Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Unidade 4 Livro Didático Digital Éderson da Cruz Literatura Popular Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autor ÉDERSON DA CRUZ O AUTOR Éderson da Cruz Olá. Meu nome é Éderson da Cruz. Sou formado em Letras-Português (UNISINOS, 2010), Mestre e Doutor em Educação (UNISINOS, 2015; 2019), Especialista em Gestão Escolar – Orientação e Supervisão (Faculdade São Luís, 2017) e Pedagogo (UFRGS, 2020), com uma experiência técnico profissional nas áreas de Letras, Linguagens e Educação de mais de dez anos. Passei por instituições públicas (estaduais e municipais) e privadas, de Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio, Ensino Técnico e Ensino Superior, no estado do Rio Grande do Sul, atuando como docente e também como supervisor escolar. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidado pela Editora Telesapiens e integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Neste material, estudaremos os fundamentos teóricos da Literatura Comparada. Você verá que a literatura, além de uma forma artística, é um campo de saber muito rico e conectado com nossa realidade de diferentes formas, possibilitando o gosto estético e também o repensar e realidade e a forma como percebemos o mundo que nos cerca. Vamos nessa? Conte comigo para o que precisar. Bons estudos! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO O contexto que deu origem ao Modernismo ..................................12 A virada do século XIX para o XX e os precursores do Modernismo .......12 Painel de referências históricas do Pré-Modernismo ..........................................13 Características do Pré-Modernismo.................................................................................14 Transição entre permanência e ruptura .....................................................15 Perspectivas nacionalistas e de renovação .............................................15 Uma poesia ímpar ......................................................................................................15 Um regionalismo de pesquisa ...........................................................................15 Principais autores do Pré-Modernismo ........................................................................ 16 José Pereira da Graça Aranha ........................................................................... 16 José Bento Monteiro Lobato ...............................................................................17 Afonso Henrique de Lima Barreto ..................................................................19 Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha ......................................................20 Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos .....................................................21 As vanguardas artísticas europeias e a Semana de Arte Moderna ..........................................................................................................23 As Vanguardas Artísticas Europeias................................................................................. 23 Painel de referências históricas ....................................................................... 24 Vanguardismo Artístico .......................................................................................... 25 As vanguardas europeias ........................................................................................................ 25 Futurismo ......................................................................................................................... 25 Cubismo ............................................................................................................................26 Expressionismo ...........................................................................................................26 Dadaísmo ......................................................................................................................... 27 Surrealismo .................................................................................................................... 27 Ecos do Modernismo em Portugal ...................................................................................28 Características do Modernismo em Portugal.........................................28 Etapas do Modernismo em Portugal ...........................................................29 Identificando as fases do Modernismo ..............................................32 Introdução .......................................................................................................................................... 32 Painel de referências históricas .......................................................................................... 33 A Semana de Arte Moderna .................................................................................................. 34 Primeiro Tempo Modernista Brasileiro .......................................................................... 35 Fase de destruição e experimentação ....................................................... 35 A saída primitivista .....................................................................................................36 Características da literatura modernista .................................................... 37 Principais autores: ......................................................................................................38 Segundo Tempo Modernista Brasileiro ........................................................................38 Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro - Prosa ...................................................................................................................................38 Os mundos narrados ...............................................................................................39 Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro – Poesia .................................................................................................................................39 Principais poetas do Segundo Tempo Modernista Brasileiro ....39 Compreendendo Modernismo, Pós-Modernismo e conhecendo os principais autores ..................................................................................41 Terceiro Tempo Modernista Brasileiro ...........................................................................41 Contexto histórico ...................................................................................................... 44 Poesia .................................................................................................................................46A vanguarda concretista ....................................................................................... 47 Ficção em prosa ......................................................................................................... 47 Pós-Modernidade ......................................................................................................................... 47 Literatura Popular 9 UNIDADE 04 Literatura Popular10 INTRODUÇÃO A literatura é a arte da palavra. Sendo assim, ela é uma produção especificamente humana, já que somos os únicos que se utilizam da palavra como ferramenta de comunicação. Durante séculos, a literatura serviu de instrumento para que se pudesse compreender a arte, apresentou por meio de seu contexto ficcional diversas ideologias e visões de mundo, denunciou injustiças sociais e também serviu como forma de fruir estético e de entretenimento. Tudo isso, graças ao trabalho incansável de um escritor, que se apropriou de uma realidade (ou de várias delas) para torna-la uma forma ficcional que pudesse passar uma mensagem, criar determinadas reações do leitor, eternizando nomes reais e também nomes fictícios. Você, caro aluno, como estudante de Letras, tem o privilégio e o dever de conhecer as formas literárias que se destacaram na popularidade e nos gostos ao longo das épocas, aguçando e ampliando não apenas seu arcabouço teórico, mas também seu conhecimento em relação a verdadeiras obras-primas de nossa linguagem. Da mesma forma, é necessário que você, futuro professor, vá desenvolvendo, ao longo de sua vida acadêmica e profissional, um repertório de obras literárias, populares e consagradas pela crítica e pelo público, que lhe possibilite ensinar literatura de um modo a incentivar a formação de leitores e o gosto estético. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Literatura Popular 11 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 4. Nosso propósito é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Identificar as origens e o contexto histórico que criaram condições de possibilidade para o surgimento do Modernismo. 2. Caracterizar as Vanguardas Artísticas Europeias e os seus principais autores e caracterizar a Semana de Arte Moderna. 3. Identificar as origens e a evolução do movimento Modernista no Brasil. 4. Características o Modernismo Brasileiro (3ª fase) e identificar os seus principais autores bem como os da literatura contemporânea Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Literatura Popular12 O contexto que deu origem ao Modernismo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo, você será capaz de identificar as origens e o contexto histórico que criaram condições de possibilidade para o surgimento do Modernismo. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. O Modernismo, assim como os demais movimentos literários, são momentos importantes da nossa Literatura, que nos ajudam a compreender como ela foi sendo constituída e por que, na atualidade, carrega determinadas marcas e outras não. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! A virada do século XIX para o XX e os precursores do Modernismo Nesta seção, estudaremos o Pré-Modernismo, etapa importante da constituição de nosso desenvolvimento histórico-literário. Segundo Abdala Jr. e Campedelli (1988), O período histórico que sucedeu a Semana de Arte Moderna (1922) teve significado artístico e não apenas um registro histórico, pelo surgimento de uma literatura social mais problematizadora, sem o mecanicismo das correntes artísticas do Realismo-Naturalismo. Foi uma tendência mais autenticamente nacional, voltada para os problemas concretos do país, sem a idealização das fórmulas europeias importadas. ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, constituiu-se em uma das realizações iniciais desse projeto artístico. [...]. O nacionalismo pré-modernista teve Graça Aranha como seu ponto de partida. Seu romance ‘Canaã’ focalizou a imigração europeia (alemã) e procurou defender a viabilidade do Brasil como país independente. Esse nacionalismo ganhou consistência através da reflexão crítica sobre a situação social. Em ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, o sertanejo já era visto com suas carências Literatura Popular 13 [...]. O caráter nacional e social também apareceu em Monteiro Lobato, que aproximou, em sua obra, a perspectiva racional dos escritores realistas do século XIX da literatura social da década de 1930. Com Lima Barreto, o nacionalismo foi visto em função das camadas proletárias do Rio de Janeiro. [...]”. (ABDALA JR.; CAMPEDELLLI, 1988). Assim começamos nossa incursão pela literatura do Modernismo: antes dele. A virada do século XIX para o XX foi marcada, dentro da literatura, pelos movimentos de transição, que buscaram romper com as estéticas realista e parnasiana, buscando outros temas, outras linguagens e outras formas de representar a realidade por meio da arte. Deste modo, nessa virada de séculos, uma outra estética, não definida como uma escola literária propriamente dita, mas como um afastamento do Realismo e do Parnasianismo vai surgindo, marcada pela mudança de ênfase nos temas, pela preocupação em representar o brasileiro e não apenas o proletariado, e pela poesia que, deixando de lado a “arte pela arte”, insere-se num mundo de profundas emoções, sentimentos e intimismo. Painel de referências históricas do Pré- Modernismo O que você sabe sobre história do Brasil? De que modo essa história se relaciona com o desenvolvimento da literatura? Podemos afirmar, de modo geral, que a literatura é um produto cultural, social, artístico e também histórico. É a história quem cria as condições de possibilidade para que a estética literária assuma uma ou outra determinada forma. Por isso, nesta seção, (re)visitaremos um pouco do contexto histórico, cultural e social que permitiu que, no Brasil (e em nenhum outro lugar do Ocidente), florescesse essa forma de literatura à qual estamos denominando Pré- Modernismo. Nos primeiros anos do período histórico-brasileiro denominado como “República Velha” (final do século XIX e início do século XX), a cidade de São Paulo se tornou uma espécie de sede da burguesia cafeeira – Literatura Popular14 constituída por um número crescente de fazendeiros enriquecidos, que construíam mansões preferencialmente na recém-feira Avenida Paulista. Nessa época, o poder no país estava nas mãos dos políticos da chamada “república do café-com-leite”: uma forma de chamar a aliança entre nomes políticos de São Paulo (estado destaque na produção do café) e Minas Gerais (grande produtor de leite) no cargo mais importante do país: a presidência da república. Na época, o Rio de Janeiro - capital republicana – assistia a um grande surto de modernização. Suas ruas já contavam com trilhos para bondes. Além disso, a sede do governo federal, foi palco de algumas rebeliões, como a da Revolta da Vacina (contra uma vacinação obrigatória para tentar conter um surto de febre amarela) e também foi se tornando o cenário de um proletariado emergente, que ia ocupando as periferias desde a abolição da escravatura, no ano de 1888. Com a intensificação da imigração e o aumento da classe operária, os socialistas e anarquistas passaram a ter uma atuação de destaque. A grande greve geral de 1917 foi um dos mais destacados movimentos de politização do proletariado na época. Em São Paulo, aproximadamente 100 mil trabalhadores pararam, reivindicando melhores condições de vida. O maior conglomerado industrial do Brasil, São Paulo, se firmou como um importante e poderoso centro político. Em 1922, foi fundado o Partido Comunista. Nesse cenário de mudanças e de reivindicações, oriundo das transformações sociais pelas quais o Brasilpassava, surgiu e floresceu a literatura do pré-modernismo. Características do Pré-Modernismo A seguir, apresentaremos as principais características do Pré- Modernismo. Literatura Popular 15 Transição entre permanência e ruptura Como em qualquer fase transitória, no Pré-Modernismo coexistiam tendências opostas. O “novo elemento” leva tempo para ser implantado, e as novidades criadas na literatura nacional por Graça Aranha e Monteiro Lobato foram sendo aceitas aos poucos. Alguns não as assimilaram, permanecendo com o olhar para as estéticas antiquadas, sem ter manifestar a intenção de romper com o passado. Perspectivas nacionalistas e de renovação Típicas dessa fase transitória foram as obras de Graça Aranha, Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato. Todos eles fizeram uma literatura mais regionalista, porém com perspectivas diferentes. Graça Aranha renegou o passado. Seria, mais tarde, uma das personalidades da Semana de Arte Moderna. Euclides da Cunha passou a repensar o interior do país, se afastando completamente do ufanismo oficial. No livro “Os Sertões”, trouxe uma voz inconformista contra a Guerra de Canudos. Lima Barreto adotou uma postura mais radical de todos os pré-modernistas. Colocou-se contra a literatura acadêmica, fazendo ressaltar a realidade triste dos subúrbios cariocas e dos políticos tiranos e ineficazes. Monteiro Lobato, por sua vez, fez uma literatura de advertência, sob a ótica da caricatura, denunciando a miséria dos camponeses e buscando uma sociedade mais moderna. Uma poesia ímpar Ao lado da poesia acadêmica, representada pelos poetas presos ao formalismo, destacou-se, também, uma poesia híbrida, uma mescla de Parnasianismo, Simbolismo e um pouco de Romantismo. Estamos falando da poesia de Augusto dos Anjos, a única em face da mistura que representou. Um regionalismo de pesquisa A paisagem do Brasil e o homem regional foram duas preocupações dos escritores pré-modernistas, cuja tônica foi a pesquisa da região, no Literatura Popular16 sentido de ressaltar o sentimento do sertanejo e de sua terra. Hugo de Carvalho Ramos, Valdomiro Silveira e Simões Lopes Neto representam essa tendência de pesquisa regional. Principais autores do Pré-Modernismo A seguir, apresentaremos os principais autores do período pré- modernista. José Pereira da Graça Aranha Graça Aranha nasceu em São Luís do Maranhão (1868) e faleceu no Rio de Janeiro (1931). Entre 1900 e 1920, desempenhou junto ao Itamarati várias funções diplomáticas, representando o país na Inglaterra, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, França e Holanda. Ao retornar, engajou-se em correntes de pensamento que haveriam de revolucionar o país com a Semana de Arte Moderna. Graça Aranha, desde o início de sua trajetória literária, estava convencido de que a literatura brasileira precisava mudar. Participou, inclusive, da Semana de Arte Moderna de 1922 com o rumoroso discurso “O Espírito Moderno”, rompendo com a Academia, após atacar a literatura oficial. De personalidade combativa, aderiu, em 1930, à Revolução de Outubro, a qual colocou Getúlio Vargas no poder. De seus frutos, o autor pouco pôde aproveitar, pois faleceu em 1931. Do conjunto de sua obra, “Canaã” se destacou como o livro mais interessante. De grande sucesso editorial, seu romance alcançou cinco edições entre 1902 e 1913, e mais duas até 1922. Considerado revolucionário em função do tema enfocado – a fuga de um imigrante desgostoso com a civilização europeia para o interior do Brasil -, “Canaã” tornou-se leitura obrigatória entre muitos círculos culturais. Ressalta-se, também, que Graça Aranha procurou defender a viabilidade do Brasil como um país independente no século XX. Esse Literatura Popular 17 nacionalismo traz uma nova visão do interior do país, mais problemática e sem copiar modelos europeus. Produção literária: • Romance: Canaã; A viagem maravilhosa. • Ensaio e Conferência: O espírito moderno. • Filosofia: A estética da vida. • Comentários: A correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco. • Teatro: Malazarte. • Memórias: O meu próprio romance. Segundo Bosi (2006), um dos elementos que caracterizam a obra de Graça Aranha e sua importância para a literatura brasileira são a expressão de uma atitude de espírito