv íduos como possuidores de identidades plurais, múltiplas; identidades que sofrem metamorfoses, que são flexíveis, e que têm a possibilidade, até mesmo, de ser contraditórias (Louro, 1997).
Segundo Prado e Machado (2008), a sexualidade do ser humano é uma dimensão da experiência social perpassada por diversas questões. Por meio dela, existe um amplo universo de anseios, crenças e valores que são rela cionados, terminando por definir uma vasta ‘figura imaginária’ do que compreendemos queseja nossa identidade.
�
26
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Dessa forma, suas identidades sexuais se constituiriam por meio dos modos como vivem sua sexualidade, com ou sem os/as parceiros/as que preferirem. Além disso, os indivíduos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos, e dessa maneira, constroem suas identidades de gênero. Assim, os indivíduos masculinos ou femininos têm a possibilidade de serem heterossexuais, homossexuais, bissexuais etc. Pois, é importante considerar que, tanto na dinâmica do gênero, quanto na dinâmica da sexualidade, as identidades são sempre construídas. Ou seja, estão sempre se constituindo, já que, por serem instáveis estão sujeitas à transformação (Louro, 1997) .
�
27
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais de Aracaju
3.	Método
Buscando compreender como se dá o processo de ‘transformação’ do indivíduo transexual e o impacto que este provoca no mesmo e em suas relações sociais e familiares, buscou-se desenvolver um estudo, de natureza qualitativa, optando-se pelo método da História de Vida (HV) como referencial metodológico para alcançar os objetivos propostos no presente trabalho. Segundo Narita (2006), esta opção metodológica permite o conhecimento da história do tempo e do espaço no qual o indivíduo está inserido. Dessa forma, considera-se que a História Oral de Vida tem como objetivo compreender o indivíduo transexual tanto em sua complexidade e especificidade, quanto no referente à valorização d e sua experiência de vida.
3.1.1 História oral e história de vida
A pesquisa foi desenvolvida originada nas normas colocadas no campo de estudo denominada história oral. Aqui será entendida na modalidade trajetória de vida, contribuindo para o processo de investigação e prod ução de conhecimento.
Segundo Queiroz (1987), o relato oral é consideradoa mais rica fonte humana de conservação e propagação do saber, isto é, a mai or reserva de dados para toda e qualquer ciência (Gonçalves & Lisboa, 2007). A história oral é, simultaneamente, uma fonte e uma técnica, no entanto, o que causa preocupação é sua conversão para metodologia, esta pode ser entendidacomo um conjunto de procedimentos articulados entre si, com o objetivo de obter resultados confiáveis que possam proporcionar a produção de conhecimento (Camargo, 1994 citado por Gonçalves & Lisboa, 2007).
A história oral é considerada um instrumento de investigação eficaz e verdadeiro, no caso do pesquisador conceder um caráter de cientificidade a sua pesquisa, este deve ter como base um conhecimento teórico preliminar; a pesquisa deve ter sua problemática incluída num projeto com formulação prévia; também é necessário definir o uso de instrumentos e técnicas que serão utilizados na pesquisa, além de ter coletadas as informações a respeito do campo que se rá pesquisado (Gonçalves & Lisboa, 2007).
�
28
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
De acordo com Gonçalves e Lisboa (2007), a história oral adquire estatuto de informação que possui legitimidade para o conhecimento sociológico a partir do momento em que o conteúdo das falas adquirido pelos sujeitos da pesquisa vai além dos sentidos e significados que objetivam manifestar de forma consciente. No entanto, as relações que configuram os processos sociais e o seu propósito precisam ser ‘arrancadas’ do material empírico, de modo consciente pelo pesquisador e observado minunciosamente através da utilização de instrumentos obtidos pelos referenciais teóricos e metodológicos que dirigem a investigação .
Do ponto de vista da Psicologia Social, esta busca entender os fenômenos sociais referentes à experiência do indivíduo dentro do seu contexto socio-cultural, sendo o relato oral o melhor caminho para se chegar à experiência do indivíduo. Pois, é no relato oral que uma variedade de elementos diferentes que dão formato à experiência encontram uma forma única, específica e incorporada de expressão e comunicação (Schmidt e Mahfoud, 1993 citado por Narita, 2006).
