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169 Revista de Direito Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 Ronaldo Ferreira Marinho Subseção Judiciária de Altamira - PA ronaldo.marinho@trf1.jus.br O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO RESUMO Este trabalho funda-se na explanação da evolução histórica por que vem, notadamente nos últimos anos, passando o interrogatório no processo penal brasileiro, dando ênfase às modificações recentes ocorridas em diversos diplomas legais, evidenciando, também, as inovações mais salutares com vista a alcançar um Direito cada vez mais moderno. Ao analisar, em sua linha evolutiva, o processo penal, vê-se o interrogatório transformar-se de meio de prova, em meio de defesa. Mais do que instrumento de persecução penal, o processo é instrumento de proteção da liberdade jurídica do indivíduo. Neste prisma, o interrogatório converte-se de instituto dirigido em princípio à pesquisa das provas em instituto destinado à auto-defesa do acusado. No sistema inquisitório, assim como no acusatório, como não poderia deixar de ser, o interrogatório é unicamente meio de prova. O que distingue os dois processos é que, no inquisitório, as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas em um único órgão, qual seja, o inquisitor. Palavras-Chave: interrogatório; processo penal; meio de prova; defesa; processo. ABSTRACT This project is based on the explanation of the historical evolution in which the interrogation, part of the Brazilian penal process, has gone through in recent years. It emphasizes not only the most recent changes which have happened in several processes, but also the most important innovations leading the Law to its highest and most modern level. By analyzing the penal process, it is noticeable that the interrogation has turned from a means of proof into a means of defensiveness. Besides being a tool for penal prosecution, the process is also a tool for the protection of the legal freedom of an individual. In this point of view, the interrogation converts itself from the coordinated means in search of proofs into the means designated to the self-defensiveness of the accused. In the inquisitorial system, as well as in the accusing one, the interrogation is only a means of proof. What makes the two processes distinct is the fact that in the inquisitorial one the functions of accusing, defending and judging are together in the inquisitor. Keywords: interrogation; criminal proceedings; evidence; defense; process. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Informe Técnico Recebido em: 15/5/2009 Avaliado em: 29/7/2010 Publicação: 11 de agosto de 2010 170 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 1. INTRODUÇÃO O processo, seja ele civil ou penal, é o instrumento pelo qual o Estado, por meio da jurisdição, imbuído de seu poder/dever de dizer o direito, tenta manter a paz social. Atualmente, a sociedade tem sido alvo de uma desenfreada criminalidade, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a criminalidade vem grassando diariamente e, por isso, o Poder Judiciário tem sido bastante acionado, de forma que o processo tem servido como um meio de diminuir essa situação. Esse trabalho aborda um dos principais atos processuais, podendo ser considerado também como um dos mais importantes. O interrogatório é o ato processual pelo qual confere oportunidade ao acusado de se dirigir diretamente ao juiz, apresentando a sua versão defensiva aos fatos que lhe foram imputados por uma acusação – seja ela ministerial ou particular – podendo, inclusive, indicar meios e elementos probatórios, bem como confessar a prática do crime imputado-lhe, caso entenda cabível e oportuno, ou mesmo permanecer em silêncio, se limitando apenas a fornecer dados informativos de sua qualificação pessoal. Mister ponderar, que existem duas fases em que se procede ao interrogatório do acusado, quais sejam: a persecutória inicial, conhecida por fase policial, e a instrução contradita, também denominada fase judicial. O interrogatório policial se dá durante a instrução do Inquérito (CPP) ou do Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO (de acordo com as leis n.º 9.099/95 e 10.259/02), quando a Autoridade Policial ouve a versão do acusado sobre a imputação indiciária, de forma que o interrogatório judicial realiza-se diante do Juiz, representando o Estado, e versa sobre os fatos consignados na denúncia ou na queixa.O interrogatório, quer seja ele policial ou judicial, é meio de prova e de defesa do agente, mormente por estar disciplinado no Título VII (Da Prova) do Código de Processo Penal, e decorrer do direito ao silêncio assegurado constitucionalmente (art. 5º, LXIII, da CF), bem como da autodefesa exercitada pelo indiciado ou acusado, na vertente do direito de audiência. Mister ainda ponderar, que na ordem da tradição do silêncio, foi aprovada mais uma modificação em nosso ordenamento jurídico, qual seja, a criação