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Inimputabilidade do Menor Infrator

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE 
FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS- FADE 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
Jânia Lúcia Jeremias Venancio 
 
 
 
 
 
 
A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Governador Valadares/MG 
2009 
JÂNIA LÚCIA JEREMIAS VENANCIO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR 
 
Monografia para obtenção do grau de 
Bacharel em Direito apresentada à Faculdade 
de Direito, Ciências Administrativas e 
Econômicas da Universidade Vale do Rio 
Doce. 
 
Orientador: Fabriny Neves Guimarães 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Governador Valadares/MG 
2009
JÂNIA LÚCIA JEREMIAS VENANCIO 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INIMPUTABILIDADE DO MENOR INFRATOR 
 
Monografia para obtenção do grau de 
Bacharel em Direito apresentada à Faculdade 
de Direito, Ciências Administrativas e 
Econômicas da Universidade Vale do Rio 
Doce. 
 
 
 
Governador Valadares, 02 de dezembro de 2009. 
 
 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
 
__________________________________________ 
Prof. Fabriny Neves Guimarães.- Orientador 
Universidade do Vale do Rio Doce 
 
 
 
__________________________________________ 
Profª. Beatriz Dias Coelho 
Universidade do Vale do Rio Doce 
 
 
 
__________________________________________ 
Prof. Yuri Dias Miranda 
Universidade do Vale do Rio Doce 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esta monografia a todos que direta e 
indiretamente contribuíram para que o sonho 
da faculdade se tornasse realidade. À minha 
mãe que me incentivou e apoiou em todos os 
momentos, ao meu filho Arthur pela 
compreensão da minha ausência, aos meus 
irmãos de perto e de longe que sempre 
torceram pelo meu sucesso. 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
A Deus, por tudo que fez e tem feito em minha vida. 
 
À minha mãe, meu filho Arthur, irmãos, minha família que, com muito carinho e 
apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. 
 
Aos professores pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a 
conclusão desta monografia. 
 
Aos amigos e colegas pelo incentivo e pelo apoio constante. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Quando um menor chega a cometer um crime 
é porque, certamente, sua estrutura de 
personalidade já se encontra comprometida. 
Um adolescente pode cometer um crime, mas 
nem todos podem entender por que chegou a 
cometê-lo. 
 
A história de um indivíduo é uma trama 
complexa de acontecimentos que se 
ressignificam entre si”. 
 
Maria Fernanda S. Valois Pires 
 
RESUMO 
 
 
 
O presente trabalho visa a realização de um estudo científico abordando a 
inimputabilidade do menor infrator. É um tema copiosamente polêmico que envolve 
aspectos sociais e jurídicos. O propósito desse trabalho é fazer uma reflexão sobre a 
problemática da inimputabilidade do menor infrator relatando opiniões de 
doutrinadores para verificar a existência de soluções numa visão jurídica. Imputar é 
atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. A imputabilidade penal 
consiste no conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe 
ser juridicamente imputada a prática de um fato punível. Diante do aumento 
exacerbado da criminalidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, uma questão 
vem dividindo a opinião pública: a redução da maioridade penal. Constatou-se 
depois de um longo período de estudos que não existe um consenso entre juristas e 
doutrinadores no que tange a redução da maioridade penal. O Estatuto da Criança e 
do Adolescente possui medidas sócio-educativas suficientemente viáveis para ser 
aplicadas aos menores infratores. Basta que sejam aplicadas adequadamente 
conforme o desenvolvimento do menor dos 12 aos 18 anos incompletos. É 
necessário criar planos de ações e diretrizes para aplicar os direitos estabelecidos 
na Constituição Federal, pois reduzindo de 18 para 16 anos a maioridade penal só 
estaremos deslocando a violência e os problemas serão os mesmos. 
 
