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41 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos Unidade II 5 O MOviMentO OperáriO BrasileirO O movimento operário brasileiro tem seu início propriamente dito na formação das sociedades de socorros mútuos, que tinham por função auxiliar os trabalhadores especialistas em ofícios artesanais. A meta era ajudá-los no caso de doença, invalidez e desemprego, com alimentação, remédios, funerais, aluguéis e todo tipo de adversidade ocorrida durante sua trajetória de operário. Com o passar do tempo, surgiram os sindicatos operários, que passaram a questionar as condições de vida dos trabalhadores. Nesse período, de acordo com Batalha (2000), existiram três tipos de sindicatos: • primeiro: as associações pluriprofissionais, que reuniram grande número de operários de diferentes ofícios e ramos industriais. Surgiram em cidades ou bairros com pouca ou nenhuma organização por ofício, geralmente representavam a primeira forma de estrutura sindical possível, tendendo a desaparecer com o desenvolvimento de organizações específicas de ofício. • segundo: as sociedades por ofícios, que reuniam operários de determinado ofício, e de vez em quando de algumas profissões similares. Esse tipo de sindicado constituía a base da organização operária, era o tipo de organização predominante e tendia a ser a forma priorizada pelo movimento operário. • terceiro: os sindicatos de indústria ou ramo de atividade. Estes foram implantados com mais facilidade em atividades nas quais não existiam sindicados de ofícios fortes como na indústria têxtil. Em outros setores, essa implantação variou em virtude de conjuntura vivida pelo movimento operário. O movimento operário brasileiro é herdeiro dos seguintes grupos socialistas: Círculo Socialista, fundado em 1889, em São Paulo, e o Partido Operário, criado em 1890, na Capital Federal. Durante o século XX, esse movimento fundamentou-se no socialismo eclético, marcado pelo viés cientificista e positivista. A maioria desses partidos defendia um programa de reformas em favor do voto secreto, da ampliação do direito de voto, da revogabilidade dos mandatos, da jornada de oito horas, da criação de tribunais entre patrões e empregados, da proibição do trabalho de menores de 14 anos, da restrição ao trabalho noturno, do direito à greve etc., e pretendia concretizá-lo por meio de pressões e da eleição de seus representantes (BATALHA, 2000, p. 22). 42 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Nessa época, as organizações operárias eram muito incipientes, mas já tinham noção de que viviam sob a exploração do capital. Os operários das fábricas de tecidos que se situavam nos bairros da Mooca e do Ipiranga viviam muito mal, tinham condições de trabalho muito precárias e com alta insalubridade; se isso não bastasse, os salários em geral eram míseros. A maioria dos trabalhadores estava submetida a uma longa jornada de trabalho, que ultrapassava 14 horas diárias, sem descanso ou lazer para recuperar as forças e cuidar dos familiares. Esses trabalhadores viviam em cortiços e nas periferias da cidade; o transporte era ineficiente; não havia saneamento básico, educação e segurança, não tinham infraestrutura. Os trabalhadores que moravam nas vilas operárias tão exaltadas pelos patrões viviam sob a tutela dos proprietários das fábricas e de seus capatazes, isso quando não ficavam devendo aluguéis no armazém. Havendo algum acidente de trabalho que provocasse invalidez, situação de desemprego ou de uma doença de médio ou longo prazo que necessitasse de cuidados mais apurados, esse operário estava fadado ao pior destino, pois não teria qualquer benefício para comprar os medicamentos necessários. Esses acontecimentos causaram descontentamento por parte dos operários e de seus familiares, pois viviam sob uma repressão sem precedentes. Como exemplo, prisões arbitrárias, expulsões de estrangeiros sem processo regular, invasões de domicílio, espancamentos, empastelamento de jornais, aprisionamento e mortes em manifestações foram práticas adotadas pelo Estado brasileiro para reprimir as manifestações. Dessa maneira, esses cidadãos trabalhavam longas jornadas sem descanso, o que foi motivo de muitos acidentes. Esta situação, o descaso por parte dos patrões e o descontentamento dos operários, tornou o ambiente político insustentável, e os trabalhadores decidiram pela greve e fizeram uma pauta de reivindicações. Os operários brasileiros nessa época lutavam por alguns motivos. Veja a seguir: • melhores condições de trabalho e aumento salarial; • diminuição da jornada de trabalho para 8 horas, pois trabalhavam até 16 horas por dia em alguns casos; • libertação dos grevistas presos e descanso semanal remunerado; • férias anuais remuneradas e direito à associação sindical; • fim da exploração do trabalho feminino e infantil; • direito à greve. 43 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos Em 1917, os anarquistas comandaram um movimento de paralisação dos trabalhadores em São Paulo, capital. A Greve de 17, como ficou conhecida, desencadeou uma série de protestos e comícios, que eram prontamente reprimidos pela polícia paulistana. Frente a essa situação, os operários se juntaram aos anarquistas e aos socialistas para ganhar força, mas o movimento sofreu um revés, quando no dia 9 de junho a polícia assassinou um jovem sapateiro de 21 anos. Então, esse movimento, que tinha aproximadamente seis mil grevistas, espraiou-se, e agora já havia 70 mil grevistas reivindicando melhores salários e outras formas de melhorar sua qualidade de vida. No enterro do operário, formou-se uma passeata que cruzou a cidade de ponta a ponta e que consagrou o movimento. As manifestações dos grevistas produzem choque com a polícia. Em 9 de julho, em um desses choques é baleado o sapateiro Jose I. Martinez, que morre no dia seguinte em decorrência do ferimento. Esta morte serve de elemento aglutinador e a greve torna-se geral, com uma pauta comum de reivindicações preparada pelo Comitê de Defesa Proletária (BATALHA, 2000, p. 51). Nesse contexto, outro movimento que impulsionou a orientação e a organização da greve foi o dos anarcossindicalistas, um movimento de cunho internacional. “A ação dos anarquistas prosseguiu tendo por base, quase sempre, grupos de propaganda bastante informais, publicando periódicos, atuando na educação dos trabalhadores e participando de associações diversas no meio operário, inclusive nos sindicatos” (BATALHA, 2000, p. 24). Os líderes anarquistas, junto aos operários, fundaram em São Paulo o Comitê de Defesa Proletária. E foi a partir desses comitês que a greve ganhou força e se manteve firme em suas organizações e articulações com os patrões. A paralisação se estendeu até o dia 15 de junho, dia em que houve uma negociação que foi favorável à classe trabalhadora. Esta greve está registrada nos anais das lutas sociais como a primeira greve geral da história do Brasil. Observação Anarquismo é uma corrente teórica e política que luta pela substituição do Estado por formas de organizações coletivas, pois acreditam que toda forma de governo é repressora e interfere na liberdade individual. 6 O MUnDO atUal e seU paraDOXO A globalização econômica nasce, organiza-se, orienta-se e alimenta-se da convivência promíscua e perversa entre as comunidades que vivem na extrema pobreza e as nações muito ricas. Às vezes, ambas vivem no mesmo território, onde a chamada classe média se dilui nesse processo. Se o mundo hoje se torna ativo, sobretudopor via das empresas gigantes, essas instituições globais produzem suas normas particulares de forma 44 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 privada, cuja vigência é, geralmente sob muitos aspectos, indiferente aos contextos em que vem inserir-se. Por sua vez, os governos globais, por exemplo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, cuidam de interesses globais. As demais empresas e instituições raramente têm uma força global (SANTOS, 2002, p. 335). Segundo cálculos de alguns estudiosos, no início da era da globalização, cerca de 80% da renda produtiva no mundo estava nas mãos de aproximadamente 15% da população mais rica. Enquanto isso, o resto da população mundial se submetia a viver com as migalhas que sobravam e enfrentavam em seu dia a dia o descaso do poder público. Um exemplo clássico para demonstrar esse paradoxo da globalização é o fato que nos países desenvolvidos, ou seja, nos países mais industrializados do planeta, as pessoas vivem em média 80 anos ou mais, e nos países africanos essa média é de 36 anos. Observação Atualmente, a maior parte do comércio do mundo é feita por 300 empresas multinacionais, das quais duzentos têm sede nos Estados Unidos, que, por sua vez, são responsáveis por aproximadamente metade da produção industrial do mundo. No mundo atual, somos testemunhas do surgimento de grandes conjuntos de países que se organizam em blocos econômicos, sejam ou não potências econômicas. Os países denominados desenvolvidos, grupos minoritários, detêm o poder mundial em suas mãos, como Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha França, Inglaterra, Itália, entre outros países das Europa Ocidental. O outro grupo, dos países denominados emergentes, que outrora eram conhecidos como terceiro mundo, e dos países subdesenvolvidos forma o atual BRIC, ou seja, Brasil, Rússia, Índia e China. Nesse contexto de ordem estritamente econômica, os demais países se (re)organizam em torno da pobreza e da miséria extrema, formando um amplo conjunto de países em vários continentes, como a África, a Ásia e a América Latina. O projeto dos blocos ganhou força com o Plano Marshall, que foi determinante nesse processo. Essa medida foi tomada pelos EUA. Eles tinham o intuito de reconstruir os países capitalistas, e houve grande empréstimo financeiro para tal; possibilitou-se com ele uma paulatina solução para os conflitos na Europa Ocidental e, por conseguinte, uma recuperação econômica para a região. Então, com o fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética, esse plano proporcionou uma relação promíscua entre o capital privado e os governos estatais. Houve uma corrida em busca de novos mercados, mas para que esses países ingressassem nos comércios mundiais e se protegessem das concorrências internacionais, foi necessário se (re)organizarem em blocos econômicos de integração supranacionais. 