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mia caracterizada preponderantemente pelas relações ju- ridicas e prestação de serviços. o legislador buscou dotar justamente essas pretensões de ações, genericamente con- cebidas, com instrumentos jurisdicionais flexíveis.por isso capazes de adaptarem-se às exigências de cada direito material formador do objeto litigioso do respectivo proces- so". A seguir, distingue-nos o consagrado processualista com a seguinte observação: "não são diversas, aliás, as oportunas e corretas observações de KazuoWatanabe, prin- cipal inspirador desse preceito legal, feitas em seus comen- tários ao Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), cuja leitura se recomenda (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, Forense Universitária, 1991)."51 Conceito de cognição e motivação Capítulo 3 Arespeito da cognítio no direito romano, BiondoBiondi fornece as seguintes informações de relevo: a) O verbo cognoscere é certamente mais antigo que o substantivo cognitio, sendo relativamente recente o uso deste último em matéria juridica; é a partir de Cicero que o verbo e o substantivo são usados com mais freqüência nas fontes juridicas; b) Cognitio e cognoscere indicam fundamental- men~e, "emharmonia com seu Significadoordinário, a per- cepçao e o acertamento dos fatos e sua relevânciajuridica, como premissa de um provimento que alguém é solicitado a emitir"; c) Após o l século a.C., aparece bem clara em vários textos a distinção entre o fundamento intelectivo do 11. A cognitio no direito romano Sumário: 11. A cognitio no direito romano - 12. Conceito de cognição: 12.1 Seu caráter prevalen- temente lógico: 12.2 Componentes de caráter não- intelectual- 13. Cognição e avaliação eqüitativa dos fatos - 14. Cognição e aperfeiçoamento cultural dos juí~e~: direito à "cognição adequada" e o princípio do~U1z natural - 15. Cognição e motivação. obriga- tOriedade da motivação e o princípio do juiz natural. ~ I' I IKazuo Watanabe52 / provimento e seu conteúdo dispositivo ou decisório; d)Com o passar do tempo, o significado genériCOdos vocábulos evolui para significados mais técnicos, podendo ser menci- onados: 1. aquele relativo à atividade cognoscitiva e valorativa do pretor no processo per formulas; e 2. um mais dificil de definir, quando a cognitio passa a designar o pro- cedimento todo, nele compreendido o ato decisório que o conclui, e de modo específico só os procedimentos que hoje qualificamos de jurisdiCionais (emmatéria civil e penal), e entre eles tende a designar aqueles em que omagistrado, o imperador, o funcionário imperial ou o Senado emitiam de própria autoridade o pronunciamento definitivo; e)A ativi- dade do magistrado e mesmo do juiz, no processo ordiná- rio per formulas, vinha freqüentemente qualificada pelos vocábulos cognoscere e cognitio, mas o termo cognitio não servia jamais para indicar todo o procedimento diante do magistrado e o procedimento diante do juiz; f) O alarga- mento do significado de cognitio. a ponto de abranger o processo todo, coincide com o surgimento e desenvolvimen- to, durante o principado, de novos institutos processuais, que a doutrina romanística costuma denominar extra ordinem e que permitiam a decisão direta de uma contro- vérsia ou a aplicação direta de uma pena da parte do im- perador, do Senado, dos magistrados ou de funcionários imperiais; g)Apropósito doprocesso per legis actiones, não consta se falasse em cognitio ou em cognoscere, embora seja induvidoso que nele ocorriam acertamentos, não so- mente por ato do magistrado como também do iudex ou do arbiter: as fontes aludem a esses vocábulos em tema de processo per formulas. em relação não somente ao magis- trado, que iudicium dabat, como ao órgão judicante; h) O magistrado, apesar da entrega da função de decidir a um outro órgão, tinha certo poder de acertamento; no tocante ao conteúdo da fórmula, a atuação do magistrado diZia com a enunciação dos termos da controvérsia e com a fi- xação do encargo e poder do juiz; em geral, os esquemas das fórmulas eram em grande parte preestabelecidos pelo pretor e tornados públicos mediante o Edito, de sorte que as integrações e as adaptações pedidas em concreto e, com maior razão, as novas fórmulas propostas pelas partes, deviam obter .a aprovação do magistrado, cujo decreto (iudicium dare) era o pressuposto da litis contestatio e do sucessivo juízo, notando-se assim claramente o exercício da cognitio: demais, no Edito do pretor e nos escritos dos juristas, causae cognitio e causae cognita indic'avam não somente mero acertamento dos fatos e das situações im- portantes para a decisão, conforme davam a entender as fontes literárias, mas também a valorização discricionária da oportunidade de prover num sentido ou noutro; o pretor concordava com o iudicium não somente quando encon- trava a correspondência da fórmula pedida em concreto com um dos esquemas editais ou com os princípiOSdo di- reito vigente, mas tambêm quando considerava justo e oportuno, de sorte que ele podia non dare ou denegare um iudicium desejado, combase em princípios vigentes e, vice- versa, podia provar uma fórmula não correspondente a nenhum esquema ou introduzir na fórmula, a favor do réu, uma exceptio não contemplada no Edito; através da cláu- sula causae cognita, o pretor se reservava uma esfera de avaliação discricionária, que lhe permitia examinar em concreto, temperando a eficácia vinculante do Edito e dos esquemas nele previstos em abstrato; i) Também o juiz aparece nas fontes comos~eito de um cognoscere: era ele vinculado á fórmula e somente a mesma podia conferir-lhe esfera mais ou menos ampla de avaliação discricionária; na época clássica, tudo se resolvia pelo conteúdo da fór- mula, segundo ela pusesse o juiz diante da simples alter- nativa de responder sim ou não ("siparet condemnato, se non paret absolvito"), ou deixasse a liberdade de determi- nar a medida de quanto o autor pretendesse através da intentio Úlcerta,cuja elasticidade podia ainda ser acrescida com a invocação da ftdes bona. ou lhe permitisse, enfim, graduar, com base em critêrio próprio, a medida da conde- nação do réu através da condemnatio in bonum et aequum; a essência do cognoscere dojuiZ consistia, além de escutar os argumentos das partes (ou de seus advogados), em re- ceber e avaliar as provas; nessa atribuição, que não en- contrava correspondência na cognitiodomagistrado, ojuiz 55Da Cogniçãono ProcessoCivil ._~ Kazuo Watanabe54 era verdadeiramente livre de vínculos, qualquer que fosse o teor da fórmula. uma vez que nenhuma norma prescre- via quais provas considerar e nem como avaliá-las; j) O magistrado não exauria seu oficio em superintender a ins- tauração de um regular juízo, ou seja, no iudicium dare iudicareve iubere: ele tutelava uma parte no confronto com a outra também com provimentos autônomos, que podiam dar lugar, eventualmente, a um processo ordinário com regular juízo (interdicta, stipulationes praetoriae, bonorum possessiones, missiones in possessionem ou in rem e restitutiones in integrum): todos esses provimentos ofere- ciam largo campo â cognitio, do magistrado; a princípio, decidia discricionariamente, â luz das circunstâncias, quan- to â oportunidade e ao teor específico do provimento: de- pois, fixados os tipos através da praxe, inseria no Edito os esquemas dos provimentos, limitando a própria discriciona- ridade, ainda que não a anulasse por inteiro; tornou-se, então, objeto da cognitio, sobretudo o acertamento dos pres- supostos aos quais a cláusula edital subordinava a emis- são do provimento; 1)O significado mais amplo, e de certo modo mais técnico da cognitio foi atingido com a institui- ção de novos procedimentos, tanto em matéria civil como em matéria penal, depois do início do principado; em ma- téria civil, quando não ocorria o acordo das partes, nem sua presença contemporánea em juízo, as característicasdos procedimentos consistiam em tornar possível uma sen- tença, e, além disso, o próprio magistrado ou funcionário imperial podia examinar o mérito da causa e pronunciar a decisão; precisamente esta última característica influiu na adoção do termo cognitio em sentido mais amplo e mais específico; tratava-se, em verdade, de procedimentos em que por antonomásia o magistrado ou o funcionário co- nhecia da causa, cumprindo não somente os acertamentos preliminares ou de avaliação da oportunidade de autori- zar, ou não, o juízo. como também assumia e avaliava as provas, julgando o mérito; a inobservância de alguns prin- cípios fundamentais do processo per formulas explica as expressões extra ordinem e iudicia extraordinaria: m) A 52. Verbete "Cognitio". Novissimo digesto italiano. A respeito elo tema, cf.. th., Francesco eleMartino. La giurisdizione nei diJittq romano, p. 197 e ss.; Sérgio Costa. I'rr-!filo storico dei processo civile romano, p.139 e ss. 53. Comentários, cit., v. I, p. 95. involução do processo per formulas e sua final absorção pelo novo procedimento determinam uma ulterior difusão do termo cognitio, mas ao mesmo tempo este termo vem, a desfigurar-se, pois resultou praticamente em sinônimo de judicium e de causa: contudo, remanesce sempre em cognitio a alusão ao aspecto cognoscitivo e acertativo dá atividade judiciária, de modo que poderia continuar a indicar, tam- bém, as simples investigaçôes probatórias; mas os proces- sos de natureza puramente executiva não foram chama- dos de cognitiones.52 Tem-se aí uma síntese bastante expressiva do signi- ficado, origem e evolução do vocábulo cognitio, em matéria jurídica, no direito romano. Também hoje o termo "cognição" é empregado para designar o próprio processo, e não apenas a atividade do juiz. Nesse sentido é que se usa a expressão "processo de conhecimento" ou "processo de cognição" (V. supra, nº 7). Mas o termo é utilizado também para indicar a natureza da atividade do órgão judiciário e é nessa acepção que será analisado ao longo deste trabalho. Critica Pontes de Miranda a sinonímia entre "cogni~ ção" e "conhecimento", advertindo que isso equivaleria a não distinguir "descobrimento" de "descoberta". 