 
Palavras-chave: Ininputabilidade. Menor Infrator. ECA. Redução Da Maioridade. 
ABSTRACT 
 
 
 
This study aims to carry out a scientific study, addressing the following theme: "The 
Nonimputability of offenders." It is a controversial issue copiously involving the legal 
and social aspects. The purpose of this project is to reflect on the problems of 
Nonimputability of Minor Offenders reporting opinions of other legal and verify the 
existence of solutions in a legal view. According to the counselor Damasio E. Jesus: 
"Charging is to assign someone the responsibility for something. The criminal 
responsibility is the set of personal conditions that give the agent the ability to be 
legally attributed to the commission of a punishable act. "Given the exacerbated 
increase in crime, especially in large urban centers, one issue has divided public 
opinion: the reduction of criminal majority. It was after a long period of studies that 
there is a consensus among jurists and scholars with respect to lowering the criminal 
prosecution. The Statute on Children and Adolescents has social and educational 
measures sufficiently viable to be applied to juvenile offenders. Just to be properly 
applied as the development of the lesser of 12 to 18 years incomplete. You need to 
create action plans, guidelines, enforce the rights established in the Federal 
Constitution and that does not help reduce from 18 to 16 years of criminal 
responsibility. We will not be moving the violence and the problems are the same. 
 
 
Key-words: Impunity. Offenders. EGA. Reduction of the Majority. 
SUMARIO 
 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9 
2 IMPUTABILIDADE.................................................................................................11 
2.1 CONCEITO......................................................................................................11 
2.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE ..................................................12 
2.3 FUNDAMENTO DA IMPUTABILIDADE...........................................................12 
2.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE...........................................13 
2.5 “ACTIO LIBERA IN CAUSA”............................................................................14 
2.6 A INIMPUTABILIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA........................17 
2.7 A CONSTRUÇÃO SOCIAL E TEÓRICA DA CRIANÇA NO IMAGINÁRIO 
JURÍDICO..............................................................................................................21 
3 MAIORIDADE PENAL, O ECA E A RAZOABILIDADE ........................................24 
3.1 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO ECA..................................24 
3.1.1 Justificativa .............................................................................................24 
3.1.2 Casos de comoção popular ...................................................................25 
3.1.3 Idéias equivocadas sobre as medidas socioeducativas do ECA........26 
3.2 É PRECISO MUDAR O PSICOLÓGICO E NÃO O CRONOLÓGICO .............27 
4 A IDADE DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS ADOLESCENTES ...........29 
5 A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL.......................................................33 
6 DESFAZENDO "VERDADES" ENGANOSAS ......................................................36 
6.1 DISCERNIMENTO DE MUNDO X INIMPUTABILIDADEDO MENOR............36 
6. 2 VOTO X INIMPUTABILIDADE DO MENOR ...................................................37 
6.3 POBREZA X INIMPUTABILIDADE DO MENOR .............................................37 
6.4 SISTEMA PRISIONAL X IMPUTABILIDADE DO MENOR ..............................38 
6.5 ECA X INIPUTABILIDADE DO MENOR..........................................................38 
7 SOLUÇÕES ...........................................................................................................40 
8 CONCLUSÃO ........................................................................................................44 
REFERENCIAS.........................................................................................................46 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
O presente trabalho visa a realização de um estudo científico, abordando 
como tema "A Inimputabilidade do Menor Infrator". 
O tema, além de ser objeto de discussão em vários segmentos da sociedade, 
emerge na esfera jurídica como algo extremamente importante, tanto no que diz 
respeito aos direitos constitucionais da criança e do adolescente, quanto na 
segurança pública, direito de todos. 
A inimputalibidade do menor infrator é um tema copiosamente polêmico que 
envolve os aspectos sociais e jurídicos. Nos últimos tempos tem se falado muito na 
redução da maioridade penal, justificando-se pelo aumento de crimes ocorridos por 
menores. 
No Brasil, a precariedade e a superlotação dos presídios tornam-se difícil o 
desenvolvimento de diretrizes para o problema da maioridade penal. 
Uma boa parte da sociedade, pessoas que foram vítimas ou já vivenciaram de 
alguma maneira a criminalidade executada por menores, almeja hoje a redução da 
maioridade penal. 
Na elucidação de todas as hipóteses apresentadas à problemática do menor 
e sua inserção ao mundo do crime, que podem levá-lo a se tornar um maior 
criminoso, com satisfação há chances plausíveis á resolução do macro problema 
hoje existente. 
É interessante notar que há repúdio pela violência, contudo esquece-se de 
suas causas. A hipocrisia impede que aqueles que vivem em situação privilegiada 
somem esforços no intuito de tentarem balancear as inúmeras desigualdades 
existentes na sociedade. A violência instituída, pelos grandes grupos detentores do 
poder, opressores dos menos favorecidos, nem sempre é questionada. Contudo, 
qualquer delito praticado por um menor, logo é objeto de questionamento, visando à 
repressão imediata de tais atos. Deve-se, sobretudo, atacar as causas da violência, 
não se permitindo as práticas arcaicas de governo. 
Sabemos que os direitos sociais mínimos amparados pela Constituição 
Federal normalmente não estão sendo observados e ficamos estáticos diante das 
arbitrariedades cometidas. 
10 
 
