Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
COPPE/UFRJCOPPE/UFRJ A INFLUÊNCIA DA ATIVIDADE DE MESO-ESCALA SOBRE O BALANÇO TERMODINÂMICO DO OCEANO AUSTRAL João Marcos Azevedo Correia de Souza Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Oceânica, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Engenharia Oceânica. Orientador: Afonso de Moraes Paiva Rio de Janeiro Outubro de 2008 A INFLUÊNCIA DA ATIVIDADE DE MESO-ESCALA SOBRE O BALANÇO TERMODINÂMICO DO OCEANO AUSTRAL João Marcos Azevedo Correia de Souza TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA OCEÂNICA. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Afonso de Moraes Paiva, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Carlos Eduardo Parente Ribeiro, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Edmo José Dias Campos, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Maurício Magalhães Mata, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Susana Beatriz Vinzon, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Wilton Zumpichiatti Arruda , Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL OUTUBRO DE 2008 Souza, João Marcos Azevedo Correia de A influência da atividade de meso-escala sobre o balanço termodinâmico do Oceano Austral./ João Marcos Azevedo Correia de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2008. IX, 159 p. 29,7 cm Orientador: Afonso de Moraes Paiva Tese (doutorado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de Engenharia Oceânica, 2008. Referencias Bibliográficas: p. 141-154. 1. Corrente Circumpolar Antártica. 2. Fluxo de Calor 3. Variabilidade. 4. Meso-escala. I. Paiva, Afonso de Moraes. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Engenharia Oceânica. III. Titulo. iii “Àqueles que tem a coragem de tomar decisões e perseguir seus sonhos”. iv AGRADECIMENTOS Agradeço a todos aqueles que, de inúmeras formas, contribuíram para a realização da presente Tese, dentre os quais devo citar: − A minha família, pelo apoio às minhas opções profissionais; − A Renata, por ter estado ao meu lado, sabendo escutar nos momentos de dificuldade; − Ao meu orientador e amigo Afonso de Moraes Paiva, pelo apoio, incentivo e paciência, sabendo o momento de “podar minhas asas” e de “me empurrar ladeira abaixo”; − Aos meus amigos Leonardo Dardengo e Manlio Mano, pelas conversas da hora do almoço, e de todas as outras horas; − Aos meus companheiros do grupo de Oceanografia Física do Programa de Engenharia Oceânica (PEnO), que me proporcionaram um fórum único, de alto nível, para discussão das idéias que hoje compõe este trabalho; − A Marise e demais funcionários do PEnO, sempre prontos a me ajudar a decifrar as burocracias da Universidade; − A UFRJ e ao Programa de Engenharia Oceânica da COPPE, que estão dentre as poucas instituições que possibilitam o desenvolvimento da ciência em nosso país; − A CAPES, pelo financiamento sem o qual a realização desta Tese nunca seria possível. v Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.). A INFLUÊNCIA DA ATIVIDADE DE MESO-ESCALA SOBRE O BALANÇO TERMODINÂMICO DO OCEANO AUSTRAL João Marcos Azevedo Correia de Souza Outubro / 2008 Orientador: Afonso de Moraes Paiva Programa: Engenharia Oceânica O presente trabalho foca a investigação do balanço termodinâmico através da Frente Polar, no Oceano Austral, particularmente sob o ponto de vista da influência da atividade de meso-escala. Esta é uma questão de relevância sobre o clima da Terra, devido à influência sobre regiões chave de formação de águas de fundo e profundas ao redor do continente antártico. Parte da variabilidade de meso-escala pôde ser caracterizada como vórtices transladando através da Frente Polar e ondas de Rossby se propagando em interação com o fluxo médio. Para o acompanhamento dos vórtices, foi desenvolvido um método híbrido que considera características dinâmicas e cinemáticas do escoamento. A partir de um balanço de calor ao sul da Corrente Circumpolar Antártica, de dois modelos paramétricos e de uma simulação numérica, obtivemos novas estimativas do fluxo de calor atribuído à atividade de meso-escala ao longo da Frente Polar. A seguir, aliando dados de altimetria e temperatura da superfície do mar, obtidos por satélites, à estrutura vertical, derivada de uma simulação numérica, obtivemos valores de fluxo de calor pelas perturbações compatíveis com os outros métodos empregados neste trabalho e anteriormente publicados. Tais resultados confirmam a hipótese de ser a atividade de meso-escala o mecanismo necessário para o balanço termodinâmico ao sul da Corrente Circumpolar Antártica, além de fornecer uma ferramenta para acompanhamento da evolução temporal do fluxo de calor através do Oceano Austral. vi Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.) THE MESO-SCALE ACTIVITY INFLUENCE ON THE THERMODYNAMIC BALANCE OF THE SOUTHERN OCEAN João Marcos Azevedo Correia de Souza October / 2008 Advisor: Afonso de Moraes Paiva Department: Oceanic Engineering The present Thesis aims at investigating the thermodynamic balance through the Polar Front, in the Southern Ocean. The research focused in the role of the meso-scale activity. In a climatic sense, this is an important issue due to the direct influence over bottom and deep water formation sites around Antarctica. Part of the meso-scale variability was characterized as vortices translating through the Polar Front and part as Rossby waves propagating under the influence of the mean flow. To identify the vortices, a merged methodology combining dynamic and cinematic parameters was developed. New estimates of the heat flux through the Polar Front due to the meso-scale activity were initially obtained using three distinct approaches: a heat balance, two parametric models and a numeric simulation. Moreover, the integration of sea surface elevation and temperature anomaly fields, obtained from satellite imagery, with the vertical structure from the model results, leaded to heat flux estimations that agree with previously mentioned methods and the bibliography. The results confirm the hypothesis that the meso-scale activity is the mechanism necessary to close the thermodynamic balance south of the Antarctic Circumpolar Current. Additionally, a tool was established to follow the time evolution of the heat flux through the Southern Ocean. vii Sumário 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................1 1.1 OBJETIVO GERAL E MOTIVAÇÃO................................................................1 1.2 CONTEXTO CLIMÁTICO.................................................................................3 1.3 ENTENDENDO A CORRENTE CIRCUMPOLAR ANTÁRTICA.................11 Balanço dinâmico da CCA.....................................................................................15 1.4 O PAPEL DA VARIBILIDADE DE MESOESCALA....................................19 1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS E ESTRUTURA DA TESE................................222 BASES DE DADOS E MODELAGEM UTILIZADAS..........................................25 2.1 WORLD OCEAN DATABASE 2001 (WOD01)..............................................25 2.2 ALTIMETRIA DA SUPERFÍCIE DO MAR AVISO.......................................27 2.3 MODELAGEM NUMÉRICA............................................................................28 O “Hybrid Coordinate Ocean Model” (HYCOM).................................................29 Configuração da simulação....................................................................................30 3 CIRCULAÇÃO MÉDIA NO OCEANO AUSTRAL – CÁLCULO GEOSTRÓFICO..............................................................................................................32 4 TROCAS ATRAVÉS DA CCA – UMA VISÃO CIRCUMPOLAR.......................47 4.1 PRIMEIRA ETAPA – BALANÇO DE ENERGIA...........................................49 4.2 SEGUNDA ETAPA – MODELO PARAMÉTRICO BASEADO EM ALTIMETRIA............................................................................................................52 4.3 TERCEIRA ETAPA – MODELO PARAMÉTRICO BASEADO NA CLIMATOLOGIA......................................................................................................54 5 AVALIAÇÃO DA SIMULAÇÃO GLOBAL COM O MODELO HYCOM PARA O OCEANO AUSTRAL.................................................................................................65 5.1 ANÁLISE DO TRANSPORTE E VELOCIDADES MÉDIAS.........................65 5.2 ANÁLISE DA VARIABILIDADE DE MESOESCALA ...............................70 6 ESTIMATIVAS DO FLUXO DE TEMPERATURA PELA ATIVIDADE DE MESOESCALA A PARTIR DOS RESULTADOS DA SIMULAÇÃO.......................77 6.1 DETERMINANDO A FRENTE POLAR NOS RESULTADOS DA SIMULAÇÃO.............................................................................................................77 6.2 CALCULO DOS FLUXOS DE TEMPERATURA ATRAVÉS DA FRENTE POLAR.......................................................................................................................82 7 ESTRUTURA VERTICAL DA VARIABILIDADE...............................................87 7.1 ESTRUTURA VERTICAL DO CAMPO MÉDIO – MODELO GEOSTRÓFICO.........................................................................................................87 