A singularidade da história oral é destacada por Marre (1991), já que, não há a possibilidade de se chegar ao geral por meio de uma variedade de histórias de vida singulares sem antes dar as mesmas uma totalidade sintética, sendo que esta é formada através da singularidade de cada uma delas. Além disso, a partir do momento que um indivíduo vivencia e verbaliza sua trajetória, há uma identificação do mesmo com um grupo social no qual ele é elemento constitutivo (Gonçalves & Lisboa, 2007).
O método da história oral possui distintas técnicasde entrevista para dar voz a sujeitos invisíveis e, através da singularidade de seus depoimentos, forma e resguarda a memória coletiva (Gonçalves & Lisboa, 2007).
Para Meihy (1998) a história oral de vida está relacionada à narrativa do conjunto de experiências de vida de uma pessoa, quedesenvolve sua história de acordo com a sua vontade, podendo revelar ou não casos, si tuações e pessoas. O narrador é considerado o sujeito primordial, e tem livre arbítrio para narrar sobre sua experiência pessoal fazendo parte do processo como colaborador (Lima & Gualda, 2001).
Segundo Santos e Fenili (2000), a história de vida tem um papel importante nas relações entre os indivíduos, já que influencia a consciência que estes possuem de si mesmo e dos outros, sendo que a forma de expressá-al se dá através da linguagem. Ao utilizar a abordagem qualitativa acredita-se ter proporcionado aos participantes a
�
29
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
oportunidade para falarem de si, das suas percepçõe s e angustias (Lima & Gualda, 2001).
O que fundamenta a história oral de vida é o depoimento gravado. Assim, sua
realização necessita da utilização de medidas como,	agendar as entrevistas, de acordo
com a disponibilidade do colaborador; propiciar um ambiente de solidariedade aberto à comodidade, à confidência e ao respeito; estar presente no local na hora e data marcadas; e solicitar consentimento para gravar (Lima & Gualda, 2001).
Ainda no referente à história oral, esta implica a percepção do passado como algo contínuo e afirma sentido social à vida dos na rradores e ouvintes, que começam a entender a história em sua sequência, além de se sentirem parte do contexto ao qual estão inseridos. Ou seja, a presença do passado no presente imediato das pessoas é o objetivo da história oral, sendo esta sempre uma hi stória do ‘tempo presente’ e reconhecida como história viva (Meihy, 1998 citado por Lima & Gualda, 2001).
Dessa forma, a narrativa, segundo Mattingly e Garro (1994), é um percurso que possibilita a compreensão da vida no tempo, levando em conta a relação entre os desejos do mundo interno, ideal e emocional, e os acontecimentos do mundo externo. Através desta pode-se tentar construir um senso de como as coisas aconteceram anteriormente e como, tanto nosso modo de agir quanto o modo de agir dos outros, têm contribuído para estabelecer a nossa história. Assi m, as narrativas são transformadas num processo segundo o qual a experiência particula se torna pública, sendo que esta não pode ser diminuída ao modelo dicotômico que con trapõe sujeito e objeto (Lima & Gualda, 2001).
Diante do que foi exposto, pode-se dizer que a história oral implica a percepção do passado como algo contínuo e afirma sentido social à vida dos narradores e ouvintes, que começam a entender a história em sua sequência, além de se sentirem parte do contexto ao qual estão inseridos (Meihy, 1998 citad o por Lima & Gualda, 2001).
3.2 Coleta de dados
Para se construir as histórias de vida, a coleta de dados será feita por meio de duas técnicas de entrevistas: discurso livre e entrevistas semiestruturadas com questões abertas (ver anexo). No que se refere à entrevista, Gonçalves e Lisboa (2007), ressalta
�
30
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
que é por meio desta que ‘trajetórias de vida são c onstruídas através da inter-relação dialógica entre pesquisador e pesquisado’. Para Narita (2006), ao se trabalhar com entrevistas semiestruturadas, compreende-se que estas possibilitam haver um momento de encontro de dois sujeitos, nestes as memórias são revividas e reconstruídas no instante em que são narradas, reelaboradas, sofridas.