45 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos • Comunidade de Estados Independentes (CEI): esta reunia em torno de quinze países descendentes da ex-União Soviética, com a participação de Armênia, Ucrânia, Uzbequistão, Geórgia, Azerbaijão, Bielo-Rússia, Cazaquistão, Federação Russa, Quirquistão, Tadjiquistão e Turcomenistão. • Mercado comum do Sul (Mercosul): houve a participação de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e negociações para a adesão de outros países junto ao bloco, contando, ainda, com a participação do Chile e da Bolívia. • Em 1957, surgiu o Mercado Comum Europeu (MCE), que também é conhecido como Comunidade Econômica Europeia (CEE), cuja meta era conformar uma política de integração entre os países membros no campo da alfândega, na livre circulação de capitais e na padronização das políticas trabalhistas e fiscais. No início, o grupo era composto por seis países: França, Alemanha Ocidental, Itália, Holanda, Luxemburgo e Bélgica. Posteriormente, o grupo foi integrado por Irlanda, Grã-Bretanha, Dinamarca, Espanha, Grécia e Portugal. • Nafta: abrange a economia dos Estados Unidos, do Canadá e do México. A globalização tem como características marcantes a ampliação do crescimento do comércio internacional, o aumento do fluxo financeiro no mercado mundial, a produção internacionalizada por meio das empresas nacionais e transnacionais, e a criação de blocos econômicos macrorregionais e suprarregionais. saiba mais Para saber mais sobre globalização, leia: IANNI, O. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988 e SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo – razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002. Em países cuja economia é frágil, o capital especulativo, conhecido pelos economistas como capital volátil, aporta nesses países buscando lucros em curto prazo. O resultado desse capital leva os países com economia frágil a crises econômicas sistêmicas. Assim, os países como Brasil, Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Coreia do Sul, China e México foram favorecidos pela expansão das empresas transnacionais e multinacionais. Essas empresas implantaram uma nova divisão internacional do trabalho em termos planetários, sob o signo da Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse órgão proporcionou a intensidade e a ampliação do comércio, o que possibilitou um surto de industrialização por parte dos países recém-industrializados. Essa maneira de organizar o mundo e a produção constrange o poder do Estado Nacional, que vive na subordinação das grandes empresas, que fazem exigências das mais absurdas, como a eliminação dos impostos, ganho do terreno e crédito facial a baixo custo. 46 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Atualmente, quando uma empresa se instala em um local, isso não é sinal de emprego para a população. Há um desequilíbrio descomunal no interior do território nacional, que, ao ceder à empresa suas estruturas, tende a entrar na guerra fiscal que cobre um santo e descobre o outro, e como o Brasil é uma federação de Estados independentes, os ganhos locais de um estado ou município representam lucros passageiros e efêmeros, pois não são ganhos estruturais. Dessa forma, a empresa pode ter sede nos Estados Unidos e ter um escritório no Brasil, ter sua montadora em Singapura e sua linha de produção em Angola, e assim se barateiam os custos de produção. Assim sendo, a globalização impõe outra lógica no campo material e imaterial: nessa perspectiva, a política é feita pelo mercado, que tem como atores principais as empresas, e estas não têm preocupações éticas. Essas formas de imposição de suas relações ocorrem na forma de dinheiro, que, segundo Santos (2002), traduz-se no dinheiro em estado puro. Esse é o dinheiro que gera dinheiro e, nessa lógica, desloca-se da produção e vai impondo sua própria ambição, que se alcança quando o dinheiro se torna o equivalente universal e se automatiza da economia, tornando-se despótico devido à sua perversidade. Essa perversidade se dá pela contabilidade global, que tem em seu instrumento mais eficaz o PIB, e, segundo Santos (2002), este pode se constituir em um nome fantasia, como BID, FMI e outros órgãos de gestão internacional que trabalham a favor do capital e se tornam um braço conservador e esmagador dos países pobres em favor das grandes economias centrais. Nas condições atuais, as lógicas do dinheiro impõem-se àquelas da vida socioeconômica e política, forçando mimetismos, adaptações e rendições. Tais lógicas se dão segundo duas vertentes: uma é a do dinheiro das empresas, que, responsáveis por um setor da produção, são, também, agentes financeiros mobilizadosem função da sobrevivência e da expansão de cada firma em particular; mas há também a lógica dos governos financeiros, globais, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, bancos travestidos em regionais, como o BID. É por intermédio deles que as finanças se dão como inteligência geral (SANTOS, 2002, p. 100). A finalidade desse processo é eliminar os obstáculos que venham a encarecer a fabricação dos seus produtos; dessa maneira, escolhem-se os países de acordo com cada necessidade, ou seja, o país onde o custo de mão de obra é baixo, onde haja uma infraestrutura que possibilite o escoamento do produto, onde a carga tributária seja baixa, daí a concorrência fiscal em benefício das empresas. No início da década de 1990, com a fragmentação da União Soviética, o fim da Guerra Fria, o fim das ditaduras na América Latina e a abertura do mercado chinês ao capitalismo, houve um surto do neoliberalismo pelo mundo. 47 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos lembrete Neoliberalismo é uma política econômica que prioriza as atividades de iniciativa privada em detrimento dos investimentos públicos, ou seja, a não intervenção do Estado na economia, daí a onda de privatização que ocorre no mundo ocidental. No início da década de 1980, o bloco soviético e as utopias comunistas e socialistas se esfacelaram. Gorbatchev ascendeu ao poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1985 e implantou seu programa de governo em duas linhas: • glasnost: transparência e liberação política; e • perestroika: reconstrução econômica. Seguindo a linha de reconstrução política, Gorbatchev assinou em 1987 o tratado contra a proliferação de armas nucleares, ou seja, que promovia a destruição dos mísseis atômicos. A abertura implementada por ele propiciou uma irrupção dos países sob o comando da União Soviética. O primeiro a se rebelar foi a Polônia. Seu líder foi Lech Walesa, que comandava o sindicato independente, conhecido como Solidariedade, em fevereiro de 1989. Na esteira dessa rebelião, em outubro do mesmo ano, a Hungria também se opôs, após constatar que o Partido Comunista tornou-se o Partido Socialista, rompendo com a tradição leninista. Em 1989, a Tchecoslováquia, por sua vez, saiu às ruas reivindicando o Pacto de Varsóvia, que custou tantas vidas à população. Dividiu-se em duas repúblicas: República Tcheca e República Eslovaca. A Bulgária, no final do ano de 1989, também se rebelou, e o Partido Comunista renunciou ao poder. Já a Romênia teve mais trabalho em derrubar seu ditador, (Ceausescu), que usou de violência contra sua própria população, mas foi vencido, deposto e executado. Todavia, nenhuma dessas revoltas teve mais impacto do que a queda do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha em duas partes, uma Oriental (comunista) e a outra Ocidental (capitalista). O muro foi construído durante décadas símbolo da guerra fria, e sua queda ocorreu em 11 de novembro de 1989. Toda essa rebelião precipitou o fim da União Soviética. Originou-se, então, a CEI – Comunidade dos Estados Independentes. Depois da destruição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, surgiu a Rússia, que se inseriu na economia de mercado e passou a ser palco de muitos conflitos. Todos esses conflitos ocorreram pelo aumento da pobreza, do desemprego, da falta de alimentos, dos bens de consumo e da inflação. Assim, houve um forte quadro de recessão, aumento da corrupção e 48 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 proliferação de mendigos; a miséria se espalhou, e a máfia russa tomou conta do país. Essa organização praticava extorsões e aumentava os preços de alguns produtos de forma abusiva, tudo isso sob uma violência sem precedentes. 