que frontalmente se opunha ao passado e que já previa a revolução literária que se realizaria entre os anos 20 e 30. José Bento Monteiro Lobato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté (1882) e faleceu em São Paulo (1948). Passou sua infância em Taubaté (SP), entre a fazenda do pai, José Bento Marcondes Sampaio, e a cidade onde residia seu avô. José Francisco Monteiro – Visconde de Tremembé -, homem que o influenciou muito especialmente no gosto pela leitura. Durante a Primeira Guerra Mundial, em 1914, frustrou-se em relação à sua vontade de ser fazendeiro. Em 1918, publicou o livro “Urupês”, livro que reúne doze contos sobre as cidades por onde esteve. O livro rendeu o espantoso número de 10.000 exemplares, e o autor se tornou popular. Em 1927, Lobato foi nomeado pelo então presidente Whashington Luís adido comercial do Brasil nos Estados Unidos. Já tinha a ideia fixa de Literatura Popular18 que a salvação do Brasil estava no petróleo e no aço. Chegou a ser preso por isso. Em 1946, após a ditadura Vargas, trabalhou pela nova Constituição, mas, descontente com o país, mudou-se para a Argentina. Os tipos humanos, o estilo novo, os originais flagrantes de cenas, a força da linguagem fizeram de Lobato um dos mais extraordinários escritores da literatura brasileira, principalmente no campo da literatura infantil. Algumas de suas personagens dos livros infantis se tornaram verdadeiras porta-vozes do pensamento de Lobato: Emília, por exemplo, a boneca curiosa e petulante, provocava diversas discussões e polêmicas. Ao apresentar o caboclo como um continente de doenças, aniquilado pela eterna endemia, o escritor cria uma caricatura – pois, por meio do exagero, queria chamar atenção para a realidade. Mas, naturalmente, a obra de Lobato foi original e pitoresca, regional, de um vocabulário adequado ao sentido humano e dotada de grande literariedade. Hábil (e interessante) contista, Monteiro Lobato prossegue a linha de “Urupês” com “Cidades Mortas”, onde acentuava um “contador de casos” ao lado do apuramento da técnica que faz do conto um gênero difícil de ser manipulado. Produção literária: • Literatura Geral: Cidades Mortas; Ideias de Jeca Tatu; O presidente negro; Urupês. • Literatura Infantil: Aritmética da Emília; Caçadas de Pedrinho; Emília no país da gramática; Geografia de Dona Benta; Histórias da Tia Nastácia; Memórias de Emília; O picapau amarelo; O poço do Visconde; O saci; Serões de Dona Benta; Reinações de Narizinho. Monteiro Lobato deixou um legado importantíssimo para nossa literatura, especialmente no que diz respeito à “inauguração” da literatura infanto-juvenil genuinamente brasileira. Além disso, o autor foi o primeiro Literatura Popular 19 a abordar o tema do caipira de uma forma crítica e também apresentando as mazelas sociais nas quais vivia esse sujeito, excluído da sociedade urbana. (BOSI, 2006). Afonso Henrique de Lima Barreto Lima Barreto (Rio de Janeiro, 1811 – 1922) teve uma infância difícil, vivendo no internato desde pequeno. Em 1897, no Rio de Janeiro, ingressou na Escola Politécnica – que logo abandonou, por seu pai ter enlouquecido. Iniciou sua vida profissional como amanuense na Secretaria de Guerra, em 1903. Mais tarde, ingressou no jornalismo e na política. Em 1909, estreou como escritor. Lançou, em Lisboa, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”. Em 1911, começou a publicar “Triste fim de Policarpo Quaresma”, no Jornal do Comércio, sob a forma de folhetins. Foi reconhecido como um grande jornalista e participou das lutas esquerdistas da greve operária de 1917. Dominadopelo álcool, foi internado em 1914 pela primeira vez. Em 1919, recolhido novamente ao sanatório, escreveu “Clara dos Anjos” e “O relato do cemitério dos vivos. Cronista, ensaísta, contista e romancista, Lima Barreto deixou uma obra importante, por meio da qual mostra o Rio de Janeiro urbano e suburbano, ora focalizado sarcasticamente, ora melancolicamente. Classe média, meio político, imprensa, funcionalismo público – tudo está presente em sua obra. “Triste fim de Policarpo Quaresma, sua obra mais significativa, traz o tema da luta entre o idealismo e a realidade. (BOSI, 2006). Produção literária: • Romance: Recordações do escrivão Isaías Caminha; Triste fim de Policarpo Quaresma; Numa e a ninfa; Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá; Clara dos Anjos. • Narrativa Humorística: Aventuras do dr. Bogóloff; Os bruzundangas. Literatura Popular20 • Conto: Histórias e sonhos; Histórias e sonhos – Outras histórias; Contos argelinos. • Crônica: Bagatelas; Feiras e Mafuás; Marginália; Coisas do reino de Jabom; Vida urbana. • Memórias: Diário íntimo. • Crítica literária: Impressões de leitura. • Epistolografia: Correspondência ativa e passiva. Para Bosi (2006), Lima Barreto foi um autor que conseguiu desdobrar o Realismo, em meio ao contexto da I Guerra Mundial e da República Velha. Suas característica mais marcante era a crítica social coerente, que antecipava os romances regionalistas do Segundo Tempo Modernista Brasileiro. Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha Euclides da Cunha nasceu em Cantagalo (1866) e faleceu no Rio de Janeiro (1909). Nomeado como superintendente de Obras Públicas de São Paulo, em 1896, trabalhou em São Carlos do Pinhal. Com a explosão do conflito de Canudos (BA) e as sucessivas derrotas das forças governistas contra Antônio Conselheiro, Euclides da Cunha resolveu viajar para o sertão, em agosto de 1897, com o objetivo de reportar e testemunhar pessoalmente para o jornal O Estado de S. Paulo o que estava acontecendo. Em Canudos, em 1899, foi transferido para São José do Rio Pardo (SP), onde deveria construir uma ponte sobre o rio Pardo. Lá, escreveu “Os Sertões”, obra que publicaria em 1902 e que o consagraria no panorama cultural brasileiro. No entanto, sua carreira profissional era ainda frágil. Ganhando mal, procurou melhorar de vida. Em 1904, voltou para o Rio de Janeiro, onde conseguiu uma nomeação para o Ministério das Relações Exteriores, conseguindo uma missão de reconhecimento no Alto Puros. Suas constantes viagens geraram crises em seu casamento. Decidido a pôr fim à situação que já se prolongava por três anos, Euclides Literatura Popular 21 caiu morto numa troca de tiros com o amante de sua mulher, aos 43 anos, em 1909. Euclides da Cunha assistiu às lutas sangrentas no sertão baiano, em 1897. Observou os sertanejos com armas toscas enfrentarem o exército bem melhor armado. Presenciou a carnificina e perguntou-se, perplexo, que força movia aquele povo. “Os Sertões” é uma análise sociocultural que mostrou ao Brasil um mundo desconhecido, de absoluta miséria. O rigor científico de Euclides da Cunha, aliado à linguagem vibrante e pomposa, fazem do livro uma fonte preciosa de informação e de expressão. Produção literária: Prosa: Os Sertões – Campanha de Canudos; Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento de Alto Puros; Castro Aves e seu tempo; Peru versus Bolívia; Contrastes e confrontos; À margem da história; Obra completa; Caderneta de campo. De acordo com Bosi (2006), Euclides da Cunha se caracterizou por um pensamento curvado sob o peso dos determinismos, porém, além disso, sob um olhar voltado para a técnica e o progresso. Destacam-se sua linguagem que, mesmo que carregada de estilos, constituiu uma concretude que até os dias atuais não perdeu sua relevância e criticidade. Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos Augusto dos Anjos nasceu em Vila do Espírito Santo (1884) e faleceu em Leopoldina (1914). Cursou Direito em Recife. No contato com a Academia, familiarizou-se com a Ciência e absorveu de tal maneira termos científicos que passou a usá-los no dia a dia (inclusive em seus poemas). Sempre voltado para a literatura, publicou em edição particular o livro de poemas “Eu”, que causou grande polêmica, pois o público estava acostumado à linguagem parnasiana, enquanto “Eu” era malcriado e de mau gosto à primeira vista. Sua poética nasceu de uma situação histórica híbrida. Havia a influência das ciências da época, e o poeta parecia encantado com Literatura Popular22 aqueles termos científicos. Seria uma forma de inovação, mesmo que ele utilizasse conceitos advindos de outro campo. Mas isso traduziu para o leitor verdadeiras essências misteriosas, despertando-lhe um fascínio por aquilo que não conhecia. Pode-se dizer que Augusto dos Anjos foi um poeta de transição entre o Simbolismo e a modernidade, sempre identificado com os sofrimentos da população marginalizada, do campo e da cidade, pelo progresso capitalista. A doença, a dor e a desilusão de viver estão muito presentes em suas poesias. Produção literária: • Poesia: Eu; Eu e outras poesias; Poemas esquecidos. Augusto dos Anjos, o poeta de maior destaque no contexto do Pré- Modernismo, caracterizou um rompimento com o Realismo carregado da estética simbolista, porém, sua linguagem, bastante científica e sua temática, mais mórbida e não tanto metafísica e espiritualizada como os simbolistas marcaram a autenticidade e a importância desse autor. (BOSI, 2006). RESUMINDO: Nesse capítulo, você viu que: O Pré-Modernismo não pode ser considerado, exatamente, uma escola literária, mas um movimento cultural de transição, que buscou romper com a estética romântica e realista, procurando criar uma literatura em linguagem mais atualizada, embasada pelos discursos científicos e, ao mesmo tempo, com o olhar voltado para os problemas daquele tempo. Literatura Popular 23 As vanguardas artísticas europeias e a Semana de Arte Moderna INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de caracterizar as Vanguardas Artísticas Europeias e os seus principais autores e caracterizar a Semana de Arte Moderna. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. O Modernismo, assim como os demais movimentos literários, são momentos importantes da nossa Literatura, que nos ajudam a compreender como ela foi sendo constituída e por que, na atualidade, carrega determinadas marcas e outras não. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! As Vanguardas Artísticas Europeias Enquanto no Brasil, agitado pelas mudanças sociais e também políticas, estávamos vivenciando o Pré-Modernismo, o hemisfério Norte, agitado pelas revoluções políticas e pela iminência de duas grandes guerras, se encontrava num momento de questionamento sobre as concepções de arte do século anterior. Talvez, esse tenha sido o primeiro momento que a arte deixou de ser ligada à solidez e à tradição, e passou a assumir o caráter da volatilidade. O que você sabe sobre as vanguardas artísticas europeias? Vamos nos aprofundar nesse contexto? “[...] Na Europa, o período denominado entre-guerras caracterizou- se por uma profunda crise econômica, social e moral que atingiu os países capitalistas na década de 20. Os liberais sentiam-se derrotados. A Revolução Russa (1917) e a barbárie da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) mergulharam os liberais ilustrados e seu projeto de esclarecimento num paradoxo. A partir de então, a ideia de um progresso contínuo e inevitável perdeu o pouco sentido que porventura lhe restava. Alambert Literatura Popular24 (1992) nos ajuda a entendermos melhor esse momento, sob o ponto de vista da teoria literária: [...] Enquanto isso, os artistas e intelectuais brasileiros também buscavam na Europa as novas técnicas para as suas obras sem, entretanto, importar a temáticado trágico e da angústia, que caracterizava a nova cultura europeia que se desenvolveu nesse período entre-guerras. A visão de mundo que orientou s maior parte do Modernismo no Brasil foi, a princípio, de um relativo otimismo, uma crença na “nova civilização” que emergia dos escombros de um país agrário atrasado.” (ALAMBERT, Francisco, 1992, s/p). O autor nos ajuda a compreendermos que a mudança na compreensão de arte no Brasil foi fomentada fora dele, no contexto europeu, onde as certezas se desfaziam juntos com as ruínas das guerras. Nesse cenário, renomados artistas brasileiros, como Tarsila do Amaral e Mário de Andrade, entre outros que veremos mais adiante, tiveram contato com as tendências vanguardistas que, em nosso país, culminaram com o conhecido rompimento estético provocado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Painel de referências históricas As espetaculares invenções do começo do século XX substituíram o modo de ver a realidade rapidamente: surgiram o automóvel, as máquinas voadoras, o cinema. Inaugurou-se a época da velocidade, que resultou num progresso material espantoso e numa disputa acelerada pelo poder entre as potências mundiais. A crise da sociedade liberal-burguesa culminou na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Esse conflito, de grandes proporções, transformou profundamente o mundo, alicerçado nas ideias de nacionalismo, provocando o surgimento de novas correntes ideológicas, como o nazismo, o fascismo e o comunismo, que mudaram a face do mundo no decorrer do século. Literatura Popular 25 Vanguardismo Artístico No domínio artístico, várias tendências multiplicavam-se e retratavam os anseios por renovações profundas, nos períodos que antecederam e sucederam as Guerras Mundiais. Foram os movimentos da vanguarda europeia, explosivos e descontínuos, que buscaram romper com o passado e exprimir o dinamismo de um novo tempo que se iniciava. Paris se tornou o centro mundial dessas vanguardas artísticas e do próprio comportamento humano. Foi uma época de contradições e apaixonante, na qual surgiram os impulsos transformadores da vida social e política do século XX. As vanguardas europeias O Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo e o Surrealismo são os movimentos mais conhecidos da vanguarda europeia. “Vanguarda”, aliás, é uma expressão originária do francês avant-garde, que significa “estar à frente, à dianteira de um movimento.” Nesse sentido, é empregado para nomear grupos de pessoas que, por seus conhecimentos ou por uma tendência natural, tornam-se precursoras ou pioneiras em determinado movimento cultural, artístico, científico etc. Futurismo Havia, no Futurismo, uma vontade de abolir o passado, começar tudo de novo e reformular temas e técnicas artísticas. O líder dos futuristas foi o poeta ítalo-francês Filippo Tommaso Marinetti, que publicou no ano de 1909, em Paris, o primeiro manifesto dessa vanguarda. O Futurismo procurou estar sintonizado com a temática da guerra, propondo outra forma de arte, dinâmica, com uma imagem veloz do progresso mundial moderno. Em 1912, Marinetti lançou o Manifesto Técnico da Literatura Futurista, em que radicalizava suas posições em relação à arte literária Literatura Popular26 do século XIX, sugerindo uma revolta contra os padrões usuais de sintaxe gramatical. Cubismo Valorizando especialmente as formas geométricas, como cubos, cones e cilindros, o Cubismo surgiu em 1907 e entrou em decadência já na Primeira Guerra Mundial. No início, o movimento cubista se desenvolveu na pintura, a partir das experiências do artista espanhol Pablo Picasso e do francês Georges Braque, que representam os objetos, por assim dizer, “cubificados”, para apontar mais ângulos da realidade cotidiana. Guillaume Apollinaire, poeta francês, interpretou e defendeu calorosamente a proposta do Cubismo na literatura. Tomou a palavra “poeta” sob nova dimensão, inovando a poesia, até mesmo tipograficamente, procurando fazer desenhos com as palavras. Seus caligramas, publicados em 1918, são representativos dessa atividade lúdica: o desenho, com palavras, daquilo que ele quer mostrar. Expressionismo O Expressionismo foi um movimento contemporâneo ao Cubismo e ao Futurismo, surgido na Alemanha, em 1910, caracterizando a arte criada sob o impacto do sofrimento humano. Muitos expressionistas foram estimulados por diversas formas de exotismo, como a arte primitiva e popular: máscaras e estatuária da Oceania, esculturas da África e da América pré-colombiana. A representação dos horrores da guerra também foi uma tendência dessa vanguarda. Os expressionistas pouco se importaram com as noções de belo ou de feio. O essencial era o registro da expressão do mundo, segundo uma leitura do artista. É possível dizer que o Expressionismo admitiu a imagem distorcida, semelhante à caricatura, que privilegiava um só aspecto do que retratava. Anita Malfatti, uma importante pintora paulista, trouxe o Expressionismo para o Brasil a partir de 1914, quando retornou de Berlim, onde estudou na Escola de Belas-Artes. Literatura Popular 27 Dadaísmo Com enorme ênfase na destruição e na anarquia de valores e formas, o Dadaísmo se originou na Suíça, em 1916. O mais radical dos movimentos vanguardistas teve na própria denominação e, na forma pela qual foi escolhida, uma indicação do caráter destrutivo e anárquico. De acordo com Tristan Tzara, líder dos dadaístas, “Dadá não significa nada”. Tzara afirmou ter encontrado essa denominação numa página aberta, ao acaso, no dicionário “Petit Larrousse”. O Cabaret Voltaire, um café de Zurique, era o ponto de encontro dos adeptos do movimento. A arte dadaísta buscava provocar o escândalo e a surpresa, destruir o bom senso, romper com qualquer forma de equilíbrio. No Brasil, os modernistas da primeira fase, principalmente Mário de Andrade, sofreram uma repercussão do Dadaísmo europeu. Surrealismo Surgido no período entre-guerras, o Surrealismo teve como líder André Breton, um dissidente do movimento Dadá. Filhos do Futurismo, do Cubismo e do Dadaísmo, os surrealistas não aceitavam a pura destruição e a ação demolidora dos dadaístas, mas queriam abrir caminhos para a expressão do psiquismo humano. Deste modo, pode-se dizer que o Surrealismo valorizava: • As descobertas de Freud sobre o inconsciente e os estudos da psicanálise sobre os mecanismos oníricos e suas relações com a realidade e com a arte; • A imaginação contra a lógica, o domínio da consciência e a busca de imagens, ao mesmo tempo, incongruentes e provocantes; • O maravilhoso psíquico; • O emprego passional e irracional das imagens; • A criação de técnicas que provocassem os “sonhos despertos” e forças obscuras do inconsciente. Literatura Popular28 Ecos do Modernismo em Portugal Os primeiros anos do século XX foram conturbados em Portugal, especialmente porque, de início, em 1910, foi proclamada a República. No programa do Partido Republicano, a principal meta era derrubar a monarquia. Logo que esse objetivo foi atingido, começaram os desentendimentos internos, o que levou à instabilidade da democracia portuguesa. No ano de 1917, Portugal entrou na Primeira Guerra, ao lado dos países aliados, mandando um corpo expedicionário de 55 mil homens e muitas tropas seguiram para Angola e Moçambique, países africanos limítrofes com colônias da