7.2 MODOS VERTICAIS OBSERVADOS A PARTIR DE UM FUNDEIO NA FRENTE POLAR.......................................................................................................90 7.3 ESTRUTURA VERTICAL NA FRENTE POLAR SEGUNDO A SIMULAÇÃO NUMÉRICA......................................................................................94 8 ESTIMATIVA DO FLUXO DE TEMPERATURA A PARTIR DE DADOS SUPERFICIAIS E DA ESTRUTURA DERIVADA DA SIMULAÇÃO.......................99 9 CARACTERIZANDO AS PERTURBAÇÕES DE MESOESCALA NA FRENTE POLAR..........................................................................................................................107 viii 9.1 OS VÓRTICES NA PORÇÃO ADJACENTE AO OCEANO ATLÂNTICO SUL DO OCEANO AUSTRAL...............................................................................109 Parâmetro de OkuboWeiss..................................................................................110 Critério Cinemático..............................................................................................111 Integração entre o parâmetro de OkuboWeiss e o critério cinemático...............113 Resultados............................................................................................................113 Estrutura vertical..................................................................................................121 9.2 PROPAGAÇÃO DE ONDAS DE ROSSBY NA FRENTE POLAR..............123 Resultados para os dados de altimetria................................................................125 Resultados para a simulação numérica................................................................129 10 CONCLUSÕES.....................................................................................................131 11 REFERÊNCIAS....................................................................................................141 12 ANEXO 1 .............................................................................................................155 ix 1 - INTRODUÇÃO 1.1 - OBJETIVO GERAL E MOTIVAÇÃO O presente trabalho tem como objetivo geral investigar o balançonvestigar o balanço termodinâmico no Oceano Austral, particularmente sob o ponto de vista datermodinâmico no Oceano Austral, particularmente sob o ponto de vista da contribuição da atividade de meso-escalacontribuição da atividade de meso-escala. . Tal objetivo surge da hipótese de ser a “atividade de meso-escala” um dos principais processos responsáveis pelo fluxo de energia através da Corrente Circumpolar Antártica (CCA), principal feição da circulação no Oceano Austral. Esta possui influência determinante sobre zonas chave de formação da Água de Fundo Antártica (AFA), uma massa d’água de destacada importância sobre o sistema climático da Terra. O foco principal de interesse está sobre a região do Oceano Austral adjacente ao Oceano Atlântico Sul e ao Mar de Weddel (Fig. 1). A motivação para isto está no fato de ser o Mar de Weddel responsável pelas variedades mais densas de AFA e, juntamente com o Mar de Ross, pela formação da maior parte do volume desta (Orsi et al., 1999). Além disso, vem se atribuindo cada vez mais importância à passagem de Drake como rota de retorno de águas intermediárias no cinturão revolvimento meridional. Assim, os processos de troca através deste setor do Oceano Austral estão diretamente conectados com ambos os ramos “quente” e “frio” da célula de revolvimento meridional, descritos originalmente em Broecker (1991). 1 Figura 1. Resultado de velocidades em superfície (m/s) do modelo “Poseidon Ocean Model” mostrando a estrutura fragmentada da Corrente Circumpolar Antártica, com a ocorrência de perturbações de meso- escala. Em vermelho estão destacados a porção do Oceano Austral adjacente ao Oceano Atlântico Sul e os mares de Weddel e de Ross, principais regiões de formação da Água de Fundo Antártica (adaptado Klinger et al. 2004). Julgamos necessário contextualizar a motivação do presente trabalho perante o papel da circulação no Oceano Austral, particularmente da circulação meridional, sobre o sistema climático da Terra. Desta forma, continuamos a introdução com uma breve descrição do sistema climático, apresentando uma série de conceitos importantes que serão utilizados no decorrer do texto. Entretanto, para podermos compreender o comportamento e a contribuição da atividade de meso-escala torna-se necessário antes compreender a circulação média na qual esta está inserida. Partimos, assim, em seguida, para a descrição da principal feição oceanográfica do Oceano Austral, a Corrente Circumpolar Antártica (CCA), e, então, ao estado da arte da influência da atividade de meso-escala neste sistema. Por fim, enumeramos os objetivos específicos traçados, evidenciando a forma como estes se ligam ao objetivo geral e ao conhecimento já existente. 2 1.2 - CONTEXTO CLIMÁTICO As circulações atmosférica e oceânica representam um papel fundamental sobre o clima da Terra. Sem elas, um equilíbrio radiativo seria predominante e o clima muito mais severo, com maiores diferenças regionais e sazonais. Assim, podemos dizer que a atmosfera e o oceano consistem em agentes moderadores do clima através de dois processos: Como reservatórios de energia, acumulando energia térmica em períodos mais quentes para depoisliberá-la em outros mais frios; e redistribuindo o calor de regiões com maior incidência de radiação solar (trópicos) para regiões “mais frias” (polares). No entanto, tais processos se dão em escalas muito distintas nestes dois compartimentos. Devido à maior capacidade térmica da água e às características da circulação geral marinha, o oceano armazena mais calor por mais tempo, possuindo assim maior efetividade em suavizar o clima em comparação aos outros componentes do sistema climático (Oort & Vonder Haar, 1976). Segundo Cunnigham (2005), apesar de semelhantes em termos quantitativos, as escalas de tempo relacionadas aos fluxos de calor na atmosfera são bem mais curtas que aquelas dos oceanos. Enquanto na atmosfera as escalas temporais são da ordem de meses, a resposta dos oceanos se dá em escalas de décadas a milhares de anos. Dessa forma, sinais decorrentes de mudanças no clima que possam ser transmitidos ao oceano têm um tempo de retorno muito longo para a atmosfera. Tal noção é expressa em trabalhos como o de Wigley (2005) que, aludindo à questão das mudanças climáticas globais em curso, enfatiza: “Mesmo que a composição atmosférica fosse fixada hoje, a temperatura média global e o nível médio do mar continuariam a subir devido à inércia térmica dos oceanos”. Para entender como tal equilíbrio ocorre, necessitamos primeiro entender a circulação oceânica e o processo de fluxo de calor conseqüente da interação desta com a atmosfera. Mais ainda, necessitamos destacar alguns pontos chave do sistema oceânico com influência preponderante sobre o clima da Terra. Neste âmbito, as zonas de formação de massas d’água consistem em áreas particularmente importantes, devido à capacidade de preservar os sinais atmosféricos ali adquiridos à medida que estas afundam para o interior do oceano. As águas profundas e 3 de fundo, bem como suas regiões de formação, são de destacada importância para o sistema climático. Tal imagem nos remete ao conceito de circulação termohalina, trabalhado por diversos autores. Stommel & Arons (1960a,b) se destacam neste cenário pelo pioneirismo no desenvolvimento de uma teoria dinâmica para explicar os padrões de uma circulação profunda estacionária, regida pela distribuição de “fontes” e “sumidouros“ de água. Entendemos por “fontes” as regiões de formação de massas d’água “profundas/de fundo” e por “sumidouros” os caminhos de retorno de tais águas às camadas mais superficiais. De forma mais precisa, Schmitz (1995) define a circulação termohalina como sendo forçada pela variação da densidade, e conseqüentemente de “buoyance“, associada aos fluxos de calor e água através da interface ar-mar. Uma derivação moderna deste conceito é dada por Broecker (1991), que propõe a existência de um grande cinturão de revolvimento meridional (“great conveyor belt”) ligando uma zona de formação de massas d’água profundas, localizada no Mar da Groenlândia, ao restante do oceano mundial (Fig. 2). De uma forma geral, este cinturão pode ser dividido em dois ramos. O ramo frio é composto pelas águas profundas formadas no Atlântico Norte, seu caminho para sul e incorporação na Corrente Circumpolar Antártica (CCA), posteriormente adentrando as bacias do Índico e Pacífico onde retorna às camadas superficiais. O ramo quente corresponde ao caminho de retorno de tais águas em direção ao Atlântico Norte. Três caminhos principais são classicamente identificados para tal retorno (Rintoul et al., 2001; Speer et al., 2000): águas superficiais antárticas fluindo através do Estreito de Drake juntamente à CCA; águas superficiais do Índico passando ao Atlântico pelo extremo sul da África através da Corrente das Agulhas e seus vórtices; e águas intermediárias formadas ao longo do limite norte da CCA (Água Intermediária Antártica - AIA). É importante enfatizar que, por águas superficiais, quer-se aqui dizer águas na região da base da