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NORMAS GERAIS 1 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Normas Gerais A legislação brasileira vem passando por um processo de evolução. A concepção positivista tem sido flexibilizada, o legislador tem buscado integrar o sistema jurídico com ferramentas legislativas que carregam alta carga de valor, delegando as normas maior grau de funcionalidade. Este fenômeno decorreu de um processo intitulado de crise normativa do século XX. O ordenamento jurídico tornou-se deficiente para reger as relações sociais que surgiram com o desenvolvimento industrial. A legislação não acompanhava as situações inusitadas que afloravam no mundo jurídico. A partir de então, surgiram novos instrumentos legais que conciliavam a segurança jurídica inerente à positivação e a maleabilidade do texto normativo que conduzia a uma nova perspectiva de interpretação do direito. Recentemente, o Código Civil de 2002 ratificou a mudança de paradigma, realçando a presença das cláusulas gerais no direito brasileiro. Estes enunciados normativos carregam conteúdo propositadamente indeterminado e que têm o intuito de propiciar uma adaptação entre o sistema jurídico calcado em normas de conteúdo rígido e uma realidade cambiante a requerer respostas mais ágeis para a solução dos conflitos sociais. O aplicador do direito, diante desta nova realidade, teve sua importância aumentada, haja vista que as cláusulas gerais exigem importante atividade interpretativa na criação e fundamentação da norma, colocando suas conclusões ao judiciário para que realize as necessárias adaptações ao sistema jurídico vigente. Crise normativa do século XX A partir do século XVIII, especialmente no século XIX, as relações sociais tornaram-se mais complexas, carecendo de amparo legal que garantisse certeza jurídica, de modo a viabilizar o pleno desenvolvimento social da época. Neste cenário de evolução, surgiram as grandes codificações européias. Este fenômeno foi batizado como a era da codificação, tendo como principais expoentes o Código de Napoleão, o Código Civil alemão – B.G.B. e o Código Civil Italiano. Como conseqüência desta nova perspectiva, a atividade interpretativa passou a ser vinculada à estrita aplicação da lei e ao juiz coube a tarefa de aplicar a legislação dentro da legalidade mais restrita. Nesta linha de acontecimentos, o sistema de regras jurídicas foi pensado para reger a conduta dos sujeitos de direito de forma plena, franqueando solução para todos os conflitos da vida, no âmbito privado. Paralelo ao estágio de segurança jurídica, o mundo presenciou grandes avanços tecnológicos, a ponto de tal período ser classificado como revolução industrial, acarretando enorme desenvolvimento econômico e cultural para a civilização da época. A fase de expansão exigiu grandes mudanças estruturais da sociedade contemporânea, quando se passou a explorar a força de trabalho em prol do retorno econômico. Entretanto, tal situação deu origem a um efeito inverso. Os trabalhadores que se sentiam explorados passaram a buscar seus direitos e garantias, revelando senso crítico aos acontecimentos oriundos dos objetivos capitalistas. À vista de uma sociedade pluralista, com diferentes ambientes culturais e econômicos, ocorrendo transformações em alta velocidade, houve a necessidade de buscar um sistema legislativo que, de alguma forma, acompanhasse as novas relações emanadas da sociedade. Desde então, a idéia de centralidade do código civil pareceu estar fadada ao insucesso, pois já não mais atendia, ou melhor, acompanhava o avanço das relações modernas. Diante desta nova realidade, a doutrina intitulou o discurso do movimento de descodificação. Com o objetivo de integrar o sistema jurídico o legislador criou leis especiais com o escopo de disciplinar situação que, porventura, não estivesse prevista no Código Civil. O Código passou a empenhar papel ordenador das relações privadas sob o enfoque das novas ferramentas legislativas. NORMAS GERAIS 2 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR As legislações esparsas enfatizavam o caráter central assumido pelo Código Civil no ordenamento e, quando contrariavam suas diretrizes, faziam excepcionalmente, de modo que não abalavam sua completude e exclusividade. Como dito alhures, o conflito social decorrente do desenvolvimento tecnológico, experimentado pela fase da revolução industrial, se intensificou, principalmente depois do pós-guerra, fazendo com que o Estado legislador lançasse mão rotineiramente das leis especiais, que tinham cunho tão-somente emergencial e restrito. A atividade legislativa que dava origem aos microssistemas, assim chamados ante a sua especificidade, tornou-se prática disseminada, resultando na crise do Código Civil como “constituição do direito privado", uma vez que perdeu seu caráter de exclusividade. O eminente jurista baiano Orlando Gomes bem atentou para a importância que as leis esparsas passaram a assumir no ordenamento jurídico: A bem dizer, essas leis nada têm de especiais, eis que não são desdobramento de institutos codificados, não regulam matéria estranha ao conteúdo do direito privado, nem apanham menor número de destinatários ou de hipóteses, até porque, como observou alguém, o seu consumo é maior do que os artigos do código civil. Constituem distintos “universos legislativos”, de menor porte, denominados por um autor com muita propriedade, “micro-sistemas”, tal como sucede, por exemplo, com o regime das locações. Estes micro-sistemas são refratários à unanimidade sistemática dos códigos porque tem a sua própria filosofia e enraízam em solo irrigado com águas tratadas por outros critérios, influxos e métodos distintivos. Por conseqüência desta nova conjuntura, a importância dada ao Código Civil foi esvaziada, ao tempo que a crise normativa se instaurava. O referido diploma perdeu o valor de exclusividade e completude, dando brecha ao surgimento de uma nova etapa do direito, o surgimento das constituições com amplas perspectivas sociais, a exemplo da Constituição do México (1917) e da Constituição de Weimar, na Alemanha (1919). Alheio a esta nova perspectiva de publicização do direito privado, o legislador brasileiro elabora o projeto do Código Civil vigente que pareceu ter como pretensão a retomada da era da codificação. Constitucionalização do direito civil – abertura do sistema O direito civil demonstrou esgotamento das categorias do direito privado, máxime porque incorporou uma dogmática estática, atemporal e desideologizada, haja vista que já não mais era capaz de estabelecer a necessária interlocução entre os saberes jurídicos, na ótica da esfera privada e da pública. Gustavo Tepedino registrou o surgimento deste novo paradigma: O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes. À Constituição é dado o papel de unificar o sistema jurídico, conformando a elaboração e aplicação da legislação civil, para que possa dirimir eventuais conflitos existentes nos diversos ramos da Ciência Jurídica. Trouxe a realidade mudança de atitude, pois deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como aconteceria nos tempos passados. Luiz Edson Fachin conclui que “estudar o Direito Civil, significaestudar (seus) princípios a partir da Constituição. O Direito Constitucional penetra, hoje, em todas as disciplinas e, via de conseqüências, também no Direito Civil...”. NORMAS GERAIS 3 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Com isso, o jurista passou a notar o ordenamento jurídico por uma visão sistemática, não mais sendo cogitada a interpretação do direito por tiras. Por esta ótica agrupadora, a Constituição teve inserido em seu contexto o valor das normas de estrutura, tais como os princípios e as normas de caráter programático, para garantir os direitos individuais e fundamentais, que tem como ideal a emancipação da sociedade pós-moderna. A Constituição reunificou o Direito Civil para relacionar os institutos do direito público e do direito privado, de modo a trazer a lume novo discurso jurídico que palpita a sociedade contemporânea, significando uma alteração profunda nas relações entre o cidadão e o Estado. O processo de constitucionalização elevou ao plano superior os princípios fundamentais do direito civil. Cláusulas gerais e o Código Civil Neste desiderato, a Constituição adota a natureza de tábua axiológica do sistema, sendo o vértice de interpretação das normas infraconstitucionais, assumindo de vez a natureza de paradigma epistemológico de interpretação. Para tanto, o legislador optou pela técnica legislativa farta em modelos jurídicos abertos, de modo a integrar o ordenamento, tendo em vista as necessárias inter- relações entre a Constituição Federal, o Código Civil e os microssistemas. O sistema jurídico é idealizado, a partir de então, como um sistema aberto, contendo normas que visam captar a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça, porquanto o ordenamento jurídico pensado sob a dogmática exclusivamente positivista revela- se inapto a reger os fatos da vida contextualizado aos interesses sociais. O legislador contemporâneo buscou nos enunciados genéricos prescrições de conteúdo completamente diverso em relação