Buscar

Unidade IV - Análise de Narrativas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Responsável pelo Conteúdo: 
Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha 
 
Revisão Textual: 
Profa. Ms. Helba Carvalho 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 As narrativas e prática de análise 
 O Conto 
 Para compreender a intertextualidade: o conto 
tradicional: “Ali Babá e os quarenta ladrões” 
 Análise de“ O Sésamo”, de Miguel Torga 
 Análise da obra A Hora da estrela, de Clarice 
Lispector 
 O Enredo de A Hora da estrela 
 Os Personagens 
 O Espaço 
 Tempo 
 Linguagem 
 Temas 
 Interdiscursividade 
 As narrativas que se interseccionam 
 
Seja bem vindo à unidade IV da disciplina: Análise de 
Narrativas. Nesta unidade, colocaremos em prática os conceitos 
teóricos da narrativa. Analisaremos um conto português, “O Sésamo”, 
para mostrar tanto a questão da intertextualidade quanto um possível 
percurso de análise. O mesmo será feito com uma das narrativas mais 
complexas da literatura brasileira contemporânea: A Hora da estrela, 
de Clarice Lispector. 
É importante que você perceba que devemos mobilizar 
diferentes saberes para dar conta de uma leitura mais ampla, crítica, 
dos textos e que não basta apenas analisarmos os aspectos estruturais. 
Por outro lado, é preciso perceber que devemos buscar nos textos, na 
forma de organização deles e na escolha dos elementos as sugestões 
de leitura, ou seja, o texto não deve servir como pretexto, mas como 
ponto de partida e chegada de nossa interpretação. 
 
6 
 
Recomendamos que siga o seguinte roteiro para que tenha um melhor aproveitamento 
da unidade: 
1) Leia o conteúdo teórico da disciplina; 
2) Leia o esquema gráfico do conteúdo teórico; 
3) Assista à apresentação narrada; 
4) Faça a atividade de sistematização; 
5) Faça a atividade de aprofundamento; 
6) Leia o material complementar; 
7) Formule suas dúvidas ao professor da disciplina por meio do módulo Mensagens do 
blackboard ou ainda por meio do fórum de dúvidas da disciplina. Faça comentários 
também, acrescentando sua forma de ler as narrativas propostas, procure estrutura-los 
de maneira que se justifiquem à luz dos conceitos teóricos estudados nas unidades 
anteriores; 
8) Não deixe de ler a narrativa de Clarice Lispector, A Hora da estrela, pois os estudos só 
fazem sentido para quem conhece a história. Tente ler de forma qualitativa, atentando 
para os comentários do narrador e para a forma como os elementos estruturais são 
organizados na obra. 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
Podemos pensar, por exemplo, no conto, como um gênero narrativo que pode 
aproximar o aluno da literatura, no sentido de propor a ele que transforme um episódio da 
sua vida real em uma narrativa de ficção. Para isso, o professor pode abordar e discutir os 
mais diversos temas que envolvam o cotidiano dos alunos, além de questões éticas 
relevantes na convivência social, tanto na escola quanto na vida. 
Depois, você pode apresentar para os seus alunos alguns elementos que são 
característicos das narrativas, como enredo, tempo, espaço, personagens. Apresente a 
eles um conto e identifique os elementos da narrativa desse conto. Cada aluno deverá 
produzir a sua narrativa que será corrigida por você até que cada texto ganhe uma forma 
literária e possa ser exposta para todos os alunos da turma. 
Assim, o aluno poderá observar como aspectos da realidade da sua vida podem se 
tornar bons elementos para um texto de ficção. Tente aplicar essa ideia com seus futuros 
alunos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao ler o conteúdo teórico, você observou que foram apresentados os elementos estruturais da 
narrativa, bem como características dos gêneros conto, crônica e romance. Vamos pensar, agora, 
como este assunto pode ser inserido no seu cotidiano e no de seus futuros alunos? 
 
8 
 
 
 
 
 
 
 
Esta unidade tem a finalidade de ajudá-lo a pôr a na prática a teoria da narrativa, por 
isso apresentaremos a análise de duas narrativas:“O Sésamo”, conto de Miguel Torga, escritor 
português; e A Hora de estrela, de Clarice Lispector, uma história mais extensa, 
problemática do ponto de vista da classificação, está entre a novela e o romance. 
Como o conto é uma narrativa curta, há a possibilidade de introduzi-lo neste material 
antes da análise. Já o livro de Clarice Lispector, pela extensão, deve ser lido antes do estudo 
da análise. Contamos com a sua colaboração para isso, pois senão as observações que 
faremos não serão compreendidas em sua totalidade. 
 
 
 
 
O SÉSAMO 
(Miguel Torga) 
 
- Abre-te, Sésamo!gritava, o Raul, no meio do silêncio pasmado da assistência. 
A fiada estava apinhada naquela noite. Mulheres, homens e crianças. As mulheres a fiar, a 
dobar ou a fazer meia, os homens a fumar e a conversar, e a canalhada a dormitar ou nas diabruras 
do costume. Mas chegou a hora do Raul e, como sempre, todos arrebitaram a orelha às histórias do 
seu grande livro. 
Em urros, ao lado da instrução da escola e da igreja, a primeira dada a palmatoadas pelo 
mestre e a segunda a bofetões pelo prior, havia a do Raul, gratuita e pacífica, ministrada numa voz 
quente e úmida, que ao sair da boca lhe deixava cantarinhas no bigode. 
-Abre-te, Sésamo! E o antro, com seu deslumbrante recheio, escancarou-se em sedutor convite 
... 
As crianças arregalavam os olhos de espanto. Os homens estavam indecisos entre acreditar e sorrir. 
As mulheres sentiam todas o que a Lamega exprimiu num comentário: 
- O mundo tem coisas!... 
Urros, em plena montanha, é uma terra de ovelhas. Ao romper de alva, ainda o dia vem longe, 
cada corte parece um saco sem fundo donde vão saindo movediços novelos de lã. Quem olha as suas 
ruelas a essa hora, vê apenas um tapete fofo, ondulante, pardo do lusco-fusco, a cobrir os lajedos. 
Depois o sol levanta-se e ilumina os montes. E todos eles mostram amorosamente nas encostas os 
brancos e mansos rebanhos que tosam o panasco macio. 
 