7 O cOnteXtO BrasileirO: reinvinDicações e OrganizaçãO Da sOcieDaDe civil O Brasil viveu o período da ditadura militar por aproximadamente vinte anos, a partir do golpe de 1964, mas, a partir da década de 1970, mesmo sob repressão, a sociedade civil se organizou com os movimentos sociais e sindicais de todo o Brasil. Surgiu um movimento em prol da anistia para os exilados, e esta foi estendida aos militares. 7.1 a lei da anistia A Lei da Anistia (lei no 6.683) foi promulgada pelo presidente Figueiredo em de 28 de agosto de 1979, ainda durante a ditadura militar. Foi instituída graças à Campanha da Anistia, que pedia a promulgação dessa lei. Essa luta pela anistia teve início em 1968, com a participação de estudantes, jornalistas e políticos de oposição ao regime. No Brasil e no exterior foram formados comitês que reuniam filhos, mães, esposas e amigos de presos políticos para defender uma anistia ampla, geral e irrestrita a todos os brasileiros exilados no período da repressão política. Em 1978, no Rio de Janeiro, foi criado o Comitê Brasileiro pela Anistia, congregando várias entidades da sociedade civil, com sede na Associação Brasileira de Imprensa. O governo de João Batista Figueiredo encaminhou ao Congresso o seu projeto em junho de 1979. Esse plano governista não atendia a todos os interesses, porque excluía os condenados por atentados terroristas e assassinatos. Segundo o seu art. 1°, favorecia também militares e os responsáveis pelas práticas de tortura. 7.2 a luta pela terra Os movimentos sociais não perderam tempo e começaram a se reestruturar para lutar pela democracia. Exemplo disso foi a Comissão Pastoral da Terra (CPT), fundada em 1975 pela Igreja Católica para dar voz ao povo do campo. De acordo com as pesquisas, a CPT surgiu após um encontro realizado na cidade de Goiânia (GO) entre bispos e religiosos da Amazônia, que discutiam sobre os problemas sociopolíticos e as violências vividas pelos povos do campo. Essa organização pretendia denunciar os problemas da época e tinha uma perspectiva de luta. No site da Comissão pastoral da Terra, é assim descrita sua história: Inicialmente, a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra um serviço pastoral. Na definição de Ivo Poletto, que foi o primeiro 49 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos secretário da entidade, “os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade numa terra livre da dominação da propriedade capitalista” (CPT, 2010). Fundada em plena ditadura militar como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, a CPT teve um importante papel. Ajudou a defender as pessoas da crueldade desse sistema de governo, que só fazia o jogo dos interesses capitalistas nacionais e transnacionais, e abriu caminhos para que ele fosse superado. Ela nasceu ligada à Igreja Católica, porque a repressão estava atingindo muitos agentes pastorais e lideranças populares, e também porque a igreja possuía certa influência política e cultural. Na verdade, a instituição eclesiástica não havia sido molestada. A CPT (Comissão Pastoral da terra) foi a organizadora do Movimento dos Sem-Terra (MST), seu mais fiel aliado. Surgida em 1975, com o objetivo de apoiar a luta camponesa, fez com que a Igreja se voltasse para as questões locais, e, em conjunto com os camponeses, refletisse sobre as causas e os problemas dos camponeses no Brasil. Já o MST, fundado em 1984, em Cascavel, Paraná, durante o primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, tem comissões por quase todos os estados e atua na maioria dos acampamentos/ocupações de terras existentes (NOGUEIRA, 2007, p. 12). 7.3 asligas camponesas As Ligas Camponesas foram um movimento surgido em 1955 no Engenho da Galileia, na Zona da Mata, e tinha como líder o advogado Francisco Julião, com o apoio do PCB e da Igreja Católica. Teve seu fim em 1964. Figura 3 7.4 O Mst O MST, que luta pela posse da terra e pela reforma agrária, é herdeiro de lutas que foram travadas desde a época da escravidão até as ligas camponesas. 50 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 A questão agrária tomou rumos dramáticos, sobretudo a partir da década de 1980, quando houve grande concentração de terras nas mãos dos latifundiários. Essas terras não eram produtivas, houve muita luta, e a violência no campo aumentou. A estrutura fundiária é perversa no Brasil, pois privilegia o grande proprietário e lhe permite usar sua terra de forma precária, enquanto milhares de trabalhadores rurais ficam sem terra e, por conseguinte, sem ter como sustentar sua família, gerando não só um problema econômico e social, mas, sobretudo, de ordem política. Os sem-terra apareceram por volta dos anos de 1981 e cresceram rapidamente; eram compostos por boias-frias, ocupantes de terra sem título legal e assalariados temporários, todos lutando por melhores condições de vida. Estes têm como meta a luta para assentar um número cada vez maior de famílias, impulsionando, dessa forma, a luta pela reforma agrária. O MST se conforma pela ocupação de terras e pelos assentamentos. A partir dos anos 1980, os assentados e acampados surgem como uma nova categoria social no meio rural brasileiro. Veja como Stédile (1997) descreve o perfil dos assentados do MST: Em termos gerais, é o seguinte: 955 dos assentados eram agricultores, assalariados, filhos de pequenos agricultores ou viviam como parceiros e arrendatários. Embora haja muito desemprego na cidade, a ampla maioria dos assentados é de agricultores (STÉDILE, 1997, p. 75). Bergamasco e Norder (1996), estudando os assentamentos no século XX, destacam que o termo assentamento apareceu, pela primeira vez, no vocabulário jurídico e sociológico, no contexto da reforma agrária venezuelana, em 1960, e se difundiu por inúmeros países. De forma genérica, os assentamentos rurais podem ser definidos como a criação de unidades agrícolas de produção, resultado de políticas governamentais implementadas a fim de reordenar o uso da terra em benefício de trabalhadores rurais que tenham terra ou não. Encontram-se, em seus estudos, cinco definições de assentamento: • colonização de áreas devolutas e expansão de fronteiras agrícolas; • realocação de populações atingidas por barragens; • planos estaduais de valorização de terras públicas e de regularização possessória; • programas de reforma agrária via desapropriação por interesse social; • demarcação de reservas extrativistas. Os assentamentos do MST são os resultados das lutas políticas que envolvem vários segmentos da sociedade: os representantes (Igreja, partidos políticos, MST, ONGs, universidades e Estado) e os 51 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos protagonistas (assentados – trabalhadores rurais desempregados e ávidos por um pedaço de terra). Os assentamentos desses tipos são frutos das lutas e das resistências, na organização e da mobilização dos sujeitos envolvidos no processo de ocupação, com o objetivo de desapropriação por interesse social (NOGUEIRA, 2007, p. 137). Para o MST, as formas de trabalho em cooperativas proporcionam vantagens econômicas, políticas e sociais. Isso faz com que os poucos recursos produtivos, inclusive a quantidade e qualidade da terra, sejam utilizados por todos de forma mais adequada (BERGAMASCO; NORDER, 1996, p. 58). De acordo com o texto de Morissawa, de 2002, essas ações foram construídas na base pelos trabalhadores. Vejamos quais são: Ocupação: é a forma de luta mais importante; requer organização e base muito bem definidas. O critério fundamental é a escolha do local, e a ocupação gera o fato político. Acampamento permanente: a palavra-chave nesse caso é resistência, pois o acampamento só se desfaz quando o último acampado estiver assentado; nesse período, o MST promove diversas ações para sensibilizar a opinião pública e fazer pressão sobre as autoridades. Acampamento provisório: cujo objetivo é chamar a atenção das autoridades e da sociedade, estudar e decidir os encaminhamentos e apresentar as reivindicações; depois de atingida a finalidade, ele se dissolve. Marchas pelas rodovias: essa forma de luta tem por objetivo chamar a atenção da população para os problemas dos sem-terra, ganhar adeptos e simpatizantes, e, consequentemente, ser um poderoso meio de pressão sobre os governantes. Jejuns: o jejum é feito em um tempo determinado e tem como objetivo simbolizar e tornar visível a fome que diariamente é vivida nos acampamentos; por meio deles, também fica implícito que os sem-terra usam formas pacíficas de luta e que estão abertos a diálogos com as autoridades. Greve de fome: é utilizada somente em situações extremas e com muito critério e preparo, onde um grupo permanece, por exemplo, na frente de um palácio de governo ou de algum órgão pertinente, sem se alimentar por tempo indeterminado, até que as autoridades se disponham a atender às reivindicações. Ocupações de prédios públicos: é sempre aquele onde está sediado o órgão envolvido na reivindicação, a intenção, nesse caso, é expor ao público que esses órgãos não cumpriram os compromissos assumidos e obrigar os responsáveis a negociar. 