termoclina. Modernamente, a terceira via de retorno, ou seja, através da formação de águas intermediárias ao longo da CCA, vem ganhando relevância. De fato, o Oceano Austral vem ganhando destaque quanto a sua influência sobre o cinturão global de revolvimento meridional, fornecendo o principal caminho de retorno das águas profundas a camadas 4 intermediárias (Orsi et al., 1999; Rintoul et al., 2001; Sloyan & Rintoul, 2001b). Diversos trabalhos (Speer et al., 2000; Sloyan & Rintoul, 2001b; Karsten & Marshall, 2002) propõe uma grande importância da ação conjunta da atividade de meso-escala e do vento na formação de uma “célula de Deacon”, que sustenta dinamicamente este processo. Figura 2. Uma visão moderna da célula de revolvimento meridional, proposto incialmente por Broecker (1991) (adaptado de Rahmstorf, 2002). São apresentados os 3 principais caminhos de retorno para de águas profundas e de fundo através do Atlântico Sul – Drake, sul da África e formação de águas intermediárias no Atlântico Sul. Em decorrência deste cinturão de revolvimento meridional, podemos observar um fluxo médio de calor resultante em direção ao norte em todo o Oceano Atlântico. Esta informação está representada na figura 3, que apresenta valores para o transporte meridional de calor total e por bacia oceânica, estimados de forma indireta por Houghton et al. (1996). Este calor, uma vez liberado para a atmosfera no Atlântico Norte, é responsável pela manutenção de invernos relativamente quentes na Europa. Para se ter uma idéia quantitativa da importância deste mecanismo, segundo Broecker (1991), o interrompimento do cinturão de revolvimento meridional teria causado no passado decréscimos entre 5 e 8ºC na temperatura média sobre a Groenlândia e Europa. 5 Figura 3. Transporte meridional médio de calor (PW) por bacia oceânica, estimado indiretamente (Houghton et al., 1996). Destaca-se a bacia do Atlântico por apresentar transportes para norte também ao longo do hemisfério sul. Esta visão esquemática proposta por Broecker (1991) vem sendo gradativamente acrescida de detalhes em diversos trabalhos (ex.: Ramstorf, 2002; Schmitz, 1995), corroborando a importância da célula de revolvimento meridional sobre o clima. Uma revisão interessante da evolução da idéia do cinturão de revolvimento meridional é feita no trabalho de Richardson (2008). Em termos quantitativos, segundo Czaja & Marshall (2006), em relação à atmosfera, o oceano apresenta um maior transporte total de energia por unidade de massa em direção aos pólos entre o equador e aproximadamente 40-50º de latitude. Já a atmosfera apresenta um maior transporte de massa em quase todas as latitudes, referente aos níveis mais próximos à superfície – com maior temperatura potencial (~1011Kg/s contra ~0.2x1011Kg/s no oceano). Como resultante, a atmosfera domina o fluxo total de calor em latitudes superiores a 17-20º (Trenberth & Caron, 2001; Czaja & Marshall, 2006). Tal balanço esta representado na figura 4, que apresenta o fluxo de calor necessário para o equilíbrio radiativo, calculado a partir de dados de radiação (RT) no topo da atmosfera, o fluxo de calor pelos oceanos derivado dos dados do NCEP (OT) e o transporte atmosférico (AT) como diferença entre os dois primeiros, segundo Trenberth & Caron (2001). Os valores apresentados na figura 4 representam médias zonais globais dos transportes de calor. 6 Figura 4. Transporte total de calor derivado de dados de radiação no topo da atmosfera (RT), fluxo de caloratravés dos oceanos (OT) e transporte atmosférico (AT) (Trenberth & Caron, 2001). Uma característica importante está subentendida na diferença de localização dos picos de transporte pelo oceano e pela atmosfera na figura 4. Enquanto o transporte de calor na atmosfera se dá principalmente pela propagação de perturbações, o transporte oceânico é atribuído principalmente às correntes médias – principalmente às correntes de contorno oeste. A CCA constitui um caso à parte deste cenário, pois estima-se que o transporte meridional através da corrente média se dê pelas perturbações de meso- escala. De uma forma geral, no entanto, o transporte de calor oceânico pode ser dividido entre as contribuições dos giros subtropicais, forçados pelo vento, e da célula de revolvimento meridional. Um exemplo desta distinção é dado pela observação do fluxo de calor resultante para sul no Pacífico Sul, onde é dominado pelo giro subtropical, contrastando com transporte resultante para norte no Atlântico Sul, onde a componente “profunda”, referente ao cinturão de revolvimento meridional, é dominante (Fig. 3; Tab. 1). Alguns valores para estas duas componentes em diferentes bacias oceânicas são apresentados na tabela 1, a seguir. 7 Tabela 1. Fluxos de calor integrados zonalmente ao longo seções em diferentes bacias oceânicas, segundo Talley (2003). Por camada superficial se entende aquela sob influência do vento e por circulação termohalina a contribuição de águas profundas e de fundo. SEÇÃO CAMADA SUPERFICIAL CIRCULAÇÃO TERMOHALINA TOTAL Atlântico 24ºN 0.40PW 0.88PW 1.28PW Pacífico 24ºN 0.57PW 0.27PW 0.81PW Atlântico 32ºS -0.11PW 0.34PW 0.23PW Pacífico 28ºS* -0.38PW -0.19PW -0.43PW Índico 28ºS** -0.27PW -0.24PW -0.59PW * Deve-se levar em conta ainda 0.06PW de fluxo através da Indonésia e 0.08PW através do Estreito de Bering; ** Deve-se levar em conta ainda -0.07PW de fluxo através da Indonésia. Através da estimativa fornecida por Stommel & Arons (1960b), de que uma parcela de água leva cerca de 200 a 1800 anos para completar um circuito no cinturão de revolvimento meridional, podemos perceber que este atua redistribuindo a energia térmica na Terra em escalas de tempo muito longas. Assim, apesar de o oceano possuir uma menor contribuição quantitativa no fluxo de calor em relação à atmosfera (Fig. 4) em termos médios globais, sua importância sobre o equilíbrio do sistema climático fica evidente devido às escalas de tempo envolvidas. A grande inércia térmica, segundo destacado por Wigley (2005) e Broecker (1991), faz com que perturbações neste mecanismo possam gerar conseqüências ao longo de décadas a milênios. Conseqüentemente, nos ocorre a pergunta sobre como a variabilidade na célula de revolvimento meridional pode influenciar o clima global. Mais ainda, como as ditas “mudanças climáticas globais” afetam este processo e quais os possíveis mecanismos de retorno deste sinal para a atmosfera? Para responder a estas questões, no entanto, é necessário primeiramente identificar claramente as zonas de formação de águas profundas e de fundo no oceano e entender os mecanismos que as influenciam. Os artigos de Stommel & Arons (1960ab) trabalham com a hipótese de duas regiões de formação, uma no Atlântico Norte e outra no Mar de Weddel, que podemos associar respectivamente as massas d’água Profunda do Atlântico Norte (APAN) e Água de Fundo Antártica (AFA). Segundo estimativas, ambas as fontes contribuem com cerca de 20Sv (1Sv = 106m3/s) de águas profundas/de fundo. Broecker (1991), no entanto, enfatiza o papel da APAN em seu cinturão de circulação, relegando à fonte austral um papel secundário. Esta linha de raciocínio foi 8 seguida por diversos trabalhos, que visaram explorar a influência da zona de formação no Mar da Groenlândia e sua variabilidade sobre o cinturão de revolvimento meridional. Nos últimos anos tal visão vem se modificando, com uma importância crescente sendo atribuída ao Mar de Weddel, e à AFA, sobre o cinturão de revolvimento meridional e o clima terrestre. Em parte, isso se deve a um maior conhecimento da região, com a organização de mais campanhas de coleta e o desenvolvimento do sensoriamento remoto, levando a uma conseqüente maior disponibilidade de dados. Por outro lado, o desenvolvimento teórico e esforços de modelagem vêm levando à melhor compreensão dos processos oceanográficos ocorrentes no Oceano Austral. Dentro das recentes campanhas de coleta de dados no Oceano Austral devemos citar o programa “World Ocean Circulation Experiment” (WOCE) de 1990 a 2002, o projeto “International Southern Ocean Studies” (ISOS) na década de 70 e os satélites altimétricos TOPEX/POSEIDON. Para se ter uma idéia mais precisa, estima-se hoje que mais de 50% do volume do oceano mundial seja proveniente de massas d’água formadas no Oceano Austral (Simmonds & King, 2004). São propostas na literatura diversas conexões entre os processos do Oceano Austral e o restante do Oceano Mundial. Como exemplo, podemos citar o trabalho de Toggweiler & Samuels (1995) como o primeiro a propor uma influência direta da circulação na camada de Ekman no Oceano Austral sobre a taxa de formação da APAN, no hemisfério norte. Como destacado no relatório AR4 do “International Panel on Climate Change” (IPCC, 2007), a partir de observações realizadas desde 1961, observa-se um aumento da temperatura média dos oceanos até 3000m de profundidade, decorrente do fato de ser o oceano responsável pela absorção de 80% de todo calor adicionado ao sistema climático neste período. Soma-se a isto a intensificação nas correntes de jato atmosféricas em altas latitudes, transferindo energia cinética para atividade de meso escala no oceano nesta região, e a falta de uma tendência estatisticamente significativa de variação do manto de gelo antártico. Dessa forma, podemos especular que a dinâmica do Oceano Austral, particularmente sob o ponto de vista dos fluxos meridionais de calor, é um fator preponderante na variação da intensidade e características de formação da AFA e, conseqüentemente, do cinturão de revolvimento meridional. 