9 
A riqueza da aldeia são as crias, o leite e aquelas nuvens merinas que se lavam, enxugam e 
cardam pelo dia fora, e nas fiadas se acabam de ordenar. Numa loja de gado, ao quente bafo animal, 
junta-se o povo. Todos os moradores se cotizam para a luz de carboneto ou de petróleo, e o serão 
começa. 
É no inverno, nas grandes noites sem fim, que se goza na aldeia essa fraternidade. Há sempre 
novidades a discutir, namoricos a tentar, apagadas fogueiras que é preciso reacender, e, sobretudo, há 
o Raul a descobrir cartapácios ninguém sabe como e a lê-los com tal sentimento ou com tanta graça 
que ou faz chorar as pedras ou rebentar um morto de riso. 
Daquela feita tratava-se de uma história bonita, que metia uma grande fortuna escondida na 
barriga de um monte. E o rapazio, principalmente, abria a boca de deslumbramento. Todos 
guardavam gado na serra. E a todos ocorrera já que bem podia qualquer penedo dos que pisavam 
estar prenhe de tesouros imensos. Mas que uma simples palavra os pudesse abrir isso é que não 
lembrara a nenhum. 
Da gente miúda que escutava, o mais pequeno era o Rodrigo, guicho, imaginativo, e por isso 
com fama de amalucado. No meio de uma conversa séria, tinha saídas inesperadas e desconcertantes. 
Via estrelas de dia, que ninguém, por mais que fizesse, conseguia enxergar, assobiava modas 
inteiramente desconhecidas, e desenhavano chão a cara de quem quer que fosse, o que era o cúmulo 
dos assombros. Enfezado, sempre a pegar com os outros e a berrar como um infeliz quando depois lhe 
batiam, ouvia do seu canto a leitura do Raul, maravilhado e a fazer projetos. 
A fiada acabou tarde, com a assistência a cair de sono e a lutar para prender na imaginação 
aquela riqueza oriental enfragada. E de manhãzinha., o Rodrigo, contra o costume, esgueirou-se 
sozinho para a serra da Forca atrás do rebanho. A história do Raul tinha-lhe encandescido os miolos. 
Necessitava por isso de solidão e de apagar o incêndio sem testemunhas. 
A serra da Forca é longe e é feia. Tem pasto, mas de que vale ?! O passado deixou ali tanto 
grito perdido, tanto cadáver insepulto, tanta alma penada, que até mesmo as ladainhas da primavera 
se desviam e passam de largo. Mas é nos sítios assim amaldiçoados que o povo, talvez para as 
preservar da coscuvilhice da razão, gosta de plantar lendas bonitas e aliciantes. E vá de inventar que 
havia um tesouro escondido naquele ermo de maldição. Encontrá-lo é que era difícil. Enterrado entre 
penedias, guardado por mil fantasmas, quem teria coragem de tentar a empresa? Ninguém. E o monte 
excomungado lá continuava azulado na distância, agreste e assombrado. 
O Rodrigo, porém, resolvera quebrar o encanto. E, às pedradas ao gado, ao nascer do sol 
tinha-o na frente. Ia simplesmente rasgar o véu do mistério. Ia imitar o ladrão da história, com a 
diferença apenas de que uma vez dentro da caverna não se esqueceria, como o outro, das palavras 
mágicas que lhe assegurariam a retirada. 
Das riquezas que encontrasse não sabia ainda o que fazer. Nem sequer pensara nisso, porque 
os tesouros não eram o seu fim verdadeiro. A sedução de tudo estava no prodígio em si, na fascinação 
do próprio ato assombroso que iria realizar. E o pequeno, ágil e confiado, chegou ao alto, trepou à 
fraga maior e olhou em redor. A seus pés jaziam, caídos, os dois grossos pilares da forca, onde 
segundo a tradição tinham exalado o último suspiro todos os justiçados da montanha. Sentar-se neles, 
tocar-lhes, era ainda, dizia o povo, uma pessoa condenar-se a morrer de morte infeliz. Mas o Rodrigo 
trazia na vontade uma força que o preservava dessas contingências. A fórmula encantatória brincava-
lhe nos lábios finos e frescos de criança. E uma alegria imensa, pura, calma, arredou para longe os 
espectros patibulares que tentavam perturbar a grandeza daquela hora. Abrir um monte! Dizer com 
ânimo e certeza duas palavras e uma riqueza sem par oferecer-se passiva aos olhos da gente! 
 
