Buscar

Preconceito Linguístico (3)

Prévia do material em texto

PRECONCEITO LINGUÍSTICO: O QUE É E COMO SE FAZ.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é e como se faz. São Paulo: Edições Loyola.
Marcos Bagno, tradutor, professor, escritor e doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), tem sua atuação voltada para área da Sociolinguística relacionada a questões pedagógicas. 
Na sua obra “Preconceito Linguístico: o que é e como faz”, o autor explica as causas e efeitos deste mecanismo, do qual se origina uma forma de exclusão social. A partir de oito tópicos, no primeiro capítulo, o autor desmistifica o preconceito linguístico, e então expõe suas consequências. Por fim, o Linguista explana como combatê-lo, finalizando a explicação do preconceito que tem como alvo a linguística e os linguistas. Bagno posiciona-se parcialmente quanto ao tema, por crer que falar a respeito de preconceitos linguísticos exige uma forma política, ou seja, o autor busca promover um pensamento crítico a respeito da intolerância linguística.
Segundo o autor, existem diversos “pré-conceitos” inseridos na sociedade, que estão ligados à confusão criada, ao longo da história, entre Língua e Gramática Normativa. O primeiro mito citado é: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. O autor argumenta em favor da homogeneidade cultural e linguística brasileiras. E, ainda, afirma que este mito é muito prejudicial à educação, pois não reconhecer a diversidade da língua brasileira significa impor uma norma linguística aos que não possuem contato com essa realidade, fazendo com que sejam considerados inferiores por este mesmo motivo.
O segundo mito refere-se à ideia de que “brasileiro não sabe falar português”, assumindo que a língua portuguesa “verdadeira” é apenas falada em Portugal. Para Bagno, esta ideia, admitida até por estudiosos e escritores, é incorreta, pois as duas línguas são distintas. O autor esclarece que o português brasileiro já não tem sua forma oral como no período do Brasil Colonial, mas que a gramática normativa impõe uma escrita como tal. O linguista, ainda, afirma: “Assim como nós aqui cometemos nossos ‘pecados’ contra a gramática normativa, os portugueses também cometem os deles, só que, mais uma vez, diferentes dos nossos” (p. 30).
No terceiro mito, “Português é muito difícil”, Bagno explica que essa afirmação é incorreta, pois todo indivíduo aprende sua língua nativa desde criança, conhecendo suas regras. Segundo o autor, a causa desse mito é a diferença da língua oral, influenciada pela região, cultura e grupo social; da língua escrita, baseada na Gramática Normativa (com influência do português falado em Portugal).
O quarto mito é o de que ”As pessoas sem instrução fala tudo errado”. O autor afirma que há uma tendência natural de modificações da língua oral, e, defende que o ensino, ao invés de ridicularizar pessoas que usam formas diferentes em sua língua oral, deve contribuir para que se aprenda a forma padrão, como uma adição, não como uma abolição de suas variedades.
O quinto mito remete novamente à ideia de que o português falado em Portugal é “correto”, pois dizer que “O lugar onde melhor se fala o português é no Maranhão”, por ser mais próximo da linguagem dos portugueses. O autor afirma: “É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o ‘melhor’ ou o ‘pior’ português e passar a respeitar igualmente todas as variantes da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura” (p. 47).
O sexto, preconceito analisado por Bagno é a tendência de considerar a norma convencional do português brasileiro como o único correto. Dizer que “O certo é falar assim porque se escreve assim” é supervalorizar a linguagem escrita e desprezar a linguagem oral, que possui variedades, para o autor, é uma forma de preconceito.
O sétimo mito é o de que “É preciso saber gramatica para falar e escrever bem”, segundo o autor, esta afirmação é equivocada, porque não obrigatoriamente estas duas condições devem estar relacionadas, Bagno diz: “Afinal, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e bons escritores seriam especialistas em gramática” (p. 57).
O oitavo e último mito parte da ideia “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social” relaciona a língua a um instrumento político. O autor trata o tema ironicamente, dizendo: “Se o domínio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país, não é mesmo?” (p. 64). Segundo o autor, as questões das diferenças de classes não podem ser resolvidas apenas com o ensino de uma língua padrão, pois estas questões estão ligadas às relações de poder existente no país, para o autor, acreditar em tal mito somente pode ser ingenuidade ou cinismo.
No segundo capítulo, “O círculo vicioso do preconceito linguístico”, o autor explica que os mitos apresentados no capítulo anterior são pressupostos em nossa sociedade por um mecanismo do preconceito linguístico e demonstra como vários profissionais colaboram para a manutenção dessa prática de exclusão.
O autor, no terceiro capítulo, “A desconstrução do preconceito linguístico”, tem por objetivo descaracterizar e desfazer o preconceito linguístico. Bagno oferece uma maneira de se reverter essas questões, com sete passos, intitulados: “Reconhecimento da crise”, “Mudança de atitude”, “O que é ensinar português?”, “O que é erro?”, “Então vale tudo?”, “A paranóia ortográfica” e “Subvertendo o preconceito linguístico”. Neste último subcapítulo, por exemplo, o autor busca a subversão do preconceito linguístico, sugerindo medidas a serem tomadas pelos professores. A primeira medida, segundo ele, é a tomada de consciência deste problema e, a segunda, modificar o ensino, em prol de uma posição produtora de conhecimento. O autor, ainda, apresenta as dez cisões – sínteses dos pontos elucidados ao longo de sua outra obra “Para um ensino de uma língua não (ou menos) preconceituoso”.
No quarto e último capítulo de seu livro, Bagno retrata o preconceito contra a Linguística e os linguistas. Segundo o autor, o estudo da língua sofreu mudanças de perspectivas ao longo do tempo. O autor diz: “A linguística moderna, ao encarar a língua como um objeto passivo de ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios científicos, devolveu a língua ao seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que apresentavam a língua como um valor ideológico” . Assim, Bagno assume a Linguística, assim como toda ciência, como um campo de “surpresas e descobertas”, ou seja, um campo da substituição de paradigmas e reformulação da critica das teorias.
Marcos Bagno utiliza uma linguagem de fácil compreensão para se tratar do preconceito linguístico, esta ferramenta abrangente auxilia no seu objetivo de “perpetuar os mecanismos de exclusão social” (p. 12) e produzir uma reflexão a respeito do assunto em seu leitor. Acredito que Bagno realmente atinge sua intenção. O primeiro mito citado pelo autor, “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, podemos exemplificar com a linguagem existente no mundo virtual – os “memes” (referindo-se ao fenômeno de "viralização" de uma informação, acompanhada de uma crítica ou piada). Na grande maioria dos “memes”, a linguagem é tomada por características orais e não da Gramatica Normativa. Isto não impede a realização da crítica ou piada existente naquele contexto, muito pelo contrário, sem estas características o intuito não seria concluído. Como Bagno afirma, o Brasil é um país extenso demais (culturalmente e regionalmente) para acreditar que há possibilidade de todos falarem de uma mesma maneira. Dessa forma, não há como referir-se à linguagem como “certa ou errada” ou “bonita ou feia”, pois essa variedade é real e perceptível. A questão é, até quando vamos discutir se o “certo” é “bolacha” ou “biscoito” ao invés de deixar-se valorizar a nossa diversidadelinguística? A resposta para tal se encontra no livro de Marcos Bagno: “2) aceitar a ideia de que não existe erro de português. Existem diferenças de uso ou alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa,7) Respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, porque 8) a língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos. Nós somos a língua que falamos”. 
Isméria Silva Prado

Continue navegando