9 De fato, apesar de não ser observada uma tendência de diminuição do manto de gelo como um todo, a variabilidade local deste em regiões importantes de formação da AFA possui uma contribuição importante sobre as características e volume da água formada. Valendo-se de modelos inversos, Sloyan (1997) e Sloyan & Rintoul (2001a) destacam o papel do Oceano Austral, mais especificamente da Corrente Circumpolar Antártica (CCA), na conversão de águas profundas e de fundo, oriundas tanto do Atlântico Norte quanto do Mar de Weddel, em águas intermediárias; e na interconexão entre as bacias oceânicas, de forma a participar ativamente nas contribuições de águas intermediárias provenientes do Pacífico e do Índico para o Atlântico Sul. É interessante notar como os autores destacam o domínio da Água Circumpolar Profunda (ACP) e da Água de Fundo Antártica (AFA) sobre o cinturão de revolvimento meridional, relegando a APAN um papel secundário – uma inversão do proposto inicialmente por Broecker (1991). Já Stössel & Kim (2001) relacionam a variabilidade na formação da AFA à variação no fluxo da APAN no Atlântico Sul e na intensidade da célula de revolvimento meridional. Os autores propõem que tal variabilidade na formação da AFA está ligada a anomalias na quantidade de Água Circumpolar Profunda (ACP) entrando no Mar de Weddell. Nota-se neste trabalho a lacuna deixada sobre o caminho percorrido pelaAPAN até fazer parte da formação da AFA, particularmente através do Oceano Austral. Lefebvre & Goosse (2008) mostram que a área com maior decréscimo previsto na cobertura de gelo, de acordo com os modelos utilizados no IPCC, é justamente a região central do Mar de Weddel. Realmente, em um levantamento baseado em imagens de radar de abertura sintética, Rignot et al. (2008) afirmam que nos últimos dez anos o aumento da perda de gelo do continente Antártico para o mar foi de 75%. Mais ainda, segundo os autores "a mudança na temperatura do oceano ao redor do continente antártico é a principal razão para explicar esse processo". Não está clara, ainda, a forma pela qual esta entrada de águas no Mar de Weddel se dá, ou qual sua contribuição para o aumento na temperatura do mar em comparação aos fluxos atmosféricos locais. No entanto, estima-se atualmente que o efeito da atividade de meso-escala possa ser um processo chave. 10 1.3 - ENTENDENDO A CORRENTE CIRCUMPOLAR ANTÁRTICA A Corrente Circumpolar Antártica (CCA) representa um papel chave no cinturão de revolvimento meridional (MOC, em inglês “Meridional Overturning Circulation”), funcionando como rota de conexão entre as bacias oceânicas e as zonas de formação de águas profundas e de fundo. Assim, é fundamental que se entenda o comportamento dinâmico desta corrente, esclarecendo como se dá a interação entre esta e os demais componentes do MOC. A CCA constituí o mais longo e forte sistema de correntes do globo, com transporte estimado de 130-140Sv, circundando a Terra aproximadamente entre as latitudes de 50º e 60ºS, correspondendo a um perímetro de cerca de 24.000Km (Olbers et al., 2004). Devido a estas características e ao fato de ser uma corrente profunda, chegando geralmente até o leito oceânico, a CCA limita as trocas meridionais influenciando profundamente as possíveis formas de interação entre as águas mais ao Sul, ao redor do continente Antártico, e o restante do oceano global. Segundo Gille (1994), enquanto a componente baroclínica do transporte parece bastante estável, a componente barotrópica possui uma variabilidade da ordem de 50Sv, com um desvio padrão de 10Sv. Tais informações resultam de medições realizadas no âmbito do “International Southern Ocean Studies” (ISOS). Quanto a sua estrutura horizontal, a CCA corresponde a um sistema fragmentado de jatos de intensidades variáveis (Olbers et al. 2004). Ela pode ser dividida em uma série de frentes definidas por fortes gradientes na temperatura da superfície do mar (TSM) correspondentes às fronteiras entre diferentes massas d’água, que se encontram bem determinadas em locais como o Estreito de Drake, podendo se fundir ou se dividir em outras regiões (Rintoul et al., 2001). Segundo Orsi et al. (1995), as duas principais frentes que definem a região de abrangência da CCA são a Frente Subantártica (FSA) e a Frente Polar (FP) (Fig. 5), estando associadas a fortes correntes superficiais. Quanto à estrutura vertical, Rintoul et al. (2001) destaca que isolinhas de todas as propriedades apresentam de uma forma geral aclive em direção ao pólo sul ao longo da CCA, através de uma série de “degraus” correspondentes às frentes. Dessa forma, a localização dessas frentes será determinante sobre a distribuição do campo de massa e definição das diferentes massas d’água que compõe o sistema da CCA. 11 A Frente Subantártica marca o limite norte da CCA, onde as águas superficiais frias afundam sob as águas tropicais mais quentes. Segundo Artamonov (2004), esta é a frente mais intensa na região, sendo de destacada importância por corresponder ao local de interação entre as águas circumpolares, as águas intermediárias de origem Antártica e as águas centrais das bacias adjacentes. A Frente Polar marca o limite sul superficial da CCA, sendo a fronteira entre águas circumpolares e a Água de Superfície Antártica (ASA). Modernamente, o limite sul da CCA vem sendo associado à extensão para sul, em subsuperfície, ate onde a Água Circumpolar Profunda Superior (ACPS) preserva suas propriedades, antes de se misturar completamente à ASA (Orsi et al., 1995). Figura 5. Fronteiras meridionais da Corrente Circumpolar Antártica (CCA) definidas pelas posições climatológicas da Frente Subantática (⧫) e da Frente Polar (⧫), determinadas por Orsi et al. (1999). Quanto às massas d’água presentes no eixo da CCA, segundo Orsi et al. (1999), as águas circumpolares são produto da mistura da Água Profunda do Atlântico Norte (APAN), que entra na CCA no Atlântico Sul, com águas profundas provenientes do Índico e do Pacífico e águas de origem antártica. De uma forma geral, se dá àquela água o nome de Água Circumpolar Profunda (ACP). Esta massa d’água pode ser sub-dividida em um ramo inferior (ACPI), que possui mais claro o sinal da contribuição da APAN através de um máximo de salinidade observado (S>34,7 segundo Orsi et al., 1995), e um ramo superior (ACPS) caracterizado por baixas concentrações de oxigênio e altas concentrações de nutrientes. Ao sul da Frente Polar, a camada superficial é ocupada 12 pela Água de Superfície Antártica (ASA) que se estende até as proximidades da plataforma continental Antártica. A figura 6, a seguir, apresenta um modelo esquemático da distribuição de massas d’água na região da CCA. Nesta figura está também presente a Água de Fundo Antártica (AFA), formada a partir da mistura de águas circumpolares profundas com águas de plataforma ao redor da Antártica. No entanto, esta massa d’água passa diretamente a bacias oceânicas adjacentes, sob a CCA, somente em alguns poucos pontos do oceano Austral, como na fossa das Ilhas Sandwich no Atlântico Sul. Figura 6. Esquema ilustrando a distribuição de massas d’água na região da Corrente Circumpolar Antártica (Olbers et al., 2004) e a célula de Deacon de circulação meridional. Nesta figura, ACC corresponde à Corrente Circumpolar Antártica, AAIW é a Água Intermediária Antártica, UCDW é a Água Circumpolar Profunda Superior, LCDW é a Água Circumpolar Profunda Inferior, NADW é a Água Profunda do Atlântico Norte e AABW é a Água de Fundo Antártica. Classicamente, estimativas do transporte zonal da CCA são feitas através da hipótese de que o balanço meridional da quantidade de movimento é basicamente geostrófico, ou seja, que o transporte zonal é determinado por gradientes meridionais de pressão, correspondentes a um declive de cerca de 1,5m da superfície do mar na direção sul, ao longo da largura da CCA (~600Km), e aos gradientes de densidade através das frentes (Olbers et al., 2004). Assim, à componente barotrópica, relativa à elevação da superfície oriunda do transporte meridional de Ekman na camada superficial, corresponde velocidades para 13 leste. Já a componente baroclínica, relativa à distribuição interna do campo de massa na coluna d’água, determina, por intermédio das relações do vento térmico, um gradiente positivo da velocidade geostrófica. Portanto, a velocidade diminui em direção ao fundo (z positivo para cima), sem chegar entretanto a inverter de direção ao longo da coluna d'água. A CCA flui por três passagens restritas ao longo de seu caminho: O Estreito de Drake, entre a América do Sul e a Península Antártica; ao sul da África do Sul; e entre a Austrália, mais precisamente a Tasmânia, e a Antártica. Por ser a passagem mais estreita, as medições na CCA são mais freqüentes no estreito de Drake. Portanto, este é geralmente utilizado como referência para calibração e comparação de modelos numéricos do Oceano