10 
 
Para dilatar o gosto do poder que possuía (e talvez por um sentido íntimo de falência de que 
não tinha consciência inteira), prolongava o tempo. Murmurava mentalmente a ordem de comando 
que aprendera no conto, e cerrava os dentes para que a boca o não pudesse trair antes do momento 
escolhido. 
O rebanho, esquecido do dono, pastava, alheio aos segredos da serra e do pastor. De quando 
em quando erguia-se do meio dele um balido solitário, mas era um apelo sem resposta. 
- Vai ser agora! Disse o Rodrigo, alto, a resolver-se. E com medo de a montanha fender 
precisamente pelo sítio onde estava, que era no pino e no meio da fraga mais alta, desviou-se um 
pouco para a esquerda. 
- É por ali, com certeza... Media os penedos, calculava o tamanho do buraco, via de antemão 
as entranhas da terra expostas à luz do sol. 
- E o gado? Lembrou-se então. 
O gado pastava em baixo, num valeiro, em lugar por onde a imaginação mais ardente não 
podia fazer passar o prodígio. Mesmo que rolassem pedras, ou caísse a carvalha agarrada a um 
barranco, não havia perigo. 
- Só se houver muito azar! rematou, a serenar os cuidados. 
E de alma tranquila, mas a tremer de emoção, solenemente, o pequeno feiticeiro ergueu a mão 
e gritou: 
- Abre-te, Monte da Forca! 
A sua imaginação ardente acreditava em todos os impossíveis. Tinha a certeza de que o 
Sésamo da história do Raul existira realmente. Por isso ouviu com serenidade e confiança o eco da 
própria voz a regressar ferido das encostas. 
Tudo requeria o seu tempo. Irreais, os horizontes perdiam-se ao longe, esfumados e frios. 
Vago, o rebanho, à volta, tosava a erva mansamente. Impreciso, o gemido da ovelha queixosa não 
conseguia transpor o limiar da consciência do pastor. Transfigurado, o Rodrigo estava entregue ao 
milagre. Ordenara-o e esperava por ele. 
- Abre-te, Monte da Forca! Gritou de novo, já enfadado de uma espera que não cabia na 
ilusão. Qualquer coisa à volta pareceu tremer, e o coração do pequeno saltou. 
-Abre-te! reforçou, angustiado. Mas os horizontes começaram a tomar crueza e sentido, o 
rebanho avolumou-se, e o balido da ovelha aflita subiu mais. 
- Era mentira! E pelo seu rosto infantil e desiludido uma lágrima desceu desesperada. 
- Era mentira... repetiu, debruçado sobre a alta fraga, a soluçar. 
Tudo nele tinha a verdade da inocência. Lograra e fora logrado já, mas no jogo dos botões e a 
esconder da mãe um novelo de linhas para a baraça do pião. Quando, porém, se tratava de coisas 
grandes como fábulas e mitos, a sua alma cândida não concebia que pudesse haver mistificação. E a 
primeira vez que tirava a prova àquela confiança, que tentara ver de perto a miragem, acordava 
cruamente traído! 
 
11 
Valeu-lhe a feliz condição de criança. Ele ainda a chorar e já a mão do esquecimento a 
enxugar-lhe os olhos. Breve como vem, breve se vai o pranto dos dez anos. A ovelha chamava 
sempre. E o balido insistente acabou por acordá-lo para a realidade simples da sua vida de pastor. 
Ergueu-se, desceu da alta fraga enganadora, e, de ouvido atento, foi direito ao queixume. 
- Olha, era a Rola... Um cordeiro acabara de nascer e a mãe lambia-o. 
O outro estava ainda lá dentro, no mistério do ventre fechado. 
(TORGA, 1996, p. 101-110) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lá você poderá se aprofundar no conceito de intertextualidade, compreendido aqui 
como a relação entre textos. Esse fenômeno, bastante comum em literatura, permite que 
possamos rastrear os sentidos da obra por meio da busca das apropriações que ela faz, de 
forma consciente ou inconsciente, de outros textos. Como o título do conto de Miguel Torga 
nos remete à tradicional história “Ali Babá e os quarenta ladrões”, é a partir de reflexões sobre 
ela que conseguiremos compreendê-lo melhor. 
“Ali Babá e os quarenta ladrões” narra a história de dois irmãos, Cassim e Ali Babá, 
que moravam numa cidade da Pérsia. O primeiro era casado com uma mulher muito rica e o 
segundo era muito pobre, trabalhava como lenhador para manter a mulher e o filho. 
Um dia, trabalhando na floresta, Ali Babá presenciou um grupo de homens, os 
quarenta ladrões, entrando numa gruta e deixando lá dentro uma grande quantidade de sacos 
bem pesados. Ouviu também que a pedra que lacrava a entrada da gruta abria-se com as 
palavras mágicas “Abre-te Sésamo!”, ditas por Mustafá, o chefe do bando. Quando os ladrões 
foram embora, o lenhador aproximou-se da pedra e disse as mesmas palavras mágicas e a 
gruta abriu-se, revelando em seu interior um tesouro incomensurável. O homem, então, 
encheu alguns sacos com moedas de ouro e fugiu para casa. 
Explore 
Antes de ler a análise do conto “O Sésamo”, visite o link do E-Dicionário de Termos Literários, 
de Carlos Ceia, verbete “Intertextualidade”, cujo endereço é dado a seguir: 
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=442&Itemid=2. 
 
 
 