da Lei 10.792/03 que, acima de tudo, traz importantes e significativas alterações em alguns procedimentos processuais penais já consolidados. Ronaldo Ferreira Marinho 171 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 2. AS REFORMAS DO PROCESSO PENAL E O INTERROGATÓRIO As reações sociais aos excessos medievais não demoraram. Ainda no século XIV reformas em Portugal foram feitas por Dom Pedro I e Dom João I; Na França, em 1359 e, na Alemanha, em 1532 retornavam ao sistema acusatório. No século XVIII, com o advento do princípio liberal, determinou-se profundas modificações no processo penal. Com a prevalência da ideia liberal e individualista, nesse retorno ao sistema acusatório, o interrogatório muda de aspecto. Assegura-se ao acusado a possibilidade de, conscientemente, tornar-se o árbitro exclusivo sobre o “se” e o “como” de suas respostas. O privilege against self-incrimination da V Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América representa a garantia da liberdade de consciência do réu submetido a interrogatório. E no momento em que o acusado pode opor-se ao acertamento da verdade, mediante sua recusa em responder, surge para ele um direito que visa substancialmente colocar um limite à busca da verdade. Passa-se da tortura ao privilege against self-incrimination. 2.1. O Processo Penal no quadro das liberdades públicas: o Interrogatório como meio de defesa O direito público desenvolveu-se de forma autoritária e teve profunda influência no processo penal europeu a partir da década de 30, por meio da escola positiva, onde modificou esses conceitos novamente. O contraste Estado/indivíduo é resolvido em prejuízo deste até cessar as mudanças arbitrárias que a escola positiva impôs, assim, até mesmo no campo científico, o interrogatório voltou a ser classificado como meio de prova. Mas esse abandono do liberalismo não significa, nem deve significar, o desprezo do valor liberdade. Sobre o valor liberdade, pode-se suscitar o magistério de Ada Pellegrini Grinover, ao dispor que: “É a liberdade um direito fundamental, como tal se entendendo o direito inerente à personalidade humana, a ausência de constrangimento para toda a atividade sem a qual não se conserve, nem se aperfeiçoe o homem”. (GRINOVER, 1976. p. 30). 2.2. O nemo tenetur no ordenamento jurídico Brasileiro Na história do processo penal brasileiro, o interrogatório dos antigos códigos e das leis das unidades federadas era meio de defesa. Neste sentido, por sinal, o código de processo do Distrito Federal, em seu artigo 296, determinava que o juiz só perguntaria ao réu se queria prestar alguma declaração. 172 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 O Código de Processo Penal de 1941 absorveu tendências autoritárias da ciência penal européia da época, entre elas a configuração dada ao interrogatório do réu e ao princípio do nemo tenetur se detegere. Assim é que hoje o interrogatório é classificado no código pátrio como meio de prova. Disposto neste na parte subseqüente, de sorte que considerando os hodiernos entendimentos da doutrina e jurisprudência, a classificação começa a mudar dando lugar à discussão sobre sua natureza jurídica. 2.3. Do interrogatório na fase persecutória inicial O interrogatório criminal ocorre em ambas fases da persecução penal (inquisitiva e processual), motivo pelo qual se faz necessário tecer breves considerações preliminares acerca da sua realização na fase policial, para logo após adentrar a fase judicial em virtude da influência que alguns dos princípios/garantias constantes da Carta Magna de 1988 passaram a exercer sob as autoridades sentenciantes e, ainda, com as principais mudanças projetadas pela Lei n.º 10.792/03. O Código de Ritos ao tratar do inquérito policial (art. 4º e seguintes), preceitua que a autoridade policial logo que tiver conhecimento da prática da infração penal (art. 6º, V), deverá ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto sobre o interrogatório do acusado (art. 185 e seguintes), razão pela qual se afasta de plano a tese de que o Delegado de Polícia não interroga, apenas realiza a oitiva do indiciado, ainda mais quando se verifica que o artigo 304 do CPP – Da Prisão em Flagrante – expressamente dispõe que a autoridade competente interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita. Logo, superado está aquele raciocínio. Assim, embora o termo acusado equivocadamente seja utilizado para o agente submetido a procedimento administrativo (Inquérito Policial) que, no caso, se inicia mediante auto de prisão em flagrante ou portaria, o mesmo não se pode dizer do comando legal acerca do interrogatório, pois ao Delegado de Polícia compete aplicar, no que for cabível, o disciplinado sobre o interrogatório judicial (art. 6º, V, c/c art. 185 e ss do CPP). Deve, inclusive, sob pena de futura declaração de nulidade de todo o procedimento de ouvida do investigado, informá-lo do direito de permanecer calado. Ronaldo Ferreira Marinho 173 