53 A ver- dade, porém, é que a equiparação é de uso correntio e pouco alcance prático haveria em se estabelecer a dife- renciação. Mesmo examinando-se o resultado, que seria a descoberta, haveria sempre a necessidade de se exanÚ- nar o iter que o antecede, que é o descobrimento, e vice- versa, e no estudo da "cognição" interessam ambas as perspectivas. Relevância maior está na distinção entre cognição como iter ou mecanismo e como resultado, e ó 57Da Cognição no Processo CivilKazuo Watanabe56 12. Conceito de cognição 12.1 Seu caráter prevalentemente lógico Acognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações 59 e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as ques- tões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento dojudicium, do julgamento do objeto litigioso do processo. "Ojuízo - observa FredericoMarques - é fruto e resul- tado, sobretudo, da cognição dojuiz, o que vale dizer que o elemento lógico e intelectual constitui o seu traço predo- minante e fundamental". E acrescenta: "Aimperatividade do julgado se subordina sempre ao ato de inteligência que o precede e lhe dá substância, visto que provém das inda- gações realizadas pelo órgãojurisdicional para investigar e resolver a respeito das questões jurídicas de fato focaliza- das no processo". 56 Chiovenda ressalta bem o caráter lógicoda cognição quando observa que, "antes de decidir a demanda, realiza o juiz uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada e, pois, para declarar existente ou não existente a vontade concreta de lei, de que se cogita".57 O caráter prevalentemente lógicoda cognição é também anotado por Liebman.58 Procura-se reduzir a atividade do juiz. didaticamen- te, ao esquema de um silogismo, no qual a regra jurídica abstrata constituiria a premissa maior, os fatos represen- tariam a premissa menor e o provimento do juiz seria a conclusão. A cognição abrangeria a premissa maior e a premissa menor, sendo assim um mecanismo preparador da conclusão última, vale dizer, do provimento do juiz. A operação lógica do juiz, porém, é de ordinário bem mais complexa que esse esquema teórico, como lembra Calamandrei. Quase sempre "son múltiples los puntos de derecho y de hecho a resolver,y antes de llegar a la decisión definitiva eljuez debe a mcnudo pronunciar una cantidad de decisiones prejudicialcs e interlocutorias, en las cuales 56. Irtstiluiçôes de dir. pro<:. civi~ v, m. !3 450, p. 4. 57. Instüuiçôes, cit.. v. 1, nº 37. pp. 253-254. 58. Execução e ação executiva, Estudos sobre o processo civil bra- sileiro, com Iwtas de Ada Pellegrini Grinover, p. 43. Da Cogniçãono Processo CivilKazuo Watanabe 54. A respeito dos vocábulos gilldizio, juízo, judicium cf. a nota 1, de autoria de Cãndido R. Dinamarco, à tradução brasileira de Manuale di diIitto processuale civile, \, de E. T. Liebman. Mos- tra o autor a utilização do voec"\bulojudicium tanlbém no sen- tido de processus e esclarece que a palavra é "bastante em- pregada tanto para designar a atividade cognitiva, quanto o mecanismo mediante o qual essa atividade se desenvolve, ou seja. o processo de conhecimento" (pp. 3-4). 55. A palavra decisum pode ser utilizada como sinônima de judi- cium, de julgamento ou de sentença. É nesse sentido que será empregada ao longo deste trabalho. Mas o vocábulo "deci- são", que se origina de "decisio". é empregado, às vezes. na acepção de sentença. de juizo, e outras vezes de resolução de mera questão de ü1toou eledireito (é o signillcado que o legis- lador do CPC de 1973 faz constar do art. 162, !3 2º. que fala em "decisão interlocutória", do art. 469, 111, "decidida incidentalmente no processo" e do art. 471 - "questôes já de- cididas". O art. 470 prefere falar em "resolução da questão prejudicial". Liebman (Manual, cit.. !3 80. pp. 170-171) distin- gue entre "resolver" e "decidir", usando apenas o primeiro verbo quando se trata de solução de questôes de mérito, e não do próprio mérito. Cândido Dinamarco também prefere falar em "resolver" ou "solucionar" quando se refere ãs ques- wes de mérito. mas admite dizer que tais questôes "são deci- clidas útcidenter tantum" (O conceito de mérito em processo civil", RePr'o, v. 34. nº 10. p. 36). o mesmo ocorrendo com FazzalaIi (lstüllzione, cit., p. 54). Ada Pellegrini Grinover em- prega o vocábulo cognitioem contraposição ao iudicium como se infere da seguinte passagem: "Mas o nexo de prejudicialidade, na declaratória incidental, operando através da cognição incidental. não se limita. como na apreciação útcidenter tantum ã cognüio: estende-se pelo contrario ao illdicitun (Ação declaratória útcidenta~ p. 27). 58 ato conseqüente, que é ojudicium (juízo)540U o decisum,55 isto é, o julgamento. 12.2 Componentes de caráter náo-intelectual 59. La génesis lógica de la sentencia civiLEstudios sobre elproceso civil, n. 28, p. 416; cf.. tb .. RogéIio LauIia Tucci, CW'so de dir. processual- Processo civil de conhecimento 11, pp. 18-21; Adroaldo Furtado FabIicio, A ação declaratória incidental, p. 13. 60. Manual, cit.. nº 78, p. 167. 61. P. Calamandrei, Proceso y democracia, p. 129; MicheleTaruffo, La rnotivazione delta sentenza civUe, p. 57. con las cuestiones de mérito se alternan las cuestiones procesales". Demais, a operação lógica, "tal como se desarolla en la realidad en la mente de cada juez, no se produce através de una sucessión de fases netas y separa- das, similares a las que yo he clasificado, ya que en el pensamiento vivo, que se rebela a toda anatomia aquéllas se alternany se compenetran de un modo inconsciente e irreguIar". 59 61 62. Eduardo J. Couture, Ftuldamentos dei dereclw procesal civU: "Luego de cuanto hemos dicho. no parece dificil admitir que la sentencia no se agota en una operación lógica. La valoración de la prueba reclama. además dei esfuerzo lógico. Ia contIibución de las máximas de experiencia, apoyadas en el conocimiento que el juez tiene dei mundo y de las cosas. La elección de la premisa mayor, o sea la determinación de la nonna legal aplicable, tampoco es una pura operación lógica, por cuanto reclama ai magistrado algunos juiclos hlstóIicos de vigencla o de derogaclón de las leyes, de coordlnaclón de ellas, de detenninación de sus efectos. La lógicaj uega un papel preponderante en toda esa actividad intelectual: pero su li.mción no es exclusiva. Ni el juez es una máquina de razonar ni la sentencia una cadena de silogismos. Es. antes bien. una operación humana de sentido preferentemente cIitico. pero en la cual la Ii.mción más importante incumbe ao juez como hombre y como sujeto de voliciones. se trata. acaso, de una sustitución de la antigua logicldad de carácter puramente dominantemente lógico, entram também inúmeros outros fatores, como o psicológico, volitivo, sensitivo, vivencial, intuitivo, cultural, e outros mais, como ficoubem claro na observação de Liebman, acima mencionada, e é ressaltado também por Couture. 62Assim é que, não raro, são diferen- tes, por exemplo, no julgamento de uma ação de indeniza- ção por acidente automobilistico, a conclusão de um ma- gistra.do que sabe dirigir e o pratica diariamente, e a solu- ção de um outro magistrado que jamais dirigiu um veícu- lo, pois a avaliação dos fatos depende de inúmeros conhe- cimentos prévios a respeito das circunstâncias que ordi- nariamente cercam um acidente. Aquele primeiro juiz é capaz de examinar o caso dentro do contexto global, consi- derando o que a experiência lhe sugere (fluxode veículos, ritmo de circulação, hábito dos motoristas, sistema de si- nalização etc.), enquanto o segundo será certamente leva- do a equacionar o caso e a solucioná-lo na conformidade do critério abstrato e teórico que o estudo do sistemajurí- dico lhe proporcionou. Vários outros exemplos poderiam ser mencionados, no campo da avaliação dos fatos ou no âmbito da interpretação das normas jurídicas, mas seria isso despiciendo, pois se trata de verdade de percepção até intuitiva. Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe60 o silogismo final, observa Liebman, é a sintese de outros numerosos silogismos, juizos de classificação e acertamentos de caráter histórico que o preparam, resol- vendo pouco a pouco os vários pontos de fato e de direito relevantes para a causa. Em passagem seguinte, traz uma observação bastante esclarecedora da atividade do juiz nessa fase preparatória da conclusão última, que é o pro- vimento; essa atividade, diz ele, "é muito mais complexa e compreende momentos de decisiva importância que não são de simples dedução lógica e sim de intuição e de con- creta apreciação do caso, nos quais influem de maneira mais ou menos consciente, critérios de experiência, de opor- tunidade e dejustiça, inspirados nas condições históricas, económicas e políticas da sociedade".60 Na verdade, o que ocorre na maioria das vezes é o juiz sentir primeiro a justiça do caso, pelo exame das ale- gações e valoração das provas, e depoiSprocurar os expe- dientes dialéticos, que o caso comporta e de que ele é ca- paz, para justificar a conclusão. 61 E nesse iter, embora pre- 13. Cognição e avaliação eqüitativa dos fatos deductivo, argumentativo. conc1usional. por una logicidad de carácter positivo. determinativo. detlnitório". E acrescenta: "Los múltiples problemas que la vida pone diariamente frente a cada uno de nosotros. se dan cita también en el instante en que el magistrado. sin despojarse de su condición de hombre. examina los hechos. detennina el derecho aplicable y extrae la conc1usión". "No conviene - prossegue - exagerar este último aspecto de la sentencia: pero tampo co conviene desentenderse deI hecho de observación experimental. y más de una vez confesado por los jueces. de que en último término ellos aspiran en sus fallos a hacer una obra de justicia más que una obra de lcgalidad lannal. 