12 
 
 Chegando lá, contou à esposa o acontecido e esta, mais que depressa, correu à casa 
da cunhada para pedir emprestado um pote com que se media o trigo. A cunhada, 
desconfiada, lambuzou o pote com gordura, para que aquilo que medissem ficasse um poucogrudado e ela pudesse descobrir de que se tratava. 
Depois de toda a fortuna medida, a mulher de Ali Babá foi devolver o pote, mas não 
percebeu que uma moeda ficara grudada no fundo. A cunhada, por sua vez, correu a mostrar 
ao marido que, bem depressa, foi pedir explicações ao irmão. 
Ali Babá contou toda a história para o irmão que, sem demora, correu para a floresta, 
disse as palavras mágicas e entrou na gruta. Passou o dia lá dentro enchendo sacos de ouro e, 
quando resolveu sair, não se lembrava mais das palavras. Ficou até de madrugada tentando, 
mas os ladrões voltaram e o mataram. 
Depois de quatro dias, Ali Babá, a pedido da cunhada, foi até lá e achou o cadáver de 
seu irmão. Amedrontada, a família escondeu a morte de Cassim, pois se os ladrões soubessem 
ondeos demais moravam, os matariam também. 
Como Cassim precisava ser enterrado, um alfaiate que costurava mortalhas foi 
chamado, mas de olhos vendados para que não soubesse de quem se tratava. Com a ajuda 
de Morgana, uma criada bastante esperta, conseguiram realizar a cerimônia. Quando os 
ladrões viram que o corpo do homem tinha desaparecido da caverna, logo concluíram que 
mais alguém conhecia o segredo. Começaram, então, a procura, usando de muitas 
artimanhas. 
No final da história, os ladrões chegam até a casa de Ali Babá: o chefe deles, Mustafá, 
disfarçado de vendedor de azeite e os outrosladrões escondidos em sacos. A empregada 
Morgana descobriutudo e, novamente usando sua esperteza, consegue matar o bando todo. 
Como prêmio, Ali Babá faz com que ela se casecom seu filho, dando-lhes uma grande 
fortuna. 
Este é um conto exemplar, pois sua origem está nas remotas narrativas orais do povo 
oriental e contém todosos elementos que caracterizam um conto: um local específico onde se 
passa o acontecido (uma cidade da Pérsia); um tempo curto (alguns dias); os personagens 
essenciais ( o narrador, Cassim, Ali Babá, as esposas, Mustafá, os quarenta ladrões, o alfaiate 
e a empregada Morgana); e um fato para o qual tudo converge (conseguir o tesouro que está 
dentro da gruta). 
O elemento mais importante do conto, ou seja, o enfoque da construção do texto está 
na peripécia, na estratégia de adiar ou dificultar o mais possível que Ali Babá consiga ficar 
com a fortuna. Para isso, cada passo do personagem desencadeia uma série de ações dos 
antagonistas, que somente conseguem ser dribladas pela esperteza dele e da empregada 
Morgana. Há a constante perseguição do herói; a visão maniqueísta do mundo e das 
personagens: as mulheres ou colaboram com ele, ou são mesquinhas, egoístas e traiçoeiras, os 
bons são nitidamente diferenciados dos maus; a valorização da inteligência e, num segundo 
 
13 
plano, até a violência, como formas de se vencer os inimigos; e o final feliz para o personagem 
principal que, por ser pobre e trabalhador, deve merecer a fortuna. É a típica moral ingênua 
dos contos populares, pois nem sempre as atitudes do chamado “herói” são éticas ou 
politicamente corretas. Ali Babá é o vencedor final, mas também engana, rouba e usa pessoas 
para conseguir o que deseja. Trata-se do reflexo da visão domundo da época em que a 
história foi imaginada ou, talvez, produto de alterações que a história foi sofrendo com os 
tempos e pelos lugares onde foi sendo contada, ilustrando o dito popular: “ladrão que rouba 
ladrão tem cem anos de perdão”. 
 O fato é que este conto, assim como muitos outros, foram se espalhando e agradando 
muito ao público, chegando até os nossos dias. Hoje, o conto é considerado mais adequado 
para o leitor infantil ou juvenil, mas com certeza povoa o imaginário dos adultos também, 
ganhando lugar na literatura universal e sendo consideradopatrimônio coletivo da 
humanidade. 
 
 
 
Miguel Torga (1907-1995) surgiu como escritor do Presencismo, movimento literário 
português quedefendia o primado da “literatura viva” sobre a “literatura livresca”, que a 
finalidade da Arte era a emoção estética, que o individual tinha de sobrepor-se ao social, a 
intuição a qualquer verdade objetiva ou racional, o mistério ao realismo fotográfico(MOISÉS, 
1990, 318). Adolfo Correia da Rocha, verdadeiro nome do autor, dedicou-se à poesia, prosa 
de ficção e até mesmo ao teatro, sendo toda a sua obra permeada pelo questionamento da 
condição humana, suas angústias e contradições sem resposta(MOISÉS, 1990, 323). 
 No conto “Sésamo”, que faz parte do volume Novos contos da montanha, 
publicado em1944, podemos encontrar uma narrativa breve, com todas as características 
essenciais da forma à que chamamos de “conto”. O cenário é o vilarejo de Urros, “em plena 
montanha” (TORGA, 1996, p. 103), que sobrevive da criação de ovelhas. Dentre os homens, 
mulheres e crianças que compõem a paisagem, destacam-se os personagens:Raul, que é 
contador de histórias; Lamega, a única pessoa que emite uma fala; e Rodrigo, o menino que 
resolve investigar os fatos narrados. O tempo da narrativa é curto: uma noite e uma manhã. O 
narrador está em terceira pessoa, assume o ponto de vista tradicional do contador de histórias. 
 O enredo é bastante simples: Raul lê a história de “Ali Babá e os quarenta ladrões” 
para o povo da aldeia, aglomerado numa loja de gado, à noite. Todos ouvem encantados e 
Rodrigo, um menino tido como amalucado, fica“encandescido” com a possibilidade de 
encontrar um tesouro dentro de uma caverna também. Quando amanhece, ele sobe o Monte 
da Forca tangendo seu rebanho, resolvido a testara veracidade da história. Enquanto suas 
ovelhas alimentam-se, ele se desvia e sobe mais um pouco, tentando alcançar o alto do 
monte. Chegando lá, emocionado, grita ao modo de Ali Babá: “- Abre-te, Monte da Forca!” 
 