aos modelos concebidos nas normas jurídicas. Visualizou nas cláusulas gerais normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Assumem papel preponderante como ponto de referência interpretativo para o aplicador do direito, principalmente, ao juiz na elaboração das normas de decisão, oferecendo critérios axiológicos e limites para a aplicação das demais disposições normativas. Compartilhando este entendimento Judith Martins-Costa, doutrinadora de escol que dedicou bastante atenção ao tema, assevera: A razão de visualizar o novo texto legislativo à luz das cláusulas gerais responde à questão de saber se sistema de direito privado tem aptidão para recolher os casos que a experiência social contínua e inovadoramente propõe a uma adequada regulação, de modo a ensejar a formação de modelos jurídicos inovadores, abertos e flexíveis. Em outras palavras, é preciso saber se no campo da regulação jurídica privada é necessário, para ocorrer o progresso do Direito, recorrer sempre a punctual intervenção legislativa ou se o próprio sistema legislado poderia, por si, proporcionar os meios de se alcançar à inovação, conferindo aos novos problemas soluções a priori assistemáticas, mas promovendo, paulatinamente, a sua sistematização. Gustavo Tepedino não destoa do entendimento acima referido, e arremata a questão da inserção das cláusulas gerais no ordenamento jurídico nacional: O legislador vale-se de cláusulas gerais, abdicando da técnica regulamentar que, na égide da codificação, define os tipos jurídicos e os efeitos deles decorrentes. Cabe ao intérprete depreender das cláusulas gerais os comandos incidentes sobre inúmeras situações futuras, algumas delas sequer alvitradas pelo legislador, mas que se sujeitam ao tratamento legislativo pretendido por se inserirem em certas situações-padrões: a tipificação taxativa dá lugar a cláusulas gerais, abrangentes e abertas. Enfim, tem-se a sensação que o ordenamento jurídico está sendo observado sob uma ótica funcional, dotado de fins perseguidos pelo Estado em meio a uma sociedade em transformação. Não restam dúvidas que este ambiente é propício para a inserção de cláusulas gerais de modo a dotar o sistema jurídico da mobilidade necessária para enfrentar situações cambiantes. Partindo da premissa filosófica de conceber o Direito como uma ciência social, não há como descurar o entendimento de que tal ciência estará sempre em formação, pois nunca estará plenamente NORMAS GERAIS 4 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR satisfeita se levar em consideração apenas o leque de leis que desafiam a hipótese de preverem o casuísmo posto ao legislador. A sociedade pós-moderna vive num contexto de transformação, o uso da tecnologia dispôs às pessoas o livre acesso às informações, dando oportunidade do contexto social modificar de tal forma que põe em crise o positivismo jurídico. Entretanto, se o ordenamento comporta cláusulas gerais, é facultado ao juiz adaptar o direito às mudanças sociais, no momento de concretização destes textos legais. Tal conclusão só vem a confirmar a máxima de que o direito acompanha os fatos da vida. Cláusulas gerais no novo Código Civil À margem das críticas feitas ao Código Civil de 2002, sob o argumento de estar ultrapassado, a nova codificação trouxe significativas mudanças relativas ao quanto disposto no Código de Clovis Beviláqua. Unificou o direito das obrigações; incorporou ao seu texto o direito das empresas, enfatizando a figura do empresário; adotou a teoria do risco, no Titulo da Responsabilidade Civil; e distribuiu em alguns de seus dispositivos a técnica das cláusulas gerais. O Presidente da Comissão elaboradora do Projeto, Miguel Reale, ao comentar as características do Código Civil enfatizou o seguinte ponto: Não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em que se exige probidade, boa fé ou correção (corretezza) por parte do titular do direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance da regra jurídica. É o que se dá, por exemplo, na hipótese de fixação de aluguel manifestamente excessivo, arbitrado pelo locador e a ser pago pelo locatário que, findo o prazo de locação, deixar de restituir a coisa, podendo o juiz, a seu critério, reduzi-lo. A codificação do direito privado não mais se apresentou dotada de modelo rígido; ao revés, incorporou nova proposta filosófica, revelando-se através de modelos abertos para alcançar seu desiderato de reger as relações surgidas no bojo da sociedade contemporânea e os problemas que hão de aparecer num futuro próximo. Clóvis do Couto e Silva verberou, em trabalho acerca da proposta da nova lei civil, o caráter estruturalmente inovador de certas normas: O pensamento que norteou a Comissão que elaborou o Projeto de Código Civil brasileiro foi o de realizar um Código central, no sentido que lhe deu Arthur Steinwenter, sem a pretensão de nele incluir a totalidade das leis em vigor no País (...). O Código Civil, como Código central, é mais amplo que os códigos civis tradicionais. É que a linguagem é outra, e nela se contém cláusulas gerais, um convite para uma atividade judicial mais criadora, destinada a complementar o corpus juris vigente com novos princípios e normas. O uso desta técnica legislativa deve ser considerado como grande avanço para o ordenamento jurídico nacional, contudo, o simples fato de existir dos standards, só por si, não significa transformação qualitativa do sistema. Caberá aos aplicadores do direito, principalmente, ao juiz e a doutrina, com freqüentes apelos a conceitos integradores, dar compreensão aos signos, para buscar a melhor solução que a situação fática procura na norma. Nesta conjuntura de idéias, é possível constatar, comorol exemplificativo, sem pretensão de esgotar as hipóteses das cláusulas gerais constantes no Código, a função social que devem ter em mente as partes contratantes (artigo 421), a boa fé com que os negócios jurídicos e os contratos deverão ser interpretados (artigos 113 e 422), o dever jurídico sucessivo de indenizar decorrente de prejuízo causado pela prática de atividade de risco (combinação dos artigos 186 e 927) e outras. Características das cláusulas gerais As cláusulas gerais tomaram notoriedade com a vigência do Código Civil de 2002, muito embora já estivessem presentes na Constituição Federal e em microssistemas, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/1990) e o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n. 8.078/1990). NORMAS GERAIS 5 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Esses novos tipos de normas buscam a formulação da hipótese legal por meio do emprego de conceitos cujos termos têm significados vagos e abertos. A abertura semântica implica na vantagem de mobilidade, proporcionada pela intencional imprecisão conferida aos elementos integrantes da norma. A característica da generalidade do enunciado normativo resvala na conclusão indissociável de que os standards não pretendem dar resposta imediata a todos os problemas da realidade social, uma vez que essas respostas são construídas aos poucos num trabalho em conjunto da doutrina e, principalmente, da jurisprudência. A premissa lançada linhas acima remete à conclusão lógica. Incorporadas ao texto legal, as cláusulas gerais viabilizam atualização constante das normas que se pretende deduzir do sistema jurídico, pois através do diálogo travado entre os princípios, as regras jurídicas já existentes e a comunicação cultural emanada da sociedade contextualizada, torna a análise do fato da vida parte independente da norma. Em outras palavras, para melhor entender, tem-se, no centro, uma norma que, de um lado, leva em consideração o ordenamento jurídico composto de princípios, valores normativos de todo o sistema – constituição e leis – e, de outro, o caso concreto que acompanha o modo de vida da sociedade a que ela está inserida. Sendo certo que o avanço tecnológico, cultural e econômico transforma as relações entre os indivíduos, também é certo que o direito o acompanhará, então, havendo no ordenamento norma com conteúdo semântico vago, ela o manterá a cada nova fase atualizado. Feitas essas considerações, é de fácil percepção que esta técnica legislativa contrapõe o casuísmo tão propagado no ordenamento jurídico pátrio. Sempre esteve presente nas codificações a técnica casuística, de sorte a bem atender a tipicidade almejada para se alcançar segurança jurídica. O filósofo alemão Karl Engisch define casuística como “aquela configuração da hipótese legal (enquanto somatório dos pressupostos que condicionam a estatuição) que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria”. Por negativa, afirma que “o verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, do modo ilacunar e com a possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica”. Baseado nos ensinamentos de Karl Engisch, Alberto Gosson Jorge Junior, dissertando acerca da identificação e definição das cláusulas gerais, asseverou: Transitando entre a generalidade, a vagueza e os valores, inseridas numa roupagem de proposição prescritiva escrita, as cláusulas gerais afirmam o objetivo de dotar o sistema de normas com característica de mobilidade, que propiciem abertura ao ordenamento