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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS- FADE CURSO DE DIREITO Jânia Lúcia Jeremias Venancio A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR Governador Valadares/MG 2009 JÂNIA LÚCIA JEREMIAS VENANCIO A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Fabriny Neves Guimarães Governador Valadares/MG 2009 JÂNIA LÚCIA JEREMIAS VENANCIO A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, 02 de dezembro de 2009. Banca Examinadora: __________________________________________ Prof. Fabriny Neves Guimarães.- Orientador Universidade do Vale do Rio Doce __________________________________________ Profª. Beatriz Dias Coelho Universidade do Vale do Rio Doce __________________________________________ Prof. Yuri Dias Miranda Universidade do Vale do Rio Doce Dedico esta monografia a todos que direta e indiretamente contribuíram para que o sonho da faculdade se tornasse realidade. À minha mãe que me incentivou e apoiou em todos os momentos, ao meu filho Arthur pela compreensão da minha ausência, aos meus irmãos de perto e de longe que sempre torceram pelo meu sucesso. AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo que fez e tem feito em minha vida. À minha mãe, meu filho Arthur, irmãos, minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. Aos professores pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão desta monografia. Aos amigos e colegas pelo incentivo e pelo apoio constante. “Quando um menor chega a cometer um crime é porque, certamente, sua estrutura de personalidade já se encontra comprometida. Um adolescente pode cometer um crime, mas nem todos podem entender por que chegou a cometê-lo. A história de um indivíduo é uma trama complexa de acontecimentos que se ressignificam entre si”. Maria Fernanda S. Valois Pires RESUMO O presente trabalho visa a realização de um estudo científico abordando a inimputabilidade do menor infrator. É um tema copiosamente polêmico que envolve aspectos sociais e jurídicos. O propósito desse trabalho é fazer uma reflexão sobre a problemática da inimputabilidade do menor infrator relatando opiniões de doutrinadores para verificar a existência de soluções numa visão jurídica. Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. A imputabilidade penal consiste no conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível. Diante do aumento exacerbado da criminalidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, uma questão vem dividindo a opinião pública: a redução da maioridade penal. Constatou-se depois de um longo período de estudos que não existe um consenso entre juristas e doutrinadores no que tange a redução da maioridade penal. O Estatuto da Criança e do Adolescente possui medidas sócio-educativas suficientemente viáveis para ser aplicadas aos menores infratores. Basta que sejam aplicadas adequadamente conforme o desenvolvimento do menor dos 12 aos 18 anos incompletos. É necessário criar planos de ações e diretrizes para aplicar os direitos estabelecidos na Constituição Federal, pois reduzindo de 18 para 16 anos a maioridade penal só estaremos deslocando a violência e os problemas serão os mesmos. Palavras-chave: Ininputabilidade. Menor Infrator. ECA. Redução Da Maioridade. ABSTRACT This study aims to carry out a scientific study, addressing the following theme: "The Nonimputability of offenders." It is a controversial issue copiously involving the legal and social aspects. The purpose of this project is to reflect on the problems of Nonimputability of Minor Offenders reporting opinions of other legal and verify the existence of solutions in a legal view. According to the counselor Damasio E. Jesus: "Charging is to assign someone the responsibility for something. The criminal responsibility is the set of personal conditions that give the agent the ability to be legally attributed to the commission of a punishable act. "Given the exacerbated increase in crime, especially in large urban centers, one issue has divided public opinion: the reduction of criminal majority. It was after a long period of studies that there is a consensus among jurists and scholars with respect to lowering the criminal prosecution. The Statute on Children and Adolescents has social and educational measures sufficiently viable to be applied to juvenile offenders. Just to be properly applied as the development of the lesser of 12 to 18 years incomplete. You need to create action plans, guidelines, enforce the rights established in the Federal Constitution and that does not help reduce from 18 to 16 years of criminal responsibility. We will not be moving the violence and the problems are the same. Key-words: Impunity. Offenders. EGA. Reduction of the Majority. SUMARIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9 2 IMPUTABILIDADE.................................................................................................11 2.1 CONCEITO......................................................................................................11 2.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE ..................................................12 2.3 FUNDAMENTO DA IMPUTABILIDADE...........................................................12 2.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE...........................................13 2.5 “ACTIO LIBERA IN CAUSA”............................................................................14 2.6 A INIMPUTABILIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA........................17 2.7 A CONSTRUÇÃO SOCIAL E TEÓRICA DA CRIANÇA NO IMAGINÁRIO JURÍDICO..............................................................................................................21 3 MAIORIDADE PENAL, O ECA E A RAZOABILIDADE ........................................24 3.1 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO ECA..................................24 3.1.1 Justificativa .............................................................................................24 3.1.2 Casos de comoção popular ...................................................................25 3.1.3 Idéias equivocadas sobre as medidas socioeducativas do ECA........26 3.2 É PRECISO MUDAR O PSICOLÓGICO E NÃO O CRONOLÓGICO .............27 4 A IDADE DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS ADOLESCENTES ...........29 5 A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL.......................................................33 6 DESFAZENDO "VERDADES" ENGANOSAS ......................................................36 6.1 DISCERNIMENTO DE MUNDO X INIMPUTABILIDADEDO MENOR............36 6. 2 VOTO X INIMPUTABILIDADE DO MENOR ...................................................37 6.3 POBREZA X INIMPUTABILIDADE DO MENOR .............................................37 6.4 SISTEMA PRISIONAL X IMPUTABILIDADE DO MENOR ..............................38 6.5 ECA X INIPUTABILIDADE DO MENOR..........................................................38 7 SOLUÇÕES ...........................................................................................................40 8 CONCLUSÃO ........................................................................................................44 REFERENCIAS.........................................................................................................46 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa a realização de um estudo científico, abordando como tema "A Inimputabilidade do Menor Infrator". O tema, além de ser objeto de discussão em vários segmentos da sociedade, emerge na esfera jurídica como algo extremamente importante, tanto no que diz respeito aos direitos constitucionais da criança e do adolescente, quanto na segurança pública, direito de todos. A inimputalibidade do menor infrator é um tema copiosamente polêmico que envolve os aspectos sociais e jurídicos. Nos últimos tempos tem se falado muito na redução da maioridade penal, justificando-se pelo aumento de crimes ocorridos por menores. No Brasil, a precariedade e a superlotação dos presídios tornam-se difícil o desenvolvimento de diretrizes para o problema da maioridade penal. Uma boa parte da sociedade, pessoas que foram vítimas ou já vivenciaram de alguma maneira a criminalidade executada por menores, almeja hoje a redução da maioridade penal. Na elucidação de todas as hipóteses apresentadas à problemática do menor e sua inserção ao mundo do crime, que podem levá-lo a se tornar um maior criminoso, com satisfação há chances plausíveis á resolução do macro problema hoje existente. É interessante notar que há repúdio pela violência, contudo esquece-se de suas causas. A hipocrisia impede que aqueles que vivem em situação privilegiada somem esforços no intuito de tentarem balancear as inúmeras desigualdades existentes na sociedade. A violência instituída, pelos grandes grupos detentores do poder, opressores dos menos favorecidos, nem sempre é questionada. Contudo, qualquer delito praticado por um menor, logo é objeto de questionamento, visando à repressão imediata de tais atos. Deve-se, sobretudo, atacar as causas da violência, não se permitindo as práticas arcaicas de governo. Sabemos que os direitos sociais mínimos amparados pela Constituição Federal normalmente não estão sendo observados e ficamos estáticos diante das arbitrariedades cometidas. 