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Fichamento: O Modernismo e a Questão Nacional – Monica Pimenta Velloso Moderno – Modernidade – Modernismo Questão de fundamental importância é a temporalidade em que ele se insere, localizando ali para as suas diferentes formas e expressões. A Consciência da modernidade nasce do sentimento de ruptura com o passado. Modernismo é um processo e movimento contínuo que vai desencadear vários outros movimentos no tempo e no espaço. Propomos pensar o modernismo a partir da perspectiva da simultaneidade, da continuidade e da pluralidade. Isso é uma experiência complexa. No Brasil, quando se fala em moderno se pensa logo na década de 1920, São Paulo e na Semana de Arte Moderna (12 a 17 de fevereiro de 1922), sendo isso um marco do modernismo. Porém o processo é mais amplo e complexo. Meio século antes de acontecer a Semana de arte moderna, já existia no Brasil um movimento literário denominado por José Verissimo de “modernismo”, conhecido como “Geração de 1870”. Intelectuais desse movimento: Tobias Barreto, Silvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha. Não reconhecemos essas pessoas como fazendo parte do nosso modernismo, porque nos acostumamos a pensar em modernismo como ocorrido em 1922. Não prestamos atenção aos sinais de modernidade que vinham despontando de diversas maneiras em várias regiões e cidades. Vários modificações técnico-industriais ocorridas na virada do século XIX, alteram as percepções e as sensibilidades sociais. No Brasil, o fim da Guerra com o Paraguai (1865-1870) funcionará como um divisor entre o tempo antigo e o tempo moderno. As crônicas de Machado de Assis mostram claramente isso, relatando o choque provocado na sociedade por essas mudanças tecnológicas. O Manifesto Republicano de 1870 é considerado um marco da modernização brasileira. Nesse documento é enfatizada a necessidade urgente da abolição da escravidão e da instauração da República. Essas mudanças eram tidas como essenciais para garantir a entrada do Brasil na modernidade. Em Recife, na Faculdade de Direito, sob a liderança de Tobias Barreto, ocorre um movimento intelectual de projeção nacional, buscando a integração no Brasil na cultura ocidental. Para isso, tenta-se definir o que é a nacionalidade brasileira. Que elementos definiam o Brasil? Internacionalmente o que representava ser brasileiro? Predominava a visão pessimista do darwinismo social do atraso cultural e da inferioridade étnica. Tinha também a ideia de que esse atraso e inferioridade poderiam ser modificados, com a marcha evolutiva para o contexto internacional. O instrumento científico seria o principal arma para essa geração, chamada de intelectuais mosqueteiros. O Brasil era definido como país resultante do meio físico e geográfico, da raça e do momento. Estilo tropical e a mistura étnico-cultural que fundamentava nossa literatura. Assim, a nacionalidade é compreendida como matéria prima a ser trabalhada pelo saber científico das elites intelectuais. Fica claro o caráter autoritário do pensamento político, cabendo as elites dotadas do saber superior e portanto, aptas a conduzir o processo de mudanças sociais. Apesar de notória a presença da autoridade, também está presente uma sensibilidade modernista. Os intelectuais de 1870 buscavam compreender a identidade múltipla da nacionalidade brasileira. Na identidade brasileira eram vistos o indígena, o africano, o europeu e o mestiço, representando já um avanço na interpretação do Brasil, mesmo que de forma envergonhada. Reconhecia-se a nossa identidade mestiça e se buscava estuda-la. Porém, o Branco ainda era visto como superior e o brasileiro como inferior. Em 1902, Euclides da Cunha elege o sertanejo como símbolo da nacionalidade (Os Sertões). Assim, a geração de 1870, vinculada à Escola de Recife, defenderá uma literatura inspirada no sertanismo, indianismo, nas coisas de nossa terra. Importante lembrar que esse não é um movimento isolado, pois na América Hispânica também estavam ocorrendo movimentos para reivindicar o reconhecimento e a valorização das heranças Maia, Asteca