Cerceando o direito das crianças, que não podem freqüentar a escola, 
permitindo o seu abandono à sua própria sorte, estaremos favorecendo a adoção da 
prática de maus tratos. 
E, certamente, estaremos contribuindo para o nascedouro de criminosos, que 
atormentarão a paz social, tanto em voga na atualidade. É hora de cortamos o mal 
pela raiz, de resolvermos o problema em sua base. 
O "mundo" Jurídico pode oferecer sua contribuição na resolução da questão 
do menor infrator. A inexistência de menores desprovidos de condições básicas 
contribuirá com o decréscimo dos números de criminosos na sociedade. 
A pesquisa foi dividida em oito capítulos. O primeiro faz uma introdução do 
tema. O Segundo, aborda o conceito de imputabilidade, seu fundamento e causas 
de exclusão. O terceiro procura-se demonstrar o menor infrator na legislação penal, 
como tudo começou, quais as mudanças que ocorreram até os dias de hoje. 
Fazendo assim um correlato do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, com 
as medidas sócio-educativas. O quarto é uma proposta de mudança do ECA, para 
se estruturar à questão da menoridade penal. O quinto faz uma análise detalhada, 
mas não exaustiva, sobre a redução da imputabilidade penal. O sexto tem o intuito 
de desfazer mentiras que são levantadas em torno da imputabilidade penal. O 
Sétimo procura soluções desapaixonadas para o problema. Por fim, no último 
capítulo passaremos às considerações finais. 
A metodologia utilizada para desenvolver este trabalho monográfico é 
bibliográfica, com base em livros, artigos, revistas jurídicas, monografias, periódicos 
bem como artigos publicados em mídia eletrônica que abordem a inimputabilidade 
do menor infrator. 
O propósito desse trabalho é fazer uma reflexão sobre a problemática da 
Inimputabilidade do Menor Infrator relatando opiniões jurídicas para verificar a 
existência de soluções numa visão jurídica. 
 
2 IMPUTABILIDADE 
 
 
2.1 CONCEITO 
 
 
Damásio E. de Jesus, ao conceituar imputablilidade, usa as palavras de 
Aníbal Bruno que como propriedade assim a definiu: 
 
 
Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade penal de alguma coisa. 
Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente 
capacidade para lhe ser juridicamente Imputada a pratica de um fato 
punível. (JESUS, 1995, p 418) 
 
 
No Código Penal brasileiro o conceito de sujeito imputável é encontrado, a 
contrario sensu, no art. 26, caput, que trata da inimputabilidade por doença mental 
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado: 
 
 
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento 
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento. 
 
 
Inimputável é, então, o agente que, por doença mental ou desenvolvimento 
mental incompleto ou retardado, não possui, ao tempo da prática do fato, 
capacidade de entender o seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com 
esse entendimento. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de 
entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse 
entendimento. 
A imputabilidade contém um juízo sobre a capacidade geral do autor. Não se 
trata de uma valoração específica, que a tornaria psicológica. Como diz Welzel 
citado por Jesus (1995, p. 418): “a capacidade concreta de culpabilidade não é 
suscetível de percepção, sobretudo por terceiras pessoas, uma vez que não pode 
ser objeto de conhecimento teórico”. 
12 
 
Nos termos do art. 26, caput, do CP, que fornece, a contrario sensu, o 
conceito de imputabilidade, não é imputável o agente que, no momento do fato, em 
conseqüência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou 
retardado, não possuía a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta ou de 
determinar-se de acordo com esse entendimento. Note-se que a norma não fala que 
o sujeito não compreendeu o caráter ilícito do fato; uma vez que assim dissesse, 
estaria determinando uma apreciação concreta e psicológica. Distinguem-se, pois, 
capacidade intelectiva e volitiva (imputabilidade) e consciência da ilicitude. Trata-se, 
dessa forma, de um puro juízo de valor a respeito da capacidade de culpabilidade. 
 