14 
 
(p. 107), mas nada acontece de mágico. Decepcionado, ele desce o monte a ouvir uns 
gemidos. Ao chegar ao rebanho, vê que Rola, uma de suas ovelhas, havia parido um 
cordeirinho e outro ainda estava por nascer. 
 É uma narrativa que nos remete às origens do conto, ao tempo em que as histórias 
eram contadas oralmente, ao redor do fogo, por alguém instituído como contador e que 
detinha algo de especial, no caso, o livro e o conhecimento da palavra escrita. Informava-se 
de modo gratuito e pacífico (como diz o narrador) e divertia-se o povo, dando-lhes o 
conhecimento do mundo, ainda que fictício. Isto aparece na fala de Lamega:“- O mundo tem 
cousas!...” (TORGA, 1996, p. 103). 
 No texto, o personagem Rodrigo, por ser criança, não distingue o que é real e o que é 
ficção. Ele parte em busca do real por causa do imaginado. Sua mentalidade infantil o impele 
a testar a história sem os melindres dos adultos, já desencantados ou com vergonha de 
mostrar sua curiosidade. Ele se decepciona, já que a magia não se realiza, mas o texto nos 
sugere que o mágico está intrinsecamente ligado à própria vida, por mais banal e cotidiana 
que seja. A vida é mágica, o estar no mundo é mágico. A ovelha que dá à luz um filhote é 
uma metáfora de encantamento. De dentro de seu ventre/caverna aparece um novo ser, que é 
um tesouro (por ser uma vida e até por representar um ganho para o seu dono), e guarda 
outro que está ainda por nascer.No início da narrativa, aliás, o autor faz referência à 
fortunaque está escondida na “barriga de um monte” (TORGA, 1996, p. 104). Enquanto 
Rodrigo chora por constatar a “falsidade da magia” na ficção, a vida,emblematizada na 
ovelha, o chama para a “beleza do mistério” da realidade. 
 Nesta história singela encontramos as origens do conto, em sua forma simples, oral; os 
elementos essenciais que o caracterizam (a brevidade, a concisão, a unidade, o tempo curto, 
personagens restritos, espaço determinado, apenas um acontecimento para o qual tudo 
converge); a intertextualidade com a história de AliBabá; e a metalinguagem, pois o texto põe 
em evidência o próprio ato de narrar. Podemos identificar opiniões do enunciador, quando 
defende a leitura e a literatura como formasagradáveis e produtivas de transmitir 
conhecimento, ao contrário da instrução transmitida na escola, com “palmatoadas” , e na 
igreja, com “bofetões”. Há até questões filosóficas ou metafísicas: os limites da vida e da arte, 
o que é real e o que ficcional, o que é verdade e o que é mentira, se a beleza/ o estético está 
na recriação do real ou se a própria vida já está repleta de mistérios e beleza. 
 A narrativa, sob uma perspectiva, valoriza a realidade e desmistifica a ficção, o mistério 
da vida surpreende como mais interessante que o universo mágico. Por outro lado, a simples 
realidade é tão mágica e fecunda quanto a ficção. Eticamente, em Ali Babá, o herói fica rico 
graças ao produto do roubo; em “Sésamo”, a riqueza provém somente do trabalho. Nesse 
aspecto, podemos perceber certa ideologia do enunciador expressa no diálogo que promove 
entre os valores que acredita serem autênticos e os valores tradicionais. Isso só é possível pelo 
diálogo intertextual que a literatura permite e pela ideologia que o discurso assume. 
 
 
15 
 
 
 
A Hora da estrela foipublicada por Clarice Lispector no ano da morte da escritora. A 
temática da obra é claramente social, aspecto que os críticos não conseguiam perceber em 
outros trabalhos da autora, motivo de reparos que fizeram à produção dela, já que a época 
cobrava dos artistas uma postura engajada, pois o Brasil estava sob o regime da ditadura 
militar. 
 Adepta de estilo intimista, utilizando com frequência a técnica do fluxo da consciência e 
por vezes memorialista, nesta obra Clarice inova, criando um narrador masculino, Rodrigo S. 
M., que é também escritor e o criador da história. Criador e criatura – a personagem Macabéa 
- vão se revelando ao longo do texto, numa reflexão metalinguística sobre o fazer literário. 
 É uma obra peculiar, pois não se apresenta conforme a estrutura tradicional de um 
romance, por isso chega a ser denominada novela, uma narrativa mais elaborada do que um 
conto e menos extensa do que um romance. De qualquer modo, mesmo com toda linguagem 
poética que permeia o texto, decorrente da subjetividade do fluxo de consciência, trata-se de 
uma narrativa. Trata-se de uma das obras mais importantes da autora tanto do ponto de vista 
temático quanto da forma de construção, bem como de uma das narrativas mais intrigantes 
da literatura contemporânea brasileira. 
 Vamos observar mais detalhadamente os elementos estruturais da narrativa. 
 
 
 
O livro conta a história de Macabéa, uma moça órfã de Alagoas, com dezenove anos, 
que vai para o Rio de Janeirotentar uma vida melhor. Ela trabalha como datilógrafa em um 
escritório e mora em uma pensão, onde divide o quarto com mais quatro moças balconistas. 
Macabéa não tem muita noção de higiene, não tem perspectivas na vida, mal se alimenta 
(come cachorro-quente e gosta muito de Coca-Cola), e seus únicos divertimentos são: ouvir a 
Rádio Relógio, que divulga informações superficiais, curiosidades de almanaque; colecionar 
recortes de jornais e revistas sobre artistas famosos; e ir ao cinema uma vez ao mês. 
Além das colegas de pensão, Macabéa convive com Glória, com quem trabalha no 
escritório, e com Olímpico de Jesus, quem namora e que não a trata muito bem a ponto de 
deixá-la para ficar com Glória. 
Sem saber o que fazer da própria vida e aconselhada pela própria colega que lhe 
roubara o namorado, a protagonista procura uma cartomante, Madama Carlota, que faz boas 
previsões para o futuro da moça, mas ao sair da casa da senhora, Macabéa é atropelada e 
morre no meio da rua. 
 