'Cuando una solución es justa. decía un magistrado. raramente faltan los argumentos juridí- cos que la puedan motivar'. El buen juez siempre encuentra el buen derecho para hacer justicia" (n. 182. pp. 288-289). 63. Liebman, Manu.al cit., n2 81, p. 177. 63 14. Cognição e aperfeiçoamento cultural dos juizes, direito à "cognição adequada"e o prin- cípio do juiz natural Desponta, assim, o problema da seleção, formação e aperfeiçoamento dos juízes, comocondiçãonecessária para se atingir o ideal de justiça. A complexidade crescente das relações sociais; as transformações sociais rápidas e pro- fundas; o emaranhado das leis que privilegiam.não raro. mais a "visão tecnocrática do direito, como um mero viabilizador de projetos, em que uma ética de eficiência obscurece os demais valores jurídicos, como a justiça, a eqüidade, o bem-estar social";65a economia de massa, sua 64. Idem. pp. 177-178. 65. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. A Nova República. Jornal da Tarde. 02.01.85. p. 7. A respeito. tb .. KazuoWatanabe. Assis- tência judiciária e o juíZado especial de pequenas causas. Juizado Especial. cit.. p. 162. e José Eduardo Falia. Legalida- de e legitimidade. Revista de lriforrnação Legislativa do Sena- do Federal, n2 86, abr./jun. 1985. controversa", e cita exemplos para demonstrar que em al- guns casos "éimpossívela formulação de uma regra abstra- ta, nada mais podendo a lei fazer do que indicar critérios diretores, aos quais deverá ater-se o juiz para formular uma regra jurídica concreta que, à vista das circunstâncias do caso, seja conforme com ajustiça".64 A avaliação.eqüi- tativa, portanto, pode dizer respeito, também. ao correto enquadramento dos fatos aos critérios estabelecidos pelo legislador. commargem de liberdade na atuação dojulga- dor. Isso, no campo da formulação da regra jurídica do caso concreto. A importância acima mencionada, porém, diz respeito à própria avaliação eqüitativa das provas e dos fatos, ainda no plano da reconstituição dos fatos relevantes para o julgamento da causa, antes, portanto. da tarefa de enquadramento dos fatos às normas jurídicas. Semelhante modo de estabelecer a cognição supõe, necessariamente. um julgador com os predicamentos adequados. Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe62 Na solução de qualquer problema, seja jurídico ou matemático, o fundamental é montar a equação correta- mente. Na equação do problema jurídiCO,o dado de direito é, evidentemente, de grande importância, mas relevância superlativa tem o dado fático. Analisar bem as provas, ava- liando corretamente os fatos, não se deslembrando o juiz, jamais, da advertência alhures feita de que "o profissional do direito Guiz,advogado ou promotor) não se deve enver- gonhar de lidar com os fatos, pois o direito nasce dos fa- tos", ê condição fundamental para a prática da justiça. Quando se fala emjulgamento por eqüidade, pensa-se logo no dado jurídiCOda equação, em afastar o rigor da norma jurídiCa,substituindo-a ou temperando-a com os princípiOS extraíveis "do senso ético-jurídico difuso na sociedade do seu tempo", que é o critério da eqüidade. 63Mas é no outro dado da equação - vale dizer, na reconstituição dos fatos através da avaliação eqüitativa das provas e demais ele- mentos de convicção - que ojuiz consegue, na maior parte das vezes, o que se costuma denominar de julgamento jus- to e equânime. Liebman alude a "poder análogo" ao dojuí- zo de eqüidade, "embora não idêntico, para a determina- ção discricionária de alguns elementos da relação jurídica conílituosidade e geração de conflitos de configuração supraindividual; os choques de valoresculturais decorren- tes do impacto das informações transmitidas pelos meios de comunicação sofisticados; a comunidade sócio-cultural por vezes sem opreparo suficiente que lhe permita selecio- nar criticamente a massa assistemática de informações - uma causa a mais de desajuste social, tudo isso, em suma, e outros fatores mais, estão a exigir a atualização perma- nente dos magistrados. Não foi, aliás, com outra preocupação que a Consti- tuição Federal (art. 93, lI, c)estabeleceu, como uma norma a ser observada pelo Estatuto da Magistratura, a "aferição do merecimento pelos critérios da presteza e segurança no exercício da jurisdição e pela freqüéncia e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento", preceito que consta também da LeiOrgânica da Magistratura Nacional (LeiComplementar 35/79), no art. 87, ~ lQ. Esse aperfeiçoamento deve ser feito não somente em disciplinas técnico-jurídicas, como também em outras dis- ciplinas afins, prinCipalmente em economia, sociologia, política e psicologia, em nível que lhes propicie, ao menos, o suficiente para ter a visão global do momento histórico e do contexto sócio-econômico-cultural em que atuam. A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julga- mento justo, a sensibilidade mencionada é um elemento impostergável. Não seria, certamente, um exagero afirmar- se que o direito ã cognição adequada faz mesmo parte do conceito menos abstrato do princípio dojuiznatural. Quan- do no sistema anglo-saxão, nos primórdios do constitucio- nalismo, se insistiu no direito ao julgamento "pelos seus pares", pelos "homens honestos da vizinhança", já se intuía o direito à cognição e julgamento pelos juízes que, inseri- dos na mesma realidade social, tivessem a sensibilidade -- ---_._~-- necessária para avaliar em toda a dimensão a conduta do acusado. 66 65 15. Cognição e motivação, obrigatoriedade da motivação e o princípio do juiz natural 66. Ada Pellegrtni Grtnover. O prtncípio do JUiz natural e sua du- pla garantia. O processo em sua wlidade - lI. pp. 3-40. e aulas sobre a unidade Prtncípio do JUiz natural, da disciplina Pro- cesso constitucional, do curso de Pós-Graduação da Facul- dade de Direito da USP. 67. A autoridade da coisa julgada e a imutabilidade da motivação da sentença, nº 22. pp. 45-46. 68. Ob. cit.. pp. 30 e 57. A cognição está voltada à produção do resultado fi- nal, que é a decisão ou o provimento jUrisdicional.Ao lon- go do iter percorrido, o magistrado enfrenta e resolve inú- meras questões de fato e de direito, e o esquema do silogismo final e os aspectos mais importantes para a jus- tificação lógica da conclusão última devemficar expressos na "motivação". A natureza da motivação, anota Botelho de Mesqui- ta, "ê a de um juizo lógicoque reproduz na sentença a con- clusão formada na mente dojuiz sobre o material da cau- sa", e sua função "é a dc dar vida às condições necessárias à resolução da lide, ou, mais especificamente. à prolação do comando". 67 Araújo Cintra, acompanhando Taruffo, 68 conceitua a motivação como "um discurso, ou seja, um conjunto de proposições ligadas entre si e inseridas num contexto au- tonomamente identificável" e enuncia a intencionalidade como sua característica. "como um discurso destinado a justificar racionalmente o ato motivado". E anota que não se deve "confundir a motivação com a mera descrição do iter psicológico ou lógico do agente público para chegar a uma determinada decisão". cabendo constatar "que não há, nem é desejável que haja. coincidência entre aquele Da Cognição no Processo CivilKazuo Watanabe64 69. Motivo e motivação de alo administrativo. lese de concurso, 1978. pp. 114-116. 70. Processo y democracia, cit.. pp. 116-117. üere o conteúdo da motivação". E acrescenta: "Realmente, por um lado a motivação expIime mais do que o iter em causa, no sentido de que este contém elementos intuitivos que apenas se desenvolvem analiticamente, de forma ra- cional, através da motivação que, além disso, compreende os argumentos retóricos própIios da justificação sem fun- ção heuIistica, por outro lado, a motivação expIime menos do que aquele iteropois muitas vezes não conterá hipóteses rejeitadas na formação da decisão, nem poderá fazer refe- rências aos elementos inconsistentes que participam da- quele processo, o que de resto consistiIia apenas numa explicação do ato, em função do seu agente, mas não na sua justificação, que ensejaIia o seu controle racional, ju- rídico e político".69 Calamandrei destaca a importáncia da motivação, que na Itália é constitucionalmente prevista como garan- tia das partes (art. 111). Acentua que cumpre ela váIias funções e dentre elas a mais estritamente jurídica é a de "poner a las partes en condición de verificar si en el razo- namiento que ha conducido el juez a decidir en determi- nado sentido pueden descubrir-se alguno de aquellos defectos que dan motivos a los diversos medios de im- pugnación". 70 Taruffo anota que a formulação expressa, em sede constitucional, do pIincípio da obIigatoIiedade da motiva- ção dos provimentos juIisdicionais, antes de mais nada, "esime daI demostrare che esso fa parte delle garanzie fondamentali di naturaljustice". E acrescenta que o plincí- pio em exame "manifesta un carattere essenziale di strumentalità, nel senso che la sua aplicazione costituisce una condizione di effettività di tali altIi plincipi sul piano della concreta amministrazione della giustizia". Esses outros pIincípios instrumentalmente conexos com o da obIigatoIiedade de motivação são o de indepen- 71. Ob. cil.. pp. 398-405. 72. Barbosa Moreira sustenta ser deduzível o direito à motivação "do art. 153. !'i 4º. como desdobramento necessário do direito de ação" IA n~otivação das decisões judiciaiS como garantia inerente ao estado de direito. Temas de dir. processual. pp. 83-95). 