52 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Acampamentos nas capitais: como os acampamentos no campo só se tornam visíveis quando geram um fato que interessa à mídia, às vezes alguns grupos ou todos os sem-terra vão acampar no centro da capital, e isso constitui uma manifestação permanente, que expõe abertamente as condições de um acampamento. Acampamentos diante dos bancos: os assentados enfrentam muitos problemas com a liberação de empréstimos e recursos para organizar o assentamento. Vigílias: são manifestações também massivas, programadas para um período menor, mas de forma contínua e permanente, mantendo-se dia e noite. São realizadas na frente de fóruns, presídios, delegacias ou vigílias de solidariedade a outros movimentos na luta pela justiça social. Manifestações nas grandes cidades: o movimento conduz trabalhadores sem-terra às grandes cidades para manifestações e passeatas, na tentativa de chamar a atenção da população para seus problemas e ganhar visibilidade. São manifestações pacíficas que demonstram a organização, a disciplina e familiarizam a sociedade com seus símbolos (MORISSAWA, 2002, p. 199-203). O MST é apoiado pela CF, que, em seu artigo 184, determina que as terras improdutivas sejam passíveis de desapropriação por conta do governo, usa isso a seu favor e força os grandes proprietários de terra a vender sua terra para o Estado. Uma vez que o Estado efetua a compra, permite que a terra improdutiva seja usada no processo de assentamentos rurais. Dessa forma, o MST questiona o Estado neoliberal em sua essência, que é a não intervenção do governo no plano social e econômico. A partir de estudos sobre a reforma agrária, Bergamasco e Norder (1996) afirmam: “[...] restam ainda 5 milhões de famílias que, permanecendo o ritmo atual, terão de esperar mais de 250 anos para começar a construir uma nova vida, uma nova sociedade. A reforma agrária ainda está por ser feita” (BERGAMASCO; NORDER, 1996, p. 81). Segundo Maria da Glória Gohn (1995),o MST tem como marco de sua origem a cidade de Santa Catarina: Vários registros históricos assinalam o evento de 1979, em Santa Catarina, como o início do Movimento dos Sem-Terra no Brasil. Ao longo dos anos 1980, o movimento se propagou, transformando-se na principal frente de luta pela terra no campo na década seguinte. Esse movimento contou com o apoio de pastorais da Igreja Católica e, nos anos 1980, progressivamente foi sendo tomado pelas orientações da CUT. De peculiar, destacamos nos acampamentos dos sem-terra as escolas para os filhos dos ocupantes, onde se procura fazer uma releitura dos ensinamentos prescritos pelos órgãos 53 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos educacionais brasileiros, segundo a ótica de interesses dos sem-terra. Destaca-se, também, a Cartilha de Formação das Lideranças dos Sem-Terra (GOHN, 1995, p. 118). 7.5 acampamentos e assentamentos do Mst De acordo com as falas dos líderes do MST, os assentamentos e acampamentos têm a finalidade de proporcionar que as famílias se organizem em núcleos que discutam a produção, a escola e as necessidades de cada área. Desses núcleos, surgem os coordenadores. A mesma estrutura se repete em nível regional, estadual e nacional. Um aspecto importante é que as instâncias de decisão são orientadas para garantir a participação das mulheres, sempre com dois coordenadores, um homem e uma mulher. E, nas assembleias de acampamentos e assentamentos, todos têm direito a voto: adultos, jovens, homens e mulheres. Nogueira (2007) destaca que a presença dos assentamentos formados pelo MST possibilita a recomposição de forças locais a partir de sua efetivação. Ressalta, ainda, alguns pontos sob as ações multilaterais que conformam esses assentamentos administrados pelo MST, são elas: - a redistribuição fundiária, mesmo que de forma precária, trazendo no seu bojo elementos mediadores que expressam mudanças nas relações de dominação entre os grandes proprietários de terras e os trabalhadores rurais; - as intervenções dos representantes, sejam eles ONGs, Partidos Políticos, Comissão Pastoral da Terra, que, em conjunto com os trabalhadores rurais, permitem questionar, por meio de práticas sociais e estratégias de luta, antigos laços de patronagem, tornando o assentamento um espaço privilegiado de transformação de relações clientelistas e de subordinação que, anteriormente, submetiam os trabalhadores rurais aos donos das terras (coronéis/padrinhos); - a concentração de terras, ancorada no sistema econômico, social e político, privilegiando os grandes proprietários de terras. Com o advento dos assentamentos, há uma desconcentração da propriedade da terra e a transformação das grandes lavouras (soja, algodão, cana-de- açúcar, pastagem etc.) em lavouras de subsistência (mandioca, milho, arroz, feijão etc.), baseadas na agricultura de excedente (NOGUEIRA, 2007, p. 16). A questão da terra ainda não terminou no Brasil e seu percurso é longo, mas movimentos sociais como o MST questionam a reforma agrária em processo e possibilita que a voz dos trabalhadores rurais seja ouvida, pois eles têm legitimidade no processo de discussão dos rumos do país. De acordo com Bergamasco e Norder (1996, p. 208), as origens dos que dependem da terra para viver podem ser descritas como: • assalariados: trabalhadores rurais, com a predominância de relações contratuais; • posseiros: ocupantes de terra sem título legal; 54 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 • sem-terra: trabalhadores rurais que lutam pela posse definitiva da terra; • meeiros: parceiros e pequenos arrendatários; • boias-frias: trabalhadores temporários, na sua maioria, que lutam por melhores salários e condições de trabalho (BERGAMASCO; NORDER, 1996, p. 08). lembrete Para o MST, as formas de trabalho em cooperativa proporcionam vantagem econômicas, políticas e sociais, fazendo com que a terra seja utilizada de forma mais igualitária e adequada. 8 MOviMentOs sOciais UrBanOs O ABC paulista foi palco de uma personagem que entraria para a história da humanidade como um dos maiores lutadores pela liberdade humana que o século XX produziu: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fundador do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores. O movimento operário fez uma greve em 1978, comandada pelo então sindicalista Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Esse comício afrontou a ditadura e motivou a expansão e o renascimento do movimento operário em todo o país. Já no final da década de 1970 e início da década de 1980, os militares da chamada linha dura deflagraram uma malfadada ação contra a oposição, em um episódio que conhecido como o Atentado do Rio Centro. No dia 30 de abril de 1981, em um show musical no Riocentro, em que uma multidão estava reunida para festejar e protestar contra a ditadura, os militares tentaram implantar uma bomba no local do show, e, por conseguinte, incriminar os movimentos que lhe faziam oposição. Ironicamente, a bomba explodiu no carro onde estavam dois militares de alta patente, sendo que um morreu e o outro ficou ferido. Esse fato selou por definitivo o destino da ditadura no Brasil e intensificou a campanha pelas eleições diretas no país. A população queria ter o direito de votar em seus próprios candidatos escolhidos. Os partidos políticos foram se reorganizando a partir de 1979, com o fim da Arena e do MDB, partidos da época. A emenda Dante de Oliveira foi rejeitada, mas criou um efeito sem precedentes até então, estimulando o movimento das Diretas Já. Os partidos políticos de base popular e operária, como o Partido dos Trabalhadores e o PDT, arregimentaram os sindicatos, o movimento estudantil, religioso, negro, entre outros, o que deu fôlego à luta pela democracia no Brasil. 55 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos O símbolo da luta pela democracia se tornou Tancredo Neves, que morreu e não assumiu a presidência do Brasil; em seu lugar, ficou José Sarney, seu companheiro de chapa. Ele se tornaria o primeiro presidente civil depois da ditadura militar. Nesse processo, no dia 5 de outubro de 1988, era promulgada a nossa Constituição, que foi fruto de uma luta dos constituintes para que o Brasil refletisse sobre o rumo do país. De acordo com Gohn (1999), a Constituição se tornou o principal instrumento de reivindicação, pois possibilitava que os movimentos sociais e populares fundamentassem juridicamente suas ações: O grande instrumento consagrador de tais mudanças foi a Constituição de 1988. Esta não foi uma outorga. Foi fruto de lutas e lobbies, de diferentes tendências e setores organizados da sociedade civil e política. A Constituição e seus instrumentos sucedâneos geraram e demarcaram novos espaços e novas formas de agir dos grupos organizados (GOHN, 1999, p. 99). A CF incorporou, em seus artigos, os direitos e deveres coletivos e individuais, ampliou os direitos sociais e políticos dos cidadãos, ou seja, permitiu a existência do debate, abrigou e reconheceu a existência da cidadania, e, ainda, a existência de uma sociedade desigual. De acordo com os estudiosos e líderes dos movimentos organizados em relação às Constituições anteriores, a CF de 1988 representa um avanço. As modificações mais significativas foram: • direito de voto para os analfabetos; • voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos; • redução do mandato do presidente de 5 para 4 anos; • eleições em dois turnos (para os cargos de presidente,governadores e prefeitos de cidades com mais de duzentos mil habitantes); • os direitos trabalhistas passaram a ser aplicados; • direito à greve; • liberdade sindical; • diminuição da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais; • Licença maternidade de 120 dias (sendo atualmente discutida a ampliação); • Licença paternidade de 5 dias; • Abono de férias; • 13º salário para os aposentados; • seguro-desemprego; • férias remuneradas com acréscimo de 1/3 do salário. 