jurídico, evitando-se a tensão entre preceitos normativos rígidos e valores em mutação a implicar um indesejável mal-estar decorrente de um embate sem solução sistêmica. Diante dessas considerações, tem-se que, por vezes, o aplicador do direito haverá de buscar os valores que a norma palpita fora do sistema, pois nem sempre estarão delineados na regra jurídica, daí a idéia de flexibilização do ordenamento jurídico. Estrutura Em virtude de sua peculiar estrutura normativa, cabem algumas ponderações acerca das cláusulas gerais sob este enfoque, conjugando a previsão ou hipótese normativa com as conseqüências jurídicas (efeitos) que lhe são correlatos. Judith Martins-Costa classifica as cláusulas gerais basicamente em três tipos: a) disposições do tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da liberdade contratual; NORMAS GERAIS 6 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio, hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por culpa; c) e, por fim, de tipo extensivo, caso em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos. Nesse mesmo sentido, Claudio Luzzati afirma que as cláusulas gerais “constituem normas (parcialmente) em branco, as quais são completadas mediante a referência a regras extrajurídicas, de modo que a concretização exige que o juiz seja reenviado a modelos de comportamento e a pautas de valoração”. Isto ocorre em face da noção de vagueza inerente aos conceitos jurídicos indeterminados existentes na norma. Nesse sentido, a vagueza semântica será suprida com valorações baseadas em variáveis da moral e dos bons costumes encontrados no ambiente social, ou poderá o enunciado normativo ser alcançado por meio de máximas de experiência. A natureza complexa das cláusulas gerais implica em significação variável, muito por causa da incompletude das normas nela insertas, que serão completadas com elementos jurídicos originados da esfera social, econômica ou moral. Caberá ao juiz, antes de reduzir o texto legal ao caso concreto, avaliar o comportamento e a evolução da sociedade no momento de interpretação e aplicação da norma de decisão. Funções O sistema jurídico de determinada sociedade, dentro de uma divisão dicotômica, pode compreender duas formas. O primeiro chamado de tradicional comporta o regime fechado que tem como característica a segurança jurídica lastreada no positivismo contido nas fontes legislativas. No segundo, encontra-se idéia oposta. O sistema é aberto, tendo as normas nele contidas à estrutura marcada pela fluidez de seu texto, ensejando ao jurista a possibilidade de compor o repertório legal, por meio da interpretação que confere a norma, juntamente com o legislador e o juiz. Como dito anteriormente, as cláusulas gerais permitem que o aplicador do direito crie normas jurídicas, buscando conformação com os valores contidos no sistema frente à realidade fática. Esta função afigura-se grande ferramenta para conceber a ciência do direito como elemento de mudança social. Outra função relevante conferida às cláusulas gerais é a de mecanismo de fundamentação jurídica da aplicação da lei ao caso concreto, compreendido no estudo de precedentes jurisprudenciais. Esta técnica permite operar a integração entre as normas presentes no Código Civil e entre estas e as dos demais diplomas legais. Esta função viabiliza a mobilidade interna do sistema. As cláusulas gerais atuarão como verdadeiros veículos condutores de interpretação/aplicação sistemática e teleológica do direito, percorrendo os valores contidos na constituição e leis esparsas para conferir o suporte jurídicoque a solução do caso exige. Judith Martins-Costa, dissertando acerca do tema, emite opinião própria: Tenho ser esta, hoje, a mais relevante função das cláusulas gerais, pois viabilizará a compreensão do conceito contemporâneo de sistema, o que se apresenta relativamente aberto (viabilizando a introdução de novas hipóteses, sem contudo dispersar-se na cacofonia assistemática), móvel (marcado pelo dinamismo entre as hipóteses que contempla nas suas várias partes) e estruturado em graus escalonados de privatismo e publicismo. Para melhor demonstrar as funções das cláusulas gerais, faz-se útil trazer à colação alguns julgados, de sorte a enriquecer didaticamente as argumentações trazidas a lume: No julgamento do Habeas Corpus n. 12.547 impetrado contra decisão do Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJ/DF, que manteve o decreto de prisão por quatro meses, por ser a paciente considerada depositária infiel, pela recusa de entregar o veículo objeto do NORMAS GERAIS 7 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR contrato de alienação fiduciária, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Ruy Rosado, concedeu a ordem para impedir o cumprimento da ordem de prisão. Para a fundamentação do presente caso, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar colheu lições sorvidas na doutrina para reforçar o discurso da função das cláusulas gerais no sistema jurídico e assim o fez da seguinte forma. Ao confrontar o pressuposto da dignidade da pessoa humana com o poder econômico das organizações financeiras, socorreu-se nas lições de Gustavo Tepedino e transcreveu: A tutela da personalidade não pode se conter em setores estanques, de um lado os direitos humanos e de outro as chamadas situações jurídicas de direito privado. A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada, que supere a dicotomia público e privado e atenda a cláusula geral fixada pelo texto maior, de promoção a dignidade humana (Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, p. 50). Prossegue argumentando: Os tribunais cíveis estão obrigados, em virtude da constituição, a considerar, na interpretação e emprego das cláusulas gerais, os direitos fundamentais como linhas diretivas. Se eles desconhecem isso e decidem, por conseguinte em prejuízo de uma parte processual, então eles violam em seus direitos fundamentais (Luis Afonso Heck, Direitos Fundamentais e sua Influência no Direito Civil, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, 1999, n. 16, p. 111). Outro caso recente que compartilha a utilização das cláusulas gerais e princípios constitucionais para fundamentação do julgado foi a decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal – STF, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, n. 54- 8/DF, proferida em 01 de julho de 2004, em que acolheu o pleito de reconhecer o direito constitucional da gestante submeter-se a operação terapêutica de partos de fetos anencefálicos, inobstante não esteja esta hipótese permitida pelo Código Penal. O teor da decisão do Ministro Marco Aurélio enveredou pela seguinte linha: Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança. Pois bem, a natureza, entrementes, reserva surpresas, às vezes desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoáveis em foco. Cumpre informar que, em 20 de outubro de 2004, o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF – revogou a liminar acima reportada. Por fim, faz-se alusão a um terceiro julgado que decerto deve ter sido um dos pioneiros no uso das cláusulas gerais para fundamentação jurídica, amparando o instituto da responsabilidade civil na boa- fé das partes contratantes. O acórdão da 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul, relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, na Ap. Cív. 591028295, 06 de junho de 1991. Aduziu a responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no tempo de plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois NORMAS GERAIS 8 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR resolve, por sua conveniência, não mais industrializá-lo, naquele ano, assim causando prejuízo ao agricultor, que sofre a frustração de venda da safra, uma que o produto ficou sem possibilidade de colocação. Resta claro que a atitude da empresa alimentícia contrariou os princípios da boa-fé objetiva e a função social que devem as partes atender, pois todo o seu comportamento (nas tratativas e incentivos) perante aos agricultores – homens do campo, simples e rudes – levaram a concluir pelo plantio e cultivo de tomates e que, por isso, os prejuízos pela não consumação do contrato de compra e venda devem ser suportados por ela. É possível observar que em todos os julgados apresentados acima, o juiz preocupou-se em decidir sob o enfoque de normas e princípios ético-jurídicos que são verdadeiras diretivas para o sistema. Neste plano, subjaz a idéia de que isto é viabilizado em virtude da mobilidade que estes institutos e as cláusulas gerais conferem ao sistema como um todo. Cláusulas gerais e os princípios Após a assembléia constituinte de 1986, o sistema jurídico brasileiro tomou cunho principiológico, pois os aplicadores do direito constataram nos princípios a função de prescreverem fins a serem atingidos, servindo de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional. Humberto Ávila, divagando sobre tese acerca da distinção/comparação entre regras e princípios, em obra bastante aclamada, conceituou princípios, de maneira estruturada e demonstrada, nos seguintes termos: Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Como visto, os princípios são normas que