Austral. A Tabela 2, a seguir,apresenta algumas estimativas de transporte realizadas no Oceano Austral. Tabela 2. Alguns transportes zonais estimados em dois pontos chave para a CCA. LOCALIZAÇÃO CAMPANHA TRANSPORTE MÉDIO Estreito de Drake ISOS1 134 ±13Sv WOCE2 SR1 136,7 ±7,8Sv DRAKE793 123 ±25Sv Sul da Austrália WOCE SR3 147 ±10Sv Ao longo de seu circuito circumpolar, a CCA meandra à medida que é defletida pela topografia do fundo, particularmente no Arco de Ilhas Scotia, no platô de Kerguelen e nas cadeias de montes submarinos Macquarie e Pacífico-Antártica (Cunnigham, 2005). Chama-se a estes meandros e vórtices de estacionários, por estarem associados à batimetria, não variando sua posição com o tempo. Observamos também na CCA atividade de meso-escala dissociada da batimetria, a qual chama-se de transiente. O processo de formação de tal atividade não está ainda claro, sendo porém sugerido na literatura que a instabilidade baroclínica possa constituir um fator chave em determinados locais, como o Estreito de Drake (Gallego et al., 2004; Rintoul et al., 2001; Holloway, 1986; Wright, 1981). Além disso, a propagação de ondas planetárias, como teorizado por Hughes (1996), pode ter uma influência sobre a 1 International Southern Ocean Studies 2 World Ocean Circulation Experiment 3 Campanha de medições realizada na Passagem de Drake em 1979 14 variabilidade observada. Atribui-se a esta atividade de meso-escala um papel preponderante nos equilíbrios dinâmico e termodinâmico na CCA, como será discutido adiante. Balanço dinâmico da CCA Entender como se dá o balanço dinâmico da CCA é necessário, uma vez que a principal teoria para este está intimamente ligada à estrutura vertical das perturbações – um dos objetos de investigação do presente estudo. Uma das características mais marcantes da circulação no Oceano Austral está na falta de uma barreia meridional na faixa de latitudes do estreito de Drake (Rintoul et al., 2001; Olbers et al., 2004). Devido a esta característica, o balanço dinâmico meridional não pode ser explicado pela teoria clássica de Sverdrup (1947), que explica a existência a circulação nas camadas superiores do oceano mundial a partir do rotacional do vento, segundo a expressão βV=∇×τ0 , na qual V a velocidade meridional integrada na profundidade e β o gradiente meridional do parâmetro de Coriolis. Se considerarmos um circuito circumpolar de integração x, ∫Vdx deve ser nulo devido à conservação de massa do oceano ao sul. No entanto, a integral do rotacional da tensão do vento não é nula, acarretando a falha do balanço (Olbers et al., 2004). Segundo Rintoul et al. (2001), medições realizadas no Estreito de Drake e ao sul da Nova Zelândia sugerem que o fluxo de quantidade de movimento devido a tensões laterais é pequeno em relação à tensão introduzida pelo vento. Tendo em mente o fato de não existirem barreiras meridionais e a pouca eficiência das tensões laterais de Reynolds no Oceano Austral, fica a pergunta: Qual o mecanismo capaz de balancear a quantidade de movimento introduzida pelos fortes ventos de oeste, prevenindo a CCA de acelerar indefinidamente? Estima-se que a resposta esteja na transferência vertical de quantidade de movimento. A turbulência tridimensional de pequena escala não é capaz de promover tal transferência, pois necessitaria de viscosidades muito acima daquelas observadas (Olbers et al., 2004). Assim, atribui-se ao efeito da variabilidade de meso-escala a responsabilidade pela transmissão da quantidade de movimento introduzida pelo vento 15 na superfície do mar para o restante da coluna d’água, como descrito em diversos trabalhos (Rintoul et al., 2001; Karsten & Marshall, 2002; Olbers et al., 2004). Dessa forma, o mecanismo mais importante na transferência de quantidade de movimento entre camadas no Oceano Austral é a tensão de forma interfacial (TFI) (Rintoul et al., 2001; Olbers et al., 2004; Gallego et al., 2004). Ela age em quaisquer locais onde as perturbações atuam deformando as superfícies isopicnais. A TFI transfere quantidade de movimento horizontal através de isopicnais inclinadas, devido à atuação de vórtices, por flutuações no gradiente de pressão. Outra questão relevante está em como se dá o transporte meridional de massa e calor através da CCA. Afinal, por ser uma corrente circumpolar profunda, a CCA funciona como uma espécie de barreira “isolando” o oceano ao sul das demais bacias (Rintoul et al., 2001). Sendo o balanço meridional de quantidade de movimento basicamente geostrófico, hipótese normalmente adotada como visto na descrição da CCA, e dada à importância dos fluxos meridionais, objetivo do presente trabalho, iremos nos concentrar no balanço zonal de quantidade de movimento. Uma maneira didática de entendermos este balanço zonal da CCA é através de um modelo simplificado apresentado por Olbers et al. (2004). Imaginemos uma seção circumpolar do Oceano Austral compreendida entre o continente Antártico e o limite norte da CCA, composta por três camadas, com as interfaces correspondendo a superfícies isopicnais. A primeira camada indo da superfície z=η0=ζ (onde ζ é a elevação da superfície livre) até alguma superfície z= -η1, incluindo a camada de Ekman; a camada intermediária indo desta isopicnal até z= -η2, que está acima das feições topográficas do fundo; e a terceira camada se estendendo até o leito oceânico. Assim, o balanço de quantidade de movimento pode ser escrito como: − f V 1=−η1 p1x +τ0−τ1−R1 − f V 2=η1 p1x−η2 p2x +τ0−τ2−R2 − f V 3=η2 p2x−hpbx +τ0−τb−R3 (1) Onde V i (i= 1, 2, 3) é o transporte meridional integrado em x (zonalmente) e z (verticalmente) em cada camada, o índice subscrito “b” representa processos que ocorrem no fundo e a barra indica média ao longo de um circuito circumpolar. Os 16 termos “η*i p*ix“ (i=1,2) representam as tensões de forma interfaciais, τ0 é a tensão do vento na superfície, τ1 e τ2 são as tensões nas interfaces (tensões viscosas – atrito entre as camadas) e Ri (i=1, 2, 3) representa o divergente das tensões de Reynolds laterais. Iremos assumir que Ri (i=1, 2, 3) podem ser desconsiderados, como discutido anteriormente e confirmado em Phillips & Rintoul (2000) a partir de medições realizadas com ADCP (correntômetro doppler) e CTD ao sul da Tasmânia. De fato, segundo os mesmos autores, as tensões interfaciais τ1 e τ2 também podem ser desconsideradas. Uma vez que o transporte meridional total de volume deve ser nulo para a conservação de massa do oceano ao sul da CCA (desprezando as contribuições da precipitação/evaporação), somando as três camadas em (1) podemos perceber que o balanço zonal de quantidade de movimento se dará entre a tensão do vento, a tensão no fundo (atrito) e a tensão de forma no fundo (TFF), respectivamente: τ 0−τb−hpbx≃ 0 (2) Assim, o fluxo para determinada direção em uma das camadas deve ser compensado com um fluxo resultante na direção contrária nas demais camadas. Ou seja, neste modelo subentende-se que há conversão de água de uma camada para outra ao sul da CCA, de forma a proporcionar continuidade de volume do oceano ao sul do circuito de integração quando consideramos as três camadas juntamente. Segundo Rintoul et al. (2001), está claramente estabelecido que o balanço é dominado pelo primeiro e terceiro termos da expressão (2), o que significa que a componente para norte do fluxo na camada de Ekman é compensada porum retorno para sul, em profundidade. Como as grandes feições topográficas no Oceano Austral não chegam à superfície, este retorno deve se dar em profundidades superiores a 2000m. Este modelo está de acordo com a conceituação de uma célula diabática de Deacon, apresentada em Speer et al. (2000). Os autores se baseiam em dados de fluxos em superfície do “Comprehencive Ocean-Atmosphere Data Set” (COADS) para deduzir um esquema de circulação meridional dividido em duas partes. Na célula superficial, águas intermediárias (Água Circumpolar Profunda Superior) ressurgem para camadas 17 superficiais ao longo da CCA onde são levadas para norte devido ao efeito dos ventos de oeste, voltando a afundar na Frente Subantártica. A célula inferior está relacionada à formação de águas de fundo próximo ao continente antártico, sua exportação para norte, e a entrada de águas profundas (Água Circumpolar Profunda Inferior) para “compensar” esta exportação. Podemos agora dividir o termo que representa o gradiente de pressão no fundo (tensão de forma no fundo) em uma parte barotrópica (ptro) e uma parte baroclínica (pclin). Assim: pclin =g∫ z 0 ρdz ptro=gζ (3) Olbers et al. (2004) destaca que, enquanto a TFF como um todo age retirando quantidade de movimento inserida pela tensão do vento, de acordo com a diferença de fase observada entre a densidade e a topografia do fundo, sua parte baroclínica atua de forma a acelerar a corrente para leste. Individualmente, ambas parcelas, barotrópica e baroclínica, do termo de pressão são muito maiores que a componente devido ao vento, por cerca de uma ordem de grandeza, porém com sinais contrários – de forma que quase se cancelam. Suponhamos, no entanto, que no modelo simplificado apresentado a densidade potencial do fluxo seja conservada (oceano adiabático). Dessa forma não será possível o transporte