 
2.2 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE 
 
 
A imputabilidade não se confunde com a responsabilidade penal, que 
corresponde às conseqüências jurídicas oriundas da prática de uma infração. 
Responsabilidade, ensinava Magalhães Noronha, 
 
 
é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do 
crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele 
depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as 
conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a 
consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo. (JESUS, 1995, p. 
419) 
 
 
2.3 FUNDAMENTO DA IMPUTABILIDADE 
 
 
De acordo com a teoria da imputabilidade moral, o homem é ser inteligentee 
livre e por isso responsável pelos atos praticados. Inversamente, quem não tem 
esses atributos é inimputável. Sendo livre, tem condições de escolher entre o bem e 
o mal. Escolhendo uma conduta que lesa interesses jurídicos alheios, deve sofrer as 
conseqüências de seu comportamento. 
13 
 
A concepção dominante na doutrina e nas legislações vê a imputabilidade na 
capacidade de entender e de querer. A capacidade de entender o caráter criminoso 
do fato não significa a exigência de o agente ter consciência de que sua conduta se 
encontra descrita em lei como infração. Imputável é o sujeito mentalmente são e 
desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os 
mandamentos da ordem jurídica. 
A imputabilidade deve existir no momento da prática da infração. Daí dizer o 
art. 26, caput, ao, tratar de causas de exclusão da imputabilidade, que a deficiência 
deve existir “ao tempo da ação ou da omissão" 
 
 
2.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE 
 
 
Fernando Díaz Paios, assim define imputabilidade: 
 
 
Inimputabilidade é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou 
de determinar-se de acordo com essa apreciação. Se a imputabilidade 
consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque 
o indivíduo, por questão de idade, não alcançou determinado grau de 
desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em concreto uma 
circunstância que a exclui. Fala-se, então, em inimputabilidade. (JESUS, 
419) 
 
 
Segundo Jesus (1995, p. 420) a imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, 
a exceção. Todo indivíduo é imputável, salvo quando ocorre uma causa de exclusão. 
As causas de exclusão da imputabilidade são as seguintes: 
a) doença mental; 
b) desenvolvimento mental incompleto; 
c) desenvolvimento mental retardado; 
d) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. 
 Excluem, por conseqüência, a culpabilidade. 
As três primeiras causas se encontram no art. 26, caput; a quarta, no art. 28, 
§ 1º. 
14 
 
O art. 27 afirma que os menores de 18 anos de idade são "penalmente 
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial" 
(Estatuto da Criança e do Adolescente e leis complementares). A menoridade penal 
também constitui causa de exclusão da imputabilidade, encontrando-se abrangida 
pela expressão "desenvolvimento mental incompleto" (art. 26, caput). 
É insuficiente que o agente seja portador de doença mental, desenvolvimento 
mental incompleto (salvo o caso da menoridade) ou retardado, ou que pratique o 
fato em estado de ebriez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. É 
necessário que em decorrência dessas deficiências não tenha a capacidade de 
entender e de querer. A presença da causa (doença mental, p. ex.) e do efeito 
(incapacidade de entender e de querer) é que faz surgir a inimputabilidade. 
 
 
2.5 “ACTIO LIBERA IN CAUSA” 
 
 
A imputabilidade deve existir ao tempo da prática do fato (ação ou omissão), 
de modo que não cabe uma imputabilidade subseqüente. Se o agente, p. ex., 
praticou o fato ao tempo em que não tinha capacidade de compreensão e de 
determinação por causa de uma doença mental, não será considerado imputável se 
após a ocorrência readquirir a normalidade psíquica. É possível também o caso de a 
doença mental sobrevir à prática da conduta punível. Neste caso, o agente não será 
considerado inimputável, suspendendo-se a ação penal até que se restabeleça. 
CPP, art. 152: "Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o 
processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça". 
Pode ocorrer o caso de o agente colocar-se propositadamente em situação de 
inimputabilidade para a realização da conduta punível. É célebre a hipótese do 
sujeito que se embriaga voluntariamente para cometer o crime, encontrando-se em 
estado de inimputabilidade no momento de sua execução (ação ou omissão). A 
doutrina se refere também ao fato do guarda-chaves que, pretendendo causar um 
desastre ferroviário, embriaga-se e, no momento da passagem do trem, devido ao 
estado de inconsciência, deixa de combinar os binários. 
Surge a questão das actiones liberae in causa, sive ad libertatem relatae 
(ações livres em sua causa, i. e., relacionadas com a liberdade), ou simplesmente 
15 
 