10 Cerceando o direito das crianças, que não podem freqüentar a escola, permitindo o seu abandono à sua própria sorte, estaremos favorecendo a adoção da prática de maus tratos. E, certamente, estaremos contribuindo para o nascedouro de criminosos, que atormentarão a paz social, tanto em voga na atualidade. É hora de cortamos o mal pela raiz, de resolvermos o problema em sua base. O "mundo" Jurídico pode oferecer sua contribuição na resolução da questão do menor infrator. A inexistência de menores desprovidos de condições básicas contribuirá com o decréscimo dos números de criminosos na sociedade. A pesquisa foi dividida em oito capítulos. O primeiro faz uma introdução do tema. O Segundo, aborda o conceito de imputabilidade, seu fundamento e causas de exclusão. O terceiro procura-se demonstrar o menor infrator na legislação penal, como tudo começou, quais as mudanças que ocorreram até os dias de hoje. Fazendo assim um correlato do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, com as medidas sócio-educativas. O quarto é uma proposta de mudança do ECA, para se estruturar à questão da menoridade penal. O quinto faz uma análise detalhada, mas não exaustiva, sobre a redução da imputabilidade penal. O sexto tem o intuito de desfazer mentiras que são levantadas em torno da imputabilidade penal. O Sétimo procura soluções desapaixonadas para o problema. Por fim, no último capítulo passaremos às considerações finais. A metodologia utilizada para desenvolver este trabalho monográfico é bibliográfica, com base em livros, artigos, revistas jurídicas, monografias, periódicos bem como artigos publicados em mídia eletrônica que abordem a inimputabilidade do menor infrator. O propósito desse trabalho é fazer uma reflexão sobre a problemática da Inimputabilidade do Menor Infrator relatando opiniões jurídicas para verificar a existência de soluções numa visão jurídica. 2 IMPUTABILIDADE 2.1 CONCEITO Damásio E. de Jesus, ao conceituar imputablilidade, usa as palavras de Aníbal Bruno que como propriedade assim a definiu: Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade penal de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente Imputada a pratica de um fato punível. (JESUS, 1995, p 418) No Código Penal brasileiro o conceito de sujeito imputável é encontrado, a contrario sensu, no art. 26, caput, que trata da inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar- se de acordo com esse entendimento. Inimputável é, então, o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui, ao tempo da prática do fato, capacidade de entender o seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. A imputabilidade contém um juízo sobre a capacidade geral do autor. Não se trata de uma valoração específica, que a tornaria psicológica. Como diz Welzel citado por Jesus (1995, p. 418): “a capacidade concreta de culpabilidade não é suscetível de percepção, sobretudo por terceiras pessoas, uma vez que não pode ser objeto de conhecimento teórico”. 12 Nos termos do art. 26, caput, do CP, que fornece, a contrario sensu, o conceito de imputabilidade, não é imputável o agente que, no momento do fato, em conseqüência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Note-se que a norma não fala que o sujeito não compreendeu o caráter ilícito do fato; uma vez que assim dissesse, estaria determinando uma apreciação concreta e psicológica. Distinguem-se, pois, capacidade intelectiva e volitiva (imputabilidade) e consciência da ilicitude. Trata-se, dessa forma, de um puro juízo de valor a respeito da capacidade de culpabilidade. 2.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE A imputabilidade não se confunde com a responsabilidade penal, que corresponde às conseqüências jurídicas oriundas da prática de uma infração. Responsabilidade, ensinava Magalhães Noronha, é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo. (JESUS, 1995, p. 419) 2.3 FUNDAMENTO DA IMPUTABILIDADE De acordo com a teoria da imputabilidade moral, o homem é ser inteligentee livre e por isso responsável pelos atos praticados. Inversamente, quem não tem esses atributos é inimputável. Sendo livre, tem condições de escolher entre o bem e o mal. Escolhendo uma conduta que lesa interesses jurídicos alheios, deve sofrer as conseqüências de seu comportamento. 13 A concepção dominante na doutrina e nas legislações vê a imputabilidade na capacidade de entender e de querer. A capacidade de entender o caráter criminoso do fato não significa a exigência de o agente ter consciência de que sua conduta se encontra descrita em lei como infração. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica. A imputabilidade deve existir no momento da prática da infração. Daí dizer o art. 26, caput, ao, tratar de causas de exclusão da imputabilidade, que a deficiência deve existir “ao tempo da ação ou da omissão" 2.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE Fernando Díaz Paios, assim define imputabilidade: Inimputabilidade é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa apreciação. Se a imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão de idade, não alcançou determinado grau de desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em concreto uma circunstância que a exclui. Fala-se, então, em inimputabilidade. (JESUS, 419) Segundo Jesus (1995, p. 420) a imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção. Todo indivíduo é imputável, salvo quando ocorre uma causa de exclusão. As causas de exclusão da imputabilidade são as seguintes: a) doença mental; b) desenvolvimento mental incompleto; c) desenvolvimento mental retardado; d) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. Excluem, por conseqüência, a culpabilidade. As três primeiras causas se encontram no art. 26, caput; a quarta, no art. 28, § 1º. 14 O art. 27 afirma que os menores de 18 anos de idade são "penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial" (Estatuto da Criança e do Adolescente e leis complementares). A menoridade penal também constitui causa de exclusão da imputabilidade, encontrando-se abrangida pela expressão "desenvolvimento mental incompleto" (art. 26, caput). É insuficiente que o agente seja portador de doença mental, desenvolvimento mental incompleto (salvo o caso da menoridade) ou retardado, ou que pratique o fato em estado de ebriez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. É necessário que em decorrência dessas deficiências não tenha a capacidade de entender e de querer. A presença da causa (doença mental, p. ex.) e do efeito (incapacidade de entender e de querer) é que faz surgir a inimputabilidade. 2.5 “ACTIO LIBERA IN CAUSA” A imputabilidade deve existir ao tempo da prática do fato (ação ou omissão), de modo que não cabe uma imputabilidade subseqüente. Se o agente, p. ex., praticou o fato ao tempo em que não tinha capacidade de compreensão e de determinação por causa de uma doença mental, não será considerado imputável se após a ocorrência readquirir a normalidade psíquica. É possível também o caso de a doença mental sobrevir à prática da conduta punível. Neste caso, o agente não será considerado inimputável, suspendendo-se a ação penal até que se restabeleça. CPP, art. 152: "Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça". Pode ocorrer o caso de o agente colocar-se propositadamente em situação de inimputabilidade para a realização da conduta punível. É célebre a hipótese do sujeito que se embriaga voluntariamente para cometer o crime, encontrando-se em estado de inimputabilidade no momento de sua execução (ação ou omissão). A doutrina se refere também ao fato do guarda-chaves que, pretendendo causar um desastre ferroviário, embriaga-se e, no momento da passagem do trem, devido ao estado de inconsciência, deixa de combinar os binários. Surge a questão das actiones liberae in causa, sive ad libertatem relatae (ações livres em sua causa, i. e., relacionadas com a liberdade), ou simplesmente 15 actio libera in causa. São casos de conduta livremente desejada, mas cometida no instante em que o sujeito se encontra em estado de inimputabilidade, i. e., no momento da prática do fato o agente não possui capacidade de querer e entender. Houve liberdade originária, mas não liberdade atual (instante do cometimento do fato). Segundo Roberto Lyra: O termo actio indica a conduta (ação ou omissão); libera expressa o ele- mento subjetivo do sujeito; in causa, a conduta anterior determinadora das condições para a produção do resultado. As duas expressões juntas, libera in causa, entendendo-se por actio a execução e o resultado, indicam a existência de um prius, consistente era conduta dominada pela vontade livre e consciente, em face de um posterius, não mais regido por ela. Sive ad libertatem relatae expressa o conceito da derivação subjetiva da actio da vontade antecedente livre e consciente (JESUS, 1995, p. 423). As ações livres em sua causa podem ser ativas ou