Alemanha (país contra o qual os aliados lutavam). Tanto na Europa como na África, a guerra causou grandes perdas e prejuízos, mas permitiu que Portugal se incluísse entre os vencedores no Tratado de Versalhes. O primeiro momento do Modernismo em Portugal, conhecido como “orfismo”, associou-se à profunda instabilidade política e social da primeira república. Esse período é denominado dessa forma porque, à luz das modernas vanguardas europeias, alguns jovens – dentre eles, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro,Luís Montalvor, Almeida- Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho – fundaram uma revista que os congregasse. A “Orpheu’’ era uma publicação que representava os ideais de renovação futurista desejados pelo grupo. Além disso, a “Orpheu” tinha como proposta tirar Portugal de seu descompasso em relação à Europa. A sua poesia, irreverente e alucinada, buscava irritar o burguês. Características do Modernismo em Portugal Os primeiros modernistas colocaram a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como algo socialmente imposto. É o chamado anti-humanismo que, aliado ao anti-cristianismo, aceita Literatura Popular 29 com coragem o cumprimento de um destino irracional. A seguir, veremos algumas das características do Modernismo português. • Cubofuturismo e Surrrealismo: Entre os movimentos europeus vanguardistas que influenciaram o Modernismo em Portugal, devem ser citados o Cubismo e o Cubofuturismo, que já de início são adorados especialmente pelos poetas. Uma linha maior de ruptura com o passado é dada pelo Surrealismo, que se define como “transformador do mundo”. O movimento surrealista, como o Futurismo e as demais correntes estéticas vanguardistas, segue a tendência de se afastar da reprodução “naturalista” da realidade. Etapas do Modernismo em Portugal • Primeiro momento: Perdura, aproximadamente, entre 1915 até 1927. Após o impacto inicial provocado pelo lançamento da Revista Orpheu, em 1915, o grupo fundador resolveu colocar Portugal no compasso com a vanguarda europeia, de quem recebeu grande influência. Nesse período, destacam-se os autores Mário de Sá-Carneiro, Almeida-Negreiros e Fernando Pessoa. • Segundo momento: Perdura, aproximadamente, entre 1927 até 1940. Com a fundação da Revista Presença, em 1927, apareceu um novo grupo, que tentou produzir uma literatura mais intimista e artística, sem se opor, contudo, ao orfismo. Destacaram-se os autores José Rodrigues Miguéis, Branquinho da Fonseca, José Régio e Irene Lisboa. • Terceiro momento: Cronologicamente, o terceiro momento do Modernismo português, vai de 1940 a 1947, propondo uma literatura de caráter mais social, buscando afastar-se do intimismo e do subjetivismo, fazendo uma literatura marcadamente social, chamada de neo-realismo dos anos 40, que veiculou, principalmente, romances de denúncia da miséria social. Os escritores de destaque desse momento foram Alves Redol, Vergílio Ferreira e Fernando Namora. • Quarto momento: O quarto momento do Modernismo português teve início em 1947, e perdura na contemporaneidade. Em antagonismo à literatura social de caráter engajado, apareceu um grupo surrealista, Literatura Popular30 cujas obras foram expostas em Lisboa, em 1949. Como a estética surrealista é totalmente subjetivista, a denúncia social ficou pálida e desapareceu. Pertencem a esse grupo José Augusto França e Mário Casariny de Vasconcelos. Além disso, há escritores e poetas portugueses que não se filiaram a nenhum desses momentos, permanecendo independentes em suas criações. Florbela Espanca, José Saramago, dentre outros, são exemplos. VOCÊ SABIA? Fernando Pessoa, um dos expoentes da literatura portuguesa, foi um poeta de vasta obra, famosamente conhecido por utilizar três pseudônimos, com os quais escrevia obras em estilos distintos. Durante muitos anos, Fernando Pessoa manteve-se em segredo utilizando esses poetas fantasiados, que são: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Literatura Popular 31 RESUMINDO: Neste capítulo, você aprendeu que o Modernismo no Brasil não foi um movimento isolado; nossos artistas, antes de ousarem por meio da Semana de Arte Moderna de 1922, que instaurou o Modernismo brasileiro, conviveram com as vanguardas artísticas europeias. As vanguardas artísticas europeias eram movimentos que buscavam romper com a tradicionalidade da arte. Tais movimentos ocorreram entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, e a proposta dessas vanguardas pode ser descrita pelo seu significado: do francês avant-garde (estar à frente de um movimento). • As principais vanguardas artísticas europeias foram o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo e o Surrealismo. • Em Portugal, o Modernismo inicia a partir de 1910, com a proclamação da República. Com a fundação da Revista Orfheu e a proximidade com as vanguardas, os modernistas propuseram abolir o passado, reescrevendo os conceitos de literatura e arte. O Modernismo em Portugal teve quatro fases distintas, sendo que nenhuma dela se sobrepôs à outra, sendo marcada por ênfases e temas diferentes. Literatura Popular32 Identificando as fases do Modernismo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de identificar as origens e a evolução do movimento Modernista no Brasil. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. O movimento modernista, assim como os demais movimentos literários, são momentos importantes da nossa Literatura, que nos ajudam a compreender como ela foi sendo constituída e por que, na atualidade, carrega determinadas marcas e outras não. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Introdução A Semana de Arte Moderna, certamente, foi um importante marco para o desenvolvimento da arte em nosso país, especialmente, para aquela que viria a ser conhecida como Modernismo. Chamada anteriormente de “Futurismo” (LAFETA, 1982), o Modernismo, com sua Semana de 22, surgiu como uma afronta à cultura dominante no país, ainda enraizada no realismo do século XIX. Segundo o autor, No Brasil, 1922 é um ano cheio de fatos importantes: comemora- se o centenário da Independência, realiza-se a Semana de Arte Moderna, é criado o Partido Comunista, ocorre a primeira revolta tenentista. Aparece a Revista Klaxon, Oswald de Andrade publica ‘Os condenados’, Mário de Andrade publica, com capa de Di Cavalcanti, “Pauliceia desvairada”. O país moderniza-se: São Paulo já tem cerca de 600.000 habitantes, o Rio tem o dobro. A imigração e a industrialização fazem crescer as cidades, mudam os antigos hábitos. Um dos sintomas das mudanças é o movimento tenentista, levantes militares comandados por jovens oficiais do Exército que, durante toda a década de 20, desafiam sem sucesso o governo federal. [...]. Esses levantes, entretanto, mostraram que os velhos quadros políticos já não representavam as aspirações do país. A classe Literatura Popular 33 média crescera, e exigia a sua parcela de poder [...]. (LAFETÁ, 1982). A atmosfera que dominava o Brasil em 1922, ano do centenário da independência, era de insatisfação, de necessidade de renovar. Isso era demonstrado tanto no cenário político como na ascensão de São Paulo como potência econômica e na ampliação do poder da classe média. Tal reviravolta, no contexto das artes, inspirou o rompimento com as tradições acadêmicas e a busca pela ousadia e pela inovação. Painel de referências históricas O ano de 1922, além de ser o ano do centenário da Independência, foi, principalmente, de rupturas. Um dos mais fortes acontecimentos políticos diz respeito à Revolução dos Tenentes, com a sublevação do Clube Militar e a tomada do forte de Copacabana no Rio de Janeiro. O forte foi bombardeado por navios e 18 revoltosos enfrentaram 3 mil soldados legalistas. A reescrita da arte brasileira começou pelo afastamento do academicismo da pintura tradicional. Em 1913, Lasar Segall trouxe para o Brasil as imagens deformadas do Expressionismo alemão. Em 1917, foi a vez de Anita Malfatti, que apresentou 53 trabalhos entre pinturas, aquarelas, caricaturas e gravuras, que provocaram violenta repercussão da imprensa. A escultura brasileira também se desenvolveu nessa década. Com o retorno de Victor Brecheret da Itália, em 1920, São Paulo ganhou a maquete do Monumento às Bandeiras, que seria um de seus importantes símbolos. Literatura Popular34A Semana de Arte Moderna Realizada em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna representou a ruptura barulhenta com os princípios estéticos do passado. A proposição de uma semana (na verdade, foram só três noites) implicava uma amostragem geral da prática modernista. Programaram- se conferências, recitais, exposições, leituras etc. O momento mais sensacional deu-se na segunda noite, quando Ronald de Carvalho leu o poema “Os sapos” de Manuel Bandeira, uma ironia corrosiva aos parnasianos que ainda dominavam o gosto do público. Dos principais participantes da Semana, destacamos: a) Literatura: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida; b) Música e artes plásticas: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Villa-Lobos, Guiomar Novaes. A importância da Semana de Arte Moderna significou também o atestado de óbito da arte dominante. O academicismo plástico, o romantismo musical e o parnasianismo literário esboroaram-se por inteiro. Os autores modernistas colocaram a renovação estética acima de outras