As entrevistas foram fundamentadas no modelo do discurso livre, tendo como função a entrevista aberta. De acordo com Narita (2 006), o discurso livre possibilita identificar o que os sujeitos exprimem, considerando o que for mais importante no momento da entrevista. Rodrigues (1978) pontua que a escolha pelo discurso livre possibilita orientar minimamente o material originado e, simultaneamente, analisar o que é transmitido de um ponto de vista estrutural e profundo (Narita, 2006).
Participaram do estudo duas pessoas auto identificadas como transexuais, sendo que cada uma está numa etapa diferente do processo de ‘transformação’, ou seja, uma já realizou a cirurgia e a outra já teve a cirurgia autorizada. Os nomes das participantes serão substituídos por nomes fictícios, garantindo com isso o sigilo e resguardo de suas identidades. Também serão resguardadas quaisquer informações que possam identificar os sujeitos da amostra. Além disso, será apresentado as mesmas um termo de consentimento informado que será assinado por elas, contendo informações sobre a pesquisa.
As participantes foram ‘escolhidas’ e contatadas at ravés de indicação e por convite informal. O acesso se dará por meio de uma Organização Não Governamental - ONG localizada na cidade de Aracaju que trabalha, entre outras coisas, com programas de Combate a Homofobia.
Os resultados foram apresentados com base nas próprias narrativas dos sujeitos. Nestas realizam-se as análises de acordo com o desenrolar das falas das participantes. No que se refere às narrativas, cada uma será dividida em três partes. A primeira apresentará a sequência de acontecimentos considerados significativos em relação ao desenvolvimento de gênero. Dessa forma, são apresentados processos de descoberta, processos de migração, percepção que a mesma possuisobre si e as pessoas ao seu redor, experiências familiares, escolarização, entrada no mundo do trabalho, ingresso na universidade, relacionamentos amorosos e constituição familiar.
�
31
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
3.3 Análise dos dados
Foram feitas análises de conteúdo baseadas nas indicações de Minayo (1996).
As informações adquiridas foram reunidas e organiza das em categorias de análise. Neste processo, depois de feitas as transcrições, s eguiu-se o seguinte caminho: (a)
Leitura	exaustiva	do	material;	(b)	Divisão	das	entr evistas	por	temáticas;	(c)
Identificação das categorias extraídas do texto a p artir das temáticas; (d) Transformação dos “dados brutos” em “dados úteis” a partir da fra gmentação do texto e estabelecimento de unidades semânticas (critério de analogia); (e) Categorização de cada entrevista pelo pesquisador, juntamente com orientador e (f) Discussão das categorias por ambos para validação do estudo.
As entrevistas foram divididas por temáticas na seguinte ordem: os percalços percorridos já na infância devido à presença do sen timento de diferença; a chegada da adolescência e as questões que a acompanha, como puberdade, o desenvolvimento das características secundárias, as primeiras relações sexuais e a questão do amor/paixão; a relação com os familiares, se houve o apoio ou não, para quem foi mais difícil aceitar; o processo percorrido até a descoberta da sexualidade; a questão do preconceito social e as estratégias para o enfrentamento deste; o caminho percorrido até o processo cirúrgico. Dessa forma, a seguir serão apresentados os resultados e a discussão, a partir das seguintes categorias: (a) Infância; (b) Primeir as experiências sexuais; (c) Relação com a família; (d) Identidade ‘Trans’: nome/descobe rta da sexualidade/aparência; (e) Enfrentamento: escola/namoro/trabalho; e (f) Transexualização.
A análise das categorias tem como objetivo organiza a união estabelecida entre os dados obtidos e os referenciais teóricos da pesq uisa, possibilitando responder as questões fundamentadas nos seus objetivos, na procu ra da promoção das relações entre o concreto e o abstrato, a teoria e a prática, o geral e o particular.
�
32
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
4. Resultados e Discussão
Diante dos recursos teóricos e metodológicos mostra dos até o momento, em seguida serão apresentadas as histórias de vida de Fernanda e Carolaine (nomes fictícios utilizados com o objetivo de preservar a identidade das participantes), duas mulheres transexuais que se dispuseram a ajudar, de forma bastante amável, a construir este estudo na qualidade de participantes.