omissivas, dolosas ou culposas. Na maioria das vezes a conduta é omissiva e culposa. Ex.: o guarda- chaves culposamente se embriaga e deixa de combinar os binários, produzindo um desastre ferroviário. A teoria da actio libera in causa remonta a Aristóteles. Na Magna Moral, ele assim se expressava: Sempre que por ignorância se pratica um delito, o sujeito não se conduz voluntariamente, a não ser que aquele que o cometa seja causa da ignorância, como acontece com os ébrios, os quais causam danos ou injúria, sendo causa da ignorância. (JESUS, p. 422) A conseqüência seria o ébrio responder somente pela embriaguez e não pelo crime. Entretanto, Aristóteles, socorrendo-se da Lei de Pítaco, afirmava que deveria sofrer duas penas, referentes à maldade cometida e a ebriez. (JESUS, p. 422). Damásio E. de Jesus assim define a origem da actiones liberae in causa: Santo Agostinho dizia que Ló não havia cometido pecado ao praticar incesto com suas filhas, pois ignorava o parentesco no momento do ato carnal, mas 16 sim ao embriagar-se, causa de seu comportamento. No Direito Romano, a embriaguez era considerada ímpeto intermediário entre o dolo e o caso fortuito, estabelecendo uma penalidade benigna. O Direito Canônico não castigava o delito cometido em estado de embriaguez, mas a ebriez em si mesma. Foram os práticos italianos, segundo informa Fernando Díaz Palos, que conceberam retamente as actiones liberae in causa. Assim, Bonifácio de Vitalinis sentenciou que o ébrio não deveria ser castigado em face da prática de um crime, salvo o caso de ebriez voluntária. Farinaccio afirmou que não deveria sofrer sanção o sujeito autor de um delito em estado de ebriez, em que não há ioio nem culpa; mas, se o sujeito sabe que costuma praticar delitos quando embriagado e não se abstém, vindo a cometê-los, deve sofrer pena. Durante os séculos XVII e XVIII os juristas limitaram-se a reproduzir as idéias dos doutrinadores italianos. Posteriormente, Carrara admitiu a plena imputabilidade do sujeito em re- lação à embriaguez preordenada, pois o agente aparece como instrumento inimputável para a prática do crime. Após, surgiram as idéias de Pessina, Manzini e Maggiore. A teoria apareceu no Código Rocco (art. 87) que, após dizer que a impu- tabilidade deve existir no momento da prática do fato, afirma que esse princípio não tem aplicação a quem se coloca em estado de incapacidade de entender ou de querer com o fim de cometer a infração ou de prepararuma escusa. (JESUS, 1965, p. 422) No início, como se viu, os autores só cuidavam da teoria em relação à em- briaguez preordenada, i. e., com o fato de o agente embriagar-se para a prática do delito. Modernamente, estende-se a todos os casos em que o sujeito se coloca em estado de inimputabilidade para cometer o delito, seja doloso ou culposo. Na actio libera in causa a conduta se apresenta com dois atos: a) ato livre; b) ato (em sentido amplo) não livre. É uma conduta em dois graus. Ex.: o guarda ingere um narcótico para dormir enquanto ladrões praticam um furto. No primeiro grau, o sujeito é livre na resolução. No segundo grau, a conduta do agente, no caso o guarda, não é livre, uma vez que se encontra em estado de inimputabilidade (omissão dolosa). Ele responde pelo crime de furto. Damásio E. de Jesus (1965, p. 423) citando Aníbal Bruno relata que alguns autores afirmam que é suficiente que a imputabilidade, o dolo e a culpa existam num dos momentos do iter criminis e que isso ocorre na actio libera in causa, uma vez que a ação de colocar-se em estado de inimputabilidade já constitui ato de execução da conduta punível. De observar-se, porém, que o ato de colocar-se o agente em estado de inconsciência, p. ex., não constitui ato executório do crime, tratando-se de 17 ato preparatório. Tanto é assim, que, se após o primeiro ato (livre) nada ocorrer, não haverá sequer tentativa. Para que o sujeito responda pelo crime, aplicando-se a teoria que estamos analisando, é preciso que na fase livre (resolução) esteja presente o elemento dolo ou culpa ligado ao resultado. Não é suficiente que se tenha colocado vo- luntariamente em estado de inimputabilidade, exigindo-se que tenha querido ou assumido o risco de produzir o resultado (dolo), ou que este seja previsível (culpa). 2.6 A INIMPUTABILIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA A inimputabilidade penal recebeu tratamento constitucional, pela primeira vez, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Anteriormente, a matéria era tratada somente pela legislação penal. O artigo 228 refere que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas de legislação especial. Todavia, a possibilidade de redução da idade de imputabilização penal do indivíduo vem sendo muito debatida nos meios sociais e jurídicos do país, há uma hipótese que se houvesse redução da idade de responsabilização penal, também diminuiria a criminalidade existente entre os jovens. Para Liberati, Toda vez que se fala em inimputabilidade abaixo dos 18 (dezoito) anos de idade, reacende-se uma polêmica, dividindo opiniões. Salientam uns que deve ser reduzida para 16 (dezesseis) anos, em virtude da conquista dos direitos políticos de votar; outros entendem que deve ser mantida a irresponsabilidade penal abaixo dos 18 (dezoito) anos, em virtude da não formação psíquica completa do jovem. (LIBERATI, 2000; p. 72-73) Os defensores da redução da imputabilidade penal entendem que para o enfrentamento da criminalidade e da própria violência proposta e realizada pelos jovens no Brasil, seria fundamental e necessário o rebaixamento da idade penal, justificando que a criminalidade crescente a cada dia, recruta maior número de adolescentes. Desse modo, a fim de dar efetiva satisfação às reivindicações sociais e, com o intuito de coibir a prática de delitos, bem como diminuir a criminalidade entre jovens é que se apregoa a redução da inimputabilidade penal, como meio de 18 inibição da violência praticada pelos adolescentes, os quais estarão sujeitos às penas previstas no Código Penal Brasileiro e poderão ser encarcerados junto às instituições prisionais comuns, onde permanecem detidos todos os tipos de delinqüentes, a partir, por exemplo, dos 16 anos de idade. O assunto chegou ao Congresso Nacional e vários projetos de Emendas à Constituição tramitam na Casa Legislativa com esse objetivo, ou seja, reduzir a idade de responsabilização penal do indivíduo para 16 ou até mesmo 14 anos de idade. As justificativas apresentadas são muitas, entre elas a conquista dos direitos políticos de votar aos 16 anos de idade e também vários países que defendem essa idade para a imputabilidade penal. Apesar de tudo isso, a Constituição Federal estabelece limites que devem ser observados quando da elaboração de emendas, sendo que determinadas matérias, previstas no artigo 60, parágrafo 4o da Carta Magna não podem ser objeto de deliberação por meio de emendas constitucionais. Tal previsão abrange os direitos e garantias individuais (Inc. IV), entre eles, a regra contida no artigo 228 da CF, ou seja, a inimputabilidade penal aos menores de 18 anos de idade. O art. 60, parágrafo 4o da Constituição Federal determina que para elaboração de emendas constitucionais seja observado o seguinte: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] VI - os direitos e garantias individuais. Tais direitos estão previstos no artigo 5o da Constituição Federal, mas, conforme determinação do parágrafo § 2o do mesmo artigo, os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Bastos e Martins ressaltam que: Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são eles apenas os que estão no artigo 5o, mas, como determina o § 2o do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e 19 outros que decorrem de implicitude inequívoca. (BASTOS; MARTINS,1999; p. 413). Apesar de a norma constitucional do artigo 228 encontrar-se no capítulo que se refere à Família, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso, trata-se, evidentemente, de um conjunto sistemático de normas protetoras, não havendo como negar a natureza analógica aos direitos e garantias individuais, previstos no Capítulo I da Carta Magna, ou seja, dos Direitos e Deveres individuais e coletivos e também no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Canotilho, citado por Koerner Júnior comenta que ao buscar o rebaixamento da idade de imputabilidade penal, embasado em um raciocínio predominantemente subjetivo a emenda proposta esbarra na proibição do art. 60, parágrafo 4o da Constituição Federal. Para Comparato, É nesse ponto que deve ser entendida a regra especial do art. 228. O menor de dezoito anos tem um direito fundamental - e, portanto, irrevogável - a não ser envolvido, como réu, em processos criminais de qualquer espécie, processos esses nos quais o respeito devido à sua condição de hipossuficiência é posta em causa. Ora, tratando-se como se trata, de um direito fundamental de natureza individual, a sua supressão, até mesmo por via de emenda constitucional, é expressamente vedada (art. 60, § 4o, IV). (COMPARATO, 2001; p. 71) Dessa forma, a proposta de emenda à Constituição que tiver por objetivo