preocupações. O principal inimigo eram as formas artísticas do passado. Caberia a Mário de Andrade – verdadeiro líder e principal teórico do movimento – sintetizar a herança de 1922: • A estabilização de uma consciência criadora nacional, preocupada em expressar a realidade brasileira; • A atualização intelectual com as vanguardas europeias; • O direito permanente de pesquisa e criação estética. De modo geral, a Semana de Arte Moderna insere-se num quadro mais amplo da nossa realidade. Diversos historiadores já a relacionaram com a revolta tenentista e com a criação do Partido Comunista, ambas de 1922. Embora as aproximações não sejam imediatas, é flagrante o desejo Literatura Popular 35 de mudanças que varria o país, fosse no campo artístico, fosse no campo político. O balanço da Semana de Arte Moderna foi positivo. Os trabalhos então iniciados tiveram continuidade no próprio ano de 1922. Mário de Andrade foi o autor do projeto mais arrojado, lançando o livro de poesias “Pauliceia desvairada”, no qual todos os seus projetos de vanguarda foram expostos pela primeira vez: a poesia urbana, sintética, antirromântica, fragmentária. Um elemento que fez parte da Semana foi o Manifesto Antropofágico, assinado por Oswald de Andrade, na Revista de Antropofagia, defendendo radicalmente a “brasilidade” em todos os sentidos. Primeiro Tempo Modernista Brasileiro Entre 1922 e 1930, a cultura brasileira experimentou, nas artes, um movimento de ruptura em relação ao tradicionalismo e o academicismo, experimentando, por meio de novas formas, outras visões acerca da arte. Fase de destruição e experimentação O projeto dos modernistas pode ser dividido em três linhas básicas que se conjugam: • Desintegração da linguagem tradicional: questiona-se a arte acadêmica e suas fórmulas envelhecidas. O estilo parnasiano e o bacharelismo são os alvos prediletos dos ataques modernizadores. Para efetivar tal destruição, usa-se a paródia, o poema-piada, o sarcasmo. • Adoção de conquistas das vanguardas: a liberdade de expressão, a visão do cotidiano, a linguagem coloquial e outras inovações desenvolvidas pelas vanguardas europeias são assimiladas, ainda que desordenadamente pela geração de 22. A revista “Kaxon”, de 1922, e os primeiros textos publicados no ano da Semana mostram essa preocupação com a contemporaneidade. Não tem fundamento, portanto, a afirmativa de que os modernistas seriam antieuropeus. A identificação com as velhas matrizes culturais ainda é evidente. Literatura Popular36 • Busca pela expressão nacional: Em 1924, em Paris, Oswald de Andrade assiste a uma exposição de máscaras africanas. Elas parecem expressar a identidade dos povos negros da África. Nesse momento, o escritor se interroga “e nós, brasileiros, quem somos?”. Atrás dessa pergunta, começa a se delinear a luta por um abrasileiramento temático. Antes, as questões fundamentais eram estéticas. A partir de agora, passam também a ser ideológicas: sonha-se com a delimitação de uma cultura brasileira, de uma alma verde-amarela. Pela sua contribuição para o Modernismo, Oswald de Andrade é considerado o líder do movimento. A saída primitivista O novo nacionalismo irá assumir uma perspectiva crítica, um tom anárquico e desabusado. Celebra-se o primitivismo, isto é, as nossas origens indígenas e extra-europeias. Nas civilizações aborígenes e também no folclore, nos aspectos míticos e lendários da cultura popular, quer se descobrir a essência do Brasil. Esta pesquisa de uma subjacente alma nacional só poderia ser realizada, no entanto, com o instrumental artístico da modernidade. Desde modo, o Brasil seria uma síntese entre o primitivo e o inovador. Os movimentos primitivistas: • Pau Brasil: Lançado em março de 1924, o Manifesto da Poesia Pau- Brasil trazia como ideias-chave: a. A ironia contra o bacharelismo; b. A luta por uma nova linguagem; c. A descoberta do popular. • Antropofagia: O manifesto antropofágico, lançado em 1928, amplia as ideias do Pau-Brasil, através dos seguintes elementos: a. A insistência radical no caráter indígena de nossas raízes; b. O humor como forma crítica e traço distintivo do caráter brasileiro; Literatura Popular 37 c. A criação de uma utopia brasileira, centrada numa sociedade matriarcal, anárquica e sem repressões; d. A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador, anti-europeu e a pura cópia dos valores ocidentais. • Verde-amarelo (1924) e Anta (1928): Com a participação de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado, estas tendências opõem- se aos “antropófagos” através do reforço do “sentido de brasilidade” e de uma tendência conservadora direitista no plano social. Características da literatura modernista A seguir, apresentaremos as principais características do Primeiro Tempo Modernista. • Liberdade de expressão: A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. • Incorporação do cotidiano: O prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar tornam-se os motivos centrais da nova estética. • Linguagem coloquial: A linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. O artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais. • • .................................................................................................................. Inovações técnicas: a. Verso livre; b. Destruição dos nexos; c. Paranomásia (junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente); d. Enumeração caótica; e. Colagem e montagem cinematográfica; f. Liberdade no uso de sinais de pontuação. Literatura Popular38 Principais autores: • Oswald de Andrade (1890 – 1954); • Mário de Andrade (1893 – 1945); • Raul Bopp (1989 – 1984); • Antônio de Alcântara Machado (1901 – 1935). Segundo Tempo Modernista Brasileiro Conhecida como neo-realismo, a prosa do segundo tempo modernista brasileiro é caracterizada por um conjunto de narrativas escritas entre os anos de 1930 e 1945, por uma mesma geração, oriunda de famílias oligárquicas decadentes, com uma visão de mundo crítica, um sentido missionário da literatura e padrões artísticos bastante próximos do realismo do século XIX. Nessa fase, a literatura modernista já está consolidada. Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro - Prosa • Ênfase nas questões ideológicas e sociais. E não mais no projeto estético da geração de 1922. • Rejeição ao experimentalismo técnico e ao gosto pela paródia, substituídos por um realismo mais ou menos trivial: retrato direto da realidade, buscada verossimilhança, linearidade narrativa etc. • Tipificação social explícita (indivíduos que representam as várias classes sociais). • Construção de um mundo ficcional que deve dar a ideia de abrangência e totalidade. • Tomada de consciência do subdesenvolvimento (atraso e miséria do país). • Denúncia contínua da situação opressiva vivida por camponeses e operários. Literatura Popular 39 • Tentativa de comunicação com as massas através da linguagem coloquial. • Valorização da realidade rural que levou os críticos a designarem o período como “regionalista.” Os mundos narrados • Romances do ciclo baiano (Jorge Amado); • Romances do ciclo da cana-de-açúcar (José Lins do Rêgo); • Romances do sul (Érico Veríssimo); • Romances da seca nordestina (Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos); • Romances urbanos (Dyonélio Machado, Octávio de Faria). Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro – Poesia • Busca por compreender as razões do mundo. • Poesia de versos livres. • Poesia intimista. Principais poetas do Segundo Tempo Modernista Brasileiro • Carlos Drummond de Andrade; • Cecília Meireles; • Vinicius de Moraes; • Jorge de Lima; • Murilo Mendes. Literatura Popular40 RESUMINDO: Nesse capítulo, você viu que a primeira fase do Modernismo brasileiro iniciou com a Semana de Arte Moderna de 1922, exposição de literatura, música e artes plásticas com o objetivo de alinhar o Brasil às novas tendências de arte ocidental. O Primeiro Tempo Modernista Brasileiro se caracterizou por uma busca pela brasilidade, expressa por meio das críticas às classes dominantes, da linguagem coloquial, dos versos livres e do anti-academicismo. O Segundo Tempo Modernista Brasileiro, em prosa, se caracterizou por uma ficção neo-realista, pela denúncia social e pelo regionalismo. Na poesia, caracterizou-se pelos versos livres, pelos temas existenciais e pelo lirismo. Literatura Popular 41 Compreendendo Modernismo, Pós- Modernismo e conhecendo os principais autores INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de compreender as principais características e os principais autores o Modernismo brasileiro (3ª fase) e da literatura contemporânea. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. O movimento modernista, assim como os demais movimentos literários, são momentos importantes da nossa Literatura, que nos ajudam a compreender como ela foi sendo constituída e por que, na atualidade, carrega determinadas marcas e outras não. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Terceiro Tempo Modernista Brasileiro O chamado Terceiro Tempo Modernista Brasileiro surge no momento em que a liquidez cultural e a atmosfera de incertezas passam a reinar. As duas grandes guerras desgastaram e fizeram cair por terra todas as crenças e certezas que a ciência e o progresso, pregados desde os tempos do Iluminismo, haviam tentado consolidar. De acordo com Sanchez (1982), Ao fim da Segunda Guerra, um grupo de poetas constituiu a “geração de 45”, assim chamada porque é possível anotar algumas direções – genéricas embora – que em maior ou menor grau estavam presentes em sua obra naquele momento. Veja-se no exemplo sempre citado da obra de João Cabral de Melo Neto, a necessidade de expressão rigorosa, a busca da palavra única que circunscreve de maneira exata e precisa a feição substantiva do tema. Se a poesia de 45 foi tida como neoparnasiana, o fato vem de que se entrevê, nela, a tendência formalista, decorrente das exigências a que se submetia o modo de dizer as coisas. Tal procedimento Literatura Popular42 não obstou ao surgimento de um lirismo novo, agressivo e intenso, a depor sobre um tempo que, parece, desdenhava a manifestação poética. [...]. (SANCHEZ, 1982). Dentre os movimentos que floresceram a partir de 1945, no Brasil, aquilo que é “classificado” como Terceiro Tempo Modernista Brasileiro consiste numa produção extremamente intelectual e primorosa, porém fragmentada em diferentes tendências. As três principais tendências desse momento, talvez sejam a prosa de ficção experimental, a poesia metafísica e a vanguarda concretista, da qual Simon e Dantas (1982) nos trazem uma ideia: Numa tarde de outubro, três rapazes se encontram numa daquelas antigas leitarias da rua Líbero Badaró. Décio Pignatari, 21 anos, nascido em Jundiaí, e é aluno da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco; Haroldo de Campos, 19 anos, paulistano, está terminando o curso clássico. Desde então, fins de 48, Décio passa a vir todos os sábados de Osasco para a casa dos irmãos Campos, no bairro das Perdizes, onde ouvem e discutem música erudita contemporânea, trocam ideias sobre cinema e artes plásticas, poesia moderna; enfim, procuram se situar em face de todas as manifestações da modernidade. Através de Mário Silva Brito, entram em contato com Oswald de Andrade que, naquelas alturas, vivia a solidão do não reconhecimento de sua obra e da negação de sua geração. Participam das atividades do Clube de Poesia (liderado por poetas e críticos da Geração de 45). Décio e Haroldo publicam seus primeiros livros de poesia pelo Clube. [...]. (SIMON; DANTAS, 1982). Naquele momento, a vanguarda concretista foi algo inusitado dentro da história de nossa literatura, por promover uma exploração das palavras não apenas de cunho semântico e sonoro, mas também plástico e visual. Ao lado dessa vanguarda, o despontar de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, na prosa, fizeram com que nossa literatura atingisse um outro patamar, trazendo o intimismo, e o regionalismo carregado de cor Literatura Popular 43 local – inclusive na figura do narrador – para dentro de nosso contexto literário. Clarice Lispector foi, sem dúvidas, uma das mais brilhantes escritoras brasileiras, especialmente por sua forma de narrar, sempre manifestando o interior das personagens e do próprio narrador, mesmo que esse fosse um narrador onisciente e que não participasse dos fatos. A esse respeito, Candido (1970) afirma que: O grande impacto renovador de Clarice Lispector nos anos 40, e o de Guimarães Rosa nos anos 50, parecem ter desnorteado um pouco a ficção brasileira. Imitá-los seria muito difícil, porque apresentam fórmulas demasiado pessoais, sem a racionalização teórica que permite transmiti-las como as que serviram de bases à difusão das inovações poéticas. Além disso, tanto um quanto o outro se caracterizam por desromancizar o romance, puxando-o da prosa para a poesia, do enredo para a sugestão, da coerência temporal para a confusão do tempo. [...] Por outro lado, era igualmente difícil continuar escrevendo como se aqueles dois escritores não tivessem existido, porque eles abalaram padrões anteriores: os do romance de análise, que Clarice Lispector dissolveu no caleidoscópio das impressões; ou os do romance regional, que Guimarães Rosa despojou das suas cômodas muletas, o pitoresco e o realismo. Sem contar que ambos abalaram e questionaram a linguagem da ficção. (CANDIDO, Antônio. No raiar de Clarice Lispector. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970.). Esses três excertos de críticos literários mostram a complexidade de analisar, ou melhor, de descrever o Terceiro Momento do Modernismo Brasileiro (a partir de 1945 até o final do século XX), dada a pluralidade de formas e também de grandes produções literárias. Procuraremos abordar de forma breve três caracterizações dessa geração: Poesia, Vanguarda Concretista e Ficção. Literatura Popular44 Contexto histórico O Brasil havia enviado tropas à Itália para lutar na frente fascista, liderada pelos Estados Unidos e composta por outros países que adotavam a democracia representativa. Configurava-se assim uma contradição: o Brasil integrava-se aos países democráticos no front externo, mas internamente, vivia sob a ditadurade Getúlio Vargas. A volta dos soldados ao Brasil trouxe comoção popular e acelerou as pressões pela redemocratização. Vargas acabou renunciando em outubro de 1945. Com a convocação das eleições presidenciais, em dezembro de 1945, o general Eurico Gaspar Dutra elegeu-se presidente da República, e em 1946 promulgou uma nova Constituição para o Brasil. O general Dutra governou até 1951. Durante seu governo, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos na chamada Guerra Fria, que contrapunha os norte-americanos aos países do bloco comunista na luta pela conquista de zonas de influência ao redor do mundo. Isso repercutiu internamente no país, com a proibição de atuação política dos partidos de esquerda. Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao poder conduzido pelo voto direto. Seu governo retomou a política nacionalista e populista do período do Estado Novo. Em 1953, foi criada a Petrobras, estabelecendo o monopólio estatal na produção de petróleo. No ano seguinte, acuado por inimigos políticos, Getúlio Vargas suicidou-se, o que causou grande impacto e favoreceu a eleição de Juscelino Kubitschek para o período 1956-1961. Juscelino e os “50 anos em 5” Logo no início do seu mandato, o novo presidente anunciou um ambicioso plano nacional de desenvolvimento – o Plano de Metas – baseado na industrialização e no ingresso de capitais estrangeiros. O slogan da época – “50 anos em 5” – prometia desenvolver o país rapidamente. Os principais objetivos econômicos estavam nas áreas de geração de energia, transportes e indústrias de base, aos quais se somava a construção de Brasília (inaugurada em 1960). Portanto, no período de 1945 a 1960, a economia brasileira experimentou dois movimentos distintos: inicialmente, vigorou a Literatura Popular 45 substituição de importações, política que tinha por objetivo implantar no Brasil a produção de bens anteriormente importados – o incentivo ao petróleo incluía-se nessa política. Simultaneamente, uma parcela da burguesia brasileira começou a se aliar ao capital estrangeiro, em um movimento que se acentuou durante o governo de Juscelino Kubitschek. Além da indústria, fortaleciam-se também no Brasil os empreendimentos em comunicação, tendo como principal figura Assis Chateaubriand, proprietário de uma vasta rede de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Tudo isso se passou em um contexto de grande crescimento urbano: em meados da década de 1950, pela primeira vez, o número de habitantes das cidades ultrapassou o número de habitantes da zona rural do Brasil. Com a rápida urbanização, houve ampliação da classe média e do mercado consumidor interno. Entre os escritores da terceira geração, a urbanização aparecerá em evidência na obra de Clarice Lispector. Contexto cultural Até a década de 1940, o Rio de Janeiro, capital federal, era ainda o grande centro cultural do país. Lá estava sediada a Rádio Nacional, transmitida para multidões a voz de cantores populares como Emilinha Borba, Ângela Maria e Cauby Peixoto. Tinham também sede no Rio de Janeiro a companhia cinematográfica Atlântida, grande número de teatros, os principais museus de arte e os maiores jornais do país. A partir da década de 1960, o Rio passou a dividir esse papel com São Paulo, onde surgia um novo mecenato cultural, liderado pela indústria e pelas organizações de comunicação. Na década de 1920, os escritores e pintores modernistas foram “adotados” por famílias tradicionais de São Paulo, que prestigiavam os jovens artistas em seus salões, imitando os salões literários parisienses. Em contraste com esse ambiente paroquial, o novo mecenato de 1940 iniciou a criação de instituições culturais de grande alcance, tais como o MASP (fundado em 1947) e o MAM (fundado em 1948), inserindo a arte brasileira em um circuito internacional, Literatura Popular46 possibilitando, ao mesmo tempo, um encontro das pessoas comuns com a arte de vanguarda produzida aqui e em outros centros de cultura. Especificamente no panorama das artes plásticas do Brasil, o MAM distinguiu-se por conferir grande destaque ao abstracionismo, corrente artística em ascensão na Europa e nos Estados Unidos. O novo mecenato paulista deixou marcas também na indústria cinematográfica e no teatro. Ciccillo Matarazzo, em parceria com seu compatriota e funcionário Franco Zampari, fundou, em 1949, a Companhia Vera Cruz – um estúdio equipado para produzir grandes filmes – e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). A Vera Cruz