entre isopicnais e o argumento de conservação de massa deve se aplicar para cada camada individualmente, ou seja, V i=0 . A TFI deverá ser constante verticalmente, entre as camadas, e igual à tensão do vento e à TFF. Entretanto, o oceano real é diabático, ou seja, há mistura entre isopicnais devido à turbulência e trocas com a atmosfera. Assim, assumindo a existência da célula de Deacon de circulação meridional, o transporte através de certa latitude no Oceano Austral somente é possível devido às trocas entre as camadas ao sul desta latitude, implicando em uma conversão de massas d’água ao sul da CCA. 18 É aceito hoje que ocorra na realidade um misto entre estes dois modelos, ou seja, que parte do retorno necessário se dê em profundidade e parte na própria camada em questão. Assim, pode-se deduzir que o conceito de uma circulação guiada puramente pelo vento é inapropriado para o Oceano Austral, uma vez que a forçante do vento e de flutuabilidade (“buoyance”) estão intimamente ligadas. As circulações zonal e meridional estão conectadas, devendo haver um sumidouro de quantidade de movimento para leste e um fluxo de calor para sul para a manutenção da corrente média e estratificação observados (Karsten & Marshall, 2002). De uma forma geral, o equilíbrio da CCA é um produto da inclinação das isopicnais devido ao fluxo de Ekman na camada superficial, da inclinação oposta das isopicnais devido à ação dos vórtices de meso-escala e da transformação de massas d ´água por fluxos diabáticos de calor e volume (Gallego et al., 2004). 1.4 - O PAPEL DA VARIBILIDADE DE MESO-ESCALA De acordo com Huang et al. (2006), corresponde ao Oceano Austral, juntamente com a região equatorial, a maior parte da energia introduzida pelos ventos no oceano mundial, assim como a maior variabilidade na circulação em escalas interanuais a interdecadais. Os ventos de oeste dominam a circulação atmosférica na faixa de latitudes da CCA, acarretando um transporte de água para norte segundo a teoria clássica de Ekman. Deve haver, portanto, um fluxo de água para sul de forma a proporcionar a continuidade de volume do oceano ao sul da CCA, compensando o transporte para norte na camada de Ekman. Este transporte de águas para sul é necessário também sob o ponto de vista do balanço de calor ao sul da Frente Polar. Se nos referirmos à célula de Deacon proposta por Speer et al. (2000), esse transporte deverá ser de Águas Circumpolares Profundas (ACP). No entanto, recordando o modelo discutido na descrição do balanço dinâmico da CCA, onde podemos relacionar a camada mais superficial à camada de Ekman, constituída pela água de superfície, e a segunda camada à ACP, inferimos que o modelo de Speer et al. (2000) não ocorre necessariamente na realidade. Isso se deve ao fato de a contribuição local pela variabilidade ser capaz de igualar, ou até mesmo superar, o 19 transporte na camada superfial. De fato, segundo Karsten & Marshall (2002), experimentos de modelagem numérica que resolvem marginalmente as flutuações de meso-escala mostram muitas vezes a eliminação desta célula de Deacon. Assim, se impõe a questão de como tal transporte se dá. Como visto anteriormente, por não possuir barreiras meridionais acima de 2000m, não sustentando então gradientes zonais médios de pressão, a CCA não pode ser completamente explicada pela teoria clássica de Sverdrup. Portanto, um transporte meridional geostrófico médio não pode ser sustentado nesta faixa de profundidades. A célula de Deacon traduz dessa forma um comportamento médio, integrado zonalmente, onde a contribuição da variabilidade está expressa no transporte de águas profundas para sul. Localmente, no tempo e espaço, os transportes pelas perturbações podem cancelar, ou até mesmo superar, o transporte para norte devido a ação do vento na camada superior do Oceano Austral. De fato, diversos autores atribuem à variabilidade de meso-escala tal papel, como por exemplo: de Szoeke & Levine (1981), Wright (1981), Nowlin & Klinck (1986), Phillips & Rintoul (2000), Rintoul et al (2001), Karsten & Marshall (2002) e Olbers et al (2004). Dessa forma, à variabilidade são atribuídos papéis sobre o balanço dinâmico da CCA, através da TFF; o transporte meridional de águas circumpolares, proporcionando a continuidade de volume ao sul da CCA; e o balanço térmico ao sul da CCA, compensando o calor perdido do oceano para a atmosfera. O esquema apresentado na Figura 7 ilustra a hipótese, que guia o presente estudo, de ser o fluxo de calor proporcionado pela atividade de meso-escala o responsável por compensar o fluxo integrado resultante para norte na camada de Ekman e as perdas para a atmosfera. 20 Figura 7. Esquema ilustrando os principais processos responsáveis pelo fluxo de calor através da Frente Polar, no Oceano Austral. Está destacado em vermelho o fluxo pela atividade de meso-escala, tema da presente Tese. Porém, quais as escalas temporal e espacial de tal variabilidade? De acordo com Olbers et al. (2004), vórtices transientes com escalas de dezenas a poucas centenas de quilômetros constituem uma característica proeminente ao longo do caminho da CCA, o que é bem maior que o raio de deformação de Rossby do 1º modo baroclínico médio para o Oceano Austral, que está entre 5 e 40 Km (Houry et al., 1987; Chelton et al., 1998). Além disso, é comum se observar vórtices estacionários relacionados a feições topográficas. Tais resultados concordam com estudos realizados através de altimetria por satélites (Stammer, 1997, 1998; Keffer & Holloway, 1988). Deve-se enfatizar, no entanto, que estas conclusões sobre adinâmica do Oceano Austral, suas escalas espaciais e temporais e o papel da variabilidade de meso-escala são, de uma forma geral, baseadas em fontes de dados pobres em amostragem espacial e temporal. Assim, são necessárias estimativas mais precisas sobre a contribuição de cada termo que constitui balanço térmico entre oceano e atmosfera, para a construção de um conhecimento sólido sobre os balanços dinâmico e termodinâmico do Oceano Austral e sua interação com as bacias adjacentes. Particularmente na região compreendendo o Mar de Weddel, é necessário estudar o processo de entrada de águas profundas provenientes da CCA (Água Circumpolar Profunda - ACP), que representa uma importante contribuição no processo de formação de água de fundo. 21 De fato, a estrutura, localização das regiões mais energéticas e descrição dinâmica da atividade de meso-escala no Oceano Austral são temas ativos de pesquisa. É exatamente neste vazio do conhecimento que o presente trabalho se insere. 1.5 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS E ESTRUTURA DA TESE O balanço de calor ao redor do continente antártico vem sendo um tema ativo de pesquisa nos últimos 30 a 40 anos. Destacamos o trabalho de de Szoeke & Levine (1981), que estimam indiretamente a contribuição da variabilidade a partir do cálculo de propriedades derivadas de grandezas mais “facilmente” mensuráveis: as contribuições médias por fluxos barotrópicos e baroclínicos e na camada de Ekman. Comparando os valores calculados com estimativas de perda calor da superfície do oceano para a atmosfera, obtidas a partir de dados de radiometria através de satélites, os autores são capazes de calcular a contribuição pela variabilidade de meso-escala, necessária para fechar o balanço. No entanto, a base de dados hidrográficos utilizada por de Szoeke e Levine (1981) possui uma distribuição espacial heterogênea, pobre em várias regiões ao redor do continente Antártico, tendo sido necessário o agrupamento das estações hidrográficas utilizadas em polígonos de aproximadamente 1,25° de latitude por 2,5° de longitude. Além disso, a base de ventos utilizada no cálculo do transporte na camada de Ekman foi estimada de uma figura publicada por Taylor et al. (1978). Hoje em dia, entretanto, há disponibilidade de dados de diversas fontes (sensoriamento remoto, programas recentes de coletas de dados, climatologias e reanálises) que permitem um cálculo mais preciso das componentes do balanço de calor. Além disso, a modelagem computacional pode ser utilizada para ajudar na compreensão dos processos envolvidos e da estrutura vertical das perturbações responsáveis por tal transporte. Particularmente, a disponibilização de climatologias de temperatura e salinidade possibilita a estimativa de fluxos que representam de forma mais fidedigna o estado médio do Oceano Austral. Entretanto, informações sobre a estrutura vertical e natureza da atividade de meso-escala continuam difíceis de se obter. Algumas campanhas de coleta de dados 22 visam explicar este processo, como é o caso dos fundeios de correntômetros utilizados por Phillips & Rintoul (2000). Porém, não há medições diretas disponíveis suficientes para obtermos uma visão circumpolar. Dessa forma, as estimativas feitas a partir de tais dados esparsos pecam por não serem capazes de representar a grande variação espacial da atividade de meso-escala. Mesmo a capacidade de tal atividade em fornecer os fluxos para sul necessários ao fechamento do balanço não foi ainda comprovada. Tendo em vista a lacuna no conhecimento sobre o equilíbrio termodinâmico do Oceano Austral, particularmente sob o ponto de vista