e Inca. O resgate da diversidade cultural constituiu-se em impulso decisivo para a modernização. Para a geração de 1870, ser moderno significava, sobretudo, buscar uma compreensão do significado de ser brasileiro, o que deveria ser feito através do instrumental cientificista. Foram os estudos etnográficos da geração de 1870 que contribuíram para a eclosão do movimento modernista. Esse pensar moderno já existia e será retomado, sobretudo, reelaborado ao longo da década de 1920. Essa leitura inspirada na centralidade de 1922 foi construída pelos modernistas paulistas, que se apresentaram como apresentadores da modernidade brasileira. Isso não significa desvalorizar o que eles fizeram, apenas relativiza-la, atentando para outras expressões do moderno presentes na dinâmica cultural brasileira. Inquietação social: Definir o regional em face do nacional. O MODERNISMO NO RIO DE JANEIRO Moderno é pensado como ruptura. Grupo de intelectuais que se destacam na atuação da cultura modernista => Grupo dos Boêmios com a linguagem humorística. A construção de uma reflexão sobre a nacionalidade a partir da perspectiva do humor, sátira e das caricaturas. Revista D. Quixote (1917-1927) dirigida por Bastos Tigre, foi a porta-voz, polo agregador e lugar da memória do grupo. Família boêmia – ocupava espaço expressivo na vida cultural do RJ, tendo José do Patrocínio sido considerado o pai da família boêmia. José do Patrocínio é visto apenas como o heroico “Tigre da Abolição”. Não estabelece a vinculação entre a luta abolicionista e a cultura boêmia. Porém, sabe-se que a intelectualidade boêmia participou ativamente das lutas políticas, liderando campanhas abolicionistas e a instauração do regime republicano. Porém, a instauração do regime republicano decepcionou a todos esses intelectuais, pois se mostraram incapazes de estabelecer uma sociedade de bases mais democráticas, com cidadãos mais responsáveis. Existia um abismo profundo entre as elites políticas e as camadas populares da sociedade, sendo os direitos civilizatórios cada vez mais endereçados às elites. Elite essa, identificada com a cultura europeia, que tentavam negar as origens mestiças da nacionalidade. Esse intelectuais boêmios aliou-se às camadas populares, compartilhando o sentimento de rebeldia e de exclusão social. Estabeleceu-se parcerias musicais, no teatro de revista e no carnaval. Em meados de 1920, Gilberto Freire desembarcava no RJ para conhecer a denominada música afro-brasileira, mantendo contato com Pixinguinha, Donga e Patrício Teixeira em reuniões ciceroneadas por Prudente de Moraes Neto e Sergio Buarque de Holanda. Na década de 1930, todo o Brasil reconhece o RJ o povo sambista, mostrando a influência negra. A comunicação entre diferentes segmentos sociais, resulta em trocas culturais férteis, o que é lima característica da cultura do modernismo. O RJ absorvia as diversidades regionais vinda de todos os estados e também funcionava como polo irradiador de culturas. Os caricaturistas, vistos como arte menor, porém não unanimemente, pois existiam outras percepções sociais, que os denominavam humoristas da imagem. Eles serviam como elo de união entre os letrados e o conjunto da sociedade. O Serviço Burocrático era visto como algo menor pela intelectualidade brasileira, que dizia que o escritor para sobreviver, era obrigado a exercer o funcionalismo público se tornando um burocrata. Assim, os artistas para sobreviverem não podem mais frequentar as ruas, o morro e observar o quotidiano das pessoas. No entanto, os mecanismos de exclusão social permaneciam fortes no mundo da cultura. A Mercantilização da cultura era criticada, pois só podiam participar da Exposição Nacional de Belas-Artes os pintores e escultores consagrados pelo mundo oficial da cultura. Os críticos literários eram comparados a uma espécie de eunuco. Através das caricaturas podemos perceber um quotidiano em permanente mutação. As transformações científico-tecnológicasalteram os valores e as percepções sociais. As caricaturas brincavam com a ideia de automação e da produção em série. Criticava-se a concepção