73. Ob. cit.. p. 399. 74. A respeito do princípio do juiz natural e do "devido processo legal". cf. José Frederico Marques, O art. 141, cil.. v. 2/13: Ada Pellegrini Grinover. As garantias constitucionais. cit.. !'i!'i 50-58. -p. 153-179: Kazuo Walanabe. Controle, cit., pp. 28-37. 67 dência do juiz, que assegura sua imparcialidade, o de su- jeição do juiz à lei e o de garantia da defesa.71 Entre nós, a motivação está hoje expressamente pre- vista na Constituição no inc. IXdo art. 93, que assim dis- põe: "todos os julgamentos dos órgãos do Poder JudiciáIio serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade ...". Não era explícita a Constituição (Emenda Constitucional de 1969)vigente à época da pu- blicação da 1ª edição deste livro, mas era inquestionável cuidar-se odireito à motivação de uma das garantias cons- titucionais do processo. Defluiaela comocoroláIio doprin- cípio do juiz natural, inscIito no ª 4º do art. 153, CF de 1969,72que por dellnição deve ser imparcial; e como bem acentua Taruffo, a imparcialidade deveser concreta: "ossia la neutralità deI giudice nei confronti di ogni singola controversia sottoposta alla sua decisione", e as partes devem ter a possibilidade de avaliá-la: "la decisione non é imparziale in sé, ma in quanto dimostIi di essere tale", e unicamente é "attraverso la motivazione che puõ essere rilevata la parzialità, e quindi garantita l'imparzialità".73 E decorre também do própIio conceito de "devido processo legal", assegurado no mesmo dispositivo constitucional ci- tado, certo é que essa cláusula não significa acesso a pro- cedimento de qualquer natureza, e sim a um processo que concretamente assegure às partes todos os meios neces- sáIios à efetiva realização judicial do direito.74 O direito de defesa, cornoé cediço, é componente necessáIiodo "devido processo legal"; e a obIigatoIiedade da motivação, como Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe66 75. Ob. cit., p. 401. E acrescenta: "Della garanzia della difesa viene cioê in evidenza nem tanto l'aspetto che Iiguarda la disponibilità per parti degli strumenti processuali. quanto l'aspetto che riguarda l'incidenza dell'llso di siffatti strumenti sul coiwincimento deI giudice. E chiaro. d'altra parte, che poco varrebbe garantire ane parti la possibilità d'impiego dei mezzi di difesa. se poi si consentisse al giudice, di fatto. il potere di non tener conto, in sede di decisione. di quanto Ie parti stesse hanno apportato aI "mateliaIe di giudizio". in fatto e in dilitto; non a caso. infatti. si individua nelI'ambito delIa garanzia generale delIa difesa un diritto delIe parti di inHuire sulla decisione. neI qllale Iientrano il diritto alIa prova, il dilitto ad interIoqllire sulle qllestioni reIevanti per la decisione, e cosi via" lpp. 401-402). 76. Theotonio Negrão menciona válios precedentes julispruden- ciais sobre a obligatoliedade da motivação: cf. notas 3a a 3t ao art. 165, notas 10a a 15a ao art. 458 e notas 7 a 9 ao art. 459. todos do CPC. in Código de Processo Civil anotado. observa Taruffo, constitui uma garantia de seu controle, não no sentido de que as partes de fato tiveram, ou não, a possibilidade de valer-se de todos os instrumentos postos à sua disposiÇão pelo sistema processual para o idôneo exercício de suas razões, mas sim "specialmente il fatto che ilgiudice abbia preso adeguatamente in considerazione le istanze e le allegazioni in cui l'esercizio deIdiritto di difesa si e in concreto manifesta to". 75 Na legislação ordinária, a obrigatoriedade da motiva- ção é explicitamente enunciada em vários artigos do CPC. O art. 131 diz claramente que o juiz "deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento", No art. 458, 11."os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito", são considerados um dos requisitos essenciais da sentença. E mesmo em relação às decisões que não sejam sentença ou acórdão, há exigência de fundamentação, "ainda que demodo conciso" (art. 165).76 Barbosa Moreira, após ressaltar a significação do dever de motivar no plano técnico, esclarece que, moder- namente, "vai-se llrmando a convicção de que o problema se põe, antes de tudo, no plano dos princípiOs fundamen- tais, de ordem pública", no contexto em que "avulta a idéia 77. Ob. e Ioc. cits. 69Da CogniÇãOno Processo Civil de garantia, servindo a motivação como elemento para afe- rição, in concreto, da imparcialidade do juiz, da legalidade da decisão e do direito "que têm as partes de ser ouvidas e de ver examinadas pelo órgão julgador as questões que houverem suscitado" e "de fazer valer razões em juízo de modo efetivo, e, por conseguinte, de reclamar do órgão ju- dicial a consideração atenta dos argumentos e provas tra- zidas aos autos". E, ao tecer considerações sobre o princí- pio da obrigatOriedade da motivação no quadro do Estado de Direito. traz colocações evidenciadoras da profundida- de ímpar com que trata o tema. Sustenta que, dentro do pensamento jurídiCOde nossos dias, a controlabilidade das decisões judiciais é propugnada não apenas no âmbito do processo (controle endoprocessual), mas sim também fora dele (controle extraprocessual), tornando possível um con- trole "generalizado" e "difuso" por parte dos jurisdiciona- dos in genere, de modo a permitir a percepção de falhas e defeitos que ameacem "potencialmente a todos", cabendo a cada qual, bem por isso, o direito de "ter acesso aos da- dos indispenSáveis para formar juízo sobre o modo de fun- cionamento do mecanismo assecuratório" da submissão de todos, inclusive do Judiciário, ao princípio da justifica- ção necessária no duplo momento (material e formal), de todo ato de intromissão na esfera jurídica das pessoas. A justificativa material está na existência do fundamento e a formal, na exposição, declaração e demonstração do fun- damento. Extrai essa colocação da caracterização do Es- tado de Direito como "Estado que se justifica" ("rechtsfer- tingender Staat"). Conclui o trabalho defendendo a neces- sidade de inclusão do princípio da obrigatOriedade da mo- tivação na Constituição Federal, 77 anseio atendido pela Constituição de 1988 no art. 93, nº IX. Essa visão, ao que nos parece, completa-se com a que expusemos no item 14, onde defendemos a cognição adequada como dado elementar do conceito menos abs- trato do princípio dojuiz natural e sustentamos, comomeio de se atingir a cognição adequada, o permanente aperfei- Kazuo Watanabe68 çoamento dos magistrados. Nesse enfoque, a cognição fim- cionaria como elemento necessária ao exercício do autocontrole do Judiciário, enquanto instituiÇão, pois é através do exame das motivações constantes das senten- ças que pode ele avaliar o nível de preparação de seus juízes. 70 Kazuo Watanabe Capítulo 4 Objeto da cognição: questões processuais, condições da ação e mérito da causa Sumário: 16. Trinômio de questões - 17. Questões processuais - 18. Condições da ação: 18.1 Teoria eclética da ação: 18.2 Teoria do direito abstrato de agir; 18.3 Diferenças teôricas e práticas das pers- pectivas concretistas e abstratistas; 18.4 Necessi- dade de conciliaçãodas posições contrastantes: 18.5 Coordenação entre direito e processo no plano lôgi- co - 19. Cognição e sua importáncia para a com- preensão do fenômeno da coordenação direito-pro- cesso - 20. Mérito da causa: 20.1 Considerações ini- ciais; 20.2 Mérito e objeto do processo. Pretensão processual de dupla direção (Cãndido Dinamarco); 20.3 Elementos objetivos dO'processo. objeto litigio- so e mérito (Celso Neves); 20.4 Mérito e pretensão objeto do pedido (Pontes de Miranda); 20.5 Mérito, objeto litigioso e objeto do processo; 20.6 Questões de mérito. 16. Trinômio de questões Em síntese expressiva, Cândido R. Dinamarco ob- serva que a cognição do juiz, no processo de conhecimen- to, tem por objeto um trinômio de questões, incluindo aque- 78. Utisconsórcio, nº 37, p. 187. 79. Do agravo de petição, n""36-40, pp. 81-90. 80. Maltuale di dir. prtxessuale civile, m. nº 386, pp. 143-145. 81. Utisconsórcio, cit.. nota 353. 82. Machado Guimardes. Caréncia de ação. Estudos de dir. proc. civil, nº 8. p. 99: Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Pressupostos e condições da ação, Rev. de Dir. I'roc. Civil, v. 6. pp. 5-11; Arruda Alvim, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, p. 264; Rogério Lauria Tucci, DoJulgamento coriforme o estado do processo, TI"" 33-39, pp. 71-81 (além do trinõmio, alude também a "outras questôes a serem igualmente decidida"); las sobre a regularidade do processo mesmo (v.g., os pres- supostos proéessuais), as que versam sobre as condições da ação e, finalmente, as questões de mérito". 78 O trinõmio é válido. em linhas gerais, também para o processo de execução e o processo cautelar, evidentemen- te com as especitlcações próprias que os diferenciam do processo de conhecimento. Neste trabalho, que tem por objeto apenas a cognição nas aplicações mais genéricas e comuns e constitui uma modesta tentativa de estudo sis- tematizado dessa técnica processual, não haverá espaço para perquiriçÕes mais particularizadas a cada modalida- de de processo. A teoria do trinômio, informa AlfredoBuzaid, substi- tuiu o binômio iudicium e res in iudicium deducta do primôrdio da ciênciaprocessual e também obinômiopressu- postos processuais e condições da ação da teoria da ação como direito concreto à sentença favorável. Pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa são ele- mentos desse trinômio. 