 
16 
 
 
 
 
No caso de A Hora da estrela, os nomes das personagens não são escolhidos ao acaso, 
muitas vezes já nos dizem alguma coisa sobre a personalidade dos seus donos. Podem 
significar o que a personagem é; podem configurar uma ironia e significar o contrário do que a 
personagem revela pelas ações. 
Rodrigo S. M. é o narrador a quem é delegada a história. Escritor que sente 
necessidade de contar a vida de uma das muitas nordestinas que vivem na cidade do Rio de 
Janeiro: “preciso falar dessa nordestina senão sufoco” (LISPECTOR, 1998, p. 17). Enquanto 
elabora o texto, o narrador reflete sobre a própria existência que está ligada à da obra; sobre o 
ato de narrar, pois ele só existe enquanto a história vai sendo contada; e também sobre a 
questão da autoria: trata-se de um enunciador que usa uma máscara (de narrador) para 
contar sua história. Às vezes, Rodrigo S. M. narra a história de Macabéa, em terceira pessoa; 
às vezes, narra a própria história, em primeira pessoa. As iniciais S.M., não elucidadas pela 
narradora, sugerem o termo Sua Majestade, talvez uma figura à imagem do narrador todo 
poderoso, que tem poder de vida e morte sobre os personagens que cria. Como Macabéa 
nasce de Rodrigo, é ele que a matará no final da narrativa, não sem sofrer muito com isso. 
Macabéa é um nome incomum. Trata-se de uma referência aos macabeus que, na 
Bíblia, eram um grupo que sobreviveu à entrada dos gregos em Jerusalém na tentativa de 
manter o monoteísmo judaico, contra os deuses olímpicos, portanto foram heróis da 
resistência. A personagem traz toda essa carga histórico/religiosa/literária, que se torna irônica 
pelo prosaísmo das ações que pratica . No dizer do narrador: “ela vive num limbo impessoal”, 
“Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando.”, “o seu viver é ralo” 
(LISPECTOR, 1998, p. 23). Num processo inovador, a personagem vai sendo descontruída 
no decorrer do texto. No início, Macabéa é a moça datilógrafa que trabalha num escritório e 
mora na cidade do Rio de Janeiro. Aos poucos, no entanto, o narrador vai apresentando 
todas as limitações dela, que a vão decompondo enquanto ser humano: ela é feia, escreve 
errado, apresenta os papéis no escritório sempre meio sujos; não tem a graciosidade e a 
feminilidade da mulher, seus “óvulos são murchos”; é fisicamente maltratada, contrai 
tuberculose. Cada vez que um problema é acrescentado à moça, mais ela se dilui enquanto 
personagem, até o momento final, em que está fadada a morrer, pois é um ser muito 
elementar, primário. 
Glória, a colega de Macabéa, é bem alimentada, cabelo loiro oxigenado com raízes 
escuras, filha de um açougueiro. Às vezes, maternal em relação aMacabéa; outras vezes, 
vangloria-se por ser mais bonita do que ela e rouba-lhe o namorado. Faz questão de dizer que 
é “carioca da gema”, o que impressiona Olímpico, que a enxerga como uma mulher inteira, 
de “raça pura”, boa parideira, que lhe daria ascensão social no Sul do país, região mais rica 
do que a região de onde ele viera. 
 
17 
Olímpico de Jesus é metalúrgico, namorado de Macabéa. Tinha um dente de ouro e já 
havia matado um homem. Era ambicioso, queria subir na vida. Seu nome carrega uma 
antítese, igualmente irônica: Olímpico refere-se a Olimpo, templo dos deuses pagãos; o 
sobrenome “de Jesus” remete ao cristianismo e também é sobrenome daqueles que não 
conhecem o próprio pai. Nome grandioso que não corresponde ao ser humano simples, sem 
estudos, que trabalha na indústria como metalúrgico. 
Madama Carlota é a cartomante, ex-prostituta. É muito carinhosa com Macabéa, 
dando-lhe conselhos e esperança de um futuro feliz, mas visivelmente artificial. Figura clássica 
de muitas obras literárias, a mulher que lê o destino dá um momento de felicidade à 
personagem que não tem futuro, como um golpe de misericórdia. 
Sr. Raimundo Silveira é o patrão, dono do escritório. Logo no início da narrativa, já 
avisa Macabéa que a demitirá. Comoela lhe dá uma resposta muito polida, ele volta atrás, 
por pena, e ela acaba ficando empregada até o final da história, que é relativamente curta. 
Colegas de quarto: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria apenas: 
balconistas das Lojas Americanas. As quatro Marias servem de figuração, para reforçar o 
caráter comum das moradoras da pensão, todas são frágeis, sobreviventes, mas têm nomes de 
mulher. Parece que apenas Macabéa, como o próprio nome denuncia, está predestinada a ser 
mais miserável, a morrer primeiro, a ser incompleta. 
 
 
 
 
A história se passa no Rio de Janeiro, uma cidade toda “contra a personagem”: a 
pensão de Macabéa fica na Rua do Acre, palavra que significa “ácido, azedo”, e o escritório 
na Rua do Lavradio, palavra que significa “labor, trabalho”. 
Macabéa morre na rua, atropelada, lugar igualmente hostil, assim como são frias e 
hostis as relações que a cercam, tanto com as colegas quanto com o namorado. 
Além disso, há o confronto entre o Rio de Janeiro, sudeste desenvolvido, e o nordeste, 
local em que Macabéa nasceu. Nesse caso, a narrativa assume um tom ideológico de 
denúncia da dura realidade por que passam os que vêm daquela região, mais pobre, para o 
sudeste do país, mais desenvolvido mas nem por isso acolhedor. 
 
 
Em A hora da estrela a questão do tempo é bastante complexa. Há o tempo que o 
narrador leva para escrever a história, adiando o início e estendendo-se ao descrever a agonia 
de Macabéa, pois o fim da história significa o fim do narrador que também é personagem. É 
um tempo psicológico, o tempo da criação da narrativa. 
 