da variabilidade de meso-escala, e sua influência sobre o sistema climático da Terra, podemos enumerar como objetivos específicos da presente Tese: 1.1. Quantificar a contribuição dos diversos processos responsáveis pelo balançoQuantificar a contribuição dos diversos processos responsáveis pelo balanço termodinâmico na região da Corrente Circumpolar Antártica – fluxostermodinâmico na região da Corrente Circumpolar Antártica – fluxos médios barotrópico e baroclínico, transporte na camada de Ekman e pelamédios barotrópico e baroclínico, transporte na camada de Ekman e pela variabilidade de meso-escala;variabilidade de meso-escala; 2.2. Identificar a localização das principais regiões de atividade de meso escalaIdentificar a localização das principais regiões de atividade de meso escala na Frente Polar, com foco sobre a região adjacente ao Oceano Atlânticona Frente Polar, com foco sobre a região adjacente ao Oceano Atlântico Sul, e investigar seu papel sobre o balanço termodinâmico do OceanoSul, e investigar seu papel sobre o balanço termodinâmico do Oceano Austral e na advecção de águas circumpolares meridionalmente através daAustral e na advecção de águas circumpolares meridionalmente através da CCA;CCA; 3.3. Descrever a estrutura vertical das perturbações de meso-escala eDescrever a estrutura vertical das perturbações de meso-escala e caracterizar sua composição dinâmica.caracterizar sua composição dinâmica. Para atingir os objetivos da presente Tese, inciamos por uma descrição das principais bases de dados e da simulação numérica utilizadas. Diversas fontes de dados são utilizadas no presente estudo, englobando desde climatologias hidrográficas e de ventos, dados de satélites e resultados de modelos numéricos. A seguir, construímos uma visão inicial da circulação média no Oceano Austral, de forma a fornecer os subsídios necessários ao desenvolvimento do restante do trabalho. Neste capítulo (3) analisamos separadamente as circulações zonal e meridional no Oceano Austral através da teoria geostrófica clássica. O passo seguinte consiste no cálculo dos termos envolvidos no balanço de calor através da Frente Polar, proposto por de Szoeke & Levine (1981), a partir de bases de 23 dados atuais. Dessa forma, atualizamos os resultados originalmente obtidos pelos autores supracitados. Neste mesmo capítulo, propomos a aplicação de dois modelos paramétricos, baseados em fontes de dados independentes, de forma a fornecer uma estimativa direta dos fluxos de calor bem como sua variação geográfica. Passamos, então, a uma avaliação da capacidade da simulação numérica em representar os principais fenômenos oceanográficos no Oceano Austral. Dessa forma, podemos obter segurança nas análises realizadas a partir dos resultados da simulação. A partir desta avaliação, calculamos os fluxos de calor através da Frente Polar nos resultados do modelo e os comparamos com as estimativas anteriores. Em seguida, buscamos compreender a estrutura vertical da variabilidade de meso-escala. Para tanto, utilizamos uma climatologia de temperaturas e salinidades e os resultados do cálculo geostrófico, fornecendo uma visão da estrutura média dos modos de propagação de perturbações que podem ser excitados, cerca de um ano de dados de correntometria coletados in situ, de forma a obtermos uma estimativa o mais realista possível da estrutura, e dos resultados da simulação para visualizarmos a distribuição geográfica da estrutura da variabilidade. Com o conhecimento da estrutura vertical derivada dos resultados da simulação numérica, sugerimos uma série de metodologias onde recalculamos os fluxos de calor, aliando esta informação aos campos superficiais de temperatura e elevação obtidos a partir de sensoriamento remoto. Dessa forma, obtemos estimativas diretas do fluxo de calor e sugerimos ferramentas que podem ser utilizadaspara o acompanhamento da evolução temporal deste a partir de sensoriamento remoto. Passamos, então, à caracterização da variabilidade de meso-escala na Frente Polar, a partir da hipótese de ser esta composta fundalmentalmente por vórtices oceânicos e ondas de Rossby. Para tanto utilizamos de dados de altimetria por satélites e dos resultados da simulação. O capítulo final da presente Tese consiste na reunião e discussão dos resultados obtidos ao longo do desenvolvimento desta, bem como na apresentação das conclusões obtidas a respeito do papel da variabilidade de meso-escala sobre o balanço termodinâmico no Oceano Austral. 24 2 - BASES DE DADOS E MODELAGEM UTILIZADAS Os oceanos do hemisfério sul, particularmente em altas latitudes, possuem uma baixa densidade de dados coletados in situ quando comparados ao hemisfério norte. Mesmo com os recentes programas de coletas de dados realizados no Oceano Austral, há ainda pouca informação para que possamos descrever com detalhe o comportamento dinâmico e a estrutura vertical das principais feições oceanográficas, principalmente sob o ponto de vista circumpolar. No entanto, as informações recentemente levantadas levaram a uma mudança de foco, chamando a atenção sobre esta região. Dessa forma, para estudarmos a circulação no Oceano Austral é fundamental utilizamos de diferentes bases de dados. Descrevemos brevemente, a seguir, as principais bases de dados utilizadas, sendo elas: a climatologia de dados hidrográficos “World Ocean Database 2001”; um produto de altimetria por satélites satélites fornecido pela AVISO; e resultados de uma simulação global em alta resolução realizada com o modelo “Hybrid Coordinate Ocean Model” (HYCOM). Somando às bases descritas neste capítulo, utilizamos também dados de temperatura da superfície do mar, obtidos através de satélites, além de seções de perfilagem com “Acoustic Doppler Current Profiler” (ADCP) e dados de um fundeio com correntômetros na região da Frente Polar, ambos coletados durante o programa WOCE. Estes dados serão descritos juntamente com suas aplicações específicas no decorrer do texto. 2.1 - WORLD OCEAN DATABASE 2001 (WOD01) A climatologia “World Ocean Database 2001” (WOD01) contém médias anuais, sazonais e mensais de temperatura, salinidade, oxigênio, nitrato, fosfato e sílica do oceano mundial, além de médias anuais e sazonais de clorofila em superfície. As informações estão distribuídas em uma grade horizontal de 1ºx1º e 33 níveis verticais (exceto para clorofila – somente em superfície), correspondendo às profundidades de 0m, 10m, 20m, 30m, 50m, 75m, 100m, 125m 150m, 200m, 250m, 300m, 400m, 500m, 600m, 700m, 800m, 900m, 1000m, 1100m, 1200m, 1300m, 1400m, 1500m, 1750m, 25 2000m, 2500m, 3000m, 3500m, 4000m, 4500m, 5000m e 5500m. A WOD01 representa um aprimoramento das bases de dados oceânicos do “National Oceanographic Data Center” (NODC) da NOAA, liberadas inicialmente como “World Ocean Atlas 1994” (WOA94), e seguidas pela “World Ocean Database 1998” (WOD98). A WOD01 expande a base WOD98, incluindo variáveis e tipos de dados novos, sendo formada a partir de 7.037.213 estações oceanográficas coletadas entre os anos de 1900 e 2000. A tabela 3 apresenta uma comparação entre as diferentes climatologias citadas, com as fontes e o número de estações de coleta de dados utilizadas em cada uma (http://www.noc.soton.ac.uk/OTHERS/woceipo/). Tabela 3 Comparação do número de estações da WOD01 com bases de dados anteriores (adaptado de Conkright et al., 2002). Tipo de dado “Climatological Atlas of the World Ocean” (1982) WOA94 WOD98 WOD01 Dados de estações e perfis C/STD com baixa resolução. 425.000 1.194.407 1.373.440 2.121.042 Perfis de CTD com alta resolução - 89.000 189.555 311.943 Perfis de MBT 775.000 1.922.170 2.077.200 2.376.206 Perfis de XBT 290.000 1.281.942 1.537.203 1.743.590 Bóias fixas - - 107.715 297.936 Bóias de deriva - - - 50.549 Bóias perfiladoras - - - 22.637 Ondógrafos - - - 37.645 Batitermógrafo autônomo. - - - 75.665 Total de estações 1.490.000 4.487.519 5.285.113 7.037.213 O WOD01 deriva de dados de vários projetos recentes, entre os quais: “Intergovernmental Oceanographic Commission” (IOC) / NODC “Global Oceanographic Data Archaeology and Rescue project” (GODAR), (Levitus et al., 1998, Levitus et al., 1994), NODC “Global Ocean Database project”, IOC “World Ocean Database project”, “Global Temperature-Salinity Profile Project” (GTSPP), “World Ocean Circulation Experiment” (WOCE), “Joint Global Ocean Flux Studies” (JGOFS) e “Ocean Margin Experiment” (OMEX). 26 Figura 8. Distribuição das estações constituintes do WOD01, destacando as contribuições dos principais programas de coleta de dados ( http://www.soc.soton.ac.uk/OTHERS/woceipo/ipo.html ) . Pode-se observar a cobertura relativamente pobre sobre as altas latitudes do Atlântico Sul e Oceano Austral. 2.2 - ALTIMETRIA DA SUPERFÍCIE DO MAR AVISO Com a dificuldade de coleta de dados in situ, a visualização e análise de processos de larga escala no oceano se torna difícil. Mesmo com a utilização de climatologias, como a WOD01, persiste o problema da impossibilidade da análise temporal de processos. Além disso, o espaçamento de grade da climatologia não é capaz de resolver fenômenos na ordem do Raio de Deformação de Rossby, que no Oceano Austral é de aproximadamente 5-40km (para o 1º modo baroclínico). É justamente esta a escala dos processos de meso-escala em foco no presente estudo. 