actio libera in causa. São casos de conduta livremente desejada, mas cometida no 
instante em que o sujeito se encontra em estado de inimputabilidade, i. e., no 
momento da prática do fato o agente não possui capacidade de querer e entender. 
Houve liberdade originária, mas não liberdade atual (instante do cometimento do 
fato). 
Segundo Roberto Lyra: 
 
 
O termo actio indica a conduta (ação ou omissão); libera expressa o ele-
mento subjetivo do sujeito; in causa, a conduta anterior determinadora das 
condições para a produção do resultado. As duas expressões juntas, libera 
in causa, entendendo-se por actio a execução e o resultado, indicam a 
existência de um prius, consistente era conduta dominada pela vontade livre 
e consciente, em face de um posterius, não mais regido por ela. Sive ad 
libertatem relatae expressa o conceito da derivação subjetiva da actio da 
vontade antecedente livre e consciente (JESUS, 1995, p. 423). 
 
 
As ações livres em sua causa podem ser ativas ou omissivas, dolosas ou 
culposas. Na maioria das vezes a conduta é omissiva e culposa. Ex.: o guarda-
chaves culposamente se embriaga e deixa de combinar os binários, produzindo um 
desastre ferroviário. 
A teoria da actio libera in causa remonta a Aristóteles. Na Magna Moral, ele 
assim se expressava: 
 
 
Sempre que por ignorância se pratica um delito, o sujeito não se conduz 
voluntariamente, a não ser que aquele que o cometa seja causa da 
ignorância, como acontece com os ébrios, os quais causam danos ou 
injúria, sendo causa da ignorância. (JESUS, p. 422) 
 
 
A conseqüência seria o ébrio responder somente pela embriaguez e não pelo 
crime. Entretanto, Aristóteles, socorrendo-se da Lei de Pítaco, afirmava que deveria 
sofrer duas penas, referentes à maldade cometida e a ebriez. (JESUS, p. 422). 
Damásio E. de Jesus assim define a origem da actiones liberae in causa: 
 
 
Santo Agostinho dizia que Ló não havia cometido pecado ao praticar incesto 
com suas filhas, pois ignorava o parentesco no momento do ato carnal, mas 
16 
 
sim ao embriagar-se, causa de seu comportamento. 
No Direito Romano, a embriaguez era considerada ímpeto intermediário 
entre o dolo e o caso fortuito, estabelecendo uma penalidade benigna. O 
Direito Canônico não castigava o delito cometido em estado de embriaguez, 
mas a ebriez em si mesma. 
Foram os práticos italianos, segundo informa Fernando Díaz Palos, que 
conceberam retamente as actiones liberae in causa. Assim, Bonifácio de 
Vitalinis sentenciou que o ébrio não deveria ser castigado em face da 
prática de um crime, salvo o caso de ebriez voluntária. Farinaccio afirmou 
que não deveria sofrer sanção o sujeito autor de um delito em estado de 
ebriez, em que não há ioio nem culpa; mas, se o sujeito sabe que costuma 
praticar delitos quando embriagado e não se abstém, vindo a cometê-los, 
deve sofrer pena. 
Durante os séculos XVII e XVIII os juristas limitaram-se a reproduzir as 
idéias dos doutrinadores italianos. 
Posteriormente, Carrara admitiu a plena imputabilidade do sujeito em re-
lação à embriaguez preordenada, pois o agente aparece como instrumento 
inimputável para a prática do crime. Após, surgiram as idéias de Pessina, 
Manzini e Maggiore. 
A teoria apareceu no Código Rocco (art. 87) que, após dizer que a impu-
tabilidade deve existir no momento da prática do fato, afirma que esse 
princípio não tem aplicação a quem se coloca em estado de incapacidade 
de entender ou de querer com o fim de cometer a infração ou de prepararuma escusa. (JESUS, 1965, p. 422) 
 