alterar o limite da idade de imputabilização penal, certamente afronta as regras constitucionais, bem como a normatividade internacional que estiver incorporada ao Estado brasileiro, que confere ao adolescente absoluta primazia e prioridade, na condição especial de sujeito de direito, dotado de plena dignidade. Para Piovesan a proposta de alteração da idade penal via Emenda constitucional, Além de violar cláusula pétrea, afronta parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, que o Estado brasileiro se comprometeu a cumprir (...) Por força do artigo 5o, parágrafo 2o da Constituição, os direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos direitos humanossomam-se aos direitos nacionais, reforçando-se a imperatividade jurídica dos comandos 20 constitucionais já mencionados, relativamente ao direito à proteção especial de adolescente. (PIOVISAN, 2001; p. 76-77). Gomes Neto compara a norma do artigo 228 com algumas cláusulas do artigo 5o da Constituição, Traçando um paralelo com a responsabilização especial do adolescente e sua inimputabilidade, temos que quando a Constituição Federal, no caput do artigo 228, afirma que as pessoas menores de 18 anos são inimputáveis, ela garante a toda a pessoa menor de 18 anos não responderá penalmente por seus atos contrários à lei. Sendo assim, o referido artigo encerra uma garantia de não-aplicação do direito penal, como por exemplo, as cláusulas de não-aplicação de pena de morte ou de prisão perpétua, são garantias de não-aplicação do direito penal máximo a todos, conseqüentemente, todas as cláusulas pétreas garantidas pelo artigo 60, da Constituição Federal. (GOMES NETO; 2001, p. 86). Além de ser considerada cláusula pétrea, não sendo possível sua alteração via Emenda Constitucional, a regra do artigo 228 esbarra em outro problema, caso se queira modificá-la. O Brasil faz parte da Convenção Internacional dos Direitos da Criança que considera inimputável o menor de 18 anos, sendo assim que o parágrafo 2o do artigo 5o da CF/881 estabelece que também serão considerados direitos e garantias individuais, aqueles estabelecidos em tratados e convenções internacionais em que o Brasil seja parte. Dessa maneira, segundo Couto Terra, [...] é vedado ao Estado brasileiro tomar qualquer iniciativa que venha a tornar ineficaz ou contrariar qualquer dispositivo da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, entre nós, por força do parágrafo 2o do artigo 5o, tem status de norma constitucional. Isso porque a Carta Magna de 1988, na esteira de outras constituições, passou a considerar as normas de tratados de direitos humanos como de hierarquia constitucional. (TERRA, 2001; p. 63-64). Com isso, enquanto o Brasil fizer parte das convenções internacionais que tratam dos direitos das crianças e adolescentes, pela regra da Constituição-i, prevista no parágrafo 2o do artigo 5o, que conferiu estrutura constitucional aos 21 direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, fica inviabilizada a possibilidade de alteração da idade penal mínima. 2.7 A CONSTRUÇÃO SOCIAL E TEÓRICA DA CRIANÇA NO IMAGINÁRIO JURÍDICO Sob a fundamentação do ponto de vista hoje do imaginário do jurista, a redução da maioridade penal tornou-se um impossível jurídico porque nem por emenda constitucional esse limite etário pode ser diminuído. Tem-se por certo que a inimputabilidade penal antes dos 18 anos é uma posição jurídica subjetiva, constituindo-se em núcleo essencial de um direito que veio a ser petrificado por força do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição. Trata-se, antes, de entendimento amplamente consagrado, reiteradamente manifestado e ultimamente com ênfase, em face da discussão atual que tem por objetivo reduzir a idade penal para 16 anos. O uso alarmista de ocorrências infracionais para inflar as teses criminalizadoras do comportamento de crianças e adolescentes, com o intuito de deslocar os institutos e procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente para o Código Penal, Souza Junior entende que realça uma vez mais que "a garantia do artigo 228 da Constituição, que expressamente estabelece a idade penal aos 18 anos, abriga uma cláusula pétrea, e qualquer atentado a ela constituirá fraude constitucional". (SOUZA JUNIOR, p. 104) Para Souza Junior (2001, p. 104) toda esta construção permite alicerçar o raciocínio em torno do caráter de garantia fundamental da inimputabilidade do menor de 18 anos. Evidentemente, não há ingenuidade nessa postura hermenêutica que impeça reconhecer os fatores de atualização de enunciados normativos sob impulso de 22 transformações sociais e que se possam se acolher ao abrigo de mudanças consti- tuintes, sob pena dos assaltos corrosivos. A intocabilidade do núcleo essencial do direito à inimputabilidade penal antes dos 18 anos, por meio de revisão ou de emenda, ainda que reconheça que a subjetividade aí inscrita não pode ser a priori e definitivamente fixada. No sentido jurídico que se inscreve no imaginário constitucional, não só teoricamente, mas como consideração social de situação concreta do indivíduo historicamente datado e situado, a justificar a proteção de determinadas posições e relações jurídicas. É exatamente nesse ponto de interseção que se dá o processo de construção social das categorias criança e adolescente, no quadrante em que se formula o apelo de Oscar Vilhena Vieira, a partir do seu artigo citado: Melhor seria que os senhores legisladores assumissem parte da responsabilidade que lhes cabe pela miséria e barbárie a que estão submetidos nossos jovens, buscando agir deforma mais eficaz e moralmente legítima para a solução do vroblema do que atentando contra o futuro das novas gerações. (SOUZA JUNIOR, p. 105) A educadora paulista Maria Lúcia Prandi, coordenadora da Frente Parlamentar Estadual pelo Fim de Todo Tipo de Violência e Exploração contra Crianças e Adolescentes, em texto muito esclarecedor escrito para o Boletim "Juizes para a Democracia", publicação oficial da Associação Juizes para a Democracia, ano 5, ne 24, abril / junho 2001 - O Mito do Rebaixamento da Idade Penal - refere-se à criança e ao adolescente como expressões de um estágio do desenvolvimento do processo de vida, mas que se insere também numa realidade de criação social e de produção de sentido que permitem o desenvolvimento de uma identidade social positiva. Em outras palavras, a categoria criança é de algum modo uma criação social e histórica e não apenas um fato biológico. Não é o que apenas é, mas o que ela se torna em sua vida, realizando-se valorativamente, a partir das contradições que a constituem inicialmente. As mobilizações que se traduzem em propostas como as de redução de idade penal, encurtando o espaço valorativo da criança e da adolescência, se inscrevem nesse processo perverso. São, um atentado contra o futuro. Tanto mais quando se 23 camuflam em contrafação cultural, criando etiquetas despistadoras para acomodar consciências mal acomodadas nas práticas de solidariedade. A fabricação dos rótulos distintivos - menor, pivete, trombadinha, menino de rua - não absolve a responsabilidade social de quem se deixa levar por eles. Ao contrário, arma o agente do extermínio e se faz cúmplice da barbárie em conseqüência de uma razão indolente. 3 MAIORIDADE PENAL, O ECA E A RAZOABILIDADE 3.1 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO ECA O ECA, no seu art. 112, cuida da enumeração das medidas socioeducativas cabíveis contra adolescente que pratica ato infracional. No seu § 3º, diz: Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Gomes (2003, p. 22) entende que esse dispositivo legal não conta com clareza suficiente para alcançar situações em que o adolescente, cometendo crime violento e intencional, revela total insensibilidade frente à vida humana. Dois novos parágrafos, então, deveriam ser agregados ao citado art. 112, para disciplinar o seguinte: Gomes propõe a ementa fictícia da seguinte forma: § 4º Os adolescentes que, sendo responsabilizados pela morte intencional consumada ou tentada de alguma pessoa, revelarem grave desvio de personalidade, constatado em laudo pericial fundamentado, estarão sujeitosa tratamento individual, especializado e multidisciplinar. § 5º O tratamento previsto no parágrafo anterior terminará quando laudo médico, psicológico ou psiquiátrico, que deve ser renovado de ano em ano, ou quando houver determinação judicial, atestar a cessação do grave desvio de personalidade. (GOMES, 2003, p. 22) 3.1.1 Justificativa Segundo Gomes (2003, p. 22) a tese da redução da maioridade penal é incorreta e insensata. Para embasar sua opinião, informa-nos dados que revelam essa incorreção e insensatez: Embora conte com forte apoio popular – em recente pesquisa da Ordem dos Advogados do Brasil 89% dos entrevistados manifestaram 25 concordância com a tese da redução da maioridade penal para 16 anos –, o cientificamente correto é sua peremptória refutação, em razão, sobretudo, da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles só teria um significado: iríamos mais cedo prepará-los para integrarem o crime organizado. Aliás, os dois grupos que mais amedrontam hoje Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos estabelecimentos penais. (GOMES, 2003, p. 22) Portanto, se de um lado não parece dotada de sensatez essa postulação puramente vingativa, de outro lado, tampouco está claro no Estatuto da Criança e do Adolescente o tratamento que deve ser dado aos autores de crimes sanguinários, que revelam total desajuste comportamental e de personalidade. Uma coisa é a prática da ameaça ou mesmo do roubo desarmado, outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, em princípio, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida socioeducativa voltada para sua proteção e da sociedade também) pode ultrapassar três anos (ou sobrepujar a idade de 21 anos). 