da máquina como a solução para problemática humana. É uma percepção irônica em relação a ciência muito presente nos humoristas boêmios. Criticando a importância dada ao lado doutor da nossa cultura vista como um ideal europeizante das elites. A linguagem falada amplia seus domínios. Ocorre o primeiro jornal falado, com o jornalista se transformando em ator e encenando as notícias para a plateia. Isso revela o lugar de destaque ocupado pelo humor na modernidade. Os caricaturistas são denominados “ases da imprensa” e assim é fundada a nossa primeira agência publicitária em 1913. As revistas de humor, formadoras de opinião pública, são dirigidas a leitores apressados e carentes de informação, com uma linguagem rápida, capaz de atender o ritmo dos acontecimentos que se sucedem de forma cada vez mais rápida. Tudo estava deixando de ser concebido como eterno, lento, de devaneio e contemplação. Com a eletricidade tudo se dava de forma rápida. Imagem da Nacionalidade através dos tempos: . No Império – A nacionalidade era representada pelo índio forte e vigoroso. . No início do século XX – Aparece o povo das ruas: O português da venda, a mulata sensual, o malandro, o capoeira, o Zé-povo e também o Jeca Tatu. Diferentes retratos do Brasil, inspirados no cotidiano e nas práticas urbanas. Na comemoração do centenário da independência brasileira, 1922, a exclusão social aparece fortemente vinculada a imagem do regime republicano, que não reconhecia a cidadania dos próprios donos da terra. Moderno era unir o erudito ao popular, havendo uma intercomunicação e assim passando a expressar as bases da identidade coletiva, com a verdadeira expressão da cultura popular. O Rio de Janeiro é portanto, um polo da questão do modernismo, mas isso não significa tirar a importância de São Paulo. É apenas para mostrar que o modernismo estava presente na sociedade brasileira em vários lugares. Porém é irrecusável, desmerecer o papel dos intelectuais paulistas nesse processo, na década de 1920. O MOVIMENTO MODERNISTA PAULISTA No pós –guerra modifica-se radicalmente a maneira de se pensar o Brasil. Os intelectuais se esforçam para definir e sistematizar a ideia de identidade nacional. Essa onda de nacionalismo era reflexo do contexto internacional que anuncia o declínio da cultura europeia e a aurora do novo mundo. A partir daí tornam-se ultrapassados os parâmetros científicos europeus, baseados numa suposta evolução étnica. Não há mais um padrão universal, mas sim singularidades e expressões culturais únicas, para serem conhecidas e analisadas. A Europa deixa de ser o centro e o modelo civilizatório do mundo. Artistas e intelectuais europeus vem ao Brasil procurar inspiração em nosso folclore, literatura e música popular. Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Tarsila do Amaral propunham viajar pelo interior do Brasil com o objetivo de conhecê-lo mais profundamente. O que permite a realização de um inventário da cultura popular. O difícil era elaborar um pensar próprio que não fosse uma mera caricatura e imitação do moderno europeu. Em grande parte, o modernismo acabava sendo visto como uma espécie de movimento tupiniquim, mero mimetismo em relação às vanguardas artístico-culturais europeias. Mas essa visão não consideravam a releitura que os nossos intelectuais estavam fazendo em relação ao acervo das tradições e valores europeus. O resultado são os diferentes retratos do Brasil, que mostram o caráter heterogêneo do modernismo paulista, capaz de produzir visões distintas sobre a nacionalidade. No Manifesto Pau-Brasil, 1924, representava a necessidade de atualização da nossa cultura. Mas a partir de 1924, a questão que surge é a de compreensão da especificidade da cultura brasileira. Daí surgem distintas visões ideológicas da nacionalidade. É com base nessas visões que se esboçam acontecimentos marcantes da nossa história político-cultural, como a Revolução de 1930, a Revolução Constitucionalista de 1932, o Movimento comunista de 1935, a instauração do Estado Novo (1937-1945) e o período de redemocratização de 1945. Os grupos verde-amarelos buscam