79É a teoria defendida por Liebman, que no Brasil formou inúmeros discípulos e continua ain- da exercendo uma significativa influência.8o Cândido Dinamarco, seguindo Liebman, prefere falar em "questões sobre o processo,gênero do qual os pressupostos proces- suais seriam espécie.81 Grande parte dos processualistas pátrios adota a te- oria do trinômio. muito embora não haja uniformidade de entendimento quanto ao conceito e abrangência de cada unI dos termos.82 Vicente Greco Filho. Dir.proc. c..ivilbrasileiro, v. 2, nO39, pp. 151-154: Galeno Lacerda. Despacho salteador, pp, 57-98: Moacyr Amaral santos, Primeiras lilthas, cit.. v. 1, pp. 361- 366: Waldemar Martz de Oliveira Jr., Teoria. cit., v.l, pp.76- 78: Donaldo Annelin, Legitimidade para agir rw dir. proc. civil brasileiro, pp. 41-47: Ada Pellegrini Grinover. As condições da ação penal, pp, 30-32: João Baptista Lopes, Ação declaraló- ria. pp, 24-25: Walter Eduardo Baethgen, As "condições da ação. e o novo Código de Processo Civil. RF 251/15-26. 83. Em torno da condição da ação - a possibilidade jurídica, Rev.de Dir.Proc. Civil, v. 4, pp. 57-66: A ação no direüo processu.al civil, cit.; Condições da Ação, Enciclopédia. Saraiva de Direüo, v, 16, pp. 389-393, 84. Direüo subjetivo, cit., v. 29. pp. 99-129. 85. Da ação. cit.. pp. 110-128; Adroaldo Furtado Fabricio. em- bora mantenha a convicção de que a "possibilidade juridica do pedido" e a legüimatio ad causam sejam inseparáveiS do mérito, entende que, diante do "direito legislado., tornou-se irrelevante a sua opinião (Comentários ao Cód, I'roc. Civil, v. VIII. p. 393. nota 354). 73 Juristas há, entretanto, que não aceitam as chama- das "condições da ação" comocategoria autônoma, enqua- drando as questões assim rotuladas no âmbito do mérito da causa, como Calmon de Passos,83OvídioBaptista da Silva84e Fábio LuizGomes.85 Botelho de Mesquita, em razão da singular teoria da ação que defende, cujos traços fundamentais ficaram ex- postos (cf., nº 7.5, supra), põe como objeto da cognição e decisão do juiz quatro ordens de questões: a) as relativas ao direito à administração dajustiça (eliminaçãoda incer- teza sobre o dever do Estado de prestar a atividade jurisdi- cional); b) os pressupostos processuais (requisitos referen- tes à admissibilidade da pretensão à administração da jus- tiça, apenas matéria de natureza processual); c) as condi- ções de admissibilidade da ação (que não se confundem com condição da ação), requisitos referentes à admis- sibilidade da pretensão à atividade jurisdicional, abran- gendo tanto os aspectos processuais como os materiais do direito de ação; d) as relativas ao direito de ação, entendi- do como direito à atividade jurisdicional do Estado ("ativi- Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe72 17. Questões processuais No tocante aos pressupostos processuais, Cintra, Grinover e Dinamarco sustentam concepção restritiva: "a doutrina mais autorizada - dizem eles - Sintetiza esses re- quisitos nesta fórmula: uma correta propositura da ação, 86. Da ação civil cit.. ~~ 12 e 13. pp. 89-101. 87. Manual cit.. nO78. pp. 165-167. 88. A respeito da distinção entre "ponto" e "questão", cf.. entre outros Francesco Menestlina, La.pregiudiziale nel processo civile. n'" 30}, ,y 1. pp. ""i 37:'142: Francesco Carnelutti, Istituzione del jJrlxessociVile üaliano. v. 11,nO13, p. 12 (defme "questão"como "i!dubbio intorno a una ragione"): Ada Pellegrtni Grinover. Ação declaratória incidental, pp. 9-11: Cândido Dinamarco. O conceito de mérito em processo civil. RePro 34/25: Thereza Alvim. Questões prévias e os limites objetivos da coisa.julgada, pp. 27-29. 75 89. Teoria geral do processo. nº 163. p. 257. 90. A ação rw direüo processual civilbrasileiro. pp. 48-49. 91. Ob. e loc. cits. 92.0b. cit.. p. 57-75. 93.0b. e v. cits.. pp. 361-366. 94. Dir. processual civilbrasileiro. v. I. pp. 199-200. 95. Ob. cit., pp. 77-78. 96. Manual, cit.. V. I, nº 90. p. 114. 97. Ob. cit.. pp. 98-100. 98. Binômio. trinômio ou quadrinômio? RT 517/11-16. feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma enti- dade capaz de ser parte emjuizo". Reduzem a apenas três os pressupostos processuais: a) um pedido; b) a capacidade de quem o formula; c) a investidura do destinatário do pedido, ou seja, a qualida- de de juiz.89Acolhem, nessa colocação, a doutrina de Calmon de Passos,90que é apoiada por Bueno Vidigal.91 Autores há, porém, que preferem ampliar o elenco dos pres- supostos processuais, como ocorre comGaleno Lacerda, 92 MoacyrAmaral Santos, 93Lopesda Costa,94WaldemarMariz de Oliveira Jr., 95Frederico Marques prefere falar, simples- mente, em pressupostos "para a composição da lide e en- trega da prestação jurisdicional, visto que - sustenta o renomado publicista - ainda que faltem alguns desses pressupostos, nem por isso deixa o processo de caminhar para diante, ainda que sem atingir, muitas vezes, a sua fase final", e diz que "todos eles, em última análise, não passam de pressupostos de admissibilidade da tutela ju- risdicional para a composição da lide".96Botelho de Mes- quita também opta por elenco mais amplo.97 Em concepção peculiar, CelsoNevesreduz ao exercí- cio do direito de ação opressuposto processual único, ano- tando que a verificação da validade da relação processual, mediante cognição que o processo enseja, concerne a "su- postos processuais de que depende a subseqüente apura- ção dos requisitos mínimos para o exame do mérito que consubstanciam as chamadas condições da ação". Suge- re, â vista dessa colocação, o quadrinõmio "pressupostos processuais, supostos processuais, condição da ação e meritum causae". 98 Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe74 dade produtora de efeitos de fato e de direito, que o Estado exerce a favor dos destinatários da norma").86 Em cada um dos dados do trinômio. há sempre dois objetos distintos de conhecimento, que são o direito e os fatos. Às vezes, os fatos são considerados in statu assertio- nis (a respeito, nos itens que cuidam das condições da ação, n~ 18.1, 18.2 e 18.3, infra, o tema é abordado mais ampla- mente). Outras vezes, os fatos são submetidos à efetiva cognição. Sobre isso, diz Liebman, com muita proprieda- de: que a operação "tem caráter histórico, porque seu es- copo é descobrir a verdade relativamente às circunstân- cias de fato relevantes para a causa". A cogniçâo sobre a matéria de direito abrange, antes de mais nada, a regra jurídica em sua abstraçãõ e, em seguida, a valoração jurí- dica dos fatos, com o estabelecimento das conseqüências jurídicas aplicáveis ao caso concreto. Deveojuiz, prelecio- na Liebman, "escolher e individualizar as normas aplicá- veis ao caso, interpretá-las corretamente e, por Um,fazer a sua precisa aplicação concreta".S7O direito e os fatos po- dem aparecer na causa como pontos conhecidos e incon- troversos, ou a respeito deles surgir dúvidas e controvérsi- as, quando então receberão o nome de questões.88 Celso Neves distingue entre ação abstratamente con- siderada e ação exercida, que é ação "concretizada pela demanda da tutela jurídica processual". Em função desta 18. Condições da ação 18.1 Teoria eclética da ação 99. O conceito, cit., v. 34, nO 10/34-36. 100. Manual, cit., v. 1. nO74. pp. 153-160; v. nota nO106. de Cân- dido Dinamarco, pp. 160-161. Ao que se extrai da leitura da nova colocação, Liebman amplia o conceito de "interesse de agir" para nele incluir o que anteriormente denominava "pos- sibilidade jurídica". Afirma. com efeito, que faltaria o in- teresse de agir quando o provimento "não pudesse ser prote- rido, porque não admitido pela lei Ip. ex.. a prisão por díVi- das)" (p. 155). 77 101. Textos sobre Ação. cit., nº" 86-89, 99, 119 e 167-169. é que são concebidas as "condições da ação", que são a legitimatio ad tutelam (prefere essa expressão à legitima- ção ad causam, conceito que, em seu entender, se vincula à "res deducta - causa cadere: causa condemnare - que é elemento pré-processual. processualizado, e resta inCôlu- me se a carência é reconhecida"), interesse de agir epossi- bilidade jurídica do pedido. Ressalta quesão condições da ação exercida, "de cuja existência dependerá o exame do mérito", e a "carência da ação exercida", à falta de qual- quer dessas condições, não afeta o direito público subjeti- vo de ação, direito esse abstratamente considerado, mas cuja abstração não se confunde com a da ação exercida. Apesar de sujeita às condiçõese concretizada peloseu exer- cício, a ação que se exerceumantém caráter abstrato quan- to ao resultado do processo. Aseguinte passagem é impor- tante para o exato entendimento de sua posição que, salvo equívoco nosso, não confere às "condições da ação" o sen- tido de condições de existência da ação, e sim condições para o exame do mérito da causa: "em face da ação exerci- da, examina-se a viabilidade dojuízo sobre a relação cuja tutela se pretende, para aferir-se sua eventual instrumen- talidade, na hipôtese. Tem-se em conta, aí, o provimento pretendido, passando-se a considerá-lo, em tese, em face da res deducta, tal como subjetiva e objetivamente, apare- ce no processo". 101 A respeito do tema, Cândido Dinamarco escreveu exaustivas considerações em sua monografia de livre-do- cência, procurando justificar sua razão de ser e o sentido e o alcance de cada uma delas, e apresentando colocações pessoais discrepantes, emalguns pontos, da teoria de Lieb- mano Dessas posições pessoais merecem ser registradas as seguintes, que respondem à boa parte das críticas dos opositores à teoria: a) entende ser "incorreto dizer que ape- nas a ação no segundo sentido (condicionada) é que per- tence ao direito processual, pois a observância da realida- de nos mostra que também aquela entidade incondiciona- da desempenha seu papel no funcionamento do processo, Da Cogniçãono ProcessoCivil '1 I \ Kazuo Watanabe76 Aomenos para o efeito deste trabalho, é despicienda a tomada de posição diante dessas várias orientações so- bre o tema. Basta a constatação de que o objeto da cognição do juiz são todas as questões ligadas ao processo em si mesmo. Bem por isso, e sendo as demais questões respeitantes ou à ação (para os que aceitam as condições da ação) ou ao mérito da causa, a designação genérica "questões relativas ao processo", como faz Cândido Dinamarco, 99 dá bem a idéia do objeto do conhecimento do juiz. As "condições da ação", para os que aceitam o trinômio, seriam o segundo objeto da cognição do juiz. A possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de parte e interesse de agir são as condições da ação, segun- do os defensores da teoria eclética formulada por Liebman e seguida pela maioria dos processualistas brasileiros. A partir da terceira edição de seu Manuale, Liebman reduz as "condições da ação" apenas à "legitimação" e ao "interesse de agir", suprimindo assim a "possibilidade jurí- dica". 