3.1.2 Casos de comoção popular Casos chocantes e aberrantes como o do menor Champinha (que confessou ter matado o casal de estudantes Liana e Felipe) não deveriam nunca conduzir a um perigoso e pouco amadurecido clamor popular (ou midiático), que, emocional ou mesmo desesperadamente, propugna pela adoção de medidas radicais e emergenciais, como se fosse imprevisível a violência juvenil. Ao contrário, momentos críticos e agudos exigem maior ponderação, mesmo porque o brasileiro já está exausto de medidas paliativas e pouco eficazes (como foi e é a lei dos crimes hediondos). Ninguém suporta o engano e a fraude de mais uma alteração legislativa que promete solução para todos nossos males econômicos e sociais, mas que, na verdade, nunca resolve nada. 26 3.1.3 Idéias equivocadas sobre as medidas socioeducativas do ECA Segundo Gomes (2003, p. 22), com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança, que foi subscrita por mais de 180 países (incluindo o Brasil), não há dúvida de que se transformou em consenso mundial a idade de 18 anos para a imputabilidade penal. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais. No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a idéia de que o menor não se sujeita a, praticamente, nenhuma medida repressiva. Isso não é correto. O ECA prevê incontáveis providências socioeducativas frente ao infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade, etc.). Até mesmo a internação é possível, embora regida (corretamente) pelos princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade do menor, quando se apresenta absolutamente necessária. De qualquer modo, tratando-se de menor absolutamente desajustado, que revela grave defeito de personalidade, inconciliável com a convivência social, não parece haver outro caminho senão o de colocá-lo em tratamento especializado, para sua recuperação. Nas palavras de Gomes (2003, p. 22) “não é preciso, evidentemente, chegar à solução do Direito Penal italiano, que admite a imputabilidade penal acima dos 14 anos, conforme se constate concretamente (em cada caso) que o menor tinha capacidade de querer e de entender (CP italiano, art. 97)”. Não parece aceitável, de outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos transferi-lo para os cárceres destinados aos adultos quando completa 18 anos. Não basta ademais, para se adotar medidas mais contundentes, a mera grave ameaça à pessoa (que faz parte da essência do roubo). Para isso, o ECA já prevê a internação. Moderação e equilíbrio é o que se espera de toda medida legislativa. Gomes (2003, p. 22), analisando o grau de periculosidade do menor, pondera que, o menor de idade que apresentar grave desvio de personalidade, em síntese, e que tenha causado a morte intencional e violenta de alguma pessoa, não parece haver outro caminho senão o do tratamento adequado, nos termos dos §§ 4º e 5º, como acima sugeridos, que deveriam ser agregados ao art. 112 do ECA. O 27 tratamento especializado e individualizado nesse caso, de outro lado, deveria durar até cessar a periculosidade. Com isso, o referido autor entende que, quando necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade. Essa proposta de alteração legislativa no ECA, de qualquer maneira, embora possa ser tida como razoável, não é de modo algum suficiente. Faltam investimentos que possam proporcionar ao jovem pautas de valores aceitáveis. Resta sempre saber até quando estamos dispostos a pagar com nossa vida a negligência de toda sociedade brasileira com o problema do "menor". 3.2 É PRECISO MUDAR O PSICOLÓGICO E NÃO O CRONOLÓGICO Pires (2003, p. 23) acredita que que, quando um menor chega a cometer um crime é porque, certamente, sua estrutura de personalidade já se encontra comprometida. Segundo a autora um adolescente pode cometer um crime, mas nem todos podem entender por que chegou a cometê-lo. Poeticamente define a trajetória dos sujeitos pelo que: A história de um indivíduo é uma trama complexa de acontecimentos que se ressignificam entre si. [...] Dizemos que a subjetividade se constrói a partir de uma experiência simbólica estabelecida nos primeiros momentos da relação mãe-bebê e deste com o mundo no decorrer da primeira infância. (PIRES, 2003, p. 23) Assim, a capacidade de discernimento que um adolescente pode ter sobre seus atos não está ligada, portanto, à cronologia, mas sim à sua subjetividade, ou melhor, à capacidade que ele tem (ou não) de ressignificar seus atos de modo a assumi-los como verdadeiros ou válidos e aceitáveis. Pires (2003, p. 23) acredita que a redução da maioridade penal não mudaria o comportamento dos jovens de 16 anos, pois não se trata de mudar o cronológico, mas o psicológico. 28 A redução da maioridade penal para a autora nada mais é do que uma situação “tapa buraco” para uma situação que se mostra muito mais complexa, no qual a solução estaria na chance de reabilitá-lo com trabalhos de cunho psicológico. A redução da maioridade penal não educaria o jovem, pois não solucionaria o problema. O importante é, justamente, dar uma chance a este jovem, de compreender o significado de seu ato e, tal fato só se dá mediante um trabalho psíquico que envolva a construção de um superego e, necessariamente, a busca de uma verdade individual. (PIRES, 2003, p. 23) 4 A IDADE DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS ADOLESCENTES A idade! Qual a idade? É aos 21 anos da idade de responsabilidade civil ou aos 18 anos da idade de responsabilidade criminalou aos 16 anos da idade de responsabilidade política? É a idade da razão ou a idade da emoção? É uma questão de gênero, tempo ou espaço? Maria Ignês Bierrenbach em texto publicado na Folha de S.Paulo, de 04/11/1993 e 05/03/1998 contesta as soluções mágicas para combater a violência e propõe o pleno exercício da cidadania para a inclusão dos adolescentes em conflito com a lei. Questiona, ainda, o papel dos operadores da Justiça que têm por obrigação legal a defesa dos direitos dos jovens, de acordo com os preceitos constitucionais e em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, tem prevalecido a concepção punitiva e segregadora, onde as idéias de rebaixamento da idade de responsabilidade penal surgem numa visão simplista e de forma recorrente, em detrimento da garantia dos direitos dos cidadãos adolescentes. Na visão de Bierrenbach a exacerbação da violência no atual momento brasileiro tem mobilizado corações e mentes. É altamente positivo o empenho da sociedade em colaborar, sem assistencialismo ou manipulações, mas, desejando contribuir efetivamente com os excluídos, sobretudo as crianças. A campanha contra a fome ganha um impulso e dimensão impensáveis num tempo não tão distante. Por outro lado, são extremamente preocupantes as soluções mágicas que também aparecem nessas ocasiões, visando a conter a onda de violência com mais violência. Nesse cenário insere-se a proposta de rebaixamento da idade de responsabilidade criminal dos jovens de 18 anos para 16 anos de idade, ou seja, quer-se diminuir a idade de inimputabilidade penal dos jovens brasileiros. Antes de mais nada é preciso esclarecer que os jovens infratores absolutamente não ficam impunes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê até mesmo a internação no prazo de até três anos, sem eufemismo, como privação de liberdade. Ocorre que o Estatuto considera o jovem como pessoa em desenvolvimento biopsicossocial, e como tal aposta no seu potencial, na sua criatividade, na sua capacidade de situar-se como trabalhador e cidadão na sua comunidade. 