Fernanda – Devido a participante residir em uma cidade do in terior, o primeiro contato com Fernanda se deu por telefone, cedido gentilmente pela ONG na qual ela também faz parte, esta mostrou-se bastante disposta a ajudar no que fosse preciso cedendo um horário para que a entrevista fosse realizada. Dessa forma, me desloquei até sua residência no interior, chegando lá foi fácilcha-la. Primeiro porque peguei todas as coordenadas com ela pelo telefone; segundo porque muita gente a conhece como vendedora, que é sua atual profissão, e ensinaram o local onde fica sua loja, que é também em sua casa.
Quando cheguei à sua casa ela estava com seus sobri nhos (um jovem casal de irmãos) e eu também fui acompanhada de alguns familiares (marido, mãe e sobrinho), no entanto, no momento da entrevista fomos para um local mais reservado, sua loja que no momento estava fechada, e ficamos apenas ela e eu. Apresentei-me novamente e expliquei do que se tratava o estudo deixando o espaço aberto para quaisquer dúvidas ou questionamentos que pudessem surgir de sua parte. Após esse processo apresentei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que ela lesse e assinasse, e em seguida pedi sua permissão para gravar a entrevista , após ela concordar, só então, pudemos dar início à entrevista.
4.1 História de Fernanda
Fernanda tem quarenta e quatro anos, já fez a cirurgia de resignação sexual há alguns anos, é oriunda de uma família de classe média baixa com a qual ainda mora. Apesar de já ter residido na capital e até em outroEstado, passou a maior parte de sua vida nesta cidade do interior onde vive atualmente. Fernanda trabalha como vendedora e
�
33
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
tem loja própria. Já foi casada e teve um enteado o qual considerava um filho, no entanto, hoje está solteira. É uma pessoa simpáticae bastante popular em sua cidade, e sempre é convidada para os eventos que por lá acontece. Está a algum tempo trabalhando no setor informal, pois, segundo a mesma, devido à sua ‘condição’ de mulher transexual, o mercado de trabalho dificulta muito a entrada de pessoas nessa situação, o que a fez abrir seu próprio negócio. Ap esar de todos os percalços que já enfrentou e ainda enfrenta, se considera uma mulher realizada em alguns aspectos de sua vida.
Carolaine – Carolaine também mora no interior, mas estuda na capital, dessa forma, meu contato inicial também se deu por telefone, e após algumas tentativas sem sucesso de encontra-la, já que é bastante ocupada, entrevista finalmente aconteceu na Universidade em que estudo. Ao nos encontrarmos nos apresentamos e eu a deixei a vontade para escolher um local para que pudéssemos conversar mais a vontade, ela escolheu o café de uma livraria dentro da Universidade; como era uma Quinta-Feira no final da tarde a Universidade estava pouco movimentada, então não tivemos problemas com relação à ‘privacidade’ da nossa conversa, assi m nos sentamos e eu procedi da mesma forma que fiz com a outra participante.
Expliquei do que se tratava o estudo e a deixei à v ontade para fazer qualquer perguntar ou tirar dúvidas sobre o mesmo, por fim, apresentei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que ela pudesse ler e assinar para só então darmos início a entrevista. No entanto, antes de inicia-la pedi permissão para gravar e ela aceitou sem nenhum problema. Assim, demos início à entrevista.
4.2 História de Carolaine
Carolaine tem vinte e seis anos e é natural de umapequena cidade do interior do estado de Sergipe, apesar de ainda não ter sido sub metida à cirurgia de resignação sexual, já teve esta aprovada e se encontra na filade espera para realiza-la. Tem a pele morena, os cabelos cacheados e os lábios grossos, oque mostra sua afrodescendência. É formada em Letras e atualmente está cursando Serviço Social em uma Universidade
�
34
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
privada, com subsídios do governo federal, através do PROUNI o que revela sua dedicação aos estudos.
Carolaine mostra-se um pessoa bastante persistente na busca pelos seus direitos, um traço marcante que torna-se mais reforçador com o seu ingresso na faculdade e em movimentos estudantis. Também é com sua entrada nomundo acadêmico que ela tem os primeiros contatos com assuntos relacionados à s exualidade e com os termos travesti e transexual.
É a partir de então, somado a outros acontecimentos em sua vida, que Carolaine dá início ao seu processo de auto identificação e começa a introduzir mais fortemente sua feminilidade através de roupas, acessórios, cabelo e maquiagem.