100 102. Execução cúJa,pp. 129-152. As pOSiçõespessoais sumuladas encontram-se nas pp. 130-133. O ponto em que Cândido Dinamarco está de acordo com Liebman. e através do qual se revela partidário da temia eclética é aquele pertinente à aferi- ção das condições da ação, que sustenta dever ser feita não pela simples alegação do autor. mas pela .verdadeira situa- ção trazida a julgamento"lob. cit., p. 139, nota 53}. possibilitando a instauração deste (relação processual e procedimento) e determinando o exerCÍciodo poder juris- dicional" e acrescenta que lhe parece arbitrário, "aomenos enquanto a ciência do direito processual não oferecer re- cursos terminológicos que permitam distingui-las, afirmar que apenas uma' delas é a ação"; b) "as duas entidades (condicionada e incondicionada) incluem o poder de inicia- tiva e poderes de impulso, caracterizando-se ambas, por- tanto, como poder de estimular o Estado ao exercício da jimçãojurisdícional (conceitosintético de ação); "por comodi- dade de linguagem", adota a expressão "direito de deman- dar" para "contradistinguir aquele poder incondicionado"; c) ao concluir pela carência de ação, ojuiz terá agidojuris- dicionalmente, impulsionado pelo "direito de demandar" (ação incondicionada), exercendo a função num processo, e a decisão "é suscetível de adquirir a autoridade da coisa julgada, o que só é próprio dos atos jurisdicionais"; escla- rece que "parte da doutrina afirma que em tal hipótese não há processo, mas mero fato, mas essa afirmação desco- nhece a realidade dos fenômenos lembrados acima. A es- treita correlação entre ação, jurisdiçãO e processo é uma verdade, mas pressupõe que se entenda a primeira em seu sentido mais amplo (direito de demandar)". 102 Adotando posições abstratistas, Calmon de Passos, OvídioBaptista da Silva e Fábio LuizGomes, nas obras já citadas (v.notas nOS83,84,85), procuram chamar a aten- ção para a proximidade da doutrina eclética com a teoria da ação como direito concreto, Calmon de Passos chega mesmo a falar em "concretismo dissimulado de Liebman", enquanto Ovídio Baptista da Silva anota que a conexão entre "uma situação de fato contrária ao direito" e o "direi- to processual de ação", "transporta a teoria para uma re- 18,2 Teoria do direito abstrato de agir 79 As condições da ação, entretanto, não são inconciliá- veis com a teoria do direüo abstrato de agir, que em nosso gião perigosamente próxima da doutrina do direito concre- to de ação". A procedência dessas críticas está na dependência da adoção, pelos defensores da teoria eclética. dos seguin- tes pontos: a) as condições da ação são pressupostos para a existência da ação e, à falta de qualquer delas, 'inexistirá o direito de ação e por isso, quando o juiz pronuncia a "carência da ação", nem mesmo haverá processo, mas mero fato, e o juiz não terá exercido função jurisdicional; b) as condições da ação devem ser aferidas segundo o que vier a ser comprovado no processo, após o exame das provas, e não apenas tendo-se em consideração a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis), ou seja, se "A",por exemplo, afirmando-se titular do domínio de uma determinada propriedade imóvel, ajuiza ação reivindicatória contra "B", que a teria invadido, vindo este a alegar na contestação a ilegitimidade ad causam de "A", por não ter ele o domínio do imóvel, a presença da condi- ção da ação negada por "B" somente poderia ser aferida após a produção de provas acerca da existência do direito de propriedade disputado por ambos, não bastando a mera afirmativa sua, feita na petição inicial e suportada por um documento hábil em tese (escritura definitiva registrada, por exemplo) para a aquisição do domínio. Semelhante entendimento levaria a tornar uma coisa sô as condições da ação e o mérito da causa. Vários defensores da teoria eclética, como Cândido Dinamarco, conforme ficou claro nas posições peculiares que sustenta, e que ficaram acima ressaltadas, procuram fugir à excessiva aproximação à teoria do direito concreto. Outros há, porém, que preferem um elomais próximo com o concretismo. A posição de Botelho de Mesquita é toda peculiar em razão de sua teoria do direito de ação (cf. nº 7.5 e 16, supra). Da Cogniçãono Processo Civil T 1 Kazuo Watanabe78 103. Legitimação para agir. Indeferimento de petição inicial. Te- rnas de direUo processual p. 199. V. nota 198. 104. Ob. e loc. cits. p. 200. V.. tb .. Apontamentos para um estudo sistemãtico da legitimação extraordinária. Direüo processual civU (ensaios e pareceres). p. 59. entender é a mais aceitável. Seriam "condições" para oJul- gamento do mérito da causa, impostas basicamente por razões de economia processual, e não condições para a existência da ação. Barbosa Moreira prefere falar em "con- dições do legítimo exercício do direito de ação". 103 O ponto nodal da problemática está em saber se as condições da ação (rectius; "condições para o julgamento do mérito") devem ser aferidas segundo a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis) quanto às condições da ação (coma apresentação, evidentemente,das provas necessárias desde o início da ação, para se evi- tar o prosseguimento inútil do processo, como por exem- plo a escritura de aquisição do imóvel na ação reivindica- tória, o contrato escrito celebrado por aquele que pretende anulá-lo por vício de vontade. o ato constitutivo que de- monstre a existência da associação civilpor mais de 1ano para a propositura da ação civilpública etc.) ou conforme seu elo efetivo com "a situação de fato contrária ao direi- to", ou seja, com o objeto litigioso do processo, que vier a ser evidenciado pelas provas produzidas pelas partes. So- mente se afigura compatível com a teoria abstratista a pri- meira opção. O exame das condições da ação deve ser feito "com abstração das possibilidades que, noJuízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui ares in iudiciumdeducta"; vale dizer,o órgãojulgador, ao apreciá- las, "considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se aju-mou", raciocinando ele, ao esta- belecer a cognição, "como que admita, por hipótese e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (ojuízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória", como preleciona Barbosa Moreira. 104 105. Estudos de direüo processual civil, p. 73. 106. Carência de ação, cit.. nº 12. pp. 102.103. Informa Cândido Dinamarco que para Liebman "as condições da ação não re- sultam da simples alegação do autor. mas da verdadeira si- tuação trazida a julgamento" (Execução civil cit.. p. 139. nota 53). o que revela que. posterionnente, o eminente processua- lista refonnulara a colocação feita ria conferência menciona- da por Machado Guimarães. . . . 107. Ada Pellegrini Grinover conceitua as condlçoes da açao como "elementos ou requisitos que limitam o exercício do direito de ação. em cada caso concreto; elementos ou requ~sitos ~st~s, para que se exerça de maneira correta. na especle. ~ dIreIto de obter o provimento jurisdicional: a sentença de merito. no processo de conhecimento, e o provimento satisfativo, no pro- cesso de execução" (As condiÇões da ação penal nQ 14. pp. 26-27). Desde que não se negue tenha ocorrido o exercíciO.da ação mesmo na hipótese do decreto de "carência da. açao", não haveria diferença mais signit1cativa com a co1ocaçao. que 81 É a posição defendida também por Machado Guima- rães, que já em 1939, no clássico trabalho A instáncia e a relação processual, afirmava: "Deveo juiz, aceitando pro- visoriamente as afirmações feitas pelo autor - si vera sint exposita - apreciar preliminarmente a existéncia das con- dições da ação, julgando. na ausência de uma delas, o autor carecedor da ação; só em seguida apreciará o mérito prin- cipal, isto é, a procedência ou improcedência da ação". 105 Em trabalho posterior, alude a uma "memorávelconferên- cia pronunciada em 29 de setembro de 1949" pelo Prof. Liebman, e informa que o insigne processualista peninsu- lar, a quem muito deve a ciência processual brasileira, te- ria ensinado que "todo problema, quer de interesse pro- cessual, quer de legitimação ad causam, deveser proposto e resolvido, admitindo-se, provisoriamente e em via hipo- tética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse. Quer isto dizer que, se da constatação do réu surge a dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução. já é um problema de mérito". 106 Amesma colocação é feita por HélioTornaghi que, à semelhança deBarbosa MoreiraeAdaPellegriniGrinover,107 Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe80 sustento (v. item 18.3, infra). de que as condições da ação nada mais são que requisitos para o exame do mérito da cau- sa. pois se reduziria a mero qualificativo da ação exercida Oegítima ou ilegitimamente exercida). É com esse alcance que a eminente publicista delende o seu conceito de "condições da ação". Seria acentuada a diferença, porém. se o entendi- mento fosse no sentido de que. à "carência da ação". não terá existido o direito de ação. No tocante ao critério para a aferi- ção das condições da ação. contudo. Ada Pellegrini Grinover defende o ponto de vista de Liebman (supra. nota 106). São suas palavras: "Realmente. têm razão Liebman e Dinanlarco, na primeira parte de sua colocação; a ocorrência das condi- ções da ação mede-se frente à eletiva existência das mesmas (não importa o momento procedimental em que for examina- do). e não em face de sua simples allrmação - ou prospetta- zione" (ob. cit.. p. 50). 