30 Assim sendo não o estigmatiza a priori, não o criminaliza, mas dá-lhe uma chance de ser atendido em condições especiais, talvez a primeira oportunidade que o jovem tenha na sua vida de miséria e opressão. Os jovens que chegam à internação, em sua maioria esmagadora, são procedentes das classes populares, o que significa que não tiveram nem saúde e educação, nem teto, nem pão. Prioritariamente, cometem delitos contra o patrimônio, furtos e roubos, sem violência contra a pessoa e, por vezes, nem deveriam estar internados, se houvesse condições de atendimento em meio aberto. Apenas um número restrito comete delitos considerados graves ou apresenta sérios comprometimentos afetivo-emocionais e precisa de internação em pequenas unidades com atendimento específico, tanto para preservar sua própria integridade física, como para prevenir reincidência. Segundo Bierrenbach a conquista do voto aos 16 anos e as propostas de obtenção de carteira de motorista também aos 16 anos são argumentos utilizados para justificar a criminalização aos 16 anos, numa pretensa coerência técnico- jurídica. Nos dois casos, ficam claras as restrições legais, ou seja, os cuidados necessários à garantia de direitos: 16 anos, o voto é uma faculdade e não um dever, assim como a habilitação para dirigir veículos exige o consentimento dos pais ou responsáveis. Não se pode admitir que uma faculdade concedida ao adolescente justifique uma comparação por falsa analogia, dando contornos de legalidade à já disseminada violência. Uma longa história de arbitrariedade e desmandos indica que não há as mínimas condições de garantia de direitos para os segmentos excluídos da sociedade. O arcabouço jurídico do país tem favorecido os ricos e os poderosos em detrimento dos pobres e do povo, sendo amplamente reconhecida a seletividade socioeconômica do sistema penal. As relações de subjugação são relações de controle e de dominação. Interessa a setores retrógrados que os jovens sejam forjados no mundo do crime e, posteriormente, sejam penalizados como respostas às pressões da sociedade que, preocupada com a segurança, desloca sua atenção dos problemas de fundo que permitem a exacerbação da violência. A inconsistência da tese propugnada torna-se absurda em função da falência do sistema penal e da sempre revelada superpopulação nos estabelecimentos 31 prisionais, engendrando freqüentes rebeliões e, na última década, agravada pelo fantasma da Aids, impossibilitando mínimas condições de recepção de uma população de jovens já tão vulnerável. É possível reconstruir a história da infância por meio do resgate dos mecanismos repressivo-assistenciais que a produzem. Contudo, em vez de repetirmos os equívocos do passado, vamos, juntos, elaborar um complexo e delicado processo de construção social do futuro da criança brasileira a partir do ECA, que, sem dúvida, é uma legislação que vem à frente da sociedade, mas serve de alavanca para as transformações que atendam as necessidades e interesses da consciência coletiva. Por último, é importante que o país - tão criticado no exterior em relação aos assassinatos de crianças e jovens - seja reconhecido por ter uma lei avançada na defesa de direitos, que responde às exigências das convenções internacionais, inclusive àquelas específicas para a prevenção da delinqüência, administração da Justiça e proteção dos jovens privados de liberdade. Em resumo, uma nação que acredita e aposta no potencial da nova geração, sem rótulos ou estigmas, simples- mente jovens brasileiros. Nas palavras de Bierrenbach, o tema volta à pauta no rastro do conservadorismo da sociedade, que não sabe como resolver seus problemas e opta sempre pelo encaminhamento mais simples: o rebaixamento da idade de imputabilidade penal dos jovens autores de infrações. A corda sempre rompe do lado dos mais fracos. É até compreensível que a sociedade assim pense, embalada na desinformação sobre o assunto, polêmico e complexo. O inadmissível é que autoridades ligadas ao tema, que têm obrigação de defender os direitos dos adolescentes, ajam de maneira totalmente descompromissada com eles, usando suas posições para divulgar idéias preconceituosas e mesquinhas, tratando-os como cidadãos de segunda classe. Há um reducionismo do problema. Prevalece a concepção punitiva, segregadora, como se jogar adolescentes nos cárceres resolvesse a exacerbação da violência na sociedade. Até nessa perspectiva se enganam - ou, mais grave, pretendem enganar. Não é com mais violência que vamos alcançar a paz. Argumentar que os jovens autores de infração penal podem ficar até três anos privados de liberdade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, não 32 interessa aos detratores do ECA, que querem jogar fora a criança com a água do banho. Não se sabe o que os incomoda mais: se a lei avançada, afinada com os preceitos internacionais de defesa de direitos e apontando rumos para uma civilização comprometida com suas crianças e seus jovens, ou o direito a ressocialização dos jovens infratores. O legislador inscreveu a idade de responsabilidade penal -18 anos - na Constituição para assegurar condições contra ataques que, vez por outra, ressurgem no bojo do autoritarismo e prever garantias contra os aventureiros de sempre, com suas receitas para, num passe de mágica, reformar a sociedade. Alega-se o direito à opinião - sem dúvida, intocável. Mas soa estranho que, em debates sobre a questão os juristas de ocasião se apeguem ao Código Penal, passando a falsa imagem de que ele rege a autoria do ato infracional dos adolescentes; na verdade, induz apenas à ideologia do controle e da repressão. Desconhecendo o ECA, pretendem negá-lo e inviabilizam sua aplicação, aqual têm o dever de fiscalizar. Mais grave: em detrimento dos direitos dos cidadãos adolescentes que deveriam garantir. No mínimo, estão deslocados, sobretudo em suas funções precípuas de defesa da sociedade, já que estamos numa democracia de direitos, arduamente conquistada. É estranho que os operadores da justiça não se embasem na lei para aplicar indiscriminadamente as medidas de internação, que, conforme determina a Carta, devem ter a excepcionalidade e a brevidade requeridas pela pessoa em desenvolvimento. Pode-se supor que não estejam preparados para lidar com as referências conceituais e práticas que orientam a questão. Segundo Bierrenbach, na França, quem lida com crianças e jovens passa por um curso de capacitação; sem ele, juízes, promotores, advogados, educadores não são considerados aptos. Para o exercício profissional, há que se conhecer e apreender o espírito da lei; perceber-se os sujeitos em situação de risco pessoal e social e suas circunstâncias, na realidade econômica, política e social do país. Quando vivemos num mundo globalizado, no qual se enfatiza a necessidade de desenvolvimento integral com base na educação, reduzir a idade de responsabilidade penal é crença equivocada no medievalismo da pena. É um gesto de reiterada exclusão das possibilidades de cidadania do jovem, de desestímulo ao exercício de direitos numa democracia ainda em construção. 5 A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL Submeter o jovem a um regime especial, diverso do Direito Penal comum, em maior ou menor escala, surgiu no século passado, apesar de essa idéia haver deixado um grande rastro na História. Em verdade, para determinar as conseqüências da prática de um crime, nunca foi irrelevante a idade do autor. Amaral (2003, p. 22) diz que a jamais a idade (que traduz o nível de uso da razão/discernimento) foi irrelevante na história da luta do homem contra o crime. Desde os obscuros tempos em que o Direito (acientífico ainda) Penal não passava de mera vingança e cujas reprimendas eram tão cruéis quanto ofensivas à construção (ao longo de séculos de muita luta sangrenta) do valor humano como algo transcendental e axiomático. Muitas legislações antigas e contemporâneas têm tratado a reação penal na faixa etária da criança (o infans, dos romanos) ao jovem- adulto com base no critério gradual (de 12 até 15 ou 16 anos e daí até 21 ou 23 anos) só medidas educativas naquela primeira etapa e com medidas de cunho repressivo/intimidatório, mas sempre acompanhadas de atenuantes em face da pouca idade do delinqüente. O Direito Penal, hoje, está inapto para resolver a crise de insegurança social (violência em geral e crime) que assola essa quadra histórica aqui e noutros países. Mas, no Brasil, essa crise conta com elementos, negativos adicionais. Amaral (2003, p. 22) expõe alguns dados nos seus estudos: a Unesco revela, numa pesquisa que é vergonhosa para o Brasil, que 50% dos brasileiros na faixa dos 15 anos estão abaixo ou no chamado nível 1 de alfabetização, marca estabelecida pela Unesco que classifica os estudantes que conseguem apenas lidar com tarefas muito básicas de leitura. Numa escala sobre níveis de compreensão de leitura englobando 41 países, o Brasil está quase no fim da fila: 37ª posição – à frente somente da Macedônia, da Albânia, da Indonésia e do Peru. Há muitos outros exemplos daqueles elementos negativos adicionais. Essa inaptidão ocorre, principalmente porque há sobre o Direito Penal uma excessiva sobrecarga, que o transformou em um instituto regulador de inúmeras condutas, às vezes de pouca gravidade. Amaral faz uma severa crítica ao modo o Direito penal é visto: 34 Hoje em dia todos os males se pretende resolver com o Direito Penal, até para lavar-se as mãos (as consciências falam alto: "já fiz a minha parte, agora é com o Poder Judiciário, MP, Polícia..."). Ora, essa deturpação banalizou e desgastou o sistema penal (e sobretudo o penitenciário, porque todos querem cadeias para todos os males). Esse desgaste tanto é físico (penitenciárias sem vagas), ideológico (descrença na força intimidatória genérica) e psicológico (intimida a poucos, ou só aos criminosos eventuais/passionais, aos criminosos por opção, os "profissionais" jamais se intimidam com a pena e até mesmo com a cadeia, como temos hoje). Isso não se dá tão-só pela