 
No início, como se viu, os autores só cuidavam da teoria em relação à em-
briaguez preordenada, i. e., com o fato de o agente embriagar-se para a prática do 
delito. Modernamente, estende-se a todos os casos em que o sujeito se coloca em 
estado de inimputabilidade para cometer o delito, seja doloso ou culposo. 
Na actio libera in causa a conduta se apresenta com dois atos: 
a) ato livre; 
b) ato (em sentido amplo) não livre. 
É uma conduta em dois graus. Ex.: o guarda ingere um narcótico para dormir 
enquanto ladrões praticam um furto. No primeiro grau, o sujeito é livre na resolução. 
No segundo grau, a conduta do agente, no caso o guarda, não é livre, uma vez que 
se encontra em estado de inimputabilidade (omissão dolosa). Ele responde pelo 
crime de furto. 
Damásio E. de Jesus (1965, p. 423) citando Aníbal Bruno relata que alguns 
autores afirmam que é suficiente que a imputabilidade, o dolo e a culpa existam num 
dos momentos do iter criminis e que isso ocorre na actio libera in causa, uma vez 
que a ação de colocar-se em estado de inimputabilidade já constitui ato de execução 
da conduta punível. De observar-se, porém, que o ato de colocar-se o agente em 
estado de inconsciência, p. ex., não constitui ato executório do crime, tratando-se de 
17 
 
ato preparatório. Tanto é assim, que, se após o primeiro ato (livre) nada ocorrer, não 
haverá sequer tentativa. 
Para que o sujeito responda pelo crime, aplicando-se a teoria que estamos 
analisando, é preciso que na fase livre (resolução) esteja presente o elemento dolo 
ou culpa ligado ao resultado. Não é suficiente que se tenha colocado vo-
luntariamente em estado de inimputabilidade, exigindo-se que tenha querido ou 
assumido o risco de produzir o resultado (dolo), ou que este seja previsível (culpa). 
 
 
2.6 A INIMPUTABILIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA 
 
 
A inimputabilidade penal recebeu tratamento constitucional, pela primeira 
vez, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Anteriormente, a matéria 
era tratada somente pela legislação penal. O artigo 228 refere que são penalmente 
inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas de legislação especial. 
Todavia, a possibilidade de redução da idade de imputabilização penal do indivíduo 
vem sendo muito debatida nos meios sociais e jurídicos do país, há uma hipótese 
que se houvesse redução da idade de responsabilização penal, também diminuiria a 
criminalidade existente entre os jovens. 
Para Liberati, 
 
 
Toda vez que se fala em inimputabilidade abaixo dos 18 (dezoito) anos de 
idade, reacende-se uma polêmica, dividindo opiniões. Salientam uns que 
deve ser reduzida para 16 (dezesseis) anos, em virtude da conquista dos 
direitos políticos de votar; outros entendem que deve ser mantida a 
irresponsabilidade penal abaixo dos 18 (dezoito) anos, em virtude da não 
formação psíquica completa do jovem. (LIBERATI, 2000; p. 72-73) 
 
 
Os defensores da redução da imputabilidade penal entendem que para o 
enfrentamento da criminalidade e da própria violência proposta e realizada pelos 
jovens no Brasil, seria fundamental e necessário o rebaixamento da idade penal, 
justificando que a criminalidade crescente a cada dia, recruta maior número de 
adolescentes. Desse modo, a fim de dar efetiva satisfação às reivindicações sociais 
e, com o intuito de coibir a prática de delitos, bem como diminuir a criminalidade 
entre jovens é que se apregoa a redução da inimputabilidade penal, como meio de 
18 
 