o retorno ao passado para se buscar as tradições mais puras e verdadeiras da nacionalidade. Recorrem ao simbolismo do Curupira, com os pés voltados para trás, simbolizaria o retorno ao passado, considerado a chave explicadora da nacionalidade. A Geografia seria a base para a compreensão da brasilidade modernista. O interior seria a brasilidade em contraposição ao litoral. Sendo o povo paulista considerado o verdadeiro construtor da nacionalidade brasileira. O bandeirante – símbolo da brasilidade – personagem bem comportado, sério e patriota. Os feitos de herói são a eles atribuídos. O mito tupi é um dos elementos fundadores da nacionalidade. Etnocentrismo extremado – Defender as fronteiras nacionais. Nacionalismo militarista de Olavo Bilac – defendendo a figura do poeta-soldado. Daí emerge a ideia do intelectual engajado que se afirmará durante o regime autoritário do Estado Novo (1937-1945). O Manifesto Pau-Brasil, tem o esforço de criar uma síntese cultural, capaz de unir o doutro com as tradições populares, a floresta e a escola, unir o museu Nacional, a cozinha, o minério e a dança. No Manifesto Antropófago, 1928, Oswald de Andrade, amplia e aprofunda a sua reflexão sobre a brasilidade. Para ter essa aglutinação e integração da cultura, era preciso absorver essas influências culturais, reelaborando uma crítica e adequando esses valores à nossa realidade. Daí a metáfora antropofagia. Seria a apropriação da cultura europeia pelo canibalismo cultural. Seria a cultura indígena que come a carne do inimigo no intuito de absorver suas qualidades. Mas era preciso destacar as influências culturais desejáveis para depois proceder sua integração. Tarsila do Amaral -> Abaporu significa Homem (Aba) e que come (poru) – linguagem indígena. Essa crença na utopia como força capaz de impulsionar o processo de transformação social explica a filiação de Oswald de Andrade ao Partido Comunista. Mario de Andrade -> Integração dinâmica entre o passado e o presente. Também a teoria da desgeografização, corresponderia a superar as diferenças regionais, tentando apreender uma nacionalidade conjunta. Seria uma visão integrada da nacionalidade. Valoriza-se a ideias de tropicalidade. Criticava a dualidade linguística com um português escrito, mais erudito e um português falado expressando a nossa criatividade e irreverência. Macunaíma é um personagem ambíguo, pois mente, trapaceia, e tem sobretudo uma imensa preguiça. Transita pelos diferentes espaços modernos e tradicionais, urbanos e rurais. CONCLUSÕES Vínculo que poderia unir os intelectuais da geração de 1870, os intelectuais caricaturistas no Rio de Janeiro da virada do século XIX para o XX e os paulistas na década de 1920. Apesar das profundas diferenças de conceito e abordagem, todos esses intelectuais estavam mobilizados para uma questão comum: entender a brasilidade, sobretudo entende-la num contexto de mudanças. Contexto esse marcado pelo ingresso do país nos “tempos modernos”. Para se construir a ideia de brasilidade foi necessário lançar um olhar retrospectivo sobre a nossa história e sobre as nossas raízes. Em meados da década de 1920 a questão era a compreensão do nacional. Em meados do século XIX o povo brasileiro era focalizado através da teoria evolucionista positivista, em que foi locada a África em nossas cozinhas, a América em nossas selvas e a Europa em nossos salões. Imperava a ideia de um Brasil branco – teoria do branqueamento. No início do século XX a cara do Brasil é outra. É o povo nas ruas – o português da venda, mulata, o imigrante, o malandro, o guarda-noturno, a melindrosa, o negro mandingueiro. Brasilidade plural. É o Brasil Macunaíma, o Brasil antropofágico e o Brasil Abaporu. E também o Brasil Martim Cererê que exaltava o Brasil grande,impávido colosso. A visão verde-amarela da nacionalidade, base do regime autoritário Estado Novo, seria a versão vitoriosa da memória nacional. A visão do modernismo, quando associada ao paradigma da Semana de Arte Moderna – ocorrida em São Paulo, fevereiro de 1922 – interrompe esse diálogo entre as tradições do passado e a do presente.