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 2.4. Repercussão das alterações do interrogatório judicial na esfera policial de acordo com o advento da lei nº. 10.792/2003 Em que pese a Lei 10.792/2003 não trazer qualquer alteração do Capítulo do Código de Processo Penal referente à investigação policial, o artigo 6º, inciso V, da norma adjetiva, prevê que a autoridade policial deverá “ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro”, que é justamente o capítulo modificado pela norma reformista. Das alterações realizadas (ver capítulo III) quase todas terão plena aplicação no interrogatório policial: a) o direito ao silêncio não se restringe à fase processual; b) o direito de assistência do advogado é garantido constitucionalmente e a possibilidade de entrevista prévia e reservada é inerente à assistência técnica prestada; c) o local de realização do interrogatório tanto pode ser o presídio como a sede da delegacia de polícia, a depender da segurança do local; d) as perguntas devem versar, nos termos do artigo 187, sobre a pessoa do investigado e sobre os fatos; e) devem ser observadas as regras específicas sobre surdos, mudos e estrangeiros e a separação dos interrogatórios no caso de co-autoria; f) e, por fim, é cabível a indicação por parte do advogado e do Promotor (se estiver presente) de outros fatos que devem ser indagados. A única distinção diz respeito à obrigatoriedade da presença do defensor e do membro do Ministério Público, que, evidentemente, não se aplica durante o inquérito. Se é verdade que é constitucional o direito de assistência de advogado, não é correto afirmar que se trata de obrigação, ou seja, durante o inquérito não é indispensável que se faça presente o advogado. Se o investigado não quiser ou não puder contratar advogado para acompanhar a fase pré-processual da persecução penal, não existirá qualquer mácula no procedimento, por se tratar de momento exclusivamente inquisitivo, onde não existe contraditório e ampla defesa. Note-se, contudo, que a lei n. 11.447/07 tornou obrigatória a comunicação à Defensoria Pública, da prisão em flagrante de indivíduo que não tenha advogado ou não possua condições de constituí-lo. 2.5. Do interrogatório na fase judicial No Direito Processual Penal, sem sombra de faltar com a verdade, um dos atos processuais mais importantes é o interrogatório, por meio do qual o Juiz ouve do pretenso 174 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 culpado esclarecendo sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados importantes para o seu convencimento. A necessidade de ser ouvida, no Processo Penal, a pessoa contra quem se pede a atuação da pretensão punitiva, contra quem se pede a aplicação da sanctio juris, infere-se da própria redação do art. 185 do CPP (ver item 3.3): Art. 185. O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado. É por meio do ato solene do interrogatório que o magistrado mantém contato com a pessoa contra quem se pede aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, além de outras, ouvindo-o, cientificar-se dos reais motivos e circunstâncias do crime, elementos estes valiosos para a dosagem e aplicação da pena. Em fim, visa extrair um retrato psíquico do acusado. Tourinho Filho já dizia, que “o legislador quer que o julgador ouça o acusado não só para que se tenha certeza de que ele é, realmente, a pessoa contra quem se propôs a ação penal, como também para que o Juiz conheça sua personalidade, saiba em que circunstâncias ocorreu a infração – porque ninguém melhor que o acusado para sabê-lo – e quais os seus motivos determinantes.” (TOURINHO FILHO, 1997). E tão necessário é o interrogatório, atentando para a norma imperativa do art. 185, que uma das primeiras providências a serem tomadas pelo Juiz, ao receber a peça inicial da ação penal, consiste, pois, conforme vaticina o art. 394 do CPP, em determinar a citação do acusado para proceder tal peculiaridade. 3. NATUREZA JURÍDICA DO INTERROGATÓRIO Questão bastante controvertida e discutida na doutrina brasileira diz respeito à natureza jurídica do interrogatório. Discute-se se esse ato processual é um meio de prova, meio de defesa ou concomitantemente meio de prova e de defesa. Necessário apresentar considerações acerca do que vem a ser meio de prova e meio de defesa, a fim de discorrer sobre os diversos entendimentos suscitados a respeito da controvérsia. 3.1. Meio de Prova Prova é toda atividade praticada pelas partes, terceiros e até pelo magistrado, com a finalidade de comprovar a veracidade de uma afirmação. Ronaldo Ferreira Marinho 175 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 O objeto da prova será sempre aquilo que será demonstrado como verdade, ou seja, todo fato, alegação, circunstância, causa, que, por serem incertos, precisam ser evidenciados para solucionar a lide. Tal demonstração deverá ser feita através dos meios de prova. Meio deve ser entendido como o caminho percorrido para atingir o fim desejado, que são os elementos probatórios. 