estabelecem um fim a ser atingido. Por este aspecto teleológico, Ota Weinberger discorreu de forma singular: um fim é idéia que exprime uma orientação prática. Elemento constitutivo do fim é a fixação de um conteúdo como pretendido. Essa explicação só consegue ser compreendida com referência à função pragmática dos fins: eles representam uma função diretiva (richtungsgebende Fiunktion) para a determinação da conduta. Objeto do fim são conteúdos desejados. Esses, por sua vez, podem ser o alcance de uma situaçãotbberminal (viajar até algum lugar), a realização de uma situação ou estado (garantir previsibilidade), a perseguição de uma situação contínua (preservar o bem-estar das pessoas) ou a persecução de um processo demorado (...). Daí se dizer que o fim estabelece um estado ideal de coisas a ser atingido, como forma geral para enquadrar os vários conteúdos de um fim. A instituição do fim é ponto de partida para a procura por meios. Os meios podem ser definidos como condições (objetos, situações) que causam a promoção gradual do conteúdo do fim. Por isso a idéia de que os meios e os fins são conceitos correlatos. É consabido que os princípios são normas caracterizadas pela alta carga de abstração. No intuito de concretizar essa carga de valor, o aplicador do direito haverá de utilizar as cláusulas gerais, uma vez que são estas elaboradas através da formulação de hipótese legal que, à vista de seu grau de generalidade, abarca a disciplina jurídica de um grande número casos. Dessa sorte, os princípios, sejam eles positivados ou não, irão surtir seus efeitos jurídicos quando reduzidos ao caso concreto, o que ocorrerá pela instrumentalidade conferida às cláusulas gerais. Para arrematar o raciocínio desenvolvido acima, precisa é a lição de Judith Martins-Costa, fazendo-se necessário transcrevê-la mais uma vez: Tais cláusulas, pelas peculiaridades de sua formulação legislativa, não apenas consubstanciam princípios, antes permitindo a sua efetiva inserção nos casos concretos. Cláusula geral, portanto, não é princípio – é norma. Mas é norma especial a medida em que, por seu intermédio, um sistema jurídico fundado na tripartição dos poderes do Estado e no direito escrito permite ao juiz a conformação à norma, à luz de princípios de valor não codificados, e com vinculação, controladas apenas pelos próprios tribunais, a critérios extralegais de base e de densidade empírica variável. Não NORMAS GERAIS 9 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR são direito material posto pelo legislador, mas, simplesmente, starding points ou pontos de apoio para a formação judicial da norma no caso concreto. Diante dessa inter-relação que existe entre os princípios e cláusulas gerais, por ora, constata-se que alguns juristas utilizam o termo relativo a um quando em verdade está a se referir a outro. Assim o fez Gustavo Tepedino ao denominar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, presente no inciso III do artigo 1º da CF de 1988, de cláusula geral. Muito embora não haja comprometimento prático na confusão que pode decorrer na utilização equivocada (troca) dos termos, por atenção à precisão lógico-analítica que os trabalhos acadêmicos devem guardar, deve-se apontar que há diferença entre princípios e as cláusulas gerais, uma vez que estas permitem a formação da norma não através da interpretação do princípio, mas através de síntese judicial consubstanciada naquele valioso instrumento, que são verdadeiras janelas, para, assim, alcançar os valores contidos nos princípios, resultando na criação da norma. Interpretação das cláusulas gerais Com o advento da Constituição Federal de 1988 e, atualmente, com o Novo Código Civil, tornou-se comum na doutrina o discurso de atualização do direito. Tal movimento assume importante papel na busca de construir um ordenamento jurídico estruturado e eficaz para o contexto histórico que está inserido. Não sem propósito, Eros Roberto Grau ensina que “a interpretação do direito caminha a atualização do direito”. Desta maneira, “todo texto pretende ser compreendido em cada momento e em cada situação concreta de uma maneira nova e distinta”. As conclusões do Ministro do Supremo Tribunal Federal foram orientadas pelas lições de Hans-Georg Gadamer ao transcrevê-las: As leis não pretendem ser interpretadas historicamente, cabendo à interpretação torná-las concretas em sua validade jurídica. O texto deve ser compreendido em cada momento e em cada situação concreta de maneira nova e distinta. A mobilidade histórica da compreensão, relegada a segundo plano pela hermenêutica romântica, representa o verdadeiro centro de uma hermenêutica adequada à consciência histórica (o intérprete tem de apreender a tensão natural entre o momento da construção do texto – o passado – e o momento da construção da norma – o presente – e, assim, enfrentar a mobilidade da situação concreta à qual se há de aplicar essa norma). Verifica-se, sem reservas, a presença de uma outra ideologia de interpretação jurídica que, ao revés da tradicional, prescinde de normas jurídicas estabelecidas por valores estáticos, com significado imutável, para atingir os valores básicos da certeza e estabilidade, tendo como finalidade atividade que conforma o direito às exigências presentes e futuras da vida social. A ideologia dinâmica de interpretação jurídica guarda paradigma que “o direito existe em função da sociedade, e não a sociedade em função dele”. O direito acompanha o presente que vive em constante mudança, devido à forma de vida da sociedade moderna e suas perspectivas de expansão. Alinhada a esta ideologia de interpretação do direito, figura a corrente de pensamento de Miguel Reale expressada pelo culturalismo (experiência, cultura e história) que influenciou a construção da nova codificação, pautada em diretrizes como: a aderência aos problemas concretos da sociedade brasileira, unidade sistemática determinada pela parte geral, unificação lingüística, unidade valorativa e sentido de concreção de que as normas se revestem, atendendo ou buscando aliar os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência ao direito vivido pelas categorias profissionais. Sem dúvidas que uma das características marcantes do Código Civil, que se afeiçoam valiosas ferramentas para viabilizar a interpretação dinâmica, são as cláusulas gerais. Como visto no ponto 4.1.3 do presente trabalho, estes instrumentos permitem que o aplicador do direito crie normas jurídicas, buscando conformação com os valores contidos no sistema frente à realidade fática. De outra parte, após uma visão crítica acerca da proposta (no sentido dogmático) até aqui apresentada poderia o crítico apontar para aleatoriedade de seus argumentos e questionar o NORMAS GERAIS 10 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR mecanismo eficaz de orientação na interpretação/atualização da norma, sob pena de não se tornar um discurso falacioso. Com efeito, após a constituinte de 1986, a sociedade brasileira passou da qualidade de exclusiva para inclusiva e vem paulatinamente propiciando (ou ao menos tentando) emancipar o cidadão, sendo estes paradigmas do Estado Democrático de Direito que encontram arcabouço jurídico nos princípios e normas de valores programáticos insertos na Constituição Federal. O legislador originário consagrou no artigo 1º da CF cinco princípios, de prática obrigatória em todos os processos de escolha e tomada de decisões que lhes são concernentes, qualquer que seja a ação política, econômica ou social a ser empreendida, são eles: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. As posições conceituais que espelham os princípios ali constantes devem integrar-se, visando coexistirem, a fim de conferir legitimidade à República Federativa do Brasil, uma vez que transcendem a concepção de Estado instituído, atingindo os valores preambularmente expostos no mesmo diploma constitucional que motivaram seu reconhecimento como “Constituição Cidadã”. E se, por um lado, tais princípios representam os fundamentos do Estado brasileiro, por outro igualmente o serão junto às demais normas diretivas de todo o ordenamento jurídico pátrio, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, superando o princípio da legalidade na qualidade de regra primeira da interpretaçãodo arcabouço legislativo em vigor, atuando como fatores primordiais de validade das normas no sistema jurídico brasileiro. Dentro desta perspectiva de constitucionalização do direito, conforme visto com mais vagar no item 2, deverão as normas contidas no Código Civil vigente serem aplicadas em conformidade com os valores postos na Constituição Federal, de sorte a não ferir o sistema jurídico em sua base de sustentação. Nota-se, então, que deverão as cláusulas gerais ser interpretadas na forma acima adunada, ou seja, “constitucionalmente”, bem como atender as premissas específicas da própria codificação infraconstitucional. Vale dizer, o Código Civil está pensado e estruturado sob o fundamento filosófico de Miguel Reale que remete aos princípios orientadores de interpretação/aplicação das normas civilistas. No momento de criação da norma, principalmente, quando se almeja agregar valores às cláusulas gerais, o