56 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Assim sendo, podemos entender que a década de 1980 foi um período em que a nova racionalidade sugerida por Gohn (1999) abriu caminhos para que os movimentos sociais se enraizassem na sociedade civil e, ainda, criou mecanismos que introduzissem na ordem do dia reivindicações de ordem moral, simbólica e concreta. As ações se direcionaram para a luta por uma participação mais intensa nas decisões do país, em que as pessoas e as comunidades se recusassem a apenas observar a história “passar”, que almejassem ser as protagonistas dos ventos da liberdade que a nova história estava apresentando. Na década de 1980, viram surgir a ampliação dos espaços públicos de negociação, o envolvimento das camadas mais desfavorecidas nas discussões políticas, desde amigos de bairro até as lutas no campo, tudo passava pelo crivo do coletivo. E a crise dos movimentos populares deve ser considerada em seus respectivos termos. Primeiro, porque uma das características básicas de todos os movimentos sociais, seja popular ou não, é seu fluxo e refluxo. Eles não são instituições. Podem até se materializar em alguma organização, mas isso é uma provisoriedade. A organização pode morrer, mas a ideia geradora certamente persistirá. E esta ideia criará o renascimento do movimento em outro contexto (GOHN, 1999, p. 101). Na década de 1990, o Brasil entra às cegas, como diz o maior geógrafo de todos os tempos, Mitos Santos. O neoliberalismo aporta em solo brasileiro com todo o seu arsenal. Presenciou-se, de forma atônita, uma onda de privatizações do parque industrial brasileiro, perdendo o controle de empresas estratégicas para proteção do país, como as telecomunicações. No neoliberalismo, a nação renega sua condição de liderança, de autogovernar-se e entrega-a ao mercado. Segundo Gohn (1999), a década de 1990 passou por um processo de deteriorização das conquistas obtidas na década anterior. O Brasil e o mundo, sobretudo o Ocidental, viram e estão vendo até hoje algumas mudanças de leis que ignoram suas conquistas históricas. Isso afeta sindicatos, sociedade amigos de bairro, igrejas, cooperativas e outras formas de lutas coletivas, e também atingem o campo das lutas individuais. Dessa forma, o sistema jurídico de cunho liberal trabalha de forma intensa para que as lutas coletivas percam sentido e legitimidade. Um exemplo clássico disso é quando um grupo de funcionários decreta a greve, que é um direito Constitucional, e prontamente o poder jurídico entra em ação a favor das empresas. Resguardar o direito do empregador, ameaçar seus líderes sindicais com prisões e penalizá-los com altas multas influencia negativamente um governo democrático, pois privilegiar um lado da balança vai contra até mesmo o liberalismo, e daí vimos seu grande paradoxo. O neoliberalismo chegou com força e impregnou todos os setores da sociedade brasileira, entre eles a Igreja, que abandonou o projeto voltado aos pobres para eliminar a desigualdade e a miséria. 57 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos A sociedade civil também presenciou os movimentos sociais se voltando para os empregos estatais. Esses grupos foram absorvidos pelos partidos políticos, enfraquecendo, assim, os movimentos sociais e populares do Brasil. Após o processo constituinte, a maioria dos movimentos desmobilizou-se. Algumas de suas lideranças passaram a lutar mais nas fileiras do partido, ou por cargos nas administrações públicas (nos locais onde se instalaram administrações populares), ou por indicações para concorrer a cargos efetivos (GOHN, 1999, p. 103-104). No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil teve uma globalização ilusória. Esse adotou a política de privatização, e empresas nacionais construídas com a força de trabalho de toda a sociedade brasileira foram entregues aos estrangeiros, que compraram nossas principais instituições a preços inferiores ao mercado internacional na época. Segundo FHC, vender as empresas brasileiras era a única condição que o Brasil tinha para se tornar um país desenvolvido. Isso deteriorou a mão de obra brasileira, gerou o aumento da desigualdade social, expandiu a miséria, aumentou de forma brutal o número de desabrigados, criminalizou os movimentos sociais, e o Brasil se tornou, junto aos países africanos, o berço da fome no mundo. Essa política neoliberal adotada por Fernando Henrique Cardoso, que privilegia o indivíduo em uma corrida suicida e que não respeita as conquista coletivas dos trabalhadores, deteriorou o salário dos operários tanto do campo quanto da cidade. E, em seu segundo mandato, sua política lançou o Brasil em uma crise sem precedentes. Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o país se manteve na política neoliberal, mas houve uma retomada aos interesses da população menos favorecida. Houve inúmeros projetos voltados para o lado social, como ProUni (uma bolsa para estudantes de baixa renda), e o Minha Casa Minha Vida também (política de habitação para a população pobre). Mesmo com o esforço do governo Lula, muitas questões não foram abordadas, e alguns problemas enfrentados não foram resolvidos. Cita-se a saúde pública e os planos de saúde, sem solução até agora; na Reforma Agrária, não houve avanço, a segurança continua precária. No âmbito da educação federal, houve avanços significativos em relação às universidades e os colégios técnicos, mas ainda falta uma política pública para as linhas de pesquisas, para que o Brasil se torne concorrente mundial no mundo do conhecimento, pois sabemos que no mundo contemporâneo esse é o caminho para a sobrevivência. O abandono, por parte do Estado, de sua função social criou uma ausência nas áreas básicas da população brasileira, o que impeliu para a miséria uma parcela significativa de pessoas que dependem dos serviços básicos, como posto de saúde, ambulância, polícia, médicos, água encanada, esgotos etc. Há muitas questões para se trabalhar, ainda há muita violência contra a mulher, o racismo, a intolerância com as opções sexuais, enfim, é o total descaso do poder público. 58 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Uma das mais importantes formas de oposição ao trabalho escravizado foi a organização de comunidades, conhecidas primeiro por mocambo1, e depois denominadas quilombos. Os documentos registram a existência de quilombos nas mais diversas regiões do Brasil, que se constituíram em espaços onde os negros usufruíam dos produtos de seus esforços. Vamos encontrar, por exemplo, esse tipo de resistência em Mato Grosso, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazônia, Rio Grande do Sul e São Paulo. 8.1 Distribuição dos quilombos no Brasil Trata-se de comunidades originalmente constituídas por negros foragidos e instaladas em áreas onde houve luta e resistência contra a escravidão. O maior e mais conhecido quilombo colonial nasceu no bojo das guerras do açúcar, que foi o Quilombo dos Palmares. Os documentos históricos que registram a existência dos quilombostêm apresentado indícios que revelam complexas relações sociais, econômicas e políticas entre os dois mundos: aqueles criados pelos quilombolas e o restante da sociedade envolvente. Eles desenvolviam atividades econômicas que interagiam com a economia local. O cultivo de pequenas roças e o acesso ao comércio informal originou uma economia camponesa, um campesinato predominantemente negro, compartilhado por libertos, escravos, taberneiros, lavradores, vendeiros e especialmente quilombolas. Com estratégias de autonomia diferenciadas, mas ao mesmo tempo compartilhadas e estendidas, escravos, quilombolas e outras tantas personagens conquistaram e ampliaram as suas margens de autonomia, acesso, controle e utilização da terra, desenvolvendo, assim, a pequena produção agrícola e o pequeno comércio (REIS e GOMES, 1996). O movimento social em torno da luta pela terra de quilombo remonta à época da escravidão brasileira, mas toma fôlego e retoma uma trajetória de embates políticos em nível de políticas públicas, sobretudo a partir do artigo 68 da CF, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa lei constitucional impulsionou as comunidades remanescentes de quilombos a se mobilizarem torno da luta pelo reconhecimento de suas terras, que foram conquistadas com muita luta pelos seus antepassados. Esse ato restituiu propriedades aos filhos de ex-escravos. A partir do artigo 68, há uma luta pela inclusão das comunidades negras nas políticas públicas reparatórias. A proposição de terra de quilombos é a possibilidade dos grupos se resguardarem das segregações espaciais impostas pela classe dominante. As denominadas terras de preto compreendem aqueles domínios doados, entregues ou adquiridos, com ou sem formalização jurídica, a famílias de ex- escravos, a partir da desagregação de grandes propriedades monoculturais. Os descendentes de tais famílias permanecem nessas terras sem proceder ao processo formal da partilha e sem delas se apoderarem individualmente. 