3.2. Meio de defesa O direito de defesa é um direito fundamental de todo cidadão brasileiro e está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LV, que prescreve: Art. 5º. Omissis LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Pode-se entender ampla defesa como a faculdade que tem o réu de trazer para o processo todos os elementos que possam esclarecer a verdade. O direito de defesa tem como finalidade afastar a desigualdade processual, dá ao réu a oportunidade de se igualar ao autor. Dentro do direito de defesa temos a autodefesa e a defesa técnica. A autodefesa consiste na possibilidade do réu ser interrogado e de tomar ciência de todos os atos instrutórios do processo. Já a defesa técnica consiste no direito de ser defendido por um profissional habilitado que produzirá provas que influenciem no convencimento do juiz. 3.3. O Interrogatório como meio de prova Para a doutrina tradicional, o interrogatório constitui o início da fase probatória e, ao mesmo tempo, um dos atos finais da fase postulatória. Geralmente, na fase postulatória destacam-se o instante da formulação do pedido, do juízo de admissibilidade da demanda e da defesa preliminar. O acusado, durante o interrogatório, não se limita a responder, como acontecia na legislação anterior, a uma série de perguntas predeterminadas, sacramentais, às quais dava suas respostas bem pensadas, porque poderiam ser estudadas com anterioridade, e assim, não se comprometer, fraudando, desta forma, a busca da verdade real. Como bem preceitua Fernando Tourinho Filho, “o interrogatório pode constituir fonte de prova, mas não meio de prova: não está ordenado ad veritatem quaerendam”. (TOURINHO FILHO, 1997, p. 264). 176 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 É evidente que o juiz ao ouvir o acusado, pode formular perguntas oportunas e úteis, tendo, assim, oportunidade de tomar conhecimento a respeito de dados para a descoberta da verdade real. Frise-se que o interrogatório sempre foi considerado um meio de prova, face sua posição topográfica, Título VII, Capítulo III, do Código de Processo Penal. Hélio Tornaghi discorre sobre o tema desta maneira: [...] o interrogatório, pois, na lei em vigor, é meio de prova. Fato de ser assim não significa que o réu não possa valer-se dele para se defender. Pode, ele é excelente oportunidade para fazer alegações defensivas... o objetivo do interrogatório é provar, a favor ou contra, embora dele possa aproveitar-se o acusado para defender-se. (TORNAGHI, 1997, p. 363-4). Ao culpado a situação se apresentará mais difícil, porque a sua negativa mentirosa o obriga a rodeios e ginásticas de dialética que acabarão por deixar vestígios e contradições que se constituirão em indícios e provas circunstanciais de real valor para o veredicto final dos órgãos jurisdicionais. 3.4. O Interrogatório como meio de defesa Em contraste com o entendimento transcorrido anteriormente, boa parte da doutrina considera o interrogatório como meio de defesa. Os que têm reconhecido o interrogatório como meio de defesa, o faz por considerar esse ato a concretização de um dos momentos do direito da ampla defesa, constitucionalmente assegurado, qual seja, o direito de autodefesa, na forma de direito de audiência. No interrogatório, o réu tem a oportunidade de fazer alegações e citar fatos que possam exculpá-lo. Sobre essa característica, Borges da Rosa assevera que: [...] o interrogatório tem, pois, o caráter de meio de defesa; mediante ele pode o acusado expor antecedentes que justifiquem ou atenuem o crime, opor exceções contra as testemunhas e indicar fatos ou provas que estabeleçam sua inocência. Então ele é o próprio advogado de si mesmo, é a natureza que pugna pela conservação de sua liberdade e vida, que fala perante juízes que observam seus gestos e emoções (BORGES DA ROSA, 1982, p. 296). A ideia de interrogatório como meio de defesa foi reforçada quando a Carta Magna de 1988 tutelou o direito ao silêncio na categoria dos direitos e garantias fundamentais. Desta forma, o réu pode calar-se sem que isso o prejudique, ou seja, motivo de sanção. Ronaldo Ferreira Marinho 177 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 Sobre isso, os tribunais têm o seguinte entendimento: EMENTA - PROVA - SILÊNCIO - garantia de liberdade e de justiça ao indivíduo hipótese em que o réu, sujeito da defesa, não tem a obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem - ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder, conforme o art. 5º, inciso LXIII da CF. (Tribunal de Justiça de São Paulo -Matéria: Prova -Recurso: Ac 136167 1 -Origem: M Guaçu Órgão: Cciv 2 - Relator: Euclides de Oliveira – d. 31/01/91). Fernando Capez, outro defensor da tese de ser o interrogatório meio de defesa, discorre sobre o assunto da seguinte maneira: [...] ao contar a sua versão do ocorrido, o réu poderá fornecer no juízo elementos de instrução probatória, funcionando o ato, assim, como meio de instrução da causa. Todavia, essa não é a finalidade a qual se predispõe, constitucionalmente, o interrogatório, sendo a sua qualificação como meio de prova meramente eventual, insuficiente, portanto, para conferir-lhe a natureza vislumbrada pelo Código Processual Penal. (CAPEZ, 2002, p. 281). 