aplicador do direito deve ter em mente a socialidade como característica do Direito Civil contemporâneo e a eticidade como fundamento das normas civis, de sorte a conferir concretude – prestabilidade – a norma jurídica. Socialidade O Código Civil anterior foi pensado sob o modo de produção capitalista do Estado liberal, quando o direito estava a mando dos interesses da classe dominante, a burguesia. Imperava o individualismo, os valores da pessoa individual eram superestimados, em detrimento dos interesses gerais da coletividade. O homem oprimido pelos valores egoístas da religião e da monarquia libertou-se e passou a venerar a propriedade (o direito de possuir – acumular riquezas), elegendo-a como fundamental para a realização humana. Diante de tal premissa, o sentimento de fraternidade foi relegado a segundo plano. Não tardou e a experiência prática evidenciou a humanidade que o individualismo era insuficiente, restando evidente a incapacidade do modo de produção capitalista de cumprir com todas as promessas idealizadas pela sociedade moderna. Esta nova conjuntura trouxe à realidade a escassez do projeto de modernidade. Houve a necessidade, então, de assumir a condição de membro da comunidade, de firmar compromisso com os interesses da coletividade, pois ao propiciar o bem-estar geral alcança-se a satisfação individual. Dotado deste sentimento, influenciado pela concepção do Estado social, sobreveio o Projeto do Código Civil vigente, rompendo com o liberalismo. Bem observou Miguel Reale ao afirmar que “se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da socialidade, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana”. NORMAS GERAIS 11 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Calcada nesta premissa, a socialidade como valor foi dispersada no código por diversos dispositivos, limitando a individualidade em detrimento do social, ao propagar a função social na disciplina do contrato em si, mas também na liberdade de contratar; relativizou expressamente o direito de propriedade ao prever no artigo 1.228 do CC hipótese de desapropriação; sem dúvida que o princípio da socialidade será de grande valia na interpretação do artigo 927 e seu parágrafo único, uma vez que o conteúdo da norma aponta para a socialização do risco (da atividade). Optou o legislador brasileiro por seguir a tendência jurídica mundial de valorizar o social, dando ênfase à justiça social, distributiva, de sorte que o ordenamento jurídico contemple o bem-estar comum, em especial para garantir o mínimo existencial aos sujeitos de direito, conforme preconizado pela Constituição Federal. Eticidade no Código Civil A valorização da norma encontrou seu momento de plenitude na escola Positivista que fomentou o movimento da Exegese, dispondo à atividade do juiz o mecanismo do silogismo para a solução de casos. Este movimento mostrou-se apto para solução de situações sem nenhuma complexidade, entretanto com o incremento das relações comerciais e o avanço tecnológico o uso de esquemas lógico-dedutivos encontrou limite no plano pragmático, revelando a deficiência do legislador em poder prever na norma toda gama de fatos ocorridos no bojo da sociedade. No decorrer da atividade interpretativa do direito, o operador percebeu a necessidade de se agregar valores éticos à norma para que a solução surgisse aproximada ao padrão moral da coletividade, preconizando as noções de moral, ética, boa-fé, honestidade, lealdade e confiança. Trabalhar com o sistema aberto dotado de conceitos propositadamente vagos é permitir ao intérprete, respeitando os vetores ratificados pela Constituição Federal, constante atualização da ordem positiva, de modo a mantê-la congruente com a realidade histórica da sociedade, sendo certo que os valores postos no parágrafo anterior se perfazem de acordo com experiência da sociedade contextualizada. Com este princípio, Miguel Reale enfatizou a função das cláusulas gerais no ordenamento jurídico ao afirmar: Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível em certos casos, prever o recurso a critérios ético-jurídicos que permita-se a chegar-se à concreção jurídica, conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa e eqüitativa. (...) por mais que o legislador seja sábio e tecnicamente bem informado, jamais lhe será dado prever todas as ocorrências, insurgências e recorrências da vida jurídica, tornando-se necessária a salvaguarda da equidade, na dupla acepção dada por Aristóteles a esse termo, ou seja, como instrumento de interpretação das normas jurídicas segundo sua adequada e prudente medida, e também para suprir lacunas inevitáveis no corpo da legislação. Diante desta perspectiva, o Código Civil veio para exigir dos sujeitos de direito comportamento correto, probo e leal nas relações sociais, esquivando a conveniência de lesar direito alheio em benefício próprio. Assim, o legislador previu que haverá de predominar a boa-fé objetiva na prática dos negócios jurídicos, nos termos do artigo 113; além de no artigo 187 atribuir ilicitude ao ato exercitado em conformidade com o direito que esteja incompatível com o fim econômico e social, a boa-fé e os bons costumes. Cabe informar que a codificação contemplou o princípio da eticidade em diversos outros dispositivos, devendo ser compreendido como uma diretiva de conduta. É de fácil percepção que este pensamento subjaz o valor que o ordenamento jurídico vem delegando à dignidade da pessoa humana. A concretização do direito Essa idéia de certo modo se imbrica com as anteriores. Ambas objetivam a efetiva prestabilidade da regra jurídica, sua aptidão concreta à regulação dos casos que decorrem do cotidiano. Certo é que o legislador, diferentemente do julgador, cria a regra para os casos em geral, segundo a característica da generalidade. Sem embargo disso, deve – tanto quanto possível – legislar com vistas a alcançar as pessoas, concretamente. A abstratividade da lei, pois, deve ser entendida não NORMAS GERAIS 12 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR como um culto às abstrações, uma falta de compromisso com a realidade, mas apenas como uma função da norma, que nasce para atingir fatos futuros, ou seja, que irão ou não acontecer. Por essa razão é que se afirma não fazer sentido algum legislar tendo em mente situações ideais. Por mais bela e bem elaborada que seja, a legislação valerá unicamente pela sua funcionalidade, aptidão e prestabilidade para enfrentar e resolver, com justeza e pertinência, os problemas do mundo dos fatos. A bem da verdade, o princípio da concretude adotado pelo Código Civil representa mudança do paradigma da interpretação do direito. Não existe um terreno composto de elementos normativos (direito), de um lado, e de elementos reais ou empíricos (realidade), de outro.É vedado ao intérprete considerar, independentemente, o “dever-ser”, mas compartilhá-lo com os elementos do “ser”. Nesse passo, a norma é construída, pelo aplicador do direito, no decorrer do processo de concretização, ou seja, reduzindo o texto legal de acordo com a realidade fática de um caso determinado. A eficácia da norma está vinculada, então, a aproximação dos valores da sociedade, tendo como fundamentos à história, cultura e experiência, sendo estes conceitos filosóficos centrais da teoria de Miguel Reale. Para Friedrich Müller, o texto normativo “é uma fração da norma, aquela parte absorvida pela linguagem jurídica, porém não é a norma. Pois a norma jurídica não se reduz a linguagem jurídica. A norma congrega todos os elementos que compõem o âmbito normativo (= elementos e situações do mundo da vida sobre os quais recai determinada norma)”. Desta forma, o legislador deve proceder à atualização da linguagem jurídica contida no texto normativo, compatibilizando-a ao contexto da sociedade que estiver inserido, de modo a possibilitar a concretização do direito. Tal desiderato foi preconizado pelo Código Civil ao lançar mão, sempre que possível, das cláusulas gerais, uma vez que os arquétipos jurídicos permitem que os valores presentes na sociedade tenham como serem contemplados pelos operadores do direito, especialmente, pelo juiz no momento de criação da norma de decisão. As modalidades de obrigações no direito civil brasileiro: comentários acerca das normas previstas no Código Civil acerca das obrigações O Direito das Obrigações no Código Civil O Direito das Obrigações trata de direitos de índole patrimonial e constitui a matéria do Livro I da Parte Especial, a partir do Art. 233, do Código Civil. Há uma tendência atual de uniformização e de internacionalização do direito obrigacional. Conceito de obrigação O Código Civil brasileiro não apresenta uma definição de obrigação. São características da obrigação: (a) patrimonialidade: sempre envolve a patrimônio, seja em forma de bens, seja em espécie (dinheiro); (b) transitoriedade: a obrigação nasce com a finalidade de extinguir-se, sempre, em algum momento toda a obrigação se extinguirá; (c) pessoalidade: trata-se de uma relação jurídica, um vínculo que se estabelece sempre entre duas ou mais pessoas: credor e devedor; e (d) prestacionalidade: o objeto é sempre uma atividade, uma prestação que pode ser de dar, fazer ou não fazer alguma