108. Comentários ao Código Processual Civil, v. 1, pp. 90-91. entende que as condições da ação são "requisitos para o exercício regular do direito de ação", e não "requisitos de inexistência do direito de ação". Abordando, de início, a questão da legitimidade, assevera que a questão a respeito "não é nunca de mérito", e traz em seguida esta passagem expressiva: "Seria errado supor que só é parte legítima quem tem direito para o qual pede proteção. Ou que, reconheci- do ser o autor parte legítima, está decidido que ele tem razão. Parte legítima é aquela a quem, em tese, a lei conce- de ação, pressi..tpondo-se a veracidade dos fatos alegados. Assim, por exemplo, quem se diz proprietário pode reivin- dicar. É parte legítima para reivindicar; a questão de saber se realmente ele é proprietário, é de mérito e depende da apuração dos fatos". E observa que "o mesmo raciocínio deve guiar o juiz na aferição de existência do interesse (e também da pOSSibilidadejurídica exigida no final do art. 2º)".l08 Cuidando especificamente da legitimação para a cau- sa, Lopes da Costa sustenta que a teoria mais aceitável "é a da legitimação considerada em face da relação jurídica material, afirmada pela inicial da ação", anotando que o Código de Processo Civil que então vigorava, o de 1939, "não se opõe à teoria abstrata da legitimação", conclusão que certamente manteria commaior razão perante o novo Código de Processo Civil, à vista dos dispOSitivosatravés dos quais o legislador incorporou a categoria das condi- ções da ação ao sistema de direito positivo (arts. 267, VI, 295,11 e m, e parágrafo único, m, e 301. X).109 Donaldo Armelin, examinando monograficamente a legitimidade para agir, chega igualmente à conclusão de que, "no processo de conhecimento e cautelar, a legitimi- dade emerge de uma situação legitimante que resulta de própria pretensão, ou seja, da afirmação da titularidade de um direito, donde, destarte, ter natureza processual, embora reportando-se ao direito questionado, que pode ou não vir a ser reconhecido emjuízo. Já no processo de exe- cução, a legitimidade está direta ou indiretamente vincu- lada ao título executivo de natureza pré-processual, quan- to a este processo". 110 83 109. "Acarência de ação, especialmente com relação à legitimação para a causa". Revista de Direüo Processual Civil, v. 3. pp. 5- 36. 110. Legitimidade para agir. cit.. p. 173, nº 3. Traz nos n"" 104 e 105, pp. 114-155. colocaçües em que, de alguma forma. em certas hipóteses ao menos, a legitimidade estaria ligada ao que viesse a ser demonstrado pela prova. admitindo. dessa forma. exceção à regra de que a legitimidade se apura Úl statu assertionis. No exemplo que fórmula, entretanto, que é de ação de cobrança de um crédito. em processo de conhecimento, em que se conclui pelo reconhecimento da "existência do di- reito, sem o reconhecimento de sua titularidade relativamen- te ao autor". a afirmativa de que a legitimidade do autor "re- sulta ausente sem aletar a existência do direito. vinculado a outro titular". data venia. não nos parece correta. A conclu- são que o juiz estabelece. diante da prova que leva ao quadro descrito, é de inexistência do direito afmlladopelo autor (o reconhecimento de que o crédito existe. mas o mesmo perten- ce a outrem, equivale à afIrmativa de que o crédito que o au- tor afirmou ser seu não existe; o objeto litigioso é exatamente o detlnido pelo pedido do autor e em relação a ele é que o Juiz deve sentenciar e. no caso llgurado, pela motivação mencio- nada. a conclusão é negativai. O Julgamento ê. portanto, de mérito e a conclusão é 'de improcedência, com a declaração de que o direito afirmado pelo autor não existe. Da Cogniçãono ProcessoCivil r Kazuo Watanabe82 111. Commentario de! Codice di Procedura Civile, sob a direção de Emico Al1orio,Liv. 12. t. 2. p. 925. 112. Diritto processuale civile tiatiano, nO37. p.159. 113. Note in tema de diritto e processo. p. 133. 114. Azione e legitimazione. pp. 76-78. 115. L'interesse ad agire. pp. 9-10. Comentando o art. 81 do Código de Processo Civil italiano, Crisanto Mandrioli observa que "in realtà, vietare di far valere in nome proprio un diritto altrui significa richiedere che colui che sta in giudizíOcol nome (non im- porta se anche con l'attività) sia lo stesso soggetto che ha la titolarità deI diritto fatto valere. E naturalmente basta che quest'ultima titolarità risulti affermata, atteso che la sua effettiva esistenza non potrebbe essere verificata se non insieme col merito deI giudiZio".111 Apropósito, Betti traz as seguintes ponderações, que se orientam no mesmo sentido: "La legittimazione, come ulteriore requisito che si contrappone concettualmente alla veste effetiva e formale di parte, va intesa non già quale accertata spettanza deI diritto litigioso, ma quale ipotetica spettanza dell'interesse e deI potere-onere di agire o di contraddire (ossia, come lo stesso interesse e potere-onere sotto il profilo soggettivo) in ordine alla ragione fatta vale- re. Pertanto, essa dev'essere valutata (giova insistire su questo punto) alla stregua della stessa ragione fatta valere (causa) e cioe alla stregua deI rapporto o stato giuridiCO litigioso cosi come viene affermato dall'attore o viene da lui messo in questione (con domanda di accertamento negati- vo), non già quale sussiste obbiettivamente (ciõ che puõ essere diverso) ".112 Nem é outro o entendimento de Fazzalari que, cui- dando da legitimação das partes, pondera que resulta ela da "situazione sostanziale asserita" e que o contraditório se estabelece, in limine, "sulla base della situazione sostanziale anegata".113Na mesma linha de pensamento estão Monacciani 114eAttardi,115 Walter Eduardo Baethgen, analisando as "condições da ação" no Códigode Processo Civil,sustenta que o legis- 116. As condições da ação. cit.. pp. 16-26. 85 18.3 Diferenças teóricas epráticas das perspectivas concretistas e abstratistas Barbosa Moreira, Machado Guimarães e Hélio Tornaghi aludem à admissão, por hipótese e em carâter provisório, da veracidade das al1rmativas feitas pelo autor ("sivera sint exposita"). Nãonosllarece, com todo o respei- to à imensa autoridade dos insignes processualistas, exis- ta qualquer necessidade da presunção de veracidade por eles mencionada, pois ojuízo preliminar de admissibilidade do exame do mérito se faz mediante o Simples confronto entre a afirmativa feita na inicial pelo autor, considerada in statu assertionis, e as condições da ação, que são a pos- sibilidade jurídica, interesse de agir e a legitimidade para agir. Positivo que seja o resultado dessa aferição, a ação lador se filiou "à teoria do direito abstrato e que as condi- ções da ação não são, na verdade, condições de "existên- cia" do direito de ação, mas apenas condições para a admissibilidade de um pronunciamento de mérito". Conceitua o processualista gaúcho as chamadas "condi- ções da ação" como "pressupostos relativos à pretensão e ao modo de sua inserção no processo", observando que "a decisão sobre as 'condições da ação' não se preocupa com os pressupostos de fato senão enquanto constitui elemera 'afirmação'. Não vai além. Não 'constata', pelo sistema probatório, se na realidade aquilo que é afirmado é tam- bém real, concreto. O julgamento sobre as 'condições da ação' toma como objeto 'apenas a afirmação' do autor, e não havendo assim juízo sobre a sua correspondência ao modelo legal, não se pode falar em julgamento de mérito". E acrescenta: "a finalidade dojulgamento sobre as 'condi- ções da ação' é, assim, a de constatar se a 'pretensão proces- sual' foi inserida, como objeto, na relação processual, de modo a possibilitar o futuro exame de sua concordância - o seu 'encaixe' - com o modelo legal".116 Da Cogniçãono Processo CivilKazuo Watanabe84 estará em condições de prosseguir e receber o julgamento do mérito. Ser verdadeira, ou não, a asserção do autor não é indagação que entre na cognição do juiz no momento dessa avaliação. O exame dos elementos probatórios que poderá, eventualmente, ocorrer nessa fase preambular dirá respeito basicamente. a documentos cuja apresentação seja exigéncia da lei (v.g., título executivo para a ação de execu- ção, documento de aquisição do imóvel, devidamente re- gistrado, para a propositura da ação reivindicatória, con- trato escrito cuja anulação total ou parcial é postulada; prova da constituição, há mais de um ano, de associação civil, e de sua finalidade institucional para a propositura de ação civil pública (art. 82, IV, do Código de Defesa do Consumidor, e art. 5º, I e lI, da Leinº 7.347, de 24 de julho de 1985), e assim mesmo apenas para o exame das condi- ções da ação, vale dizer, para a verificação da conformida- de entre o documento e a afirmativa, e não para o estabe- lecimento do juízo de certeza quanto ao direito alegado, quanto ao mérito da causa. Em alguns casos raros. mas de existéncia possível, poderia haver a necessidade de investigação especifica em torno de algum requisito especial que a lei exija para a admissibilidade da ação, como a finalidade institucional da associação civil (art. 5º, lI, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), que deve ser efetiva, e não apenas de fa- chada. Nessa hipótese, porém, a atividade probatória é desenvolvida para a aferição de uma condição da ação (legitimação para agir), nada tendo a ver com o mérito da causa. Vale dizer, o objeto da cognição é exclusivamente uma condição da ação. Alguns exemplos poderiam evidenciar a sensível dife- rença teórica e prática entre esse modo de impostar as condições da ação, que é o único compatível com a teoria do direito abstrato de agir, e a colocação sustentada pela teoria eclética da ação que, como vimos, liga as condições da ação à situação de fato, afirmada e comprovada no pro- cesso, após a instrução e a avaliação das provas, e não Ú1 statu assertionÍS. A diferença é aferível fundamentalmente pelo exame do objeto da cognição: 1. Suponha-se uma ação .