No decorrer deste tópico serão transcritos trechos das entrevistas nas quais ambas descrevem etapas de suas vivências em que serão abordados os pontos mais marcantes de suas trajetórias, podendo haver também contradições em algumas de suas falas.
Dessa forma, foi-lhes solicitado que descrevessem suas trajetórias de vida levando em consideração suas crenças com relação ao enfrentamento pessoal, familiar e social durante seu processo de transformação.
�
35
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
4.3 Categorias
4.3.1 Infância
Como o método utilizadoneste trabalho foi o de História oral/História de vida, foi utilizado um roteiro de entrevista que serviu de auxílio na construção dos relatos mostrados nas falas a seguir, sendo que este seguiu uma ordem cronológica que teve início com a história da infância e segue até os di as atuais. Diante disso, foi necessário que as participantes falassem sobre a infância, poi s esta é a primeira fase pela qual o ser humano passa e inicia uma série de descobertas, é estan fase também que desde muito cedo, aproximadamente com 18 meses, a criança inici a a construção do seu próprio ‘eu’. Como será visto no relato das participantes, foi ainda na infância que se perceberam ‘diferentes’, diferença na qual ainda não havia mui to entendimento devido ao surgimento ‘precoce’ 11 de um sentimento de não adequação ao sexo biológic o.
Vejamos, então, os trechos de suas falas...
Fernanda
Olha é o seguinte, a gente já nasce um pouquinho assim, aí o que é que acontece, eu tentei ainda ir por outro caminho, mas só que o meu organismo já tinha uma predisposição genética, aí o meu peito apareceu com doze anos, eu nasci sem testículos, com os testículos muito pequenos e isso aí favoreceu, a minha transexualidade...
[...] Eu sempre tive bonecas, não tem Falcon, Playm obil? É tudo brinquedo,
praticamente uma boneca aí eu arrumava, fazia casinha, fazia historinha eu sempre...
minha vida foi assim, entendeu? Era porque dizia que falcon, playmobil era brinquedo de homem né? Mas, pra mim era ótimo porque eu brincava de... tudo numa casinha, marido e mulher e aquela historinha.
11 O termo precoce aqui é utilizado de forma positivano que diz respeito à possibilidade da descoberta s er feita logo cedo, o que de certa forma pode facilitar no tratamento hormonal, já que pode ser iniciadoainda enquanto o corpo se encontra em desenvolvimento. Além disso, também diminui o tempo de sofrimento do indivíduo, já que este poderá ‘acelerar’ o processo de adequação das características físicas ao gênero com o qual se identifica.
�
36
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
Carolaine
Então, eu percebi transexual, justamente, acho que com três a quatro anos de idade quando eu percebia que... eu me via representando aquela irmã que era dois anos mais nova que eu, então, enquanto eu era filha única eu não me percebia muito diferente, mas quando minha irmã nasceu que eu vi t odo o processo do rosa na casa da minha mãe, com a minha irmã, então, as questões que ela colocava para minha irmã, eu acabei percebendo que eu me identificava com aquele mundo, e aí eu comecei a me ver diferente a partir de que eu vi a figura feminina da minha irmã em casa, então, isso com três... quatro anos de idade, é a partir dissoaí minha infância era só uma infância igual a qualquer outro ser humano, só que com essa diferenciação de eu querer me sentir menina, querer fazer as coisas que as meninas faziam, mas aí eu era coagida de que não, eu não era uma menina, que eu era um menin o, que eu tinha pintinho e que minha irmã tinha vagininha, então, eu era um menino que vivia naquele mundo, mas eu não entendia que esse mundo... com o que eu queria viver era o mundo dela porque eu queria usar as bonecas, até porque eu não nunca gostei tanto de boneca, mas assim, porque eu queria existir no mundo dela, as brincadeiras... eu gostava das brincadeiras de roda, de brincadeiras interessantes, eu gostava de ser a mãe na brincadeira...
entendeu?