coisa certa ou incerta. Elementos constitutivos da obrigação São dois: as partes e o objeto. NORMAS GERAIS 13 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Partes Sujeito ativo (credor): titular do direito de receber o objeto obrigacional. Sujeito passivo (devedor): titular da obrigação de entrega do objeto obrigacional, ficando com o dever de cumprir a obrigação, entregando para o credor aquilo a que se comprometeu. Objeto Pode constituir-se em obrigação de dar (coisa certa ou incerta), de fazer ou de não fazer; Fontes das obrigações O direito civil brasileiro acolhe três tipos de fontes geradoras de obrigações (deveres) jurídicas: (a) Obrigações derivadas de vontade humana: oriundas de um ato jurídico lato sensu(negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu); (b) Obrigações derivadas de ato ilícito: seja pelo inadimplemento (total ou parcial), seja pelo cometimento de um delito; e (c) Obrigações derivadas direta ou imediatamente da lei: obrigações tributárias, administrativas, oriundas do poder familiar ou mesmo de um fato jurídico stricto sensu, como também os casos de enriquecimento sem causa, que implicam em um pagamento injusto e, em consequência, na obrigação de restituir, assim como nos casos de abuso de direito. Obrigações contratuais e extracontratuais As obrigações contratuais são aquelas que se originam das cláusulas contratuais. Já as obrigações extracontratuais, por exclusão, são aquelas que não se originam dos contratos, embora devam ser respeitados na formulação e no adimplemento das obrigações, como as obrigações decorrentes do direito positivo em geral (lei, constituição, etc.), da moral, dos bons costumes, da justiça e da equidade. Obrigações civis e naturais Obrigações civis As obrigações, em geral, caracterizam-se pela presença do débito e da responsabilidade, cuja consequência do inadimplemento é a possibilidade de sua execução forçada via ação judicial; por isto são ditas obrigações perfeitas ou civis. Obrigações naturais Trata-se de obrigações incompletas, na medida em que apresentam como características essenciais as particularidades de não serem judicialmente exigíveis, porém, se forem adimplidas espontaneamente, será sempre tido por válido o pagamento, que não poderá ser repetido, uma vez que há a retenção do pagamento, soluti retentio, não importando se a prestação era lícita ou ilícita (Exemplos: a prestação de alimentos provisionais [Arts. 1706 a 1710, do Código Civil], o pagamento de dívidas de jogo [Arts. 814 a 817, do Código Civil], o adimplemento de dívidas prescritas [Art. 882, do Código Civil], o pagamento de juros indevidos [Art. 591, do Código Civil] e a vedação ao benefício da própria torpeza [Art. 883 e parágrafo único, do Código Civil]). Obrigações reais (Propter rem) São as obrigações devidas que são originadas da mera titularidade de um direito real. Extinguindo o direito real, extingue-se a obrigação. Transmitindo-se a titularidade do direito real, transmite-se a titularidade da obrigação. Exemplos: a obrigação do condômino em concorrer, na proporção da sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa (Art. 1315, Código Civil); a obrigação de o proprietário confinante proceder, com o proprietário limítrofe, à demarcação entre os dois prédios, aviventar rumos apagados e renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas (Art. 1297, caput, do Código Civil); NORMAS GERAIS 14 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR a obrigação de cunho negativo de proibição, na servidão, do dono do prédio serviente em embaraçar o uso legítimo da servidão (Art. 1383, do Código Civil) Obrigações de dar (Arts. 233 a 246, do Código Civil) Ocorre quando o sujeito passivo compromete-se a entregar ao sujeito ativo uma coisa que pode ser certa ou incerta. Obrigação de dar coisa certa (Arts. 233 a 242, do Código Civil) Coisa certa é tudo que pode ser individualizada, identificado quanto a número, modelo, marca, etc. O credor de coisa certa não está obrigado a receber outra coisa no lugar, ainda que seja mais valiosa, tendo em vista que a vontade das partes voltam-se para um determinado objeto. A obrigação de dar coisa certa abrange também os acessórios da coisa, exceto se não houver possibilidade, ou o contrário tiverem ajustado as partes. Perda da coisa certa Caso ocorra a perda da coisa certa e ainda esteja pendente condição suspensiva, ou ocorre antes da tradição, sem que haja culpa do devedor, a obrigação fica resolvida para ambas as partes, sendo a perda considerada a causa de extinção da obrigação sem o correspondente pagamento. Ao revés, se o devedor concorreu com a culpa para a perda da coisa certa, este responderá pelo equivalente, acrescido de perdas e danos. Deterioração da coisa certa Caso ocorra a deterioração da coisa certa, ou seja, a coisa certa continua a existir, porém danificada, depreciada. Neste caso, a lei de igual forma, irá analisar a culpa do devedor pela deterioração da coisa. Se o sujeito passivo não concorreu com culpa no fato, o credor ficará com a faculdade de resolver a obrigação ou aceitar a coisa no estado em que se encontrar, desde que abatido o preço equivalente à deterioração. Se, contudo, a coisa certa se deteriorou por culpa do devedor, o credor poderá, de forma facultativa,exigir o equivalente à coisa ou aceitá-la no estado em que se encontra, podendo reclamar em ambos os casos indenização por perdas e danos. Melhorias Os melhoramentos que se acrescentem à coisa certa antes da tradição pertencem ao sujeito passivo que, ao entregar a coisa para o sujeito ativo, poderá exigir aumento do preço em decorrência destes melhoramentos, podendo resolver-se a obrigação se o credor não anuir com o acréscimo do preço. Da mesma forma, os frutos percebidos pertencerão ao devedor, enquanto aos pendentes terá direito o credor. Obrigação de dar coisa incerta (Arts. 243 a 246, do Código Civil) Coisa incerta é tudo aquilo que não pode ser individualizado, mas que deve ser ao menos indicado quanto a seu gênero e quantidade. Na obrigação de dar coisa incerta, como regra, o devedor é quem deve fazer a escolha da coisa que será entregue ao credor e, neste caso, aplica-se o princípio da equivalência, segundo o qual não se pode entregar a pior coisa quando se está obrigado a entregar melhor. No entanto, as partes podem ajustar que a escolha seja efetuada pelo credor e estabelecer esta deliberação no título. Quando a escolha couber ao devedor, enquanto este não designar qual coisa entregará, não poderá ser alegada a perda ou a deterioração da coisa, ainda que decorrentes de força maior ou caso fortuito. Obrigações de fazer (Arts. 247 a 249, do Código Civil) Ocorre quando o devedor compromete-se para com o credor a fazer determinada coisa ou a praticar determinado ato. A obrigação de fazer poder ser personalíssima e não personalíssima. Obrigação de fazer personalíssima A obrigação de fazer personalíssima não admite que terceiro a cumpra no lugar do devedor, porquanto é ele, o devedor, quem deverá cumpri-la pessoalmente. Caso cumpri-la torne-se NORMAS GERAIS 15 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR impossível, sem que o devedor tenha concorrido com culpa, estará ela resolvida, extinguindo-se a obrigação sem o pagamento. Todavia, caso o devedor tenha concorrido com culpa para impossibilidade da prestação, este deverá arcar com as perdas e danos. Obrigação de fazer não personalíssima A obrigação de fazer não personalíssima permite que o terceiro cumpra a obrigação no lugar do devedor. Neste caso, podendo a obrigação ser executada por terceiro, o credor estará livre para mandar executar a obrigação à custa do devedor e, caso este se recuse ou se constitua em mora, de ainda pleitear perdas e danos. Em caso de urgência no cumprimento da obrigação de fazer não personalíssima, o credor, independentemente de autorização judicial, poderá executá-la ou mandar um terceiro fazê-lo, sendo ressarcido posteriormente. Obrigações de não fazer (Arts. 250 a 251, do Código Civil) Ocorre quando o devedor compromete-se perante o credor a não fazer determinada coisa ou a não praticar determinando ato. Assim, se o devedor descumprir a obrigação, praticando o ato que se comprometeu a não praticar, o credor poderá exigir que o devedor desfaça-o, sob pena de mandar o credor desfazê-lo à custa do devedor, sem prejuízo das perdas e danos. Entretanto, em caso de comprovada urgência, o credor poderá desfazer ou mandar que terceiro desfaça o ato independentemente de autorização judicial, sendo ressarcido do devido. Mas a obrigação de não fazer ficará resolvida para ambas as partes se tornar-se impossível, para o devedor, abster-se do ato. Isto, da mesma forma, consistirá em causa de extinção da obrigação sem o pagamento. Tutela específica da obrigação de fazer, não fazer e dar (Arts. 461 e 461-A, do Código de Processo Civil) A tutela específica da obrigação de fazer, não fazer ou de dar é regra de Direito Processual Civil, vindo disposta tanto no processo de conhecimento, como nas relações de consumo. Porém, a tutela específica destas obrigações tem cabimento ainda por ocasião da execução delas; portanto, cabe também no processo de execução. Astreintes (Art. 461, do Código