3.5. O Interrogatório como meio de prova e de defesa Para alguns doutrinadores, a maioria atualmente, o interrogatório tem natureza mista, ou seja, além de ser um meio de prova é um meio de defesa. Os que entendem mista a natureza jurídica afirmam que no momento em que o acusado oferece sua versão dos fatos, exercendo seu direito de defesa, ele é observado pelo juiz que pode colher outros elementos necessários para julgar sua responsabilidade e dosar a pena eventualmente aplicada por ocasião de uma sentença. Colhe-se, sobre o assunto, interessante lição do Promotor paulista Rogério Sanches Cunha. Sem embargo de tais posicionamentos, parece ganhar força, segundo a doutrina mais moderna, uma posição intermediária, que confere um caráter misto à natureza jurídica do interrogatório. Ele é meio de defesa e fonte de prova, visto que o acusado tem a oportunidade de oferecer sua versão para os fatos, ao tempo em que o juiz pode colher, do interrogatório, valiosos dados que serão utilizados no momento de proferir a sentença, como ocorre, por exemplo, se o réu confessa a prática do crime (CUNHA; LORENZATO; FERRAZ; PINTO, 2008, p. 79). O interrogatório, partindo desta premissa, pode ser considerado como um instrumento de prova quando considerado pela lei fato probante, porém, será considerado de defesa quando entende-se que ele por si só nada evidencia, apenas faz referência ao tema probando. Vicente Grecco Filho explana sobre o assunto: [...] o entendimento mais aceito sobre a natureza do interrogatório é o de que é ele ato de defesa, porque pode nele esboçar-se a tese de defesa e é a também, ato de instrução, porque pode servir como prova. (GRECCO FILHO, 1998, p. 226). 178 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 4. O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO Verifica-se, a partir do estudo mais amplo sobre o interrogatório do acusado, que o princípio nemo tenetur se detegere apresenta-se em diferentes dimensões nos vários ordenamentos jurídicos. Em alguns, o princípio tem uma feição mais ampla, de forma que em outros, praticamente inexiste. De modo geral, o princípio nemo tenetur se detegere assegura, no interrogatório, a liberdade moral do acusado, consistente em liberdade de querer e poder determinar o próprio comportamento, sem imposições externas. Ou seja, além de exercer tutela sobre o risco de auto-incriminação, o nemo tenetur se detegere resguarda também a liberdade de autodeterminação que integra a liberdade moral assegurando ao acusado a livre escolha do comportamento processual. 4.1. Direito ao Silêncio Há uma significativa tendência à equiparação do princípio nemo tenetur se detegere ao direito ao silêncio, especialmente considerando-se a máxima de que ninguém é obrigado a declarar contra si mesmo. De um lado, o nemo tenetur se detegere e o direito ao silêncio são indissociáveis, visto que o direito de calar é uma significativa decorrência de que “ninguém é obrigado a se auto-incriminar”. De outro, não se pode negar que a equiparação do nemo tenetur se detegere ao direito ao silêncio é bastante restritiva. Na realidade, o direito ao silêncio é a mais tradicional manifestação do nemo tenetur se detegere, mas o citado princípio não se restringe a ele. O direito ao silêncio apresenta-se como uma das decorrências do nemo tenetur se detegere, pois o referido princípio, como direito fundamental e garantia do cidadão no processo penal, como limite do arbítrio do Estado, é bem mais amplo e há diversas outras decorrências igualmente importantes que dele se extraem. Na doutrina, freqüentemente, associa-se o direito ao silêncio ao direito de mentir, por parte do acusado. Entretanto, a mentira proferida pelo acusado está inserida na inexistência do dever de dizer a verdade, que é outra decorrência do nemo tenetur se detegere. Nesse mesmo diapasão, entende Fernando Capez: [...] O réu pode calar-se, sem que isso importe confissão tácita (CPP, art. 198), e pode mentir, uma vez que não presta compromisso, logo, não há sanção prevista para sua mentira. [...] Assim, se o silêncio é direito do acusado e forma de realização de sua defesa, não se pode conceber que o Ronaldo Ferreira Marinho 179 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 exercício desta, através do silêncio, possa ser interpretado em prejuízo do réu. (CAPEZ, 2002, p. 284). Em que pese a difusão do direito ao silêncio, com maior ou menor extensão nas diversas legislações, registra-se uma forte tendência à associação do referido direito à culpabilidade do acusado, que vem de longa data, mas que persiste no dia-a-dia dos Tribunais, nos julgados de primeiro grau, e em alguns escritos doutrinários. Aliás, o