~-----~~ 87 117. Como bem esclarece Cândido Dinamarco. a impossibilidade. no caso. decorre da .peculiaridade da causa petendi" (dívida de jogo), e não do pedido" (Execução civil. cit.. p. 138). de cobrança em que "A"se diz credor de "B"de determina- da quantia, proveniente de divida de jogo. A origem da dí- vida é expressamente afirmada. Ojuiz: evidentemente, in- deferirá liminarmente a petição inicialpor auséncia de pos- sibilidade jurídica 117 (art. 295, parágrafo único, m, do CPC). Ambas as correntes assim concluiriam; 2. Pense-se, po- rém, que o mesmo "A"proponha a ação de cobrança ale- gando que a dívida é proveniente de contrato de mútuo. A possibilidade jurídica, examinada in statu assertionÍS, está presente para a teoria abstratista. Se o réu alegar, em con- testação, que a dívida é de jogo e não decorrente de mú- tuo, e se a instrução vier a evidenciar que a razão está realmente com ele, réu, o que o juiz irá julgar. para os abstratistas, é que, à vista da prova colhida, o direito que o autor afirmou existir (dívidade empréstimo), na verdade não existe, pois é esse o objeto litigiosodo processo. Portanto, a ação deverá ser julgada pelo mérito e a conclusão da sen- tença será no sentido da improcedência. e não de caréncia. O reconhecimento de que a dívida efetivamente é dejogo, e não de mútuo, ficará restrito ao àmbito da motivação, ser- vindo apenas para o efeito dejulgamento do mérito da cau- sa, para o reconhecimento da existéncia ou não do direito alegado pelo autor. Para os defensores da teoría eclética, porém, a conclusão última deverá ser de caréncia da ação, pois o que se evidenciara, após a instrução e exame das provas, é que a dívida reclamada é resultante de jogo de azar e por isso é juridicamente impossível a pretensão do autor; 3. Considere-se. agora, uma ação reivindicatória movida por "A",em seu noine, dizendo que o imóvel"x", de propriedade de seu compadre, foi invadido por "B".Ojuiz indeferirá desde logo a inicial por ilegitimidade ad causam ativa (art. 295, lI, CPC),Aqui, nenhuma diferença entre as duas correntes. Admita-se, ao invés. que "A"se diga pro- prietário do imóvel "x", apresente o título em seu nome, e mova a ação contra "B",Este, em defesa, alega que o imó- vel é de "C'~sendo o autor, em conseqüéncia, parte ilegíti- Da CogniÇãono Processo CivilKazuo Watanabe86 118. Por "Temia Eclética" se entende. basicamente, aquela que, na apuração das condições da ação. deternlina seja o nexo de instrumentalidade entre a ação e a situação de fato contrãria ao direito, apurado a!nlVés do exame das provas. e não ape- nas pela afirmativa do autor. Nem todos os que se consideram seguidores da teoria de Liebman concluiriam da fonua como ficou exposta. Mas, se acaso admite a aferição ÚI statu assertionis das condições da ação. o entendimento esposado é muito mais de abstratista do que de eclético. Talvez a filiação ao "ecletismo" seja por um aspecto parcial. como o ligado à natureza da atividade exercida pelo juiz quando este conclui pela carência da ação, ou por alguma outra particularidade. O importante é deixar bem ressaltado que a aceitação das condições da ação pelos abstratistas somente será possível nos termos expostos, vale dizer, ÚI statu assertionis. ma. Feita a instrução, conclui o magistrado que a razão está com "B". Pela teoria eclética, a solução deveria ser de carência, por ilegitimidadead causam ativa. Mas,pela teoria abstratista, o problema da legitimidade estaria já supera- do, pela verificação da afirmativa contida na inicial e sua conformidade com o título exibido, de modo que a solução deveria ser de improcedência, pois o que o juiz estará de- clarando é que o direito que o autor afirmou ser seu, não existe. A consideração de que o imóvel pertence a "C" é apenas o fundamento para negar o direito afirmado pelo autor, pois é esse o objeto litigioso do processo em julga- mento.IIS Calmon de Passos, mesmo após a informação de que os defensores da doutrina das condições da ação propu- nham a apuração desses requisitos in statu assertionis, mediante a consideração do que vier afirmado na petição inicial, não poupou Uebman e seus discípulos do qualifi- cativo de "concretislas sob disfarce". Notrabalho intitulado "Em torno das condições da ação - Apossibilidade jurídi- ca", expõe suas críticas à doutrina das condições da ação e assim conclui: "Apossibilidade jurídica não é condição da ação. O que se afirma com esse nome outra coisa não é que a improcedência prima jade, que deriva dos próprios 18.4 Necessidade de conciliação das posições contrastantes 89 termos em que o autor põe a sua pretensão. E a decisão que aprecia é de mérito e apelável".119 Com as colocações acima feitas, entretanto, que são nitidamente abstratistas (aferição das condições da ação in statu assertionis; sua conceituação como requisitospara o exame do mérito da causa, e não condições para a exis- tência da ação e nem mesmo condições para o seu legítimo exercício - v. nota 107, supra -; entendimento de que é jurisdicional a função exercida pelojuiz mesmo na hipóte- se de "carência de ação"- expressão que seria evidente- mente inadequada, mas já consagrada pela práxis forense e até sacramentada em lei - ar!. 301, X; ação como direito à provocaçãoda atividadejurisdicional, independentemente do resultado final, mesmo sem o pronunciamento sobre o mérito), entendenws que a doutrina das "condiçõesda ação" ganha maior aceitabilidade. 119. Revista de Direito Processual Civil, cit., p. 66. O qualit1cativo referido, amenizada a contundência da expressão. possivel- mente caiba aos defensores das "condiçôes da ação" que as entendem como condições para a existência da ação e sus- tentanl que, na hipótese de "carência da ação", o jUiz não terá exercido função jurisdicional e tanlPOUCOexistido o processo, e sim mero fato. Mais do que puro exerClCIOdoutrinário, importa a consideração de que, agora, o nosso Código de Processo Civil incorporou ao seu sistema as "condições da ação", consagrando vários dispositivos sobre o tema (arts. 267, VI, 295, II em, e parágrafo único. m, 301, X).De sorte que a correta impostação dessa categoria, que é possível fazer- se - insista-se - pela perspectiva abstratista, assume par- ticular relevância para que a aplicação dos referidos dis- positivos não cause maiores danos às partes e perplexida- demais profunda aos profissionais doDireito.O julgamento pelo mérito é condição para a admissibilidade da ação Da Cogniçãono ProcessoCivilKazuo Watanabe88 120. Moacyr Amaral Santos. Comentários ao Código de Processo Civil, V. IV, pp. 473-475. n' 356. 121. ComenláTios, cit., v. VIU. t. m. p. 393, nota 354. 122. Fâbio LuiZGomes. ob. cit.. p. 121. rescisória, segundo a dicção do art. 485, caput, do CPC.A coisa julgada material, para muitos, somente cobre as sen- tenças de mérito. 120Enfim,há inúmeras implicações práti- cas segundo a conclusão última da sentença e a mesma pode ser diferente conforme a teoria que abrace o intérpre- te. Em que pese as pessimistas palavras de Adroaldo Fur- tado Fabrício, 121ternos fé em que o espírito de tolerãncia dos processualistas, que estão hoje partindo, segundo acre- ditamos, do patamar assentado em frutos significativos que colheram ao longo do desenvolvimento do conceptualismo e das abstrações dogmáticas, para novos horizontes em busca de um ÚlStn.nnentalismo substancial do processo (v. Capo 1, supra], fará com que sobre o terna, já discutido e rediscutido por vários decénios, haja afinal um entendi- mento, ao menos em nível suficiente para tranqüilizar e orientar melhor os profissionais do Direito. Nesse sentido, é louvável o trabalho do processualista Baethgen (cf. nº 18.2, supra]. Dentro desse espírito, a par da colocação já feita, que procura distinguir bem os planos do direito material e do direito processual, de modo que as "condições da ação" não sejam consideradas corno dados que "integram a rela- ção de direito material posta á apreciação do órgão jurisdi- cional", 122gostaríamos de proceder à sua análise sob opris- ma da cognição. Os conceitos e as categorias doutrinárias existem no plano lógico,cornoinstrumentos destinados àmelhor com- preensão dos fenômenos. Bem por isso, não podem ser submetidos a um culto irrefletido, como se tivessem exis- téncia per se. Asignificação e o alcance de cada um deles variam segundo o ángulo visual e o plano de observação do processualista. Como tudo na vida, mais rica é a visão do observador na medida em que analisa um fenômeno por perspectivas diferentes e nada há de errado em tal 18.5 Coordenação entre direito e processo no plano lógico 91 123. L'azione nella temia deI processo civile. S<:ri.ttigiwidici in onore di Frallcesco Carnelum V. 11,p. 448. 1950. 124. Cândido Dinanlarco, Execução civil, p. 134. O processo é, sem dúvida alguma, um instrumento de tutela efetiva dos direitos. E essa instrumentalidade, como já ficou acentuado (v.Capo 1, supra], deve ser subs- tancial, no sentido de preordenação do processo
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