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Ayslan Barra Políticas Públicas de Saúde Ayslan Barra Políticas Públicas de saúde Belo Horizonte Janeiro de 2016 COPYRIGHT © 2016 GRUPO ĂNIMA EDUCAÇÃO Todos os direitos reservados ao: Grupo Ănima Educação Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte deste livro, sem prévia autorização por escrito da detentora dos direitos, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros. Edição Grupo Ănima Educação Vice Presidência Arthur Sperandeo de Macedo Coordenação de Produção Gislene Garcia Nora de Oliveira Ilustração e Capa Alexandre de Souza Paz Monsserrate Leonardo Antonio Aguiar Equipe EaD Conheça o Autor Ayslan Barra é Farmacêutico generalista graduado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É mestre em Farmacologia pelo programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas: Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é doutorando do mesmo programa, onde atua como pesquisador na investigação do papel dos receptores ativados por protease em macrófagos e o seu envolvimento com a inflamação e resposta imune inata. Possui também experiência prática em Controle de Qualidade de Medicamentos e Correlatos e prestação de Assistência Farmacêutica no âmbito Hospitalar e Comercial. Caros alunos sejam bem-vindos à disciplina! Nesta caminhada, abordaremos momentos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais da sociedade ao longo dos anos e o impacto desses fatores sobre a forma de pensar e lidar com a saúde. A saúde, vista como elemento primordial em uma sociedade, é discutida aqui não apenas no seu aspecto biológico ou caracterizada como ausência de doença, mas também na sua compreensão como uma resultante do contexto social vigente. O Estado, como detentor do poder e responsável por manter a ordem pública, cabe formular políticas sociais de proteção aos cidadãos, dentre elas, as políticas de saúde. Nesse sentido, a saúde é parte de uma política social, em que todas as suas etapas de elaboração, execução e regulação são alcançadas através do equilíbrio entre as necessidades da população e os interesses do Estado. Aqui, nós buscaremos mostrar como a saúde foi abordada historicamente e como políticas públicas e modelos assistenciais foram elaborados para o controle de fatores determinantes na relação saúde- doença. Além disso, a disciplina pretende mostrar como os modelos assistenciais tornaram-se limitados e insuficientes na percepção e cuidado da saúde, favorecendo a emergência por uma reforma sanitária que se concretizou em 1988, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é considerado uma conquista social da população brasileira, pelo direito ao acesso aos serviços de atenção à saúde, especialmente aos grupos excluídos, como desempregados, trabalhadores do mercado informal, entre outros. Seus princípios e diretrizes fundamentam-se Apresentação da disciplina no conceito da integralidade, ou seja, contempla uma forma de cuidar da saúde na sua dinâmica mais ampla, abordando também aspectos biopsicossociais, a promoção da saúde, a igualdade, a equidade, entre outros. Apesar das conquistas alcançadas nos últimos anos, o funcionamento do SUS na prática não cumpre de forma eficiente os princípios e diretrizes descritas na Lei orgânica da saúde. Há ainda muitos desafios e melhorias a serem realizadas, configurando um interessante campo de atuação para os profissionais da saúde. Bons estudos! UNIDADE 1 001 Políticas Públicas e Modelos Assistenciais em Saúde 002 Conceito de Políticas Públicas 004 As Políticas de Saúde e o Contexto Social 004 Modelos Assistenciais em Saúde 007 Revisão 018 UNIDADE 2 020 Políticas de Saúde Pública no Brasil: Aspectos Históricos, Políticos e Sociais 021 Introdução 022 Brasil Colônia (1530-1822) 024 Império (1822 - 1889) 025 República Velha (1889 - 1930) 027 Era Vargas (1930-1945) 033 Instabilidade Política e Ditadura Militar (1945 - 1985) 037 Período de Transição e a Era Democrática (a Partir de 1985) 046 Revisão 048 UNIDADE 3 051 Reforma Sanitária e a Criação do Sistema Único de Saúde (SUS) 052 Introdução 054 8ª Conferência Nacional da Saúde e o Início da Reforma Sanitária Brasileira 059 Lei Orgânica da Saúde 063 Lei 8.142 de 1990 067 Revisão 069 UNIDADE 4 071 Princípios e Organização do SUS 072 Princípios e Diretrizes Estruturais do SUS 074 Universalidade e Igualdade 077 Integralidade 079 Participação Social 082 Descentralização e Hierarquização 084 Revisão 088 UNIDADE 5 090 Gestão e Financiamento do SUS 091 Introdução 093 Planejamento e Formulação de Políticas Públicas no SUS 097 Orçamento 103 Despesas com os serviços de saúde 107 Regulação e Controle dos Gastos 108 Revisão 111 UNIDADE 6 113 Níveis de Atenção e Ofertas dos Serviços de Saúde do SUS 114 Atenção Primária 116 Atenção Ambulatorial 121 Atenção Hospitalar 125 Programas de Assistência à Saúde Bucal e Mental 127 Assistência Farmacêutica 131 Vigilância à Saúde 134 Revisão 136 REFERÊNCIAS 178 Unidade 7 138 O SUS Hoje: Avanços e Desafios na Assistência Integral à Saúde 139 Principais Avanços, Dilemas e Impasses do SUS 141 Pacto pela Saúde 146 Tendências e Modelos Atuais de Reforma Sanitária 158 Revisão 161 UNIDADE 8 163 Profissionais de Saúde e o Cenário Social: Desafios e Perspectivas 164 A Formação dos Profissionais da Saúde 166 Os Dilemas e Desafios 169 Possibilidades 172 Revisão 176 Políticas Públicas e Modelos Assistenciais em Saúde Introdução Você sabia que o bem-estar da população influencia o desenvolvimento de uma sociedade? A saúde, como bem-estar e um direito do cidadão, pode ser considerada como um elemento chave na construção de uma sociedade equilibrada. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde não é definida apenas como um estado completo de bem-estar físico, mental, social ou ausência de doença, ela engloba uma dimensão plena, por meio no qual se alcança o bem-estar social. No sentido amplo, a saúde é resultante das condições socioeconômicas do indivíduo e do grau de acesso aos serviços essenciais como a saúde, moradia, alimentação, trabalho, entre outras, que permitem ao indivíduo uma vida mais produtiva e digna. Sendo assim, a saúde não deve ser abordada meramente do ponto de vista biológico. Ela envolve também a percepção do indivíduo com o próprio corpo e com o meio no qual ele está inserido,estabelecendo os laços sociais entre ele, a comunidade e os sistemas de saúde (MACHADO, 2007). • Conceito de Políticas Públicas • As Políticas de Saúde e o Contexto Social • Modelos Assistenciais em Saúde • Revisão O indivíduo como membro de uma sociedade plural, detentor de direitos e deveres é assistido pelo Estado através de políticas públicas. O Estado elabora e coloca em prática normas a serem seguidas e incorporadas pelos cidadãos. Em muitos casos, o caráter monopolista e centralizador do Estado contrastam com a ideia de cidadania, que é pautada nos ideais de liberdade, igualdade e solidariedade. De modo que, repercute na formulação de políticas públicas em saúde. Estas, em um primeiro momento visam à proteção social e é amparada por questões políticas e sociais. Porém, muitas vezes, a saúde deixa de ser considerada como uma prioridade e um direito ao cidadão, e passa a ser vista como um jogo de interesses econômicos e de articulação política. Na prática, as ações e serviços das políticas de saúde seguiam modelos assistenciais definidos, que foram desenvolvidos, baseando-se em estratégias de combate a uma doença específica ou em demandas pelos serviços de saúde. Porém, com incremento da industrialização, houve um aumento significativo da massa de trabalhadores urbanos, a partir da década de 20 que refletiu diretamente na demanda por serviços de saúde. Os modelos assistenciais hegemônicos - que prevaleciam na maioria dos países – tornaram-se ineficientes na medida em que a assistência prestada não contemplava o aspecto individual do doente, suas emoções, angústias, dilemas, mas focava no uso de práticas tecnológicas e mecanísticas. Outro fator marcante na adoção desses modelos foi o aumento crescente nos custos assistenciais em saúde. O que inviabilizou a continuidade desses modelos e levaram a sociedade a repensar por formas mais eficientes, em todos os seus segmentos, de abordar a saúde. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 4 Conceito de Políticas Públicas Políticas configuram-se como um segmento de alta complexidade formado por três dimensões: institucional (normas e deveres), material (políticas públicas) e processual (organização e dinâmica da política) (AZAMBUJA, 2008). No nível operacional, as políticas públicas englobam todas as decisões tomadas na dimensão processual e compreendem as mais variadas áreas do conhecimento, como saúde, assistência social e economia (SOUZA, 2003). Assim, segundo Souza (2007), “política pública” pode ser definida como: um campo do conhecimento que busca colocar o “governo em ação”, analisando ações, propondo mudanças, reformulações e continuidade, com intenção de influenciar o comportamento individual e coletivo (SOUZA, 2007). No setor de saúde, a formulação de políticas públicas constitui-se a fase na qual os propósitos do governo se traduzem em programas, ações e oferta dos serviços de saúde que produziriam mudanças e resultados na realidade social da população (SOUZA, 2007). As Políticas de Saúde e o Contexto Social Cada país possui estrutura funcional e de organização institucional própria que definirá as políticas de proteção social e de saúde adotadas. As ações e serviços formulados pelo Estado que têm como objetivo fornecer bem-estar e proteção social são chamados de “política social”. Esse ramo da política, tradicionalmente, abrange as áreas de saúde, previdência, assistência social, educação e habitação. Cabe ao Estado, a responsabilidade por planejar, No nível operacional, as políticas públicas englobam todas as decisões tomadas na dimensão processual POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 5 organizar e formular políticas públicas de saúde de maneira racional, priorizando as necessidades dos cidadãos. A elaboração das ações e procedimentos deve ocorrer levando-se em consideração todos os atores sociais. Nesse grupo, incluem- se políticos, gestores, profissionais da saúde, usuários, famílias e membros da comunidade. Dessa forma, os programas e serviços aprovados devem incorporar interesses e necessidades de todos esses setores da sociedade para alcançar a qualidade e satisfação na assistência prestada. Apesar das propostas implantadas em políticas públicas em saúde serem voltadas para a assistência da população, as decisões políticas, muitas vezes, podem ser influenciadas por outras entidades. Empresas privadas, seguros de saúde, indústria farmacêutica, usuários, entre outros setores da sociedade possuem interesses próprios que vão além dos interesses sociais. Podendo, de alguma forma, impor modificações ou distorções nos sistemas de saúde previamente pensados. Após a industrialização e expansão do capitalismo, houve uma crescente necessidade de melhoria das condições de trabalho em fábricas e de redução dos problemas decorrentes da pobreza. Em decorrência disso, em vários países, aumentaram também as reivindicações por movimentos sociais em busca de melhores condições de trabalho, direitos, deveres e acesso à saúde. O Estado, como forma de assegurar a ordem social, deveria fornecer algum tipo de proteção ou assistência aos operários, para regular suas condições de trabalho e amenizar o sofrimento. A solução encontrada foi criar políticas de integração social em troca de aumento da eficácia de trabalho e da produtividade, elementos essências na manutenção do crescimento e desenvolvimento da nação. No nível operacional, as políticas públicas englobam todas as decisões tomadas na dimensão processual. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 6 Nesse sentido, foram criadas algumas modalidades de proteção social, que especificamente na saúde, foram classificadas em assistência social, seguro social e seguridade social (FLEURY; OUVERNEY, 2008). A assistência social é regida por fundos e doações organizadas por entidades voluntárias e filantrópicas, que buscam através da caridade, prestar assistência aos pobres, excluídos e aos trabalhadores do mercado informal. Essa medida, apesar de seus valores solidários, tem caráter emergencial, pontual, não garante nenhum direito e gera ações e serviços temporários e fragmentados. O seguro social é uma modalidade de proteção voltada para os trabalhadores do mercado formal. A relação é firmada por contrato, no qual os trabalhadores recebem compensações proporcionais as suas contribuições ao seguro. Os beneficiários recebem em troca o pagamento em caso de perda da capacidade de trabalho por idade, acidente e enfermidade (FLEURY; OUVERNEY, 2008). A seguridade social é fornecida pelo Estado e tem como pilar a garantia a todos os cidadãos o direito de usufruir bens e serviços de forma universal e igualitária, independente de contribuição e condição social. O Estado é o principal provedor dos recursos e financia as políticas sociais com vistas a garantir os serviços de saúde aos indivíduos. Essas formas de proteção social serviram de modelo para a construção de políticas assistenciais e modelos de atenção na saúde. As ações buscavam atender e satisfazer as necessidades de saúde da população, porém as discrepâncias e peculiaridades operacionais de cada modelo não garantiram, de fato, o direito e igualdade no acesso aos serviços de saúde. O Estado é o principal provedor dos recursos e nancia as políticas sociais com vistas a garantir os serviços de saúde aos indivíduos. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 7 Modelos Assistenciais em Saúde O termo “modelo assistencial” refere-se à forma de organização dos serviços prestados à saúde que envolve os diferentesníveis de assistência que visa à resolução dos problemas e necessidades de saúde individuais e coletivas. Essa forma de prestação dos serviços é feita em diferentes modalidades e utiliza recursos físicos, tecnológicos e humanos de acordo com os objetivos e estratégias anteriormente definidos. Os modelos assistenciais devem ser entendidos como forma de gestão da organização das políticas de saúde, comprometido com o cuidado individual e coletivo. Deve possuir caráter de ação racional, utilizando ferramentas técnico-científicas para a solução de problemas em saúde. Do ponto de vista operacional, os modelos assistenciais em saúde são articulados em três dimensões: gerencial, relativa aos mecanismos de condução e reorganização das ações e serviços; organizativa, em termos de relação entre os estabelecimentos e unidades de prestação dos serviços, levando-se em conta a hierarquia e os níveis de complexidade tecnológica para intervir no cuidado à saúde; tecno-assistencial: relação entre os sujeitos da prática e seus objetos de trabalho no plano da promoção da saúde, prevenção de riscos, recuperação e reabilitação (TEIXEIRA, 2003). Movimentos Ideológicos e a Criação de Modelos Assistenciais Na segunda metade século XIX, a noção da importância da higiene na sociedade já era considerada como uma prioridade política. Nessa época, alguns estudiosos já relacionavam a saúde com a economia, de modo a justificar os investimentos nesse setor. Com Os modelos assistenciais devem ser entendidos como forma de gestão da organização das políticas de saúde. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 8 a expansão do capitalismo, houve transformações marcantes em todos os setores sociais, com acentuada deterioração das condições de vida dos trabalhadores. A miséria era uma realidade para grande parcela dos países industrializados e uma ameaça à ordem pública, o que pressionou o Estado a reorientar as políticas sociais, sobretudo na área da saúde e previdência. Na metade do século XIX na França, as descobertas de Pasteur e Koch sobre o isolamento de germes gerou uma revolução na ciência, atribuindo-se a cada doença um agente causador que seria um germe. Outro achado nesse mesmo período correlacionou a transmissão desses germes por vetores como insetos. Essa ideia fundamentada na relação entre agente, hospedeiro e ambiente difundiu o modelo de história natural da doença. Modelo de História Natural da Doença Modelo construído através do processo saúde-doença amparado pela relação entre o indivíduo, o agente causador da doença e o ambiente. Esse modelo é amparado na medicina preventiva e tem como base os princípios da epidemiologia e clínica como ferramentas de intervenção na saúde. Assim, na prática, as ações orientam através de programas verticais de proteção coletiva. Modelo da Pirâmide Outras ideologias emergentes foram crescendo, como o da medicina comunitária, que propunham uma regionalização e integração na prestação dos serviços de saúde considerando os níveis de hierarquia da atenção. Essa organização dos serviços de saúde foi definida como “modelo de pirâmide”. Uma das prerrogativas eram a maior integração das ações, acompanhamento da atenção prestada e participação social. Porém, a concentração dos recursos nos níveis secundários e terciários elevou os custos da assistência prestada à saúde e rotulou esse modelo de “hospitalocêntrico”. A miséria era uma realidade para grande parcela dos países industrializados e uma ameaça à ordem pública. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 9 Modelo de Atenção Primária Após a Declaração de Alma-Ata, foram difundidas concepções fundamentadas na atenção primária como forma de organização das políticas e procedimentos em saúde pela adoção de práticas de saúde essenciais, não-especializadas e custo-efetivas, pautadas na igualdade de acesso e direito à saúde. Modelo do Campo da Saúde Desenvolvido no Canadá, esse modelo frisou a importância dos determinantes ambientais no controle de epidemias, reforçando a ideia de promoção da saúde, que estabelecia como requisitos para alcançar a “boa” saúde, outros elementos como o acesso à educação, habitação, alimentação, renda, ambiente favorável à saúde, justiça social e equidade. Porém, na década de 80, a limitação dos programas à concepção saúde-doença trouxe a tona a necessidade de reforma dos serviços de saúde, incorporando os princípios da integralidade e da promoção da saúde. No Brasil, os modelos de atenção foram historicamente atribuídos à importância de atender às demandas e necessidades. Sendo identificados como modelos de atenção hegemônicos e alternativos. Modelos Assistenciais no Brasil Os modelos assistenciais seguem a ótica da demanda por serviços ou das necessidades da população e são classificados em “modelos hegemônicos” e “propostas alternativas”. No Brasil, os modelos de atenção foram historicamente atribuídos à importância de atender às demandas e necessidades. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 10 Modelos Hegemônicos Esses modelos exercem grande influência política e cultural aos profissionais de saúde, usuários, estudiosos, entre outros. No Brasil, o “modelo médico” e o “modelo sanitarista” são considerados os predominantes no sistema de saúde brasileiro. Modelo Sanitarista O modelo sanitarista incorpora os ideais do século XX baseados nas medidas de intervenção sanitária no âmbito coletivo. Essas medidas funcionam através de campanhas de cunho esporádico ou periódico, definidas por estudos epidemiológicos de doenças e agravos e visam controlar ou erradicar essas “ameaças microbiológicas”. Como exemplo, podemos citar as campanhas de vacinação, controle de epidemias, erradicação de endemias. Outras formas de intervenção vertical são promovidas pelos programas especiais de atenção a certas doenças e agravos, como a tuberculose, hanseníase, AIDS, etc., como também pela vigilância sanitária e epidemiológica. Modelo Médico Assistencial Privatista Modalidade assistencial mais comum, fundamentada pelos ideais da medicina Flexneriana, na qual a atenção à saúde é centrada no hospital e voltada para o atendimento da demanda. Nessa abordagem, utiliza-se recursos e procedimentos especializados, em detrimento da promoção da saúde. Porém, apesar de não contemplar os conjuntos dos problemas de saúde, essa modalidade configura-se como política assistencial preferida pela categoria médica, políticos e população medicalizada. O objetivo é identificar e tratar a doença de um indivíduo, por um profissional especialista, utilizando como meio de trabalho as tecnologias médicas. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 11 Modelo da atenção gerenciada Esse modelo surgiu como substituto ao modelo médico assistencial-privatista em decorrência do aumento das cooperativas médicas, planos de saúde, medicina de grupos, entre outros. Do ponto de vista operacional, esse modelo funciona preconizando as variáveis econômicas como custo-benefício e custo-efetividade dos tratamentos oferecidos. Fundamenta-se na medicina baseada em evidências e na análise sistemática de informações e conhecimentos biomédicos para orientar as condutas médicas. Essa forma de lidar com a saúde visa à redução de custos, aumento dos lucros, contenção da demanda e à restrição ao uso de procedimentos e serviços de alto custo. Vigilância Sanitária A vigilância sanitária caracteriza por um conjunto de intervenções dirigidas pelo Estado que tem como alvo a avaliação de riscos em saúde. Essa modalidade se confunde com a própriahistória da saúde pública, concentrando nos problemas sanitários oriundos do meio ambiente. As ações da vigilância englobam o controle de bens de consumo ou prestação de serviços que de modo direto ou indireto se relacionam com a saúde. Em suas práticas incluem a fiscalização de medicamentos, equipamentos, alimentos, tecnologias, como também da avaliação de riscos sociais, ocupacionais, ambientais, entre outros com vista à proteção da coletividade. Vigilância Epidemiológica Conjunto de atividades que reúne informações importantes sobre uma doença, sua história natural, determinantes ambientais, formas de contágio, sinais clínicos, entre outros achados. Após o levantamento, ações decisórias são tomadas, visando à prevenção e controle da doença ou de seus fatores condicionantes. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 12 Propostas Alternativas de Atenção à Saúde Os modelos hegemônicos incorporados durante décadas ao sistema de saúde brasileiro não conseguiram conciliar algumas características essenciais no cuidado à saúde como a qualidade, integralidade, efetividade e humanização dos serviços. Esses fatores eram os mais questionados nos movimentos ideológicos por reforma na saúde e contribuíram para a crise que se formou na década de 70. Os modelos hegemônicos baseados em suas bases estruturais e operacionais foram perdendo “espaço” como sistema de saúde predominante na medida em que não atendia mais as necessidades da população. Uma avaliação desses modelos apontou uma elevação cada vez mais crescente dos custos dos serviços, redução da efetividade em decorrência das mudanças nos perfis demográficos da população, aumento da insatisfação dos profissionais da saúde, perda de confiança pela população usuária que inviabilizou a continuidade desses sistemas. Ao mesmo tempo em que o modelo hegemônico declinava, propostas alternativas foram cada vez mais valorizadas. Os modelos alternativos revisavam conceitos e estratégias acerca da forma de organização das ações e serviços da saúde, encontrando um campo fértil de atuação no Brasil, marcado pela baixa cobertura assistencial, ineficiência administrativa e técnica, e ausência de articulação entre as instituições na área da saúde. A seguir, veremos algumas modalidades alternativas que foram incorporadas ao sistema de saúde brasileiro. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 13 Oferta Organizada Proposta voltada para análise da lógica do atendimento, promovendo uma eficiência da relação entre a oferta dos serviços e a demanda espontânea. As ações são organizadas em uma unidade de saúde pública, ofertadas ao nível indivíduo ou a grupos especiais, pautada nos princípios da integralidade. Essa proposta segue uma linha programática, definida a partir de informações epidemiológicas previamente identificadas. De modo a orientar as práticas locais, buscando satisfazer necessidades e problemas específicos de saúde da comunidade. Distritos Sanitários Proposta de organização da saúde em uma rede estruturada e integrativa definida a partir de critérios geográficos, populacionais, epidemiológicos e políticos. Essa forma de organização inspirada nos preceitos dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS) e nas Unidades Sanitárias Locais (USL) do sistema de saúde italiano destacava a delimitação territorial como forma de definir a cobertura populacional. O enfoque situacional fornecia evidências sobre o perfil da demanda populacional, permitindo um melhor planejamento e articulação entre os níveis de complexidades da assistência prestada, o que possibilitou identificar com maior clareza as necessidades em saúde com base nos princípios da integralidade. Vigilância da Saúde Modelo proposto com vistas à intervenção na situação de saúde pautada na integralidade e efetividade. Observando a figura a seguir da direita para esquerda e iniciando pela parte superior, é possível observar que a maioria das intervenções POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 14 em saúde está voltada para o controle de danos, destacando a assistência médica hospitalar e a vigilância epidemiológica. Porém, antes da ocorrência de danos, há riscos, que podem ser definidos em termos de probabilidade de um grupo desenvolver uma doença. Nessa fase, as ações são organizadas para o controle dos riscos, objetivos da vigilância sanitária e epidemiológica. Indo em diante, mais à esquerda do diagrama, e antecedendo aos riscos, nós alcançamos as necessidades sociais de saúde. Nesse momento, a intervenção configura-se como estratégia para controle de causas, condicionadas ao estilo de vida dos indivíduos e da estrutura social na qual ele esteja inserido. Esse aspecto foge da cobertura assistencial, definindo os limites de abrangência das políticas sociais. Porém, conforme o relatório da 8ª Conferência Nacional em Saúde, foram lançadas ideias sobre a expansão das ações em torno dos determinantes socioambientais, fundamentada na concepção de promoção da saúde (PAIM, 2003). FIGURA 1- Vigilância da Saúde POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 15 Fonte: PAIM, 2002, p. 380. A articulação entre as variáveis, danos, riscos e causas, promove a integração organizada dos serviços na esfera local, baseada em ações programadas e com participação social consciente. Ações Programáticas em Saúde (APS) Configura-se como uma prática de saúde em unidade de atenção básica, voltada para a identificação e resolução de problemas em saúde ao nível local. Utiliza-se ações programáticas como ferramenta de intervenção, beneficiando grupos de diversos perfis como a saúde da mulher, saúde mental, do idoso, entre outras. A APS busca reformular a forma de atenção a grupos específicos vistos nos “programas especiais”, de maneira organizada e articulada com as necessidades populacionais, buscando maior efetividade, qualidade e integralidade nas ações de saúde. Programas de Agentes Comunitários (Pacs) e Saúde da Família (PSF) Dois modelos ganharam visibilidade na década de 90 no Brasil, com uma proposta de atenção voltada para os pobres e excluídos, cujos serviços prestados contemplam ações e atividades educativas de prevenção de riscos e agravos. Anos mais tarde, o PSF foi integrado ao Pacs e a responsabilidade da atenção foi atribuída a uma equipe multiprofissional formada por médicos, enfermeiros, agentes comunitários, odontólogos. O PSF reorganiza no Brasil a visão sobre a atenção básica, na medida em que transfere para os municípios a