pretendia rivalizar com a produtora carioca Atllântida, mas teve vida curta: durou somente até 1954. já o TBC deu frutos durante muitos anos, lançando no mercado teatral atores e diretores importantes, como Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Ziembinski e Gianni Rato. Nesse contexto surgiu também a televisão, em 1950, com a primeira transmissão da TV Tupi, empresa pertencente ao grupo de comunicação de Assis Chateaubriand. O Brasil ingressava assim na comunicação de massa. Poesia Fortemente marcada pelo fim da Segunda Guerra, pela derrubada da ditadura de Getúlio Vargas e pelo clima de euforia daí decorrentes no país, a geração de 45 colocou em segundo plano as preocupações políticas, ideológicas e culturais dos artistas da década de 30 e privilegiou a questão estética. Assim, a aventura da linguagem, a preocupação com a forma e com o rigor tornaram-se o objetivo básico desta geração. Principais autores: • João Cabral de Melo Neto; • Ferreira Gullar. Literatura Popular 47 A vanguarda concretista A partir de 1952, Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos iniciaram a chamada “poesia concreta”, em São Paulo, numa revista chamada “Noigandres”. Essa forma de poesia foi uma reação contra a lírica discursiva e frequentemente retórica da geração de 45, procurando estar filiada às experiências mais ousadas das vanguardas do século XX. Algumas de suas características: • Linguagem sintética, homóloga ao dinamismo da sociedade industrial; • Valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e se recompõe na página; • O poema ganha espaço gráfico como agente estrutural, em função do que deverá ser lido/ visto; • Utilização de recursos tipográficos, visuais, plásticos etc. Ficção em prosa A prosa ficcional do Terceiro Tempo Modernista Brasileiro teve como expoentes principais dois autores: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Essa geração modernista se caracterizou por: • Narrativas interiorizadas por meio do fluxo de consciência; • Narrativas em primeira pessoa. Pós-Modernidade A arte, nas primeiras décadas do século XX, afastando-se da tradição, rompeu com uma certa unidade existente entre padrões da expressão. É verdade que cada nova geração propicia uma mudança na expressão artística, observando-se, de um século para outro, uma profunda mudança no gosto. O que ocorre neste século, porém, é uma revolução de espectro bem mais amplos que aquelas que se sucederam na História. Podemos destacar dois traços marcantes da arte pós- moderna: a complexidade – gerada pela ausência de unidade e pela ruptura com a tradição acadêmica – e a diversidade. Esta última diz Literatura Popular48 respeito à peculiaridade de nosso tempo de condensar, de algum modo, nosso desenvolvimento passado “de maneira que o espírito humano, que no passado explorou a si próprio, ou a algum aspecto predominante de si próprio, diversamente em épocas diferentes, agora expressa a mesma diversidade, sem qualquer aspecto particular, ao mesmo tempo.” Tal diversidade não propicia o enquadramento da arte contemporânea em uma única tendência. A descontinuidade não permite o rótulo com que, comodamente, identificamos a arte de outros séculos. Apesar disso, é possível caracterizar a expressão artística hodierna por fatores que a particularizam, e, entre eles, sem dúvida, é de grande relevânciao que diz respeito à indústria cultural e à sociedade de massa. Entende-se por indústria cultural a produção de cultura pelos meios de comunicação de massa. À forma de cultura gerada e/ ou difundida por esses meios de comunicação dá-se o nome de cultura de massa. Esta não se confunde com a cultura popular, uma vez que têm origem fundamentalmente distinta: uma provém de um saber acumulado secularmente pelo povo; a outra engloba os produtos culturais industrialmente realizados a partir do desenvolvimento técnico de nosso século. A cultura de massa penetra a população urbana em geral e parte da população rural através de seus meios: televisão, jornal, rádio, cd, livro, publicidade, impondo padrões de comportamento e de consumo. A arte difundida por essa cultura torna-se uma mercadoria, definindo-se como legítimo produto da sociedade capitalista. Decorrência longínqua do surgimento da burguesia, essa transformação da arte em mercadoria significa, em si, um avanço, se considerarmos a restrição de acesso ao público existente no período em que a manifestação artística tinha um circuito estreitamente aristocrático. A cultura de massa se opõe à cultura chamada superior, de elite ou universitária. E, desse modo, assistimos em nossa época, à tensão entre dois tipos de arte – a culta e a de massa – regidos por diferentes Literatura Popular 49 normas e agradando a diferentes públicos. O que não significa, frise-se, total isolamento entre elas. Podemos dizer, de maneira ampla, que, em nossos dias, existem dois polos de manifestação artística, intermediados por uma diversidade de expressões de arte: o da cultura de massa e o da vanguarda. No Brasil, por volta dos anos 30, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Jorge de Lima superam as inovações técnicas do Modernismo. A ficção renova-se com o surto regionalista das obras e José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. A obra de cada um deles representa dicção própria. Marcada por uma visão mística e espiritualista, surge uma tendência, que postula o rigor formal e um espírito de seriedade contraposto à irreverência modernista. Trata-se da chamada geração de 45, de que faz parte, senão por afinidade estética por coincidência cronológica, João Cabral de Melo Neto. O grupo Noigandres, de São Paulo, inspirado na poesia de Ezra Pound e no romance de James Joyce, unidos a outros poetas que vinham das pesquisas modernistas, deflagram o movimento concretista na poesia. Os concretistas valorizam o aspecto formal do poema, destacando especialmente o aspecto gráfico, e renegam o conteúdo, a sintaxe discursiva, a subjetividade e a temática nacional. Na diversidade da manifestação literária pós-moderna, particularizam-se os discursos como o de Autran Dourado, Lygia Fagundes Telles, Nélida Pinõn, na narrativa; Ferreira Gular e Affonso Romano de Sant’Anna na poesia. Literatura Popular50 RESUMINDO: Nesse capítulo, você aprendeu que o Terceiro Tempo Modernista Brasileiro é caracterizado pela poesia neoparnasiana, pela vanguarda concretista e pela ficção experimental e regional em prosa. Na contemporaneidade, embora ainda seja muito recente estabelecer comparações e análises sobre conjuntos de obras, podemos dizer que há uma arte produzida como um anseio de uma cultura de massa e uma forma de arte considerada vanguardista. Literatura Popular 51 REFERÊNCIAS ABDALA JR., Benjamin; CAMPEDELLLI, Samira Yousseff. Tempos da literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1988 ALAMBERT, Francisco. A Semana de 22. A aventura modernista no Brasil. São Paulo: Scipione, 1922, s/p BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006. CADERMATORI, Lígia. Períodos literários. 7 ed. São Paulo: Ática, 1995. CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literatura: História e Texto. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. III. CANDIDO, Antônio. No raiar de Clarice Lispector. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. HELENA, Lúcia. Modernismo brasileiro e vanguarda. 3 ed. São Paulo: Ática, 2003. LAFETÁ, João Luís. Mário de Andrade. São Paulo, Abril Educação, 1982, Coleçao Literatura Comentada. REZENDE, Neide. A Semana de Arte Moderna. São Paulo: Ática, 2006. SANCHEZ, Amauri M. Tonucci. Panorama da literatura no Brasil. São Paulo, Abril Educação, 1982. SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinicius. Poesia concreta. São Paulo, Abril Educação, 1982. Coleção Literatura Comentada Éderson da Cruz Literatura Popular O contexto que deu origem ao Modernismo A virada do século XIX para o XX e os precursores do Modernismo Painel de referências históricas do Pré-Modernismo Características do Pré-Modernismo Transição entre permanência e ruptura Perspectivas nacionalistas e de renovação Uma poesia ímpar Um regionalismo de pesquisa Principais autores do Pré-Modernismo José Pereira da Graça Aranha José Bento Monteiro Lobato Afonso Henrique de Lima Barreto Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos As vanguardas artísticas europeias e a Semana de Arte Moderna As Vanguardas Artísticas Europeias Painel de referências históricas Vanguardismo Artístico As vanguardas europeias Futurismo Cubismo Expressionismo Dadaísmo Surrealismo Ecos do Modernismo em Portugal Características do Modernismo em Portugal Etapas do Modernismo em Portugal Identificando as fases do Modernismo Introdução Painel de referências históricas A Semana de Arte Moderna Primeiro Tempo Modernista Brasileiro Fase de destruição e experimentação A saída primitivista Características da literatura modernista Principais autores: Segundo Tempo Modernista Brasileiro Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro - Prosa Os mundos narrados Características do Segundo Tempo Modernista Brasileiro – Poesia Principais poetas do Segundo Tempo Modernista Brasileiro Compreendendo Modernismo, Pós-Modernismo e conhecendo os principais autores Terceiro Tempo Modernista Brasileiro Contexto histórico Poesia A vanguarda concretista Ficção em prosa Pós-Modernidade
Compartilhar