Algumas pessoas transexuais reconhecem essa condiçã o ainda pequenas, já outras demoram mais tempo, no entanto, isso acontece por diversas razões, entre as principais estão os fatores sociais, como a repress ão (Jesus, 2012). De acordo com a afirmação da autora, não há para as pessoas transexuais, uma regra geral que determine um tempo específico e igual para o reconhecimento de sua condição, pois este, também pode variar de acordo com o contexto social ao qual o indivíduo se encontrará inserido. Assim, a depender do ambiente e dos fatores sociais que o cerca, tal processo será perpassado por uma série de acontecimentos que o levará a ter maior ou menor possibilidade de entendimento e ‘aceitação’.
Segundo o psicólogo clínico e psicanalista Rafael C ossi (autor do livro ‘Corpo em Obra’, lançado em 2011 após analisar seis biogra fias de transexuais), é geralmente na primeira infância, entre 4 e 6 anos de idade que pode iniciar na criança uma
�
37
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
identificação com o sexo oposto e eventual desejo d e assumir uma nova identidade de
12
gênero .
Dessa maneira, como pôde ser observado nos dois rel atos, foi ainda na infância que começou o sentimento de não adequação com relaç ão ao gênero, porém, para ambas
esse sentimento de inadequação aconteceu em momento s diferentes e de formas distintas. Assim, enquanto a primeira condicionou a transexualidade ao fator biológico, já que, segundo a mesma havia uma predisposição genética do seu organismo que evidenciava mais o lado feminino favorecendo assim, a sua transexualidade; a segunda
condicionou ao fator psicológico, pois foi a partir	do nascimento de sua irmã que ela
começou a se identificar com a figura feminina dest a e começou a querer se sentir menina também. O que era evidenciado nas brincadeiras, pois ambas buscavam estratégias de adaptação das brincadeiras de acordo com o gênero com o qual se identificavam.
É importante ressaltar, que a construção da ideia q ue a criança faz do que é ser menina e do que ser menino se dá através da história, cultura e simbolização. Sendo assim, é por meio das vivências diárias que ela dáorigem e exprime o que se espera como algo permitido para cada categoria de gênero,e para o esperado estabelecimento das relações entre essas categorias (Anacleto & Mai a, 2009). Porém, quando o modo de pensar da criança diferencia-se do que é esperado e permitido para tais relações, ‘desviando-se’ do padrão social estabelecido, tem-s e iniciada uma série de problemas nas suas relações sociais. Diante de tal situação, ela buscará estratégias de adaptação que vão desde as brincadeiras na infância, como foi relatado nos dois casos anteriores, até a fase de adolescência e idade adulta quando essas estratégias são ampliadas para o seu contexto geral.
4.3.2 Primeiras experiências sexuais
Geralmente é na fase da adolescência que são vivenciadas as primeiras experiências sexuais, é a partir desse momento queas pessoas vão conhecendo melhor o
12 Notícia publicada no portal G1 em 03/03/2013 na parte de Ciência e Saúde. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/03/transexual-pode-se-descobrir-ja-na-primeira-infancia-dizem-especialist.html.> Acesoo em 30/03/2013.
�
38
O processo de ‘mudança’ de sexo entre transexuais d e Aracaju
próprio corpo e se ‘definindo’ quanto a sua sexuali dade, o que acontece conjuntamente com o processo de descoberta desta. Cada pessoa possui uma forma singular de vivenciar cada etapa de sua vida, no caso das participantes, estas tiveram suas primeiras experiências sexuais vivenciadas de forma distintas, pois, enquanto Fernanda vivenciou a experiência de se relacionar com pessoas de ambosos sexos, posteriormente optando pelos relacionamentos heterossexuais; Carolaine relata ter se envolvido somente com pessoas do sexo masculino. Sendo assim, foi a partir dessas primeiras experiências que ambas puderam se ‘definir’ quanto à sexualidade. O que pôde ser observado nos relatos seguir:
Fernanda:
[...] Eu me vestia de homem, saía, ainda minha família ainda me empurrou uma namorada, eu fiquei com mulher e tudo... e eu me sentia bem com minha namorada, até que eu me apaixonei por um rapaz, foi que eu vi que era o rapaz que eu queria, fiquei com os dois, mas depois tive que escolher e aí eu fiquei com o rapaz, entendeu?
[...] Eu não me senti nunca um homem, meus sonhos s empre eram feminino, mesmo eu

Continue navegando