18 
 
Há o tempo de duração da história de Macabéa, que é curto, a narrativa trata de um 
intervalo pequeno da vida da protagonista. Sabe-se que ela tem dezenove anos, alguns flashes 
de sua existência são narrados até o momento da morte. As referências concretas que se tem 
em relação ao tempo são a Rádio Relógio, que informa as horas; os fatos são narrados no 
presente, conforme vão acontecendo; e sabemos que o encontro com Olímpico aconteceu no 
dia 7 de maio, mas não há referência ao ano. 
Quanto ao passado, a protagonista não se lembra, não tem memória: “Mas vivia em 
tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã” (LISPECTOR, 
1998, p. 42). 
Assim, vários tempos se entrelaçam, o que torna difícil precisar a data da história. 
Desse modo os eventos se universalizam, assumem uma perspectiva de eterno presente, como 
a sugerir as muitas Macabéas que cruzam nosso caminho todos os dias. 
 
 
 
 
Nesta narrativa há grande diversidade de discursos: o de um narrador em terceira 
pessoa, que se diz Clarice Lispector; a voz em primeira pessoa de um narrador que se diz 
personagem, Rodrigo S.M., que ora entrega a história ao sabor de um diálogo quase teatral, 
ora narra de forma onisciente, tanto utilizando o discurso indireto como o indireto livre.Essa 
mistura de vozes caracteriza, como se verá no comentário dos temas, os diferentes 
questionamentos que a narrativa sugere, entre eles a problematização do próprio ato de 
narrar. 
Logo no início da obra, encontramos uma instância narrativa que se enuncia como o 
autor sob um título: “Dedicatória do autor (Na verdade Clarice Lispector), mas que se define 
como homem: 
Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são 
hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu 
sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu 
sangue.(LISPECTOR, 1998, p. 8) 
 
Logo adiante, essa voz entrega a narrativa a outro que “teria que ser homem porque 
escritora mulher pode lacrimejar piegas” e (LISPECTOR, 1998, p. 14) e que será um narrador 
personagem: 
A história – determino com falso livre-arbítrio – vai er uns sete personagens e 
eu sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S.M. 
(LISPECTOR, 1998, p. 12-13) 
 
19 
Em dados momentos, o diálogo se apresenta apenas introduzido por rubricas, como se 
fosse uma cena dramática. O diálogo de Olímpico e Macabéa, esvaziado de sentido, recria a 
relação estéril do casal: 
 Ele: - Pois é. 
 Ela: - Pois é o quê? 
 Ele: - Eu só disse pois é! 
 Ela: - Mas “pois é” oquê? (LISPECTOR, 1998, p. 48) 
 
No fragmento a seguir, depois que a personagem é atropelada, temos a voz do 
narrador em terceira pessoa, a voz de Macabéa reproduzida pelo narrador e também aquele 
discurso que funde ambas as vozes, o indireto livre: 
[Macabéa] ficou inerme no canto da rua, talvez descansando das emoções, e 
viu entre as pedras do esgoto o ralo capim de um verde da mais tenra 
esperança humana. Hoje, pensou ela, hoje é o primeiro dia da minha vida: 
nasci. 
[...] 
Prestou de repente um pouco de atenção para si mesma. O que estava 
acontecendo era um surdo terremoto? Tinha-se aberto em fendas a terra de 
Alagoas. Fixava, só por fixar, o capim. (LISPECTOR, 1998, p. 80-81) 
 
 Neste momento, a técnica narrativa funde não só as vozes, mas as existências dos 
diversos enunciadores assim como os diferentes espaços: Macabéa está em uma rua do Rio de 
Janeiro, mas pensa que a terra de Alagoas é que se abre em fendas. 
 
 
 
 
 
 
Toda obra literária carrega em si várias possibilidades de significação. Há uma história 
sendo contada e uma enorme quantidade de outras histórias e ideias subentendidas. 
Em A hora da estrela há os fragmentos de vida de Macabéa e aparece entrelaçada a 
história do narrador que se revela, em última instância, aspectos de um outro enunciador, que 
revela pontos de contato com a própria autora, Clarice Lispector. O texto denuncia a vida 
breve e marginalizada de uma moça muito simples que tenta sobreviver numa cidade que é 
toda contra ela. A questão social, portanto, é o que primeiro dado que se nota. 
Acompanhado a protagonista, há um narrador/autor que reflete o tempo todo sobre o 
fazer literário, o papel do escritor diante da sua obra. Há um trabalho metalinguístico, 
portanto, que permeia toda a obra e que nos autoriza a atribuir essa voz à autora. 
 
20 
 
Sendo o último livro de Clarice publicado em vida e estando ela já doente, a questão 
da morte está presente nas reflexões do narrador e na morte da personagem, o que remete 
também à questão da filosofia existencialista, muito presente em outros textos de Clarice: “o 
homem é um ser para a morte”. 
Macabéa, que vive à parte da sociedade,alimenta-se de cachorro-quente e Coca-cola, 
cardápio típico dos americanos do Norte; seu ideal de beleza são as atrizes de Hollywood, 
opostas à sua figura franzina. As companheiras de quarto, as quatro Marias, também moças 
marginalizadas, são balconistas das Lojas Americanas. O automóvel que atropela a 
protagonista é um Mercedes Benz, importado, cujo logotipo ou marca é uma estrela. Parece 
presente o discurso ideológico do modo de vida estrangeiro sobre o brasileiro, que em certo 
sentido constitui um povo que aceita passivamente os modelos, ou que se esquece facilmente 
de sua identidade. Nesse sentido, Macabéa será atropelada pelo outro, o estrangeiro. 
Contudo, para além de uma leitura datada, há a temática do espanto em relação à 
existência e o sentido inapreensível disso permeia toda a narrativa. Não é só Macabéa que se 
perde: também Rodrigo S.M., que é escritor, a própria enunciadora, que cria Rodrigo, que cria 
Macabéa e que está às portas da morte, também viverá sua hora da estrela. As indagações 
sobre a matéria vivente, a lama viva, um ser primitivo que inspira e expira dão uma densidade 
maior à narrativa do que as questões sociais mais imediatas. 
Por isso talvez a multiplicidade de títulos dados pela enunciadora. São dozeque 
poderiam substituir o principal, A hora da estrela, totalizandotreze possibilidades: 
 