incerteza da pena, senão também pela própria habitualidade/acomodação do delinqüente com o mal. (AMARAL, 2003, p. 25) Com efeito, o Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções. E dentro desse ordenamento penal há um setor que é (ou deveria ser) voltado para as condutas mais graves dentre as graves, são as normas reprimem/punem com cadeia. Assim, o Direito Penal deveria existir como última esfera do Direito em geral, utilizada apenas nos casos mais graves de desarmonia social. Mas como desencorajar/intimidar ou reprimir comportamentos maléficos à sociedade? Primeiro há de se recorrer a um padrão racional e inteligente de solução. Assim, é certo que a busca da extinção (ou redução tolerável) já no nascedouro do mal é o melhor caminho, ainda que a médio e longo prazos. Educação séria e comprometida com reversão do mal, centrada e distribuída nas áreas mais propícias à delinqüência. Oportunidade de ensino e trabalho (ensino profissionalizante) sobretudo para os que não chegarão às universidades. Essas atenções estatais, prioritárias e especiais, principalmente no plano municipal (que antes das guardas, das polícias, deveriam cuidar da comunidade mais carenciada, prevenindo a migração e a potencial perda de contribuintes). Todos os brasileiros moram em municípios (salvo a deturpação federativa do Estado/DF); ninguém mora nos Estados ou menos ainda na União. Assim a essas esferas políticas deveriam levar recursos (financeiros e de outra natureza) suficientes aos municípios, acompanhando de perto com a comunidade a execução e uso dos mesmos. O receituário do FMI em décadas em que foi ministrado quase matou o doente chamado Brasil e no que ele cresceu, cresceu mais para o proveito de seus credores externos e internos. Agora a doença generalizada exige 35 tratamento em UTI e fortes gastos com remédios eficazes. A delinqüência infanto- juvenil não é mais que manifestação dolorosa daquela doença (enorme debilidade social e insegurança pública previsível) que nos concedeu mais de três décadas para curá-la e nada fizemos, ou pouco fizemos, ou, pior ainda, nos enganamos e perdemos recursos em soluções-engodo. Amaral (2003, p. 26) faz uma ponte entre o Direito Penal e o Direito Administrativo como co-responsável pelas malezas públicas. Por outro lado, se faz necessário um melhor uso de outro ramo do Direito (relativamente novo e pouco ou incorretamente utilizado) o Direito Administrativo, que não é apenas um Direito da Administração. É também o conjunto de normas jurídicas pertencentes ao Direito Público, que tem por finalidade disciplinar e harmonizar as relações das entidades e órgãos públicos entre si, e desses com os agentes públicos e com os administrados. Direito Administrativo e Direito Penal se aproximam no aspecto de ambos aplicarem sanções em virtude de ilícitos. Todavia, o Direito Administrativo pode e deve exercer forte influência no controle de comportamentos anti-sociais. Se mais não for, pelo menos o Direito Administrativo deveria, entre nós, ser o Direito da excelência nas ações estatais, ele poderia exigir e sancionar a falta de resultados na ação do administrador público. O princípio da economicidade (eficiênciaproporcional ao gasto público) aplicado às Febens, às penitenciárias, mas, sobretudo e antes de tudo, às escolas públicas, aos programas sociais, aos governantes, certamente teriam mais eficácia que muitas das soluções- engodo implantadas, anunciadas ou discutidas. Há um grave e caro ilícito administrativo nessas ações estatais (municipais, estaduais e federais) ineficazes. (AMARAL, p. 26) Como bem se pode perceber, antes da redução da maioridade penal, até por dever de consciência, por razões de simples inteligência e bom senso, ou ainda por razoável (apenas razoável) senso de racionalidade temos algumas premissas. 6 DESFAZENDO "VERDADES" ENGANOSAS 6.1 DISCERNIMENTO DE MUNDO X INIMPUTABILIDADE DO MENOR Não procede a alegação de que o adolescente de hoje recebe maior carga de informações do que o adolescente do início do século passado e, portanto, tem mais discernimento do que aquele. Se há, de fato, mais informações hoje, elas são mais quantitativas que qualitativas, ou seja, o jovem é mais bombardeado por informações mais deletérias que educativas e isso se verifica até no interior das escolas. A televisão e o computador têm sido veículos mais de malefícios que benefícios às nossas crianças e adolescentes, e são as principais companhias desses seres em formação. A família de hoje, por outro lado, tem sido mais pródiga em alienação e abandono (sentimental, intelectual, material) às crianças e adolescentes. Ao contrário do que muita gente diz, o adolescente brasileiro, como de resto a maioria da nossa população, tem sido alvo de um sistema econômico que está vitimando a todos e mais aos pobres e desvalidos. Nossa migração que já era assustadora no plano interno (interior/grandes cidades) agora comove porque é êxodo do solo pátrio, que termina no desespero da prostituição, da exploração degradante e da morte. A educação não é de qualidade e o sistema de saúde está totalmente falido. Nas palavras de Amaral Não há emprego para os pais e sequer perspectivas para o adolescente, que não consegue enxergar além da exclusão a que está submetido com sua família, e da conduta reprovável e "reforçadora" de certas elites de nossa sociedade. Que Brasil é esse? Não é, por certo, o dos brasileiros! (AMARAL, 2003, p. 25) Conhecer o mundo é próprio das novas gerações, no entanto, isso não significa que o Código Penal deva apertar mais a mão contra essas novas gerações, privilegiadas pela disseminação da informação, mas ainda vítimas do sistema. 37 6. 2 VOTO X ININMPUTABILIDADE DO MENOR É má-fé ou desinformação o que se prega quanto ao fato do direito de voto do adolescente ser justificativa para a responsabilidade penal. São, pois, temas completamente díspares e com exigências psíquicas bem diferentes. O voto aos 16 anos não é obrigatório e não dá direito de ser votado. Depois, em várias civilizações, o voto é ou foi deferido a quem tem meios econômicos, a quem distingue a mão direita da esquerda. Trata-se apenas e tão-somente de uma prática incentivadora e aceleradora da cidadania ativa, jamais demonstração de maturidade suficiente para a imputabilidade penal. Essa imputabilidade exige, no mínimo, o uso da razão e a culpabilidade que sempre é suportada por todos os que têm parcela de culpa no fato criminoso (e o Estado/sociedade também dividem essa culpa como é o caso da atenuação para os jovens delinqüentes, isso sempre foi uma lógica moral). 6.3 POBREZA X INIMPUTABILIDADE DO MENOR Não é verdadeira a lógica do argumento de que a situação econômico-social seja determinante da delinqüência, já que jovens ricos e bem posicionados na sociedade também delinqüem; ora essa delinqüência é ocasional, é tópica, e sempre bem explicada com base no abandono sentimental, educacional (uma vez que a escola, mesmo particular, hoje, pouco ensina e menos ainda educa) e moral a que muitas crianças e jovens da classe alta estão submetidos. Ao contrário do que se diz, os filhos de classe média e alta, quando praticam atos infracionais, também são vítimas do abandono praticado por seus pais, que, preocupados com a vida pessoal, esquecem-se dos filhos, não lhes dando a educação e os limites adequados. Há filhos felizes da pobreza e filhos infelizes da riqueza; essa, aliás, está mais próxima da infelicidade já por inúmeras razões. 38 6.4 SISTEMA PRISIONAL X IMPUTABILIDADE DO MENOR Dados informados por Amaral (2003, p. 27) dá nos conta de que, ao contrário do que se possa pensar, o sistema penal (que abrange o prisional) empurra os adultos ainda mais para a marginalidade, tendo reincidências de 40 a 70% após saírem da prisão. Amaral (2003, p. 27) conclui que, enquanto o ECA pode dar respostas adequadas quando aplicado corretamente, por exemplo, os programas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade de Joinville (SC), no ano de 1999, que tiveram índices de reincidência de apenas 7 e 5%, respectivamente (reincidência é a prática de outro ato infracional quando o adolescente já cumpriu medida socioeducativa). 6.5 ECA X INIPUTABILIDADE DO MENOR Analisando os tratados internacionais ao qual o Brasil aderiu, Amaral mostra- nos que o Brasil ainda está longe de conseguir sua meta de proteção à criança no plano internacional. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não foi ainda aplicado em sua parte nobre e social. Assim, o que se precisa fazer é dar eficácia social, cumprimento efetivo e pleno a essa lei, isso até para estarmos fiéis no concerto internacional às Regras de Beijing (1985/ONU) e da Convenção (1989/ONU) dos Direitos da Criança e do Adolescente (até 18 e excepcionalmente até 21 anos) que situam esse destinatário em situação privilegiada (porque uma criança/adolescente não é um adulto de calça curta), enquanto credor da tutela estatal, que vai desde a oferta de creche/educandários e pré-escolas, reforço pedagógico, escola, cultura, esporte, lazer, ações de saúde, desenvolvimento/envolvimento comunitário e implantação do binômio município/menor, para todas as crianças e adolescentes, e senão com boa qualidade, pelo menos, em níveis inicialmente razoáveis. 