receio de que o silêncio seja interpretado como manifestação de culpabilidade é determinante para que o acusado não exerça o direito ao silêncio. Tal vinculação decorre de enraizada ideia preconcebida, que remonta ao modelo de processo inglês denominado accused speaks, de que quem é inocente responde às indagações formuladas, porque nada tem a ocultar. Mais do que isso: o inocente brada, grita, manifesta-se, proclamando a sua condição. Ilustrativo, a respeito, o dito popular, por vezes recordado em julgados, de que “quem cala, consente”. Neste quadro, o silêncio parece antinatural, especialmente para o inocente. Mas também antinatural para o culpado, porque, para este, a confissão seria um meio de expiação, alívio ao espírito. Não se considera, nesta ótica, que possam existir outras razões para o silêncio do acusado que não correspondam à culpabilidade e à ausência de qualquer defesa. Trata-se de uma visão preconceituosa do silêncio deste e distante da perspectiva dos direitos e garantias fundamentais. Mais recentemente, tem-se considerado que o direito ao silêncio é obstáculo para apuração dos fatos. O entendimento da jurisprudência pátria, mesmo antes da edição da nova lei 10.792/03, assim remontava: ADVERTÊNCIA QUANTO AO DIREITO AO SILÊNCIO: A parte final do art. 186 do CPP, no sentido de o silêncio do acusado poder se mostrar contrário aos respectivos interesses, não foi recepcionada pela Carta de 1988, que mediante o preceito do inciso LVIII do art. 5º, dispões sobre o direito de os acusados, em geral, permanecerem calados. (2ª T., RE 199.570-0/MT. Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, 20/03/1998, p. 17). Entretanto, tal silêncio, como decorrência do nemo tenetur se detegere, não é antinatural, positivo ou negativo. Não tem conotações valorativas. Não é sinônimo de confissão ficta ou de falta de defesa. É, acima de tudo, direito do acusado, no exercício da autodefesa. Pode apresentar-se também como estratégia defensiva, adotada segundo a orientação da defesa técnica. Como opção do acusado ou estratégia de defesa, deliberadamente escolhida, não comporta valorações. Insere-se na construção de um processo ético, de respeito à liberdade e dignidade do ser humano. 180 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 De forma expressa ou não, mantém-se ainda muito enraizada a interpretação do silêncio em desfavor do acusado. O fenômeno mostra-se mais preocupante ainda nas decisões proferidas pelo Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri, que são imotivadas. Tais decisões não se submetem a um controle adequado, ao menos nesse aspecto, que poderá contribuir para o convencimento dos jurados, mas não será externado em fundamentação de sentença. 4.2. Reconhecimento do direito ao silêncio em todos os interrogatórios realizados Para que o princípio nemo tenetur se detegere seja efetivamente tutelado no interrogatório, em dado ordenamento jurídico, mister que se conheça o direito ao silêncio em todas as fases procedimentais, nas quais o acusado for interrogado. Em todos os interrogatórios deverá ser observado o direito ao silêncio, mesmo que, em alguns deles, o acusado tenha respondido às indagações. Em suma, nos interrogatórios a cargo da polícia ou do Judiciário, deverá ser observado o direito ao silêncio. Tal observância impõe com maior rigor ainda nos interrogatórios realizados pelas autoridades policiais. É que, nas dependências policiais, o indivíduo fica mais vulnerável, quer pelo ambiente, quer pela proximidade temporal em relação ao fato (no caso de prisão em flagrante), quer pela ausência de defensor. Não raro é na fase de investigações preliminares que ocorrem abusos, físicos e morais, contra o suspeito ou indiciado. Deve-se considerar também, que não observado o direito ao silêncio do acusado no inquérito policial, vindo este a responder ao interrogatório e depois, ciente do referido direito, silenciar em juízo, as declarações anteriormente prestadas poderão repercutir sobre o convencimento do julgador. Ou seja, a não observância do direito ao silêncio na fase do inquérito policial poderá trazer prejuízos à defesa do causado, esvaziando-se a garantia do nemo tenetur se detegere. Objeta-se, porém, contra a tutela do direito ao silêncio nos interrogatórios policiais que, com ele, perde-se importante oportunidade para a colheita de elementos relacionados à infração penal, prejudicando a apuração da verdade e as investigações subseqüentes. Referida objeção traz à tona a questão atinente à opção do processo penal entre a prevalência do interesse social na eficiência da persecução penal e do mito da verdade Ronaldo Ferreira Marinho 181 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 material sobre a tutela da dignidade e liberdade do indivíduo, que não deixa de ser também de interesse público. Trata-se, em resumo, da escolha do legislador entre um processo ético, ditado por regras de respeito à pessoa e repulsa às arbitrariedades estatais, e