1 - A Hora da Estrela 
2 - A culpa é minha 
3 - Ela que se arranje 
4 - O direito ao grito 
5 - Quanto ao futuro 
6 - Lamento de um blue 
7 - Ele não sabe gritar 
8 - Uma sensação de perda 
9 - Assovio no vento escuro 
10 - Não posso fazer nada 
11 - Registro dos fatos antecedentes 
12 - História lacrimogênica de cordel 
13 - Saída discreta pela porta dos fundos 
 
Assim como podemos nos perguntar:“quem é a estrela? Clarice, Macabéa, o automóvel 
que a atropela?”,também poderíamos perguntar:“de quem é a culpa?De Clarice, de Macabéa, 
de Rodrigo S.M.?”. Desse modo chagaríamos à pergunta final: “quem está saindo 
discretamente pela porta dos fundos? Clarice, Macabéa, Rodrigo S.M.? A própria existência?” 
 
21 
 
 
Assim como problematiza o próprio discurso literário e dialoga com outros textos por 
meio, entre outros recursos, dos nomes dos personagens, o texto dialoga também com outros 
discursos que não o literário: há referências à música, Beethoven, Bach, Schumann, Richard 
Strauss, Debussy, entre outros, e à pintura, notadamente ao Surrealismo de Marc Chagall 
(1887-1985), aliás judeu como Clarice. A referência aparece no momento em que Macabéa 
está morrendo e funde a agonia da personagem com as recordações do narrador, Rodrigo S. 
M. que, assim como Clarice, passou a infância em Recife: 
Apareceu portanto um homem magro de paletó puído tocando violino na 
esquina. Devo explicar que este homem eu o vi uma vez ao anoitecer quando 
eu era menino em Recife e o som espichado e agudo sublinhava com uma 
linha dourada o mistérios da rua escura. Junto do homem esquálido havia 
uma latinha de zinco onde barulhavam secas as moedas dos que o ouviam 
com gratidão por ele lhes planger a vida. Só agora entendo e só agora brotou-
se-me o sentido secreto: o violino é um aviso. Sei que quando eumorrer vou 
ouvir o violino do homem e pedirei música, música, música. 
(LISPECTOR, 1998, p.82) 
 
Veja, a seguir, um dos quadros de Chagall que inspira a narrativa: 
 
 
Fonte: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/o-mundo-magico-de-marc-chagall 
 
 
 
 
22 
 
 Nesse momento, o mundo narrado funde-se ao mundo sonoro e ao mundo pintado, às 
reminiscências das diversas instâncias narrativas que são trazidas pelas reminiscências da 
personagem que, por sua vez, funciona como metonímia da existência humana. 
 
 
 
Como você deve ter percebido, quer no conto tradicional, quer nas narrativas 
modernas, as histórias parecem se repetir, reconstruindo os sentidos por meio de novas 
possibilidades de leitura apresentadas pelo contexto e pelas perspectivas daquele que narra. 
Contar histórias é, pois, reconstruir o próprio sentido da existência humana, questionar 
nossa passagem por ela, um modo de aprender a viver e de ensinar também, já que as 
experiências são narradas para serem compartilhadas. Por isso talvez a literatura nunca se 
acabe, por essa capacidade autofágica de se alimentar de si mesma e de outros discursos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para que você possa entender melhor o conto e refletir sobre esse gênero em 
função das novas mídias, como a Internet, é muito importante que você 
complemente seu estudo lendo o artigo de Carlos Higgie, “O conto, alguns 
aspectos deste gênero literário”, no site a seguir: 
http://www.artigonal.com/literatura-artigos/o-conto-alguns-aspectos-deste-
genero-literario-395289.html 
 
 
 
 
25 
 
 
 
 
Sobre o conto: 
 
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1979. 
 
 “Ali Babá e os quarenta ladrões” in As mais belas histórias infantis de todos os 
tempos.São Paulo: Globo, 1995. 
 
COELHO, Nelly Novaes. A Literatura infantil: história, teoria, análise (das origens 
orientais ao Brasil de hoje). 2ª ed.São Paulo: Quíron,/Global, 1982. 
 
CORTÁZAR, Julio. “Algunos aspectos del cuento (1962-1963) inObra crítica/2. Edición de 
Jaime Alazraki. Madri: Alfaguara, 1994, p. 365 – 85. 
 
GOMES, Álvaro Cardoso. A literatura portuguesa em perspectiva ( Simbolismo e 
Modernismo)– vol. IV. São Paulo: Atlas, 1994. 
 
JOLLES, André. Formas simples ( Legenda, Saga, Mito, Adivinha, Ditado, Caso, 
Memorável, Conto, Chiste).Trad. de Álvaro Cabral .São Paulo: Cultrix, 1976. 
 
MOISÉS, Massaud. O Conto português. 4ª ed. São Paulo: Cultrix, 1990. 
 
REIS, Carlos eLOPES, Ana Cristina M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: 
Ática,1988. 
 
TORGA, Miguel. Novos contos da montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 
 
 
 
Sobre A Hora da estrela e Clarice Lispector: 
 
GOTLIB, Nádia Battella. Clarice - uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995. 
 
GUIDIN, Márcia Lígia. Roteiro de leitura – A hora da estrela – Clarice Lispector. São 
Paulo: Ática, 1994. 
 
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 
 
______. Literatura comentada: Clarice Lispector. Seleção de textos, notas, estudos 
biográfico, histórico e crítico por Samira Youssef Campedelli e Benjamin Abdala Jr. 2ª ed. São 
Paulo:Nova Cultural, 1988. 
 
SÁ, Olga de. A Escritura de Clarice Lispector. Petrópolis: Vozes; Lorena: Faculdades 
Integradas Tereza D’Ávila, 1979. 
 
24 
 
 
 
 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
_________________________________________________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	Blank Page

Continue navegando