27 Utilizamos no presente trabalho anomalias de elevação da superfície do mar, geradas a partir da interpolação ótima de dados provenientes das plataformas TOPEX/POSEIDON, GFO, Jason-1, ERS1/2 e ENVISAT, junto com dados dinâmicos auxiliares. Esta base de dados é disponibilizada gratuitamente pela AVISO (www.aviso.oceanobs.com), com uma resolução espacial de 1/3°x1/3° em grid Mercator e abrangendo de agosto de 2001 até o presente. No presente trabalho utilizamos uma série temporal de dados de elevação entre 21 de agosto de 2001 e 10 de abril de 2006. A utilização de dados de satélite permite a obtenção de séries temporais de dados em áreas extensas. Particularmente se tratando do produto da AVISO, a resolução espacial (1/3º) permite resolver, mesmo que marginalmente, os processos de meso-escala no Oceano Austral. Maiores informações podem ser obtidas em SALP (2006) ou diretamente na página da AVISO. Figura 9. Exemplo das órbitas dos satélites ERS (azul) e Topex/Poseidon (vermelho) utilizadas na composição da grade de dados de altimetria da AVISO (http://www.jason.oceanobs.com/html/alti/multi_sat_uk.html). 2.3 - MODELAGEM NUMÉRICA A utilização de resultados de modelagem numérica foi necessária para a análise da estrutura vertical dos processos de meso-escala e sua variação temporal. A modelagem computacional constitui uma poderosa ferramente por fornecer séries temporais das principais variáveis dinâmicas e conservativas, ao longo de toda a área de 28 estudo, distribuídas em uma grade regular. Passaremos, portanto, à descrição do modelo utilizado e das características particulares da simulação analisada. O “Hybrid Coordinate Ocean Model” (HYCOM) O HYCOM é um modelo geral de circulação oceânica de equações primitivas, desenvolvido a partir do “Miami Isopycnic-Coordinate Ocean Model” (MICOM). Sua principal característica é o esquema de coordenadas verticais. No oceano abertoe estratificado, as coordenadas verticais correspondem a isopicnais. Dessa forma, o modelo se comporta como um modelo de camadas, com o transporte se dando principalmente ao longo das isopicnais, sendo a componente diapicnal parametrizada. No entanto, na camada de mistura a coordenada vertical passa suavemente a uma grade cartesiana, ou “coordenada z”, acarretando um aumento de resolução desta camada onde as isopicnais se misturam. Ao se aproximar do leito oceânico o modelo utiliza coordenadas que seguem a topografia do fundo, ou “coordenadas σ”, prevenindo que as camadas se tornem muito finas em locais rasos e que as isopicnais encontrem o leito (Bleck et al., 2002; Wallcraft et al., 2003). Como descrito em Bleck et al. (2002), o HYCOM permite a escolha entre diversos esquemas para cálculo da mistura, tanto na camada de mistura superficial quanto para a mistura diapicnal. Dessa forma, é possível optar entre uma mistura nula, esquemas paramétricos de camada (ex.: Kraus Turner), esquemas não locais (ex.: KPP) ou modelos de fechamento de turbulência (ex.: Mellor-Yamada 2.5). Esta característica é particularmente interessante em estudos climáticos, por possibilitar a análise da influência da mistura no oceano sobre a circulação geral. No presente trabalho, a representação da mistura diapicnal é de fundamental importância devido ao papel particular desta na formação das massas d'água no Mar de Weddel, acarretando em uma representação correta da célula de Deacon. Foi utilizado o esquema KPP, ou “parametrização de perfil de K não local”, que alia ao perfil do coeficiente de difusão turbulenta (K) um termo não-local que inclui efeitos convectivos. Dessa forma, o esquema utilizado é capaz de representar corretamente as regiões de formação de massas d'água, importantes para o desenvolvimento da presente Tese. 29 Configuração da simulação Utilizamos no presente estudo os resultados de uma simulação global em alta resolução com o modelo HYCOM, disponibilizada para o presente trabalho pelo HYCOM Consortium. Detalhes da simulação podem ser obtidas em Smedstad et al. (2008). Uma análise interessante dos resultados da simulação para a bacia do Oceano Atlântico Sul é fornecida por Gabioux (2008). O domínio da simulação abrange longitudinalmente todo o globo, sendo delimitado pelos paralelos de 90°N e 78°S. À este domínio corresponde uma grade horizontal combinada de mercator, entre as latitudes de 78°S e 47°N, e bipolar mais ao norte. Dessa forma, evita-se uma singularidade no pólo norte. Deste domínio, dispusemos de uma porção relativa ao Oceano Atlântico Sul, compreendido entre as longitudes de 70°W e 30°E. A resolução espacial horizontal é de 1/12°, o que corresponde a um espaçamento entre pontos de grade de, aproximadamente, 6,5 km em média e 3,5 km próximo aos pólos. Esta resolução é capaz de resolver marginalmente o raio de deformação de Rossby do 1° modo baroclínico ao longo do Oceano Austral, como será visto em detalhes mais adiante. O modelo foi configurado com 32 camadas hibrídas correspondendo a densidades sigma 2 (Tab. 4). A batimetria foi obtida da base de dados NRL DBDB2 (HYCOM, 2007). Acoplado ao modelo de circulção, foi aplicado também um modelo de produção de gelo para as altas latitudes. A simulação foi inicializada com dados do mês de janeiro da climatologia GDEM3 (Generalized Digital Environment Model version 3.0), fornecida pela NAVOCEANO (Naval Oceanography Office). A simulação foi forçada em superfície com fluxos termodinâmicos, de massa e de quantidade de movimento, calculados a partir de dados do NOGAPS (Navy Operational Global Atmospheric Prediction System). Foram ainda implementados relaxamentos em superfície tanto para temperatura quanto para salinidade. As informações de salinidade foram retiradas da climatologia PHC3.0 do “Polar Science Center Hydrographic Climatology”. 30 Tabela 4. Camadas utilizadas para a simulação global com o modelo HYCOM, isopicnais as quais estas correspondem e respectivas massas d'água para a região do Oceano Austral. As Massas D'água definidas são a Água de Superfície (AS), Água Circumpolar Porfunda Superior (ACPS), Água Circumpolar Profunda Inferior (ACPI) e Água de Fundo Antártica (AFA). Camada σ2 Massa D'água 1 28,10 2 28,90 3 29,70 4 30,50 5 30,95 6 31,50 7 32,05 8 32,60 9 33,15 10 33,70 11 34,25 12 34,75 13 35,15 14 35,50 15 35,80 16 36,04 17 36,20 18 36,38 19 36,52 20 36,62 AS 21 36,70 22 36,77 23 36,83 24 36,89 25 36,97 ACPS 26 37,02 27 37,06 28 37,10 ACPI 29 37,17 30 37,30 31 37,42 32 37,48 AFA 31 3 - CIRCULAÇÃO MÉDIA NO OCEANO AUSTRAL – CÁLCULO GEOSTRÓFICO Para estudar a variabilidade no Oceano Austral devemos primeiramente estabelecer um estado médio de referência. Porém, a idéia de uma CCA média é questionável, por ser esta composta por uma série de jatos fragmentados cujas posições variam no tempo. De uma forma geral, no entanto, a circulação média na Passagem de Drake obtida através de dados de ADCP e altimetria por satélites por Lenn et al. (2008) mostrou-se muito próxima de não divergente e dominada pela componente geostrófica. Também os resultados obtidos a partir da aplicação do cálculo geostrófico a uma climatologia para o Oceano Austral por Olbers et al. (1992), usando um nível de referência em 2500m, foram capazes de representar os transportes da CCA em locais chave como a Passagem de Drake e ao sul da Tasmânia. Esta etapa de estabelecimento de um estado médio para a circulação no Oceano Austral nos permite fornecer subsídios para a realização das etapas subseqüentes e investigar a circulação meridional sob um ponto de vista que exclui a participação da variabilidade. Assim, estimamos a circulação média no Oceano Austral através da utilização das equações do vento térmico (4) para calcular os cisalhamentos geostróficos a partir das médias anuais de temperatura e salinidade da climatologia “World Ocean Database 2001” (WOD01). ∂u ∂ z = g ρ0 f ∂ ρ ∂ y ∂v ∂ z =− g ρ0 f ∂ ρ ∂ x (4) Na equação (4), (u,v) são as componentes zonal e meridional da velocidade, g é a gravidade, f o parâmetro de Coriolis, ρ é a densidade, ρ0 a densidade média da coluna d’água e (x,y,z) correspondem às coordenadas para leste, norte e para cima, respectivamente. As velocidades em superfície foram calculadas a partir da climatologia de elevação do nível do mar RIO05, descrita em Rio & Hernandez (2004), através da equação (5): 32 v0=− g f ∂ η ∂ x u0=− g f ∂η ∂ y (5) onde (u0,v0) são as velocidades zonal e meridional em superfície e η é a elevação da superfície livre. Esta base é fornecida pela AVISO (http://www.aviso.oceanobs.com), tendo sido computada a partir de análise multi-variada de dados hidrográficos, de bóias de deriva e altimetria por satélites no período compreendido entre 1993 e 1999. Para a obtenção da velocidade absoluta, somamos as velocidades em superfície ao cisalhamento calculado. Evitamos, assim, o problema da determinação de um nível de velocidade nula para todo o oceano Austral. De fato, o nível de referência é definido na superfície, onde as velocidades absolutas puderam ser calculadas. Aos resultados obtidos nomeamos “modelo geostrófico”. Os resultados do modelo geostrófico foram então comparados com 7 seções de correntometria por “Acoustic Doppler
Compartilhar