39 Há ainda o dever estatal e comunitário de implantação de programas de renda mínima, de combate à evasão escolar, à exploração sexual infanto-juvenil e exploração do trabalho infantil, bem como a implantação dos conselhos municipais de direitos da criança e do adolescente e dos conselhos tutelares. Só após essa básica rede de tutela e prevenção em geral é que se pode falar em reforma mais estrutural do ECA, cujas grandes deficiências são: mais direitos que deveres (isso, aliás, já é nossa tradição), gerando a sensação de imunidade aos deveres; a falta de previsão de meios e recursos para toda a rede necessária e prioritária de proteção e prevenção; e o eloqüente silêncio quanto à tão indispensável e oportuna tutela administrativa de menores, como instituto suplementar de assistência em geral e representação jurídica dos menores (cobrança judicial, inclusive e sobretudo contra o Estado) sem isso, o ECA acabou sendo mais uma promessa vazia da lei. Quiçá após o resgate dessa dívida legal (de mais de uma década) do Estado e da sociedade entre nós, possamos, então, pensar numa tão delicada e comprometedora, sob todos os aspectos, alteração da idade mínima para a imputabilidade penal. Com efeito, essa alteração exige máximo respaldo moral e técnico, sob pena de nos lançarmos, como civilização, numa lama de vingança pura e abjeta, e pior, vingança do mais poderoso sobre o mais fraco, como acontece no âmbito por aqui (onde o crime de abigeato era mais punido que o crime de fraude contra saúde pública, onde as cadeias pouco conhecem os muitoscriminosos ricos/poderosos). Assim, qualquer alteração na idade penal haverá de ser conjugada com uma nova concepção de unidade de reeducação de crianças e jovens, pois, caso contrário, estaremos varrendo a sujeira para debaixo do tapete. 7 SOLUÇÕES Aqui, uma vez mais, a inteligência é o grande instrumento da ciência, a poderosa alavanca com a qual o homem se torna senhor da realidade, subordinando-a a seus fins vitais. Ora, a redução da idade ou do momento, marco inicial para a justa e útil reação penal, milenarmente tem preocupado as mentes esclarecidas e justas no longo rastro da luta da humanidade contra as condutas anti- sociais. O tema não é daqueles que possa ser enfrentado com emocionalismo, com perda da razão de ser da punição penal (hoje cada vez mais útil que meramente vingativa ou intimidatória). Será que o ensino jurídico no Brasil está tão ruim que possa gerar mentes que acreditam que o Direito Penal possa servir, ainda, como meio de vingança? A redução da idade penal não fez diminuir a criminalidade nos poucos países em que foi adotada, assim como a pena de morte. É que o criminoso não age segundo essa lógica intimidatória, não o criminoso que nos assusta a todos, os "profissionais" do crime (criminoso por opção de vida), raramente o efeito intimidatório da pena, ainda que a mais cruel, interfere no ato ou momento irracional dos que cometem crime por deslizes eventuais ou passionais, daí a utilidade reduzidíssima da pena tão-só intimidatória. Se a mera punição de crianças e jovens fosse verdadeiramente fator de contenção ao crime, os Estados Unidos, que punem (em alguns Estados) menores de 18 anos, não seriam um exemplo de alta taxa de criminalidade entre os adolescentes. Também não haveria tantos crimes no interior das cadeias e Febens, se essa sanção fosse, de fato, utilmente intimidatória ou eficaz contra o crime. A redução da maioridade, em primeiro lugar, fere princípio consagrado no Direito brasileiro (e em países tidos como civilizados) de que o jovem é um ser em formação, diverso, pois, do adulto. Isso já estava, em maior ou menor grau, na base das preocupações seculares dos Direitos antigos. O adolescente pode e deve ser punido pelo que faz de errado, mas essa sanção precisa ter, predominante e efetivamente, um caráter educativo/ressocializante. Isso tem sido a lógica moral e social na história da humanidade. É absolutamente falso afirmar que o ECA não pune menores infratores; pune e não reeduca, o que é pior. Todavia deixará, em breve, de punir porque o sistema punitivo (do menor ou do adulto) não pode concorrer com a farta e forte estimulação criminogênica: os padrões culturais (éticos, 41 sociais e econômicos), entre nós (mais do que alhures), são fatores de crime. A nossa seleção de mérito parece só funcionar bem e tradicionalmente em nosso futebol. No resto, tudo vale mais que a ética e a virtude. O sistema punitivo é a última contenção social e só age como exceção à regra da boa formação ética e social de cada um e de todos, do contrário é sempre ineficaz qualquer aparato de repressão criminal sério e socialmente útil e não puramente vingativo (a bastilha um dia cai!). Enfim, pode-se repensar tudo no ECA desde que com isenção e racionalidade. Por isso, as mentes raivosas e movidas por emoções (compreensíveis ou não, de vítimas de crime ou só mesmo por formação iracunda) só podem turvar a situação delicada da delinqüência, sobretudo a infanto-juvenil. A maioria do povo a cada dia será mais a favor da pena de morte e da redução da maioridade penal porque apavorado com a criminalidade à sua porta, imagina e é influenciado (pelos falsos conhecedores e pela mídia que pouco sabe ou quer saber, em mor parte dela) ser isso uma solução justa e de boa eficácia social. Ora, a matéria não é tão técnica que exige uma boa dose de estudos para o povo ser utilmente consultado. Seria como perguntar ao povo se ele é a favor da fissão ou da fusão nuclear. O limite temporal (de três anos) da pena aplicável aos menores pode ser repensado, porém sempre atento ao infenso fenômeno da prisionização. Um critério escalonado para a sanção de menores: penas exclusivamente educativas/protetivas para a primeira faixa etária, e penas menos protetivas e mais repressivas para a segunda faixa (quiçá de 16 a 18 anos). Ou ainda o retorno, criticável, do critério do discernimento, em substituição ao cronológico, retrocesso já vergastado pelo grande Tobias Barreto (1884, p. 50) citado por Amaral (2003, p. 27), em face do art. 13 do velho Código Criminal do Império, de 1830. Mas reduzir a idade penal para se colocar um jovem num ambiente tão criminógeno quanto a cadeia é insana vingança. Ora, o caráter pedagógico da punição do menor delinqüente, no Brasil, raramente se verifica como determina a lei; aliás há pouca diferença entre as condições desumanas de nossos presídios e das unidades das Febens. Também seria mais correto que a simples redução da maioridade seguir-se o critério adotado em alguns países que analisam, no caso concreto, se o infrator, ao cometimento de um delito, poderia ter agido ou não com suficiente entendimento acerca do caráter criminoso dessa conduta, utilizando-se para tanto de uma gama de técnicas 42 interdisciplinares, envolvendo aspectos psicológicos, psiquiátricos, psicopedagógicos, sociológicos e jurídicos. A consciência, assim, fica mais tranqüila e os resultados práticos seriam menos criticáveis. Há alguns países que fixam a idade mínima de 12 anos para responder pelos delitos, desde que o indivíduo entenda o que fez (uso da razão), dado obtido através de uma análise ampla e criteriosa da pessoa do delinqüente. E assim poderá haver pessoas com a mesma idade cronológica, todavia com entendimento/discernimento diverso, o que desafia responsabilização também diferenciada. Usando-se o Direito comparado como base, Amaral demonstra através de seus estudos que: De um total de 57 legislações estrangeiras analisadas, apenas 17% adotam idade menor que 18 anos como critério para definição legal de adulto e, portanto, responsável penalmente. E entre as que não adotam tal critério, destacam-se: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granada. Destaque-se que a Alemanha e a Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal, e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos. Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais países são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática. Enquanto nos EUA e Inglaterra a juventude tem asseguradas condições mínimas de saúde, alimentação e educação, nos demais países (como no Brasil) isto está longe de acontecer. Nos países ditos desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. (AMARAL, 2003, p. 27) Amaral (2003, p. 27) vai além, ao dizer-nos que por outro lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil, este pressuposto é totalmente falso: em todo o País, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa concluíram o ensino fundamental. É imoral, assim, querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana – esquecendo-se da boa qualidade de vida que os jovens desfrutam há décadas naqueles países. Que nosso Estado e nossa sociedade assegurem primeiro as mesmas condições e depois, quiçá, terá alguma moral para cogitar de responsabilidade individual dos jovens e alterar a lei penal, punir e vingar-se daquele que abandonou à própria sorte. E não se argumente que
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