1 Quilombos e mocambos, para a maioria das línguas bantu da África Central e Centro Ocidental, significam acampamento. 59 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos São também alcançadas pela expressão terras de preto aqueles domínios ou extensões correspondentes aos quilombos que permanecem em isolamento relativo, mantendo regras de direito consuetudinários que orientavam uma apropriação comum dos recursos (ALMEIDA 1968 apud RATTS, 2000, grifo nosso). Essas comunidades vivem no campo uma batalha contra os latifundiários, pois estes querem usurpar seus direitos pela violência; na cidade, sofrem com a urbanização, que traz no seu bojo a valorização dos espaços sob a égide da especulação imobiliária. Já as terras ribeirinhas vivem sob a pressão das barragens que são construídas à revelia dos impactos ambientais; o objetivo é o lucro, e a sustentabilidade econômica das famílias é descartada. De acordo com a estudiosa Hebe de Mattos (2006), as lutas para reconhecimento das terras de quilombos ganham relevo com o Decreto-Lei nº 4887, de 10/11/2003, que regulamenta o artigo constitucional em termos legais: Art. 1o Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido nesse Decreto. Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. § 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade. § 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. § 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental. Art. 3o Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, 60 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2003). saiba mais Leia, na íntegra, o Decreto-Lei nº 4887, que versa sobre os direitos das comunidades quilombolas. 8.2 Memória e identidade étnica A identidade quilombola surgiu num primeiro momento como terra de pretos, é fruto de muita luta, foi construída pelos descendentes de escravos, ex-escravos, Movimento Negro, Igreja Católica, religiões de matrizes africanas, intelectuais e outros. É consenso entre os pesquisadores do tema que o acesso à educação, à tecnologia e à saúde ainda é desafio às comunidades quilombolas, que, inicialmente, precisam lutar pela posse da terra, e, após serem reconhecidas legalmente, buscarem melhorias para a população integrante. É o que afirma a professora e doutora em história, Joelma Rodrigues, sobre a questão quilombola e as influências da localidade que ocupa. Nogueira (2009), em seu trabalho intitulado Batuque de umbigada paulista: memória familiar e educação não formal no âmbito da cultura afro-brasileira, destaca na região de Capivari a influência das tradições africanas no universo do samba paulista. A autora analisa dois grupos de umbigada: o primeiro é formado por integrantes mais velhos; o segundo, pelas crianças que vinham sendo introduzidas na prática cultural da umbigada. Figura 4: Tambú - principal instrumento do batuque de umbigada realizado em Piracicaba A autora ainda ressalta que foi fundamental a tradição da oralidade no grupo. Os mestres, com muita paciência e dedicação, transmitiram os seus saberes apreendidos pelos seus antepassados aos 61 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos mais novos, e estes mantêm e transmitem a seus pares o samba de umbigada como tradição e formação da identidade coletiva, sob a oralidade. Na construção e reconstrução de identidades (étnica e social), em que a memória familiar desempenha um papel importante, o fato de pertencer ao grupo do batuque de umbigada trouxe outro sentido para esses sujeitos. Assim, ser batuqueiro representa conhecer segredos, relembrar informações, dominar aspectos da música e da dança que podem contribuir para a reconstrução da memória; enfim, que lhes possibilita serem reconhecidos por pertencer a uma manifestação cultural milenar, o que os faz sentirem- se valorizados socialmente, mesmo que isso não tenha se refletido em suas condições econômicas e sociais em escala mais ampla (NOGUEIRA, 2009, p. 142). Os descendentes de ex-escravos, ao construírem suas práticas culturais como samba de roda, jongo, maculelê, capoeira, puxada de rede, caxambu, partido alto, samba de terreiro, samba de umbigada, feitiço, cantos e encantos, magias e benzimentos, tornaram-se peças fundamentaisno século passado, que orientaram não só as práticas culturais, mas também as práticas sociais, políticas e econômicas no interior da sociedade brasileira. Os movimentos sociais foram criando uma trama muito complexa de demandas de direitos e uma busca pela cidadania, isso é o que podemos perceber nos movimentos urbanos como os sem-teto, por exemplo. E esse grupo de pessoas vive fora da nova ordem produtiva, quer por falta de estudo, quer por falta de qualificação profissional, quer por falta de oportunidade. Essa situação vem se agravando, e não têm perspectiva de solução em curto, médio e longo prazo. Os indivíduos desempregados ou com empregos de baixa qualificação vão aos poucos buscar abrigo em casas da periferia, que, via de regra, ficam a quilômetros de distância do polo industrial da cidade. O mercado imobiliário, que trabalha na base da especulação, contribui muito para isso. Essa forma de expulsar os trabalhadores para longe do centro faz parte de uma engrenagem maquiavélica, que é composta por empresas de transporte, imobiliárias e pelo poder público. Citam-se, obviamente, os partidos políticos, que sempre iludem o povo e só lutam por interesses próprios. Os representantes do povo usam a situação de fragilidade em que se encontram os trabalhadores para fazer discursos, promover disputas vazias e tentar transformar os eleitores em seus cabos eleitorais. Em princípio, esse processo parece complicado, mas, avaliando o que cabe a cada grupo, tudo começa a fazer sentido; vejamos um pequeno exemplo: Quando se inaugura um bairro distante do centro, a primeira coisa que se pensa é no transporte, que, por sua vez, é muito caro. A mão de obra fica cada vez mais barata e a busca pelo trabalho cada vez mais cara, devido ao preço do transporte em nosso país. “Aliás, com o estímulo aos meios de transporte individuais, as políticas públicas praticamente determinam a instalação de um sistema que impede o florescimento dos transportes coletivos” (SANTOS, 1996, p. 47). 62 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Outro fator a se destacar é o preço dos terrenos, que aumenta de forma exponencial, haja vista a grande procura e a falta de políticas pública para a habitação. Há muitos casos de exclusão do trabalhador de seu espaço, de seu território e do acesso aos bens materiais e imateriais básicos, que lhe garantem um mínimo de sobrevivência. Ou seja, “são cidades criadas para servir a economia, e não a sociedade” (SANTOS, 1996, p. 43). No bairro da periferia, não há hospitais, prontos-socorros, delegacias, policiamento, creches, escolas etc. Todos esses serviços estão ausentes, e quando funcionam demonstram sua precariedade. Toda essa exclusão justifica o surgimento do movimento dos sem-teto. De acordo com Santos (1996): E o direito de morar? Confundido em boa parte da literatura especializada com o direito a ser proprietário de uma casa, é objeto de um discurso ideológico cheio, às vezes, de boas intenções, e, mais frequentemente, destinado a confundir espíritos, afastando cada vez para mais longe uma proposta correta que remedeie a questão (SANTOS, 1996, p. 45). Devem-se buscar nas políticas públicas habitacionais as possíveis saídas para o problema dos trabalhadores sem-teto. E o direito ao entorno? Temos de comprar o ar puro, os bosques, os planos de água, enquanto se criam espaços privados publicizados, como os playground ou, ainda mais sintomático, os condomínios fechados, que a gente rica justifica como necessidade à sua proteção, ou seja, ninguém mais sabe onde começa e termina o espaço público e o privado. Chauí (2002) afirma que esse Brasil moderno vive sob o seu paradoxo entre o dilema do espaço público e privado. Essa forma de pensar e enfrentar os problemas sociais encontra sua maior agonia na ação dos políticos, pois estes utilizam o espaço público como o privado, daí as amplas corrupções que atravancam a emergência da democracia. O Brasil é uma sociedade autoritária, na medida em que não consegue, até o limiar do século XXI, concretizar sequer os princípios (velhos de três séculos) do liberalismo e do republicanismo. Instituição entre o público e o privado, estrutura-se de modo fortemente hierárquico, e, nela, não só o Estado aparece como fundador do próprio social, mas as relações sociais se efetuam sob a forma da tutela e do favor (jamais do direito), e a legalidade se constitui com círculo fatal do arbítrio (dos dominantes) à transgressão (dos dominados) e, desta, ao arbítrio (dos dominantes) (CHAUÍ, 2002, p. 47). O lazer na cidade se torna pago, inserindo a população no mundo do consumo. Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina, pela montanha, pelo ar puro, pela água, fica excluído do gozo desses bens essenciais, que deveriam ser públicos (SANTOS, 1996). É um espaço sem cidadãos, um espaço repartido, fragmentado propositalmente para favorecer um grupo de pessoas e determinadas empresas, que, de alguma forma, espoliam a cidadania. 63 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos Essa segregação do espaço fundamentada no capitalismo atual reproduz uma exclusão crônica de uma parcela grande da população brasileira. Esse espaço torna-se empobrecido, pois preenche com a vítima o lugar do cidadão. O MST revela mais do que um pedaço de chão para morar ou um conjunto de alvenaria com quarto, sala, cozinha e banheiro, revela o que estava oculto durante séculos de omissão por parte do Estado. Esse movimento reflete a incapacidade de a sociedade brasileira lidar com seus menos favorecidos, a não ser com a criminalização desses tipos de movimentos. Pudemos ver que a luta pela moradia é uma luta por uma vida digna, pela família, pela cultura, um espaço fragilizado, que, por sua vez, empobrece toda uma sociedade. É uma luta que envolve espaço, cidadania e direitos. Um outro movimento que requer uma atenção especial do assistente social com seus mecanismos de direitos é o Movimento Negro, que, após a abolição, conseguiu ganhos importantes como a lei de cotas nas universidades, que traz à baila a discussão étnica e racial sob o prisma do direito. A produção acadêmica específica sobre o Movimento Negro no Brasil constitui-se principalmente de dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos de revistas e alguns livros. Segundo Abdias do Nascimento (1997), o registro histórico desse movimento continua precário, em razão da própria trajetória da comunidade afro-brasileira, que historicamente foi destituída de poder econômico e político. As primeiras pesquisas sociológicas aparecem nas análises sobre relações raciais, especificamente nos estudos financiados pela Unesco. As interpretações sobre esse movimento social estavam associadas às visões que os autores tinham das relações raciais entre brancos e negros no Brasil. As análises de Florestan Fernandes (1978), por exemplo, refletiam uma tendência geral de interpretar a história do Movimento Negro como uma linha evolutiva, apresentando avanços de acordo com a modernização da sociedade brasileira. Esses estudos partem da ideia de que o Movimento Negro teve origem num estágio de anomia social dos negros recém-saídos da escravidão, passando pela fase da organização dos primeiros jornais negros, até chegar a um estágio mais consciente, em que puderam refletir sobre a realidade racial brasileira. Essa forma de analisá-lo tinha como concepção o modelo estrutural-funcionalista, que associava as razões do protesto negro apenas às causas econômicas. Desse modo, essa organização estaria voltada a integrar a população negra na sociedade, buscando um estilo democrático de vida, inexistindo, assim, uma consciênciade raça. Nessa mesma linha, Georg Andrews (1998), apesar das críticas a Florestan Fernandes, entende o Movimento Negro como resultado do processo de industrialização e considera as décadas de 1970 e 1980 como o marco de sua conscientização racial. Para os novos estudos sobre a temática, entender a identidade coletiva tornou-se a questão central, uma vez que as abordagens econômicas começam a ser questionadas. Estudos como o de Regina Pinto (1993), por exemplo, buscam entender o histórico do Movimento Negro associado à luta em definir o ser negro, ou seja, construir uma identidade não estigmatizada. 64 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Esse movimento toma forma a partir da abolição da escravatura; mesmo com a proclamação da República, a população negra não obteve ganhos materiais ou simbólicos, ao contrário, esta, segundo Andrews (1991), foi marginalizada: [...] seja politicamente, em decorrência das limitações da República, no que se refere ao sufrágio e às outras formas de participação política; seja social e psicologicamente, em face das doutrinas do racismo científico e da “teoria do branqueamento”; seja, ainda, economicamente, devido às preferências em termos de emprego em favor dos imigrantes europeus (ANDREWS, 1991, p. 32). Diante desse quadro de marginalização, também mantido nesse novo sistema político, os libertos e seus descendentes organizam-se, criando dezenas de grupos (grêmios, clubes ou associações) em várias regiões do país. Essas associações, entidades e clubes eram formados por ex-escravos e pela população negra em geral, pertencentes tanto aos setores literários quanto aos meios operários ou recreativos. O principal apelo organizativo era reunir-se para tratar de assuntos do interesse dos homens de cor ou das classes de cor. Nessa época, surgiu um vocabulário político próprio dos negros, por meio do qual avaliavam sua inserção na sociedade, suas demandas, seus comportamentos, suas estratégias, suas formas de atuação e suas denúncias e protestos contra a ordem social vigente (GOMES e ARAÚJO, 2008). Petrônio Domingues (2007, p. 103) elenca algumas dessas associações surgidas no início do século XX no Brasil: Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União Cívica dos Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos (1917); no Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos Homens de Cor; em Pelotas/RS, a Sociedade Progresso da Raça Africana (1891); em Lages/ SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918). Em São Paulo, a agremiação negra mais antiga desse período foi o Clube 28 de Setembro, constituído em 1897. Entre as maiores, citamos o Grupo Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados em 1908 e 1926, respectivamente [...]. Havia associações formadas estritamente por mulheres negras, como a Sociedade Brinco das Princesas (1925), em São Paulo, e a Sociedade de Socorros Mútuos Princesa do Sul (1908), em Pelotas, RS. Nesse mesmo período, surge a chamada Imprensa Negra. Os negros elaboravam e publicavam jornais para lutar contra o preconceito de cor. Esses periódicos denunciavam as situações de discriminações que afetavam a população negra no âmbito do trabalho, da habitação, da educação e da saúde, tornando-se uma tribuna privilegiada para se pensar em soluções 65 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos concretas para o problema do racismo no país. As páginas desses jornais tornaram-se veículos de denúncia do regime de segregação racial que incidia em várias cidades do país, impedindo o negro de ingressar ou frequentar determinados hotéis, clubes, cinemas, teatros, restaurantes, orfanatos, estabelecimentos comerciais e religiosos, além de algumas escolas, e até ruas e praças públicas (DOMINGUES, 2007). Surgiram alguns jornais, como O pasquim e O homem de cor, Rio de Janeiro, A pátria e o Orgão dos homens de cor, em São Paulo. Graças às discussões e debates proporcionados pela imprensa negra que florescia nas primeiras décadas do século XX, surge em São Paulo um movimento de caráter nacional, a Frente Negra Brasileira que tinha como propósito ampliar a luta contra a discriminação racial. Fundada em 1931, essa organização foi inicialmente estruturada em São Paulo, mas teve vários núcleos em outros estados, como Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, abrangendo cerca de quatrocentos membros. Esse contexto era marcado por profundas transformações sociais que se processavam no Brasil no período da Segunda República, e os militantes negros percebiam que estas não contemplavam as reivindicações da população negra. As lideranças da Frente Negra Brasileira tinham uma visão crítica em relação à falta de políticas públicas voltadas à população negra e concebiam a educação como uma ferramenta estratégica para a inserção desse segmento populacional na sociedade. Além da integração social, a educação possibilitaria a eliminação dos preconceitos, e, em última instância, garantiria as condições para o exercício da cidadania plena (DOMINGUES, 2007). Transformando-se em partido político em 1936, a Frente Negra Brasileira, assim como os demais partidos existentes no Brasil, foi fechada pelo Estado Novo. Na década de 1940, inspirado nas concepções das organizações anteriores, principalmente na da Frente Negra Brasileira e da Abdias Nascimento, é criado o Teatro Experimental do Negro, também conhecido como TEN. Voltado para a afirmação da identidade negra, em que a proposta era o reconhecimento da matriz cultural africana na sociedade brasileira, o TEN tinha como desafio formar autores, atores e diretores negros, numa época em que raramente essa população era vista nos teatros brasileiros. Além disso, os membros do grupo buscavam dar visibilidade às questões que envolviam o negro no país por meio das peças escolhidas e das demais atividades desenvolvidas. O jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro divulgou os trabalhos do TEN em todos os seus campos de ação, entre 1948 e 1951. O periódico trazia reportagens, entrevistas e matérias sobre assuntos de interesse da comunidade. No período do Estado Novo, caracterizado pela centralização do poder central e pelas censuras, inúmeras manifestações populares são vetadas, entre elas o teatro, que passa a ser controlado pelo Serviço Nacional do Teatro (SNT), órgão responsável pela preservação da “moral pública”. 