responsabilidade das ações e serviços em saúde. Esse programa ao longo dos anos deixou de ser visto como uma política operacional de cuidados na atenção básica e passou a ser considerado como uma estratégia de saúde no âmbito nacional. A articulação entre os níveis de atenção entre a média e alta complexidade somada POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 16 às ações de vigilância epidemiológica e sanitária tem permitido alcançar melhorias na promoção da saúde e na qualidade de vida da população. Acolhimento A partir de estudos em unidade de saúde da atenção básica, foram formuladas propostas visando uma aproximação e vínculo entre os profissionais da saúde e a população. Um dos pilares dessa abordagem concentrava-se na reorientação da atenção à demanda de serviços, de modo a incluir atividades sociais como forma de humanização da assistência. Nesse sentido, foram alcançados uma maior racionalização dos recursos e melhores índices de satisfação dos usuários, uma vez que os cuidados em saúde consideravam as múltiplas complexidades dos sujeitos na esfera psicológica, e não só na clínica. Linhasde Cuidado São denominadas como um conjunto de informações, tecnologias e recursos para enfrentar os problemas de saúde. Após a divulgação do Pacto da saúde em 2006, foram disseminadas as formas de organização do cuidado em linhas de produção, emolduradas em redes de atenção regionalizadas. Permitindo a articulação dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, oferta de medicamentos, serviços de especialidade, entre outros. No nível operacional, essa linha fornece uma estruturação do cuidado com projetos terapêuticos, em especial para as doenças crônicas como, por exemplo, diabetes, AIDS, asma, depressão, etc. A conduta voltada para a orientação do usuário e também no monitoramento de doenças ou agravos, contribuindo para um melhor acompanhamento dos serviços prestados, reforçando o vínculo com o usuário através de ações integrativas. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 17 Promoção da Saúde Composto por medidas que objetivam a melhoria do estilo e qualidade de vida de uma população. Incentivada por atividades de educação e comunicação em saúde, integração de ações intersetoriais e de formulação de políticas públicas saudáveis. Essa modalidade apoia-se no conceito de “cidades saudáveis’’ que busca uma gestão governamental ampliada, incluindo medidas sociais e de cidadania pautadas na participação comunitária para se alcançar melhores condições de vida e saúde. Considerações finais Os modelos assistenciais historicamente não foram capazes de contemplar todos os níveis de atenção em saúde. O planejamento, formulação e execução desses serviços e ações no cuidado à saúde sempre foram marcados por desafios administrativos, gerenciais, burocráticos, técnico-assistenciais que, de alguma maneira, repercutiram na eficiência, qualidade e resultados alcançados. Em muitos casos, esses modelos não conseguiram identificar as verdadeiras necessidades em saúde da população, sendo reproduzidos seguindo diretrizes e abordagens mecanísticas e com pouca ou nenhuma preocupação com relação à humanização e integralidade no atendimento. Dessa forma, destaca-se a necessidade da atualização constante nessa área, baseando-se em estudos estatísticos, dos perfis epidemiológicos e de pesquisas sociais que pudessem investigar qual a melhor combinação de procedimentos e tecnologias para a solução de problemas enfrentados em saúde. Incluindo nessa análise as diferentes realidades individuais e coletivas em saúde que se observam em nosso país e que influenciam diretamente na criação de políticas públicas. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 18 A partir da análise histórica e conceitual acerca dos modelos assistenciais em saúde, é possível afirmar que esses, de fato, influenciaram na maneira em que se pensa e é conduzido o cuidado da saúde hoje em dia. Os modelos assistenciais são utilizados como parâmetro no planejamento estratégico em políticas em saúde. Como exemplo, podemos citar as ações atuais promovidas pelo governo federal no combate à dengue, transmitida através do vetor natural, o mosquito Aedes aegypti. Nessas ações, incluem-se medidas de vigilância epidemiológica sobre o foco do mosquito, informações sobre a história natural da doença, os determinantes socioambientais da doença, sintomatologia clínica e educação sanitária. Utiliza-se como ferramenta preventiva o levantamento e análise sistemática de dados, visando o controle da doença e de seus agravos sobre a saúde coletiva. Revisão Nesta unidade, vimos a importância da saúde e bem-estar coletivo como reflexo de uma sociedade justa, na qual a saúde é tratada como um direito do cidadão e dever do Estado. Porém, em muitos momentos históricos, como observado no início do século XX com a expansão capitalista, a saúde foi menosprezada pelo Estado. O que levou ao crescimento de movimentos sociais pelo direito de acesso ao sistema de saúde. Como consequência, em troca da ordem pública e de continuidade na produção industrial, o Estado assegurou a criação de políticas públicas de proteção social, contemplando medidas em benefício da saúde individual e coletiva. A busca por formas organizadas de prestação da assistência à saúde fez com que modelos ou padrões de tratamento fossem criados, sempre influenciados por ideologias emergentes. Esses POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 19 modelos buscavam identificar as necessidades de saúde de uma determinada população, traçando estratégias operacionais no atendimento à demanda por serviços ou controlando fatores ambientais relevantes na transmissão de doenças. No Brasil, dois modelos hegemônicos predominaram: “modelo sanitarista” e o “modelo médico assistencial privatista”. O modelo sanitarista era considerado um programa vertical, de caráter temporário e voltado para a proteção coletiva. Já o modelo médico assistencial privatista era centrado no atendimento hospitalar da demanda, feito por um especialista e utilizando recursos tecnológicos no diagnóstico e na terapêutica. Porém, com o passar dos anos, esses modelos se tornaram insuficientes por vários fatores como alto custo na prestação do cuidado, afastamento do vínculo com o paciente e desconsideração de seus aspectos biopsicossociais. Isso fez com que propostas alternativas de cuidado à saúde fossem cada vez mais difundidas. O principal enfoque de atenção nessas novas modalidades contemplava os princípios da integralidade, equidade e promoção da saúde. Sendo esses conceitos essenciais na prestação de serviços de saúde eficazes e de qualidade, eles foram incorporados por vários sistemas de saúde no mundo. Livros COTTA, Rosângela Minardi Mitre et al. Políticas de Saúde: Desenhos, modelos e paradigmas. Viçosa: UFV, 2013. GIOVANELLA, Lígia et al. Políticas e Sistemas de saúde no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. Sites BRASIL. Portal da Saúde. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov. br/>. Acesso em: 19 jul. 2016. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 1 20 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. Institucional. Disponível em: <www.cebes.org.br>. Acesso em: 19 jul. 2016. Filme HISTÓRIA da saúde pública no Brasil - Um século de luta pelo direito a saúde. Filme. Direção: Renato Tapajós. Produção: André Alvarez. Brasil. 2006. DVD (60 min.). POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 21 Políticas de Saúde Pública no Brasil: Aspectos Históricos, Políticos e Sociais Introdução As condições atuais de saúde no Brasil são reflexos das decisões políticas tomadas em nosso país nos últimos séculos. A evolução dos sistemas de saúde adotados durante cada época acompanhou as profundas mudanças políticas, sociais culturais e econômicas da sociedade. Sendo assim, nesta unidade, vamos abordar as principais políticas públicas desde a época da colonização, marcada pelas políticas voltadas para o espaço urbano e controle de epidemias que prejudicasse a economia; passando pela Era Vargas, em que a assistência médica aos trabalhadores passou a ser vinculada à previdência; até a criação do SUS em 1988, definindo a saúde como direito de todos e dever do Estado. Nosso objetivo aqui não se restringe à simples descrição histórica dos sistemas de saúde implantados em cada período, mas propõe despertar no aluno o senso crítico em relação à maneira como as políticas em saúde foram desenhadas e suas consequências para a sociedade. • Introdução • Brasil Colônia (1530-1822) • Império (1822 - 1889) • República Velha (1889 - 1930) • Era Vargas (1930-1945) • Instabilidade Política e Ditadura Militar (1945 - 1985) • Período de Transiçãoe a Era Democrática (a Partir de 1985) • Revisão POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 23 Introdução Diariamente nos deparáramos com notícias veiculadas por jornais, TV e revistas sobre as condições de saúde no Brasil. Isso causa um mal-estar entre a população e desperta um sentimento de revolta e injustiça com o descaso da saúde pública. Na prática, a alta carga tributária arrecada pelo governo, nas esferas municipais, estaduais e federais, geraria recursos suficientes para garantir serviços em saúde de qualidade para a população. Porém, o que se vê são enormes filas no atendimento à demanda, falta de leitos em hospitais, escassez de recursos financeiros, aumento da incidência de doenças transmissíveis, denúncias de abusos pelos planos privados e seguros de saúde, entre outros. Para compreender a situação atual do sistema de saúde, faz-se necessário definir algumas premissas importantes, brilhantemente descritas por Polignano (2001): • a evolução histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político-social e econômica da sociedade brasileira, não sendo possível dissociá-las; • a lógica do processo evolutivo sempre obedeceu à ótica do avanço do capitalismo na sociedade brasileira, sofrendo a forte determinação do capitalismo no nível internacional; • a saúde nunca ocupou lugar central dentro da política do Estado brasileiro, sendo sempre deixada na periferia do sistema, como uma moldura de um quadro, tanto no que diz respeito à solução dos grandes problemas de saúde que afligem à população, quanto na destinação de recursos direcionados ao setor saúde; • somente nos momentos em que determinadas endemias ou epidemias se apresentam como importantes em termos de repercussão econômica ou social dentro do modelo A evolução histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político- social e econômica da sociedade brasileira. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 24 capitalista proposto é que passam a ser alvo de uma maior atenção por parte do governo, transformando-se pelo menos em discurso institucional, até serem novamente destinadas a um plano secundário, quando deixam de ter importância; • podemos afirmar que de um modo geral os problemas de saúde tornam-se foco de atenção quando se apresentam como epidemias e deixam de ter importância quando os mesmos se transformam em endemias; • as ações de saúde propostas pelo governo sempre procuram incorporar os problemas de saúde que atingem grupos sociais importantes de regiões socioeconômicas igualmente importantes dentro da estrutura social vigente e, preferencialmente, têm sido direcionadas para os grupos organizados e aglomerados urbanos em detrimento de grupos sociais dispersos e sem uma efetiva organização; • a conquista dos direitos sociais (saúde e previdência) tem sido sempre uma resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos trabalhadores brasileiros e, nunca uma dádiva do estado, como alguns governos querem fazer parecer; • devido a uma falta de clareza e de uma definição em relação à política de saúde, a história da saúde permeia e se confunde com a história da previdência social no Brasil em determinados períodos; • a dualidade entre medicina preventiva e curativa sempre foi uma constante nas diversas políticas de saúde implementadas pelos vários governos. Dada à importância do contexto histórico de cada época na construção e consolidação de sistemas de saúde, serão apresentados os principais acontecimentos envolvendo a saúde pública do Brasil ao longo dos últimos séculos. A história da saúde permeia e se confunde com a história da previdência social no Brasil em determinados períodos. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 25 Brasil Colônia (1530-1822) Durante a colônia, no início do império, o Brasil era habitado por imigrantes europeus, portugueses e, principalmente, por índios e negros escravizados. Essa diversidade racial refletia também em diferentes costumes, tradições e conhecimento acerca das doenças existentes e das formas de tratamentos. A assistência médica nessa época era escassa, prestada por pequeno número de médicos de formação europeia e restrita às elites da sociedade. Além disso, a prática médica só era ofertada nos grandes centros populacionais como Rio de Janeiro e Bahia, o que contribuiu para a exclusão das camadas mais pobres aos serviços de saúde. Nesse sentido, escravos e índios recorriam a cuidados oferecidos por pajés, curandeiros ou entidades religiosas, realizados em hospitais da Santa Casa de Misericórdia. Outro fator relevante associava- se ao excesso de trabalho e de péssimas condições de higiene aos quais os negros escravos eram submetidos, favorecendo ao crescimento de doenças parasitárias ou infecciosas como a varíola, febre amarela, tuberculose, sífilis e a malária. As ações governamentais nessa época restringiam à legalização da prática curativa, em que o poder público era responsável por regulamentar e autorizar o exercício aos agentes de cura que comprovassem experiência. Nesse grupo, eram incluídos os médicos cirurgiões, boticários (farmacêuticos), como também agentes sem formação (parteiras, sangradores, curandeiros, barbeiros, entre outros). Somente com a vinda da Família Real em 1808, foram criadas as primeiras entidades de saúde pública no Brasil, a Fisicatura-mor e a Provedoria-mor de Saúde. A função da primeira era fiscalizar o exercício da prática médica através da concessão de licença aos O poder público era responsável por regulamentar e autorizar o exercício aos agentes de cura que comprovassem experiência. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 26 interessados ou aplicação de multas para os que exerciam de forma irregular. A segunda se restringia aos locais de movimentação de embarcações ou portos em cidades costeiras, de modo a evitar a entrada de doenças. Dessa forma, as ações de controle sanitário eram direcionadas para as regiões urbanas e os locais de comercialização de mercadorias, em detrimentos das necessidades em saúde de grande parcela da população. Essa situação contribuiu para a disseminação de estabelecimentos comerciais de plantas e ervas medicinais nos grandes centros urbanos e sob a supervisão dos boticários, conforme ilustrado na figura a seguir. FIGURA 2 - Botica no Brasil colônia Fonte: DEBRET, Jean Baptiste. Botica. 1823. Aquarela, 15cm x 21 cm. Rio de Janeiro, Museu do Açude. Império (1822 - 1889) Após a independência em 1822, surgiram no Brasil as primeiras escolas médicas no Rio de Janeiro e Bahia com a proposta de regular ações de saúde prestadas através da emissão de diplomas POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 27 de médicos, farmacêuticos e parteiras. Porém, o aumento da formação de profissionais de saúde aos moldes europeus e com base na medicina oficial não foi colocado a serviço dos problemas de saúde coletiva. Somente uma minoria da população tinha acesso a esses profissionais, em detrimento dos pobres, que permaneceram recorrendo aos agentes de cura para amenizar a dor ou sofrimento. Em meados do século XIX, o poder centralizador de D. Pedro II reduziu a autonomia das juntas municipais em relação às ações em saúde e colocou em prática inúmeras medidas sociais e econômicas. Nessa época, houve um aumento populacional seguido da urbanização dos grandes centros, porém esse fato não foi acompanhado por medidas governamentais de controle sanitário. Como resultado, o número de surtos de febreamarela, varíola e cólera dispararam, resultando em grande número de mortes. Nesse sentido, visando solucionar os problemas de saúde enfrentados pela população foram criadas as Juntas de Higiene Pública. Essa instituição tinha como foco o controle sanitário dos grandes centros através de condutas de saneamento dos espaços públicos e locais de circulação de mercadorias, como por exemplo, nos portos. As ações de saneamento eram comandadas pela polícia sanitária que visava o controle de doenças com potencial para causar prejuízos à qualidade dos produtos exportados. Outra medida adotada nesse período foi à distribuição de uma vacina antivaríola para a população, como uma forma mais eficaz de inibir os grandes surtos dessa doença. Na última década do império, poucas modificações nas condições de saúde da população haviam sido realizadas. A centralização do poder conservou as estruturas de saúde sob a égide dos grandes centros, como a capital do império, em detrimento das demais regiões do país. A população em geral permaneceu excluída de qualquer serviço público efetivo de prevenção de riscos à saúde. Visando solucionar os problemas de saúde enfrentados pela população foram criadas as Juntas de Higiene Pública. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 28 República Velha (1889 - 1930) Com a proclamação da República do Brasil em 1889, grandes transformações ocorrem no cenário político e social do país. O Brasil inserido em um contexto internacional marcado por profundas transformações que foram denominadas de “Segunda Revolução Industrial”. Essa época foi caracterizada por intensa modernização tecnológica e de significativos avanços científicos na área microbiológica que revolucionou o campo da saúde pública (GIOVANELLA et al., 2012). Tendo o café como o grande produto de exportação, as políticas do Estado eram voltadas para a ampliação das lavouras e captação cada vez maior de mão de obra assalariada para manutenção da economia agroexportadora cafeeira. A expansão das oligarquias de café e o poder dos grandes latifundiários consolidaram uma nova modalidade de poder baseada na rotatividade entre os representantes das grandes oligarquias agrárias paulistas e mineiras do país. Essa forma de poder ficou conhecida como política do “café com leite” e ditou o caminho da política econômica brasileira nos anos seguintes. Com a ampliação da produção de café, houve também um crescimento nos setores da economia direta ou indiretamente envolvidos como investimento na infraestrutura de transportes (malha, ferroviária, portos), indústrias e credores na produção cafeeira. Em torno desse contexto de expansão econômica, na esfera social, houve um crescimento da urbanização das cidades, aumento de trabalhadores oriundos do interior do país e de imigrantes europeus impulsionados pelas oportunidades de trabalho nas lavouras de café. A expansão das oligarquias de café e o poder dos grandes latifundiários consolidaram uma nova modalidade de poder POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 29 Apesar do avanço econômico e crescimento das cidades, os serviços de saúde à população permaneceram praticamente inalterados. O aumento cada vez maior da massa de trabalhadores nas lavouras de café, muitas vezes trabalhando sob péssimas condições de saneamento, favoreceu o reaparecimento de várias epidemias. Algumas doenças como a varíola se alastravam nas cidades, enfraquecendo a mão de obra trabalhadora e acarretando prejuízos à economia. Buscando reverter esse quadro, o governo utilizou-se inicialmente de métodos pouco eficazes como o isolamento do doente do ambiente em que trabalhava e habitava por quarenta dias. Porém, ações mais concretas só seriam implementadas em 1897 com a criação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), visando aplicar conhecimentos científicos adquiridos nos últimos anos à resolução dos problemas de saúde, tendo com o objetivo principal retomar o crescimento da economia agroexportadora. As principais atribuições da DGSP eram: • controle de serviços sanitários marítimos e fluviais; • fiscalização do exercício da medicina e farmácia; • estudos sobre doenças infecciosas; • levantamento de dados demográficos e sanitários; • auxílio local em períodos de epidemia. Durante a República, a autonomia dos serviços públicos de saúde estava sob a responsabilidade das juntas municipais que uniam forças para combater as epidemias que foram surgindo na época. No sentido de ampliar a proteção contra as inúmeras moléstias, o governo criou em 1900 o Instituto Soroterápico Federal, cujo objetivo era produzir vacinas e soros contra as doenças epidêmicas. Esse instituto posteriormente foi denominado de “Instituto Oswaldo Cruz” e tinha como medidas complementares a fiscalização de habitações populares, comércio de alimentos e bebidas alcoólicas (GIOVANELLA et al., 2012). POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 30 Em 1903, sob o comando da presidência da república, Rodrigues Alves nomeou o jovem médico Oswaldo Cruz ao cargo de Diretor geral da Saúde Pública, tendo como objetivo propor ações de saneamento e urbanização que visavam o combate das principais epidemias que acometiam a população no Rio de Janeiro. Embora as ações de saúde pública comandadas por Oswaldo Cruz alcançassem bons resultados em relação às epidemias de febra amarela, varíola e peste bubônica, o governo se mostrava desinteressado em manter as ações permanentes de combate. As doenças anualmente prejudicavam a saúde da população, porém a decisão do governo foi conduzir as campanhas sanitárias de forma esporádica ou em caráter emergencial. Um novo surto de varíola atingiu o Rio de Janeiro e uma das medidas tomadas por Oswaldo Cruz foi decretar a vacinação obrigatória. Inúmeras medidas foram tomadas sem nenhuma preocupação em esclarecer a população sobre a necessidade da vacinação. A abordagem autoritária por parte da polícia sanitária incluía a invasão de casas para o combate aos focos de mosquitos vetores, eliminação de criadouros de ratos e vacinação forçada causou indignação da população. Além disso, algumas providências foram aprovadas como multas aos rebeldes, exigência de atestado de vacinação aos candidatos a matrículas em escolas, concursos públicos, casamentos, viagens (COTTA et al., 2013). As ações eram arbitrárias, utilizava-se da violência e da autoridade como instrumento para atingir as metas. A população sem qualquer tipo de esclarecimento reagiu de maneira contrária a essas ações, alegando que tais medidas eram imorais e não respeitavam as liberdades individuais (COTTA et al., 2013). O aumento da resistência da opinião pública serviu de estopim para uma grande revolta ocorrida no Rio de Janeiro em 1904, conhecida como “Revolta da Vacina”, conforme ilustra na figura 3 a seguir. Uma das medidas tomadas por Oswaldo Cruz foi decretar a vacinação obrigatória. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 31 FIGURA 3 - Revolta da Vacina Fonte: Arquivo Institucional. A população saiu às ruas destruindo postes de iluminação, bondes e aparatos públicos, saqueando lojas, entre outras atrocidades, como forma de contestação das medidas impositivas aprovadas pela Diretoria Geral de Saúde Pública. O governo em meio à repercussão social acabou acatando as reivindicações da população e suspendeu a vacinação em caráter obrigatório. Apesar dos conflitos, o governo alcançou importantes vitórias sobre o controle de doenças como a varíola, febre amarela e peste bubônica. Anos mais tarde, algumas doenças que não haviam sido alvodas campanhas anteriores promovidas por Oswaldo Cruz continuaram a fazer vítimas na cidade, como a tuberculose. A preocupação com a erradicação das principais epidemias e o crescimento da urbanização das cidades tinha como objetivo dar continuidade ao crescimento econômico nos grandes centros. Porém, as medidas de saneamento ficavam bastante restritas aos locais de produção e comércio de mercadorias nos grandes O governo em meio à repercussão social acabou acatando as reivindicações da população e suspendeu a vacinação em caráter obrigatório. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 32 centros, deixando à margem todo o interior do país. As condições de saúde nas províncias eram muito precárias, favorecendo ao quadro de desnutrição da população, tendo como fator determinante a prevalência de verminoses e a malária. Nesse contexto, as expedições pelos sertões do Brasil alimentaram ideias em prol de uma reforma dos serviços de saúde apoiadas em movimentos sindicais que reivindicavam melhorias nas condições de higiene no ambiente de trabalho emergiram no país. A aprovação de medidas mais abrangentes e centralizadas na saúde avaliadas pelo governo foram vistas como uma forma de ameaça ao poder local pelas oligarquias estatais. Porém, no fim da década de 1910, a antiga DGSP foi substituída pela Diretoria Nacional de Saúde Pública (DNSP), sob o comando do médico Carlos Chagas. O novo órgão incorporou iniciativas sobre saneamento rural e atribuiu maiores responsabilidades aos Estados pela gestão local da saúde (GIOVANELLA et al., 2012). A responsabilidade do governo central em promover melhores condições de saúde a todo país foram ampliadas. O serviço de profilaxia rural fornecia informações importantes da situação de saúde e foi incorporado ao DNSP. Além disso, na década de 1920, foram criadas a Inspetoria de Higiene Industrial e Alimentar que ampliava as atribuições da DNSP como: • regulação da venda de produtos alimentícios; • normatização de construções rurais com vistas a reduzir a proliferação da doença de chagas; • regulação das condições de trabalho de mulheres e crianças; • fiscalização de produtos farmacêuticos; • inspeção de saúde dos imigrantes que chegavam pelos portos; • produção de soros, vacinas e medicamentos para combate das grandes epidemias. As expedições pelos sertões do Brasil alimentaram ideias em prol de uma reforma dos serviços de saúde. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 33 A DNSP significou um grande avanço na extensão e na maneira com que a sociedade, principalmente as elites enxergavam a saúde pública. O aumento do nível de abrangência das ações colocou em pauta a interdependência entre as regiões do país com vista ao controle sanitário. Outra questão importante nessa época foi à ampliação da responsabilidade estatal frente aos problemas de saúde que contribuíram para o crescimento das atividades de saúde pública do país (GIOVANELLA et al., 2012). No campo de trabalho, uma das conquistas dos movimentos sindicais foram à criação da Lei Eloy Chaves, em 1923, que regulamentava as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para a classe trabalhadora. Ela representou o início da previdência social no Brasil, na qual funcionários de empresas obtinham benefícios através de contribuições anteriores, seguindo os princípios de seguro social (COTTA et al., 2013). Os segurados que tinham direito ao benefício se restringiam ao operariado urbano. As CAPs eram organizadas e financiadas por empresas e o fundo era composto por contribuição de trabalhadores, empregadores e consumidores dos serviços da empresa. A cobertura dos serviços oferecidos incluía socorros médicos do segurado ou membro familiar; medicamentos por preço especial; aposentadoria e pensão para seus herdeiros em caso de morte (COTTA et al., 2013). Dessa maneira, apenas uma parte da população teria acesso aos benefícios do seguro que inicialmente contemplavam apenas algumas categorias como os ferroviários, os portuários e os marítimos. Ao Estado, cabia apenas a função de controle externo dos seguros privados através da fiscalização da organização e funcionamento das Caixas, que nos anos seguintes teria sua cobertura ampliada, englobando outros setores da economia. • Os benefícios concedidos pela CAPs, segundo Cotta (2013), são: • Socorros médicos para o segurado ou familiar direto. • Medicamentos por preço especial. As CAPs eram organizadas e nanciadas por empresas e o fundo era composto por contribuição de trabalhadores, empregadores e consumidores. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 34 • Aposentadoria. • Pensão para os herdeiros em caso de morte. • Assistência em caso de acidente de trabalho. Fonte: Elaborada pelo autor. Era Vargas (1930-1945) No final da década de 1920, o Brasil passou por profundas transformações que afetaram todos os segmentos da sociedade. Os lucros obtidos na comercialização do café, baseada na economia agroexportadora tornou possível o início da industrialização do país. Tal fato gerou um crescente processo de migração para os grandes centros, onde trabalhadores, em busca de melhores condições, se estabeleciam. Como resultado, a densidade populacional contribuiu para um aumento da urbanização das cidades. No cenário político, o controle do poder articulado entre as oligarquias rurais e baseado no coronelismo enfrentou grande resistência de diversas camadas sociais. A centralização do poder pautada na política do “café com leite’’ não agradava mais a sociedade brasileira, que buscava maior representatividade e reivindicava mudanças nessa estrutura. No campo econômico, as repetidas crises envolvendo a superprodução do café no cenário internacional tornaram-no insustentável com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929. Esse fato contribuiu para uma forte desvalorização do principal produto agroexportador do Brasil e desencadeou uma grande crise econômica. A oposição ao governo, formada pelo operariado e por representantes das camadas médias da população, encontrou um ambiente favorável a uma reforma política. Diversos movimentos de cunho liberal foram organizados, contrapondo-se ao sistema do coronelismo. Nesse contexto, nasce o fenômeno do tenentismo, organização política de base militar que visava propor mudanças na Densidade populacional contribuiu para um aumento da urbanização das cidades. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 35 condução do poder no país, considerando os diversos interesses da população e não apenas de uma minoria. Em 1930, após um golpe de estado, Getúlio Vargas assume a presidência da República. A sua maneira de governar abriu espaço para as demandas nacionais, incorporando para a agenda política os interesses de inúmeros grupos nem prejudicar a liderança da elite cafeeira. Nesse segmento, Vargas mediou os conflitos de interesses entre as oligarquias rurais e setor industrial em desenvolvimento. No campo da saúde, Vargas ampliou os benefícios inicialmente concedidos ao operariado urbano em detrimento da população em geral, formada por pobres, desempregados, ou trabalhadores do mercado informal. Em 1933, Vargas ampliou a participação estatal no controle da previdência, criando os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Dessa forma, as CAPs foram transformadas em IAPs, sendo essa nova modalidade dividida por categoria profissional e gerida pelo estado, se transformando aos poucos em um sistema de previdência social (GIOVANELLA et al., 2012). Porém, as novas diretrizes estipulavam a participaçãode empresas, empregadores e a União na função de contribuinte do fundo previdenciário. Na prática, a parcela relativa ao governo nunca foi depositada, além do poder central impor maior participação e controle sobre as instituições previdenciárias. Com o tempo, o governo atribuiu ao fundo previdenciário a prioridade em custear a previdência e as pensões aos contribuintes, dissociando gradualmente os serviços médicos como forma de contenção dos gastos. Além disso, os recursos obtidos da previdência foram sendo aplicados no setor industrial e viabilizou a construção de projetos do governo como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras. Na primeira década de 1930, a política de contenção de gastos objetivava a recuperação econômica em meio à crise financeira de 1929, porém o governo também utilizou desse artifício, sobretudo Com o tempo, o governo atribuiu ao fundo previdenciário a prioridade em custear a previdência e as pensões aos contribuintes. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 36 os recursos oriundos da previdência, para acumular capital e ganhar espaço ao incluir representantes do Estado aos cargos de chefia nas IAPs. O maior controle estatal sobre as IAPs estabeleceu a concepção de cidadania regulada, na qual somente os trabalhadores formais vinculados a um cargo formal teriam acesso aos alguns direitos e benefícios como a assistência à saúde (SANTOS, 1987). Essa modalidade de proteção não era baseada em uma política de inclusão e igualdade, sendo os direitos dos trabalhadores atrelados ao lugar que ocupam na cadeia produtiva, considerando fora desse escopo os trabalhadores rurais, pobres, trabalhadores informais, entre outros. Outros fatores relevantes no campo do trabalho foram alcançados nesse período como a regulamentação da carteira profissional, jornada de trabalho, férias, o trabalho feminino e de menores e o salário mínimo. Essas conquistas foram aprovadas e incluídas na Consolidação das Leis de trabalho em 1940. A definição das políticas no campo do trabalho e da previdência acarretou a reorganização das ações de saúde em duas grandes vertentes. Inicialmente com a criação do Ministério do trabalho, Indústria e Comércio, as ações de proteção ao trabalhador, como assistência médica individualizada foram concretizadas. Do outro lado, o Departamento Nacional de Saúde foi absorvido pelo novo Ministério da educação e Saúde Pública (MESP) ao qual cabia a função de dar continuidade aos programas e políticas de saúde no âmbito preventivo, pautadas no modelo do sanitarismo campanhista (BAPTISTA, 2007). Nos primeiros anos, o MESP apenas deu continuidade aos programas de prevenção de doenças transmissíveis e aos programas especiais de combate à tuberculose, hanseníase, etc., criados durante a República. Alguns meses antes de Getúlio Vargas instaurar o Regime Ditatorial, conhecido como “Estado Novo” e marcado pela centralização do O maior controle estatal sobre as IAPs estabeleceu a concepção de cidadania regulada. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 37 poder, o MESP foi reformulado pela Gestão de Gustavo Capanema. Com as mudanças, o MESP foi transformado em Ministério da Educação e Saúde, ampliando as ações do Departamento Nacional de Saúde, que passou a se chamar “Departamento Nacional de Saúde e Assistência Médico Social”. Na prática, as ações foram atribuídas às delegacias de saúde com o objetivo de garantir a execução dos serviços locais de saúde em colaboração com os serviços federais que incluía a normatização de diretrizes e fiscalização dessas ações. Seguindo a lógica de desenvolvimento econômico, em 1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) baseado em um acordo entre o governo brasileiro e o norte-americano. Esse acordo concebia ao SESP a atuação no combate à febre amarela e à malária na região da Amazônia e no Vale do Rio Doce, regiões importantes economicamente por possuir fontes de borracha e minérios que interessavam os norte-americanos. Assim, a SESP expandiu suas ações por toda a região Norte e Nordeste, com verba estrangeira e pautada na medicina preventiva e curativa (GIOVANELLA et al., 2012). A SESP foi importante na reestruturação da saúde pública no interior do país, porém sempre foi considerada uma ação marcada pelos interesses do Estado em promover o desenvolvimento econômico e centralização do poder no regime Vargas. Por fim, vale ressaltar que a saúde pública no período getulista foi marcada pelo distanciamento das ações de saúde. Por um lado, a saúde pública baseada em ações coletivas no controle e erradicação de doenças infectocontagiosas. Por outro, a assistência médica previdenciária, de cunho individual, porém voltada apenas aos trabalhadores vinculados ao Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria. Dessa forma, a lógica das ações caracterizadas como medidas centralizadas e emergenciais influenciou por muitos anos a formulação das políticas de saúde no Brasil (COTTA et al., 2013). Em 1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) baseado em um acordo entre o governo brasileiro e o norte-americano. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 38 Instabilidade Política e Ditadura Militar (1945 - 1985) Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a crescente insatisfação da oposição e o crescimento de manifestações a favor da redemocratização entraram em conflito com o autoritarismo do regime Vargas. Assim, em 1945, Getúlio Vargas foi deposto pelo comando do exército, dando fim ao período do Estado Novo. O novo governo foi assumido por Eurico Gaspar Dutra que manteve o regime do presidencialismo. No cenário político, a liberalização política com o término do autoritarismo de Vargas reacendeu as disputas por interesses. Inúmeros partidos políticos foram criados como a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e, anos mais tarde, o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Os primeiros meses do mandato de Dutra foram marcados por dezenas de greves realizadas pelos trabalhadores urbanos que reivindicavam melhores salários, como também exigiam o cumprimento da legislação trabalhista. No campo da saúde pública, o combate as grandes epidemias, seguiu o modelo de sanitarismo campanhista, alcançando seu auge pela forma de condução autoritária e centralizadora (GIOVANELLA et al., 2012). Na gestão de Dutra, algumas doenças como a malária e a tuberculose obtiveram uma redução drástica na incidência de novos casos. Porém, a explicação para essa redução é atribuída à utilização de antibióticos, como a penicilina e ao uso do inseticida DDT, fruto do conhecimento científico adquirido durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), do que propriamente uma melhora na eficiência das campanhas estatais de saúde. Com o aumento da industrialização, a economia agroexportadora deixou de ser o termômetro do crescimento do país. Grande contingente de trabalhadores foi gradativamente sendo absorvido Na gestão de Dutra, algumas doenças como a malária e a tuberculose obtiveram uma redução drástica na incidênciade novos casos. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 39 nos centros urbanos e com isso aumentou a necessidade de assistência médica. Juntamente com o aumento da demanda dos serviços, elevaram-se também o gasto e as despesas com os serviços de saúde, o que acarretou em algumas mudanças em relação à crescente demanda. O sistema previdenciário voltado aos trabalhadores urbanos, influenciado pelo crescimento das liberdades individuais edos partidos políticos, instaura no país um cenário de ampla movimentação social de cunho democrático. Nesse sentido, o sistema de capitalização da previdência, pautado na modalidade de seguro social, foi gradativamente sendo substituído pela seguridade social, no qual cabe ao Estado às obrigações de amparar qualquer cidadão, independente da condição social. Assim, como resultado da demanda pelos serviços, a previdência incluiu no grupo de beneficiários os pensionistas, as gestantes, entre outros. Em 1949, foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência da Previdência Social (Samdu) que regularizou o funcionamento da assistência médico-hospitalar, unificando as CAPs e as IAPs. Entre os benefícios desse serviço, podemos destacar o atendimento domiciliar e o atendimento universal. O Estado destinou nessa época grande volume de recursos para a compra de equipamentos médicos, construção de hospitais, ambulatórios, etc. Com uma política desenvolvimentista, o Governo investiu em tecnologias do pós-guerra e instaurou um sistema de saúde hospitalocêntrico, com ênfase no tratamento individualizado, medicamentoso e por especialidade seguindo a tendência mundial de estados de bem-estar social ou welfare states (COTTA et al., 2013). O resultado dessa intervenção na saúde tendo como referência o tratamento em hospitais resultou em grande aumento das despesas do governo com os serviços de saúde. Instaura-se no país um cenário de “crise da previdência”, marcada pela elevação dos gastos sem uma real solução para os problemas de saúde. Nesse sentido, o governo ensaia uma tentativa de abolir a sua parcela de contribuição junto à previdência. O sistema de capitalização da previdência, pautado na modalidade de seguro social, foi gradativamente sendo substituído. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 40 Pela sucessão de Dutra foi eleito Getúlio Vargas que em seu segundo mandato (1951-1954) sob a ótica nacionalista buscou dar continuidade às reformas estruturais iniciadas em seu primeiro mandato. Assim, inúmeras obras de expansão da infraestrutura foram realizadas como a construção de rodovias, usinas hidrelétricas, entre outras. No setor econômico, Vargas priorizou os recursos financeiros para setores estratégicos da economia como a exploração mineral e as indústrias de base (GIOVANELLA et al., 2012). Governando com base na modalidade do populismo, Getúlio procurou através da política de massas, implementar medidas que levassem ao desenvolvimento econômico do país, tendo como centro de toda ação, o povo. Assim, nessa época, importantes conquistas no campo trabalhista e de direitos sociais foram alcançadas, sobretudo, como forma de controle da autonomia e liberdade da classe trabalhadora. Na saúde pública, era marcante a divisão entre as políticas e práticas de saúde em duas vertentes: a medicina preventiva e a medicina curativa. A saúde pública, de cunho preventivista, concentrou-se em campanhas de vacinação e erradicação de vetores de determinada doença sob uma conduta centralizadora por parte do governo. Já a assistência médica era voltada para a ótica hospitalocêntrica, especializada, com utilização de amplos recursos tecnológicos. Do ponto de vista de resultados, a centralização das políticas sanitárias não conseguiu lidar com o combate as principais epidemias, favorecendo o ressurgimento de várias doenças. A assistência médica hospitalar fez com que se elevasse o custo com a saúde, e com isso boa parcela dos recursos da previdência acabou sendo destinada ao custeio dos tratamentos, pondo fim ao período de contenção de gastos. Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde, um marco histórico que conferiu a saúde, um papel exclusivo na conduta das políticas de saúde do Brasil (COTTA et al., 2013). Instaura após esse Na saúde pública, era marcante a divisão entre as políticas e práticas de saúde em duas vertentes: a medicina preventiva e a medicina curativa. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 41 período uma corrente de opinião denominada de “sanitarismo desenvolvimentista”, na qual o nível de saúde de uma população depende, primordialmente, do grau de desenvolvimento econômico do país. Vargas deixou claro que os objetivos das políticas sociais, entre elas, as políticas de saúde estariam subordinadas ao progresso e ao enriquecimento da nação (GIOVANELLA et al., 2012). A imagem de líder populista de Getúlio e as atribuições e medidas tomadas por ele, muitas vezes, não colocavam em pauta os interesses de empresários. Associados a isso, o forte aumento das despesas públicas, colocando em risco os investimentos necessários ao crescimento do país, culminou com uma forte oposição ao governo nacionalista. Com os desdobramentos políticos e diante das pressões, Vargas não viu outra maneira de sair com honra do governo, e se suicidou em 1954. O governo seguinte foi assumido por Juscelino Kubitschek (1956- 1960), eleito com o apoio das forças getulistas. O governo JK foi marcado pela incorporação do capital estrangeiro na economia e pela era do desenvolvimentismo, evidenciado pela aprovação do Plano de Metas e construção da nova capital sede do governo, Brasília. No campo da saúde pública, a visão desenvolvimentista do novo governo não prestou a assistência necessária à população. As medidas de assistência à saúde restringiam-se às condutas essencialmente paliativas e emergenciais, sem nenhuma preocupação com a prevenção e promoção da saúde. Dessa forma, inúmeras doenças controladas, voltavam a acometer a população. Como tentativa de controlar e erradicar algumas doenças específicas, JK criou o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu). O novo órgão atuou no combate a transmissão da febre amarela e na erradicação da varíola, porém as tentativas de controle da lepra e da malária não foram bem-sucedidas (GIOVANELLA et al., 2012). A prioridade de desenvolver o país, fez com que JK deslocasse os investimentos para setores estratégicos da economia, em O governo JK foi marcado pela incorporação do capital estrangeiro na economia e pela era do desenvolvimentismo. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE unidade 2 42 detrimento das políticas de saúde e previdência. Nesta última, foi eliminada a contribuição por parte da união. Em contrapartida, no ano de 1960 foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social que uniformizou o direito dos segurados ao padrão dos melhores IAPs, sem, no entanto, incluir os trabalhadores rurais. Essa lei, apesar de representar uma conquista de direito dos trabalhadores, nunca foi colocada em prática (GIOVANELLA et al., 2012). Apesar do Governo JK permitir uma melhora na vida dos brasileiros em decorrência da urbanização e desenvolvimento industrial, uma crise econômica iminente acompanharia a sucessão do novo governo eleito, comandado por Jânio Quadros em 1960. As medidas impopulares implementadas por Jânio nos primeiros meses do mandato repercutiram em forte pressão da oposição. A divergência entre os interesses de grandes empresários e as ações de Jânio desgastou a sua imagem e o levaram a renunciar por pressão de “forças ocultas terríveis”. João Goulart, simpatizante do populismo, assumiu a presidência. Nessa época, ocorreu a Terceira Conferência Nacional em Saúde (CNS), encontro cuja proposta era reunir representantes e líderes de diversos estados para debater sobre os principais problemas de saúde da população brasileira. O tema dessa edição era a descentralização da área da saúde, na qual se buscava, através de estratégias de municipalização da saúde, alcançar
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