de Processo Civil, e Art. 84, do Código de Defesa do Consumidor) O juiz, ao conceder a tutela específica da obrigação, poderá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, determinar uma multa para cada dia em que o devedor deixar de cumprir a obrigação determinada em juízo. Tais multas são denominadas astreintes e, assim, enquanto perdurar o descumprimento da determinação judicial, incidirá multa diária. É importante ressaltar que, até 7 de agosto de 2002, as astreintes somente poderiam ser determinadas em processos de conhecimento ou de execução das obrigações de fazer ou não fazer. Porém, em 7 de agosto de 2002, com a entrada em vigor da Lei nº. 10.444/02, publicada em 8 de maio do mesmo ano, o Art. 461 do Código de Processo Civil foi alterado, acrescentando-se, inclusive, o Art. 461-A, que passou a admitir a incidência de multa diária também na obrigação de dar. Obrigações alternativas (Arts. 252 a 256, do Código Civil) São aquelas nas quais existe mais de um modo pelo qual a prestação pode ser cumprida pelo devedor (Art. 252). Este se exonera ao prestar qualquer delas. Exemplo da barraca de beijos: se paga por um beijo, neste caso a obrigação resolve-se tanto se a garota der um selinho como se der um beijo de língua. Nessa modalidade, a escolha caberá ao devedor se não se estipulou outra forma, não podendo este, contudo, cumprir parcialmente uma ou outra. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação, ou se tornar inexequível, subsistirá o débito em relação à outra (Art. 253). NORMAS GERAIS 16 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Caso não seja possível cumprir uma ou outra das obrigações, e o fato se der por culpa do devedor em que caiba escolha ao credor, ficará o devedor obrigado a pagar ao credor o valor da última prestação mais perdas e danos (Art. 254). Se, por outro lado, couber escolha ao credor e uma das prestações não puder ser cumprida por culpa do devedor, o credor terá o direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, mais perdas e danos (Art. 255). Todavia, se nenhuma das prestações puder ser cumprida, sem que haja culpa do devedor, obrigação restará resolvida para as partes (Art. 256). Obrigações divisíveis e indivisíveis (Arts. 257 a 263, do Código Civil) Obrigações divisíveis São aquelas que podem ser executadas parceladamente, ou seja, em prestações (Art. 257). Exemplo: dívida de R$ 10.000,00, paga em cinco parcelas iguais. Obrigações indivisíveis São aquelas que não admitem tal parcelamento por sua natureza, por motivos de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico (Art. 258). Exemplo: dívida de R$ 10.000,00, que deve ser paga no prazo de seis meses. A obrigação indivisível perde tal característica se for resolvida em perdas e danos. * Mesmo que uma obrigação tenha por objeto uma prestação divisível, o credor não está obrigado a receber de forma parcelada nem o devedor a dessa forma pagá-la, se assim não tiver sido ajustado entre as partes. ** Sendo divisível a obrigação e existindo mais de um credor ou mais de um devedor, a obrigação presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos forem os credores ou os devedores (Art. 257). Exemplo: se A deve 15 aos credores conjuntos B, C e D, e sendo divisível a obrigação, isto pressupõe que B, C e D têm direito a receber de A 5 cada um. *** Ao contrário, e forem vários devedores e a prestação for indivisível, cada qual será obrigado pela dívida toda (Art. 259). Aquele que pagar, todavia, sub-rogar-se-á do direito do credor (Art. 259, parágrafo único). **** Havendo pluralidade de credores, poderá cada um deles exigir a dívida toda. Aos demais credores assistirá o direito de exigir. Do credor que receber a prestação por inteiro, a parte que lhes cabia no total em dinheiro (Art. 260). Obrigações solidárias (Arts. 264 a 285, do Código Civil)A solidariedade no direito das obrigações ocorre quando, em decorrência da mesma relação jurídica, a obrigação estabelece-se entre dois ou mais credores (solidariedade ativa) ou dois ou mais devedores (solidariedade passiva), tendo cada um deles direito a exigir a dívida toda ou a ela ficando obrigado, respectivamente (Art. 264). O instituto das obrigações in solidum admite também a modalidade mista, situação em que existirão vários credores e vários devedores na mesma obrigação. Todavia, a solidariedade não é instituto que se presuma, isto é, deve ser resultante de lei ou da vontade das partes (Art. 265). Ressalta-se também que a solidariedade pode ser pura e simples ou estar sujeita à condição, ao prazo ou ao encargo (Art. 266). Solidariedade ativa (Art. 267 a 274) Ocorre quando cada um dos credores tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação por inteiro, denominado de direito individual de persecução (Art. 267). O devedor de obrigação solidária, enquanto não for demandado, poderá pagar a qualquer dos credores (Art. 268). Neste caso, o pagamento efetuado pelo devedor a qualquer dos credores solidários extinguirá a obrigação (Art. 269), o mesmo ocorrendo em caso de novação, de compensação ou de remissão (Art. 272). Caso a prestação converta-se em perdas e danos, subsistirá a solidariedade e em favor de todos os credores, correndo, inclusive, juros de mora (Art. 271). NORMAS GERAIS 17 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Entretanto, se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir a receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível (Art. 270). Por outro lado, há que se ressaltar que a um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros (Art. 273). O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde exceção pessoal ao credor que o obteve (Art. 274). Solidariedade passiva (Art. 275 a 285) Ocorre quando cada um dos devedores solidários poderá ser demandado para cumprir a integralidade da obrigação assumida por todos. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto (Art. 275). Não importará renúncia da solidariedade à propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores (Art. 275, parágrafo único). Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível, mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores (Art. 276). O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada (Art. 277). Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento destes (Art. 278). Assim, o credor tem o direito de exigir e receber de um ou alguns dos devedores a dívida comum, e, ocorrendo impossibilidade do cumprimento da prestação por culpa de um dos devedores, subsistirá aos demais o encargo de pagar o equivalente, porém, por perdas e danos só responderá o culpado (Art. 279). Caso seja proposta uma ação contra um dos obrigados, todos responderão pelos juros de mora, mas aquele que der causa à situação responderá aos demais pela obrigação acrescida (Art. 280). O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando às exceções pessoais a outro co-devedor (Art. 281). Por outro lado, o credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores (Art. 282); todavia, se o credor renunciar da solidariedade em favor de um ou de alguns, subsistirá a dos demais (Art. 282, parágrafo único). O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem o direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as parte de todos os co-devedores (Art. 283). No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente (Art. 284). Se a dívida solidaria interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar (Art. 285). Ademais, há que se atentar para os seguintes dispositivos legais: Art. 127, caput, da Lei 11.101/05: “O credor de coobrigados solidários cujas falências sejam decretadas tem o direito de concorrer, em cada uma delas, pela totalidade do seu crédito, até recebê-la por inteiro quando então comunicará ao juízo”. Art. 54, do Código de Processo Civil: “Quando um devedor solidário é acionado, os demais podem intervir no processo como assistentes, na figura de assistente qualificado”. Outras modalidades de obrigações Obrigações de meio, de resultado e de garantia Tal distinção refere-se ao descumprimento das respectivas obrigações, onde a idéia fundamental reside na noção de saber e de examinar o que o devedor prometeu e o que o credor pode razoavelmente esperar. Obrigações de meio NORMAS GERAIS 18 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Nas obrigações de meio deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação. Seu descumprimento deve ser examinado na conduta do devedor, de modo que a culpa não pode ser presumida, incumbindo ao credor prová-la cabalmente. Exemplos: contrato de prestação de serviços advocatícios, contrato de prestação de serviços médicos. Obrigações de resultado Nas obrigações de resultado o que importa é a aferição se o resultado colimado foi alcançado. Só assim a obrigação será tida como cumprida. Sua inexecução implica falta contratual, dizendo-se que existe, em linhas gerais, presunção de culpa, ou melhor, a culpa é irrelevante na presença do descumprimento contratual. Exemplos: contrato de transporte, contrato de reparação de um bem. Obrigações de garantia As obrigações de garantia viam a eliminar um risco que pesa sobre o credor. A simples assunção do risco pelo