66 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Ao mesmo tempo, algumas manifestações da cultura popular são utilizadas pelo governo como canal de difusão da ideologia oficial, ou seja, buscavam-se elementos autênticos brasileiros para o projeto da nação. É um período em que os traços daqueles que eram reconhecidos como elementos da “cultura” do negro, como a capoeira e a culinária, foram adotados como patrimônio do país. A exemplo do samba, antes visto como expressão do degenerado, que passava a ser aceito como símbolo da nação (ROSA, 2007, p. 27). Em 1945, sob a responsabilidade do TEN, é organizada a Convenção Nacional do Negro, que tinha como objetivo exigir que a discriminação racial e o preconceito fossem considerados crimes previstos em lei, e ainda que houvesse um sistema nacional de bolsas de estudos para estudantes negros nas universidades e no ensino secundário, nas escolas públicas e privadas. Essas exigências faziam parte de uma plataforma deação à Constituinte que aconteceria no ano seguinte, tendo como resultado o lançamento de um manifesto à nação brasileira. A Conferência Nacional do negro brasileiro, organizada em 1949, também sob a tutela do TEN, no Rio de Janeiro, contou com a participação de vários estados brasileiros e um representante da ONU, o que contribuiu para despertar o interesse internacional sobre as relações raciais no Brasil. Além disso, essa Conferência permitiu um envolvimento das lideranças atuantes no interior do Movimento Negro, representado por líderes como Solano Trindade, do Teatro Popular Brasileiro, Maria Nascimento, que posteriormente viria a fundar o Conselho Nacional das Mulheres Negras, e Abdias do Nascimento, do Teatro Experimental do Negro, um de seus organizadores. Durante a Conferência, foram discutidos resultados de estudos e pesquisas sobre a situação do negro no Brasil, os problemas históricos do preconceito, a situação de trabalho, o trabalho doméstico, a assistência social, a educação, os problemas da mulher negra, a alfabetização. Os debates feitos durante a Conferência resultaram na preparação do I Congresso do Negro brasileiro, que viria ocorrer em 1950, direcionado pelas temáticas: História, Vida Social, Sobrevivências Religiosas, Sobrevivências Folclóricas, Línguas e Estética. A realização do I Congresso, em 1950, coincidiu com as comemorações dos cem anos de término do tráfico negreiro para o Brasil e tinha como proposta não apenas interferir na legislação brasileira, como debater os estudos produzidos sobre as relações raciais no Brasil. Nesse período, desenvolvem-se as pesquisas da Unesco sobre relações raciais brasileiras, as quais estabeleceram um diálogo entre as lideranças do Movimento Negro e a instituição. Os resultados dos trabalhos realizados no âmbito do Projeto Unesco foram publicados no decorrer dos anos 1950. Em 1953, Thales de Azevedo publica As elites de cor, resultado da pesquisa realizada na Bahia; no mesmo ano, Costa Pinto publica O negro no Rio de Janeiro. Em São Paulo, é publicado: Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo, em 1955, por Roger Bastide e Florestan Fernandes (ROSA, 2007). Com a instauração da ditadura militar em 1964, o TEN foi enfraquecendo, sendo praticamente extinto em 1968, quando seu principal dirigente, Abdias do Nascimento, partiu para o autoexílio nos 67 Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 MoviMentos sociais conteMporâneos Estados Unidos. Os militares transformaram o mito da “democracia racial” em peça-chave da sua propaganda oficial e tacharam os militantes que insistiam em levantar o tema da discriminação como “impatrióticos”, “racistas” e “imitadores baratos” dos ativistas estadunidenses que lutavam pelos direitos civis. As lideranças negras passaram a viver numa espécie de semiclandestinidade, e a discussão pública da questão racial foi praticamente banida nesse período. No entanto, apesar da repressão da ditadura militar, as transformações continuavam ocorrendo no país, envolvendo principalmente a juventude da periferia dos grandes centros, que passou a exibir novas formas de comportamento, de falar, de se vestir e de protestar. Influenciados pela música negra americana, a soul music,2 a juventude negra brasileira passa a exibir uma estética negra moderna e rebelde. Mesmo sem entender as letras das músicas, os moradores dos subúrbios brasileiros podiam captar nos gestos, na entonação da voz e na irreverência da dança, a afirmação ousada do negro (ALBUQUERQUE e FILHO, 2006). No Rio de Janeiro, surgiu um movimento conhecido como Black Rio. A juventude passou a expressar seu protesto num visual que incluía a calça boca de sino, o sapato colorido e com salto altíssimo e cabelos ouriçados. Era o estilo black power, uma referência ao movimento político e cultural que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 e que defendia uma nova maneira de afirmar e reverenciar a beleza negra. Em 7 de julho de 1978, é criado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), organização que tem em sua origem o objetivo de contestar a ideia da democracia racial divulgada pelos militares. Nesse dia, ocorreu um ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê. Essa data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Com o surgimento do MNU, houve uma reorganização da militância e foi possível convencer os grupos de esquerda da importância e especificidade da questão racial na sociedade brasileira. A partir daí, diversas outras instituições negras foram se reorganizando, como é o caso das mulheres negras que levantaram o debate do movimento negro e feminismo, lideranças como Lélia Gonzáles, Beatriz do Nascimento, entre outras. Houve avanço também na luta contra a violência doméstica, nas definições de políticas públicas voltadas à educação, à saúde, à cultura, assim como a luta contra a intolerância religiosa. Ao longo desses anos, foram sendo incorporadas, ao movimento negro, as lutas pela igualdade de oportunidade no mercado de trabalho; os quilombolas exigiram títulos de posse às terras; a juventude negra, especialmente o movimento hip-hop, protestou contra a violência racial, o desemprego e as péssimas condições de vida da população da periferia. Além disso, as reivindicações pelas cotas e ações afirmativas têm influenciado os orgãos na esfera pública, municipal, estadual e federal na definição de leis de combate ao racismo e na implementação de políticas para a promoção da igualdade racial. 2 A soul music teve como referência o cantor norte-americano James Brown, que influenciou cantores e compositores negros brasileiros como Genival Cassiano, Toni Tornado e Tim Maia. 68 Unidade ii Re vi sã o: V irg in ia /V ito r - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 4/ 09 /1 2 Em 09 de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.639, que alterou as diretrizes e bases da educação nacional e tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Médio e Fundamental públicos e particulares. De acordo com a lei, o currículo deve conter o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra no país e suas contribuições para a formação da sociedade brasileira nas áreas econômica, social e política. Ainda, afirma que esse conteúdo deverá ser ministrado em todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística, Literatura e História. Sua aprovação representou, para o movimento negro brasileiro, a concretização de mais um êxito na luta contra o racismo e a discriminação. Nesse contexto, a Conferência Mundial sobre o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as formas Correlatas de Intolerância, ocorrida em Durban, África do Sul, em 2001, representa o marco dessa vitória. Em Durban, reuniram-se representantes de 170 países, com o objetivo de chamar a atenção do mundo para o compromisso político de eliminar todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, e, como resultado de suas discussões, produziram uma declaração e um programa de ação. Representantes do movimento negro brasileiro buscaram promover debates e reflexões para denunciar, no cenário internacional, o racismo presente no país e a falta de compromisso do governo brasileiro. Entre as primeiras medidas implementadas nessa época, estão a política de cotas para estudantes de escolas públicas e para negros nas universidades públicas3; as Políticas de Cotas do Ministério do desenvolvimento Agrário e o Programa Diversidade na Universidade, do Ministério da Educação. Em 2002, no contexto da campanha presidencial,
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