inibição da violência praticada pelos adolescentes, os quais estarão sujeitos às 
penas previstas no Código Penal Brasileiro e poderão ser encarcerados junto às 
instituições prisionais comuns, onde permanecem detidos todos os tipos de 
delinqüentes, a partir, por exemplo, dos 16 anos de idade. 
O assunto chegou ao Congresso Nacional e vários projetos de Emendas à 
Constituição tramitam na Casa Legislativa com esse objetivo, ou seja, reduzir a 
idade de responsabilização penal do indivíduo para 16 ou até mesmo 14 anos de 
idade. As justificativas apresentadas são muitas, entre elas a conquista dos direitos 
políticos de votar aos 16 anos de idade e também vários países que defendem essa 
idade para a imputabilidade penal. 
Apesar de tudo isso, a Constituição Federal estabelece limites que devem 
ser observados quando da elaboração de emendas, sendo que determinadas 
matérias, previstas no artigo 60, parágrafo 4o da Carta Magna não podem ser objeto 
de deliberação por meio de emendas constitucionais. Tal previsão abrange os 
direitos e garantias individuais (Inc. IV), entre eles, a regra contida no artigo 228 da 
CF, ou seja, a inimputabilidade penal aos menores de 18 anos de idade. 
O art. 60, parágrafo 4o da Constituição Federal determina que para 
elaboração de emendas constitucionais seja observado o seguinte: 
 
 
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: 
[...] 
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a 
abolir: 
[...] 
VI - os direitos e garantias individuais. 
 
 
Tais direitos estão previstos no artigo 5o da Constituição Federal, mas, 
conforme determinação do parágrafo § 2o do mesmo artigo, os direitos e garantias 
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos 
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República 
Federativa do Brasil seja parte. Bastos e Martins ressaltam que: 
 
 
Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são 
eles apenas os que estão no artigo 5o, mas, como determina o § 2o do 
mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e 
19 
 
outros que decorrem de implicitude inequívoca. (BASTOS; MARTINS,1999; 
p. 413). 
 
 
Apesar de a norma constitucional do artigo 228 encontrar-se no capítulo que 
se refere à Família, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso, trata-se, evidentemente, 
de um conjunto sistemático de normas protetoras, não havendo como negar a 
natureza analógica aos direitos e garantias individuais, previstos no Capítulo I da 
Carta Magna, ou seja, dos Direitos e Deveres individuais e coletivos e também no 
Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Canotilho, citado por 
Koerner Júnior comenta que ao buscar o rebaixamento da idade de imputabilidade 
penal, embasado em um raciocínio predominantemente subjetivo a emenda 
proposta esbarra na proibição do art. 60, parágrafo 4o da Constituição Federal. 
Para Comparato, 
 
 
É nesse ponto que deve ser entendida a regra especial do art. 228. O 
menor de dezoito anos tem um direito fundamental - e, portanto, irrevogável 
- a não ser envolvido, como réu, em processos criminais de qualquer 
espécie, processos esses nos quais o respeito devido à sua condição de 
hipossuficiência é posta em causa. Ora, tratando-se como se trata, de um 
direito fundamental de natureza individual, a sua supressão, até mesmo por 
via de emenda constitucional, é expressamente vedada (art. 60, § 4o, IV). 
(COMPARATO, 2001; p. 71) 
 
 
Dessa forma, a proposta de emenda à Constituição que tiver por objetivo 
alterar o limite da idade de imputabilização penal, certamente afronta as regras 
constitucionais, bem como a normatividade internacional que estiver incorporada ao 
Estado brasileiro, que confere ao adolescente absoluta primazia e prioridade, na 
condição especial de sujeito de direito, dotado de plena dignidade. 
Para Piovesan a proposta de alteração da idade penal via Emenda 
constitucional, 
 
 
Além de violar cláusula pétrea, afronta parâmetros internacionais de 
proteção dos direitos humanos, que o Estado brasileiro se comprometeu a 
cumprir (...) 
Por força do artigo 5o, parágrafo 2o da Constituição, os direitos enunciados 
em tratados internacionais de proteção dos direitos humanossomam-se aos 
direitos nacionais, reforçando-se a imperatividade jurídica dos comandos 
20 
 
constitucionais já mencionados, relativamente ao direito à proteção especial 
de adolescente. (PIOVISAN, 2001; p. 76-77). 
 
 
Gomes Neto compara a norma do artigo 228 com algumas cláusulas do 
artigo 5o da Constituição, 
 
 
Traçando um paralelo com a responsabilização especial do adolescente e 
sua inimputabilidade, temos que quando a Constituição Federal, no caput 