devedor da garantia representa, por si só, o adimplemento da prestação. A compreensão da obrigação de garantia deve partir da noção de obrigação de meio, podendo ser considerada subespécie desta, em muitas ocasiões. O inadimplemento deve ser verificado, quero efeito indesejado tenha ocorrido, quer não, tomando-se por base um “padrão” de serviços para a espécie. Exemplo: contrato de segurança. Levando-se em conta tais situações, pode-se afirmar que há obrigações tipicamente de garantia, como a dos contratos de seguro e de fiança, e outras obrigações de garantia, como a situação enfocada, em que ela surge combinada com uma obrigação de meio. Obrigações de execução instantânea, diferida e continuada Obrigação de execução instantânea É o tipo de obrigação cuja contraprestação a ser feita pelo devedor é simultânea à prestação efetuada pelo credor. Exemplo: contrato de compra e venda, contrato de permuta. Obrigação de execução diferida É o tipo de obrigação cuja contraprestação a adimplida pelo devedor é diferida no tempo (pro futuro) em relação à prestação efetuada pelo credor. Exemplo: contrato de seguro, contrato de depósito. Obrigação de execução continuada É o tipo de obrigação cuja contraprestação a ser adimplida pelo devedor é continuada no tempo em relação à prestação efetuada pelo credor. Exemplo: contrato de segurança, contrato de prestaçãode serviços educacionais, contrato de locação. Obrigações puras, condicionais e a termo Obrigação pura Trata-se das obrigações que não estão sujeitas à condição, à termo ou à encargo, na medida em que o credor possui o direito de exigibilidade prontamente, com o vencimento da obrigação pelo devedor. Obrigação condicional A condição subordina a obrigação a evento futuro e incerto. Não havendo futuridade, tendo já ocorrido o evento, não há condição e a obrigação é exequível desde logo. Exemplo: se subordinamos um pagamento a um resultado de uma competição esportiva que ocorreu ontem, da qual apenas não abemos o resultado, não há futuridade, não há condição, não se trata de obrigação condicional, embora sua aparência o seja. Há dois tipos de condições: condições suspensivas e condições resolutivas. Condições suspensivas NORMAS GERAIS 19 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR Não existe a obrigação, não podendo assim o credor exigir seu cumprimento, enquanto não ocorrer o implemento da respectiva condição. Portanto, o credor detém, neste caso, um direito eventual, que implica no fato de seu titular poder exercer os meios asseguratórios para conservá-lo (Art. 130, do Código Civil). Vale dizer que sempre que o devedor impeça que a condição suspensiva se realize, a condição tem- se por cumprida e torna-se exigível a obrigação (Art. 129, do Código Civil). Ocorrendo o implemento da condição, imediatamente é exigível a obrigação (Art. 332, do Código Civil), cabendo ao credor provar que o devedor teve ciência do evento. Assim, em não ocorrendo a condição suspensiva, a obrigação, assim, deixa de existir. Destarte, não tendo ocorrido o evento e tendo o devedor cumprido a obrigação, assiste-lhe o direito de repetição, porque se trata de pagamento indevido (Art. 876, do Código Civil). Além disso, é proibida a disposição posterior ao estabelecimento da condição suspensiva, se esta disposição é incompatível com a condição suspensiva previamente estabelecida (Art. 126, do Código Civil). Condições resolutivas Ocorre a aquisição do direito por parte do credor de plano, não se diferenciando assim das obrigações puras e simples. A condição resolutória não proíbe a disposição da coisa para terceiro e, tendo isto ocorrido, e não sendo possível ir buscar a coisa com quem se encontre, só resta a resolução em perdas e danos. Em realidade, na condição resolutiva, o vínculo alcança terceiros, que adquirem uma propriedade resolúvel. O implemento da condição resolutiva, na realidade, invalida o vínculo. Se se tratar de imóveis, deve a resolução constar de registro, para que os terceiros não possam alegar ignorância. Com o implemento da condição resolutiva, deve o possuidor entregar a coisa com seus acréscimos naturais. Por outro lado, quando se frustra o implemento da condição resolutiva, a condição que já era tratada como pura e simples assim permanecerá. Obrigação a termo O termo, que sempre depende do tempo, é inexorável, razão pela qual o direito do credor é futuro, mas deferido, já que não impede a aquisição do direito, cuja eficácia fica apenas suspendida. As obrigações podem ser fruto de termo convencional (obrigações negociais), de termo legal (obrigações legais, como o pagamento de um tributo) e de termo judicial (obrigações oriundas de processo judicial). O termo inicial indica o momento do início, e o termo final indica o momento em que deve cessar o exercício do direito. Pelo termo, diferem-se direitos (termo suspensivo) ou se limitam em um prazo (termo resolutivo). O termo certo (ou determinado) constitui o devedor, de pleno direito, em mora, enquanto no termo incerto (ou indeterminado) é necessária a interpelação do devedor (Art. 397, do Código Civil). Depois do vencimento, a obrigação sujeita a termo converte-se em pura e simples, tornando-se exigível judicialmente. Ademais, convém ressaltar que a regra geral é a de que, antes da superveniência do termo, uma obrigação não pode ser exigida. Entretanto, há algumas exceções previstas no Art. 333, do Código Civil. Obrigações líquidas e ilíquidas A obrigação é líquida quando é certa, quanto à sua existência, e determina, quanto ao seu objeto, ou seja, encontram-se presentes os requisitos que permitem a imediata identificação do objeto da obrigação, sua qualidade, sua quantidade e sua natureza. Obrigações ilíquidas A obrigação é ilícita quando depende de prévia apuração para a verificação de seu exato objeto. Se se trata de apuração em dinheiro, é seu exato montante que deve ser apurado. Todavia, a apuração poderá ser de outro objeto que não dinheiro. A obrigação ilíquida tenderá sempre a se tornar líquida, para possibilitar, se for o cão, a execução forçada. A conversão ocorrerá em juízo por meio das regras do processo de liquidação (Arts. 586 e §§ 603 a 611, do Código de Processo Civil). Modalidades de liquidação judicial NORMAS GERAIS 20 WWW.DOMINACONCURSOS.COM.BR A sentença judicial sempre trará uma condenação líquida. A fase de liquidação de sentença poderá procrastinar desnecessariamente o deslinde da causa. Somente quando o juiz não tiver efetivamente elementos para proferir uma sentença líquida é que deverá deixar a apuração para a fase de liquidação, a qual, na verdade, se embute no processo de execução. O direito processual civil estatuiu tradicionalmente três formas de liquidação de sentença: por cálculo do contador, por arbitramento e por artigos. Liquidação por cálculo do contador É aquela realizada por simples cálculo aritmético, ocasião em que o próprio credor cuidará de fazer a memória discriminada dos valores atualizados. Dada a simplicidade dos cálculos, não há a necessidade de contador (Art. 604, do Código de Processo Civil). Liquidação por arbitramento É aquela que depende de conhecimento técnico para sua apuração, referindo o Art. 604, do Código de Processo Civil, a este aspecto, quando então se nomeará perito. A sentença que condena o réu a Agar o valor de uma máquina que se perdeu, por exemplo, requer arbitramento. O Art. 606, do Código de Processo Civil, especifica que se fará a liquidação por arbitramento quando determinado na sentença ou assim convencionado pelas partes e quando a natureza do objeto exigir essa modalidade. Liquidação por artigos É aquela que ocorre quando para determinar o valor de condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo, conforme disciplina o Art. 608, do Código de Processo Civil. Não é possível fugir ao pedido da petição inicial na liquidação da sentença. Entretanto, eventualmente, não poderá o autor estipular na petição inicial um pedido líquido (Exemplo: fixação do prejuízo pela produção de um produto falsificado pelo réu, onde a apuração do prejuízo dependerá de novos fatos a serem provados, uma vez que o montante do prejuízo não foi fixado na sentença). Pode ocorrer também a necessidade de perícia na liquidação por artigos. Não se pode, todavia, na liquidação por artigos, discutir-se novamente a lide ou se modificar a sentença que a julgou (Art. 610, do Código de Processo Civil). Obrigação ilíquida e obrigação de dar coisa incerta Na obrigação ilíquida, o objeto da prestação é desconhecido. Sempre é permitida a transação ou o simples acordo entre as partes para se atingir a liquidação. Porém, nas obrigações de dar coisa incerta, a incerteza da obrigação surge com a própria obrigação, enquanto nas obrigações ilíquidas a imprecisão não é originária, decorrendo, ao contrário, da natureza da relação obrigacional. O grande efeito da distinção é que o adimplemento de obrigação positiva e líquida, em seu termo, constitui de pleno direito o devedor em mora. É a mora da própria coisa, do próprio objeto (ex re). Na obrigação ilíquida, há necessidade da prévia liquidação para a constituição em mora (em relação aos juros, vide Art. 407,
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