um processo que busca a verdade a qualquer custo, inserido no modelo inquisitorial. Por fim, deve-se observar que incide o direito ao silêncio também nas declarações tomadas de suspeitos, indiciados e testemunhas, perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Assim como em declarações e depoimentos prestados em sindicâncias e processos legislativos, sejam eles realizados por autoridades do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Com relação à testemunha que deva prestar depoimento, Pedro Lenza faz interessante observação “As testemunhas prestarão compromisso de dizer a verdade, sob pena de falso testemunho. A elas é também assegurada a prerrogativa contra a auto-incriminação, garantindo-se o direito ao silêncio (...)”. Nesse sentido, peço vênia para transcrever o seguinte julgado do STF: A condição de testemunha não afasta a garantia constitucional do direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII: ‘o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado’);. Com esse entendimento, o Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu hábeas corpus para assegurar ao paciente – inicialmente convocado à CPI do Narcotráfico como indiciado -, na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento, ainda que na condição de testemunha, o direito de recusar-se a responder perguntas quando impliquem a possibilidade de auto-incriminação. HC 79.589-DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 05-04-2000 (grifo meu). É que a auto-incriminação do indivíduo poderá ocorrer em qualquer declaração ou depoimento, prestado em sede administrativa, legislativa ou judicial, penal ou extrapenal. 5. OUTRAS ESPECIES DE INTERROGATÓRIOS: INTERROGATÓRIO VIRTUAL, À DISTÂNCIA OU ONLINE O mundo vive a era da informação. A revolução tecnológica no campo das comunicações afeta a todos os setores da sociedade. O Direito, como ciência social, também é influenciado pelos avanços científicos, e estes avanços são sempre bem recebidos, principalmente quando se tem em mente a celeridade da prestação jurisdicional, muitas das vezes, morosa, por força ainda, de falta de aplicação de tecnologias à justiça em todo o Brasil. Debate bastante atual versa sobre a utilização de meios tecnológicos para agilizar a realização de interrogatórios no processo penal, em um procedimento definido como 182 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 interrogatório virtual, teleaudiência, teleconferência, interrogatório à distancia ou “on- line”. Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1999, p.5940), videoconferência é definida como “teleconferência que permite, além da transmissão da palavra falada e de documentos gráficos, a transmissão das imagens animadas dos participantes”. A Jurisprudência pátria também já decidiu lides a esse respeito, vejamos: INTERROGATÓRIO ON LINE. NULIDADE SOMENTE SE HOUVER PREJUÍZO: “Sem a devida demonstração do prejuízo, não pode ser anulado ex vi do art. 563 do CPP”. (STJ, 5ª T., RHC 6.272-SP, rel. Min. Félix Fischer, DJU, 05/05/1997, p. 17067). Atualmente, o interrogatório à distância tem sido realizado regularmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba e no Rio Grande do Sul e na 2ª Vara Criminal de Porto Alegre. Apesar de estar sendo procedido rotineiramente nos Estados supracitados, o interrogatório à distância não está previsto de forma expressa no ordenamento jurídico pátrio. Face à ausência de previsão normativa e considerando-se os direitos e garantias individuais da pessoa humana, cabe-se questionar a validade e a eficácia do interrogatório virtual. Face ao caráter de que o interrogatório é um meio de defesa, tem sido argüido que o interrogatório virtual contraria a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), no sentido de ser direito do réu preso se entrevistar na presença de um juiz. E, além disso, há quem aluda a inconstitucionalidade da medida, por afronta ao princípio constitucional da publicidade (artigo 5º, LX, CF e artigo 792, CPP). Nessa linha, sustenta-se que uma tela ou aparelho de TV não podem simplesmente substituir o imprescindível contato físico entre o réu e o juiz. Há, igualmente, entendimento de que o interrogatório “on-line” contraria o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) que, em seu Art. 9º, inciso 3º, garante a toda pessoa presa ou detida sob acusação de infração penal o direito de ser prontamente conduzida à presença de um juiz. No plano constitucional, é argüido que o interrogatório à distância fere os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da legalidade e da proporcionalidade. Analisando-se as hipóteses supracitadas, verifica-se que, em relação aos tratados internacionais não assiste razão àqueles que os vêem como um óbice ao interrogatório virtual. Explica-se: na década de 1960, em que os tratados foram aprovados, não havia Ronaldo Ferreira Marinho 183 Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 tecnologia disponível para a realização de tal procedimento, portanto, não poderiam aqueles tratados se manifestar acerca dele. Dessa forma, não é razoável adotar-se entendimento restritivo a fim de vedar a utilização do procedimento à distância, empregando-se meramente uma interpretação gramatical dos tratados internacionais, e desconsiderando-se o momento histórico em que foram aprovados. Dessa forma, conclui- se que os referidos textos legais não constituem, ‘aprioristicamente’, óbice ao interrogatório à distância. No entanto, e a fim de por um ponto final às discussões acerca da constitucionalidade ou não da videoconferência, o STF, em agosto de 2007, ao julgar o HC-88914, declarou a inconstitucionalidade do interrogatório online, o qual peço vênia para transcrevê-lo, dada a sua importância. Inicialmente, aduziu-se que a defesa pode ser exercitada na conjugação da defesa técnica e da autodefesa, esta, consubstanciada nos direitos de audiência e de presença/participação, sobretudo no ato do interrogatório, o qual deve ser tratado como meio de defesa. Nesse sentido, asseverou-se que o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV) pressupõe a regularidade do procedimento, a qual nasce da observância das leis processuais penais. Assim, nos termos do Código de Processo Penal, a regra é a realização de audiências, sessões e atos processuais na sede do juízo ou no tribunal onde atua o órgão jurisdicional (CPP, art. 792), não estando a videoconferência prevista no ordenamento. E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-la deveria ser motivada, com demonstração de sua excepcional necessidade no caso concreto, o que não ocorrera na espécie. Ressaltou-se, ademais, que o projeto de lei que possibilitava o interrogatório por meio de tal sistema (PL 5.073/2001) fora rejeitado e que, de acordo com a lei vigente (CPP, art. 185), o acusado, ainda que preso, deve comparecer perante a autoridade judiciária para ser interrogado. Entendeu-se, no ponto, que em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão “perante” não contemplaria a possibilidade de que esse ato seja realizado on-line. Afastaram-se, ademais, as invocações de celeridade, redução dos custos e segurança referidas pelos favoráveis à adoção desse sistema. Considerou-se, pois, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo advindo de sua ocorrência seria intuitivo, embora de demonstração impossível. Concluiu-se que a inteireza do processo penal exige defesa efetiva, por força da Constituição que a garante em plenitude, e que, quando impedido o regular exercício da autodefesa, em virtude da adoção de procedimento sequer previsto em lei, restringir- se-ia a defesa penal. HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914)”. (original sem grifos). A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconferência, no estabelecimento prisional em que recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema. Na espécie, o paciente não fora citado ou requisitado para se defender, mas apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no mesmo dia em que o interrogatório acontecera. Por ocasião da defesa prévia, pleiteara-se a nulidade do interrogatório e, em conseqüência, a realização de outro, na presença do juiz. O pedido restara indeferido e o paciente, condenado, apelara da sentença e, em preliminar, reiterara a nulidade do feito. Sem sucesso, a defesa impetrara idêntica medida no STJ, denegada, ao fundamento de que o interrogatório mediante teleconferência, em tempo real, não ofenderia o princípio do devido processo legal e seus consectários, bem como de que não demonstrado o prejuízo. Entendeu-se que o interrogatório do paciente, realizado — ainda na vigência da redação original do art. 185 do CPP — por teleaudiência, estaria eivado de nulidade, porque violado o seu direito de estar, no ato, perante o juiz. HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14.8.2007. (HC-88914)”. (grifo meu). A par de toda a polêmica em torno do assunto, o plenário do Senado Federal aprovou, no dia 24 de outubro de 2007, um projeto de lei que estabelece como norma a 184 O interrogatório no processo penal brasileiro Revista de Direito • Vol. 13, Nº. 17, Ano 2010 • p. 169-185 videoconferência para interrogatórios de detentos. Segundo o relator da matéria na Comissão de Constituição de Justiça, Senador Romeu Tuma, “O objetivo principal é a rapidez e a agilidade para o juiz. Também é positivo para a segurança dos presos, sem contar a economia. Tudo isso representa enorme economia e segurança para o Estado” (MALTCHIK, 2007). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no dia 9 de janeiro de 2009, a Lei nº 11.900, que permite a realização de interrogatórios de presos por videoconferência. De acordo com o projeto aprovado pelo Congresso Nacional, cabe ao juiz avaliar o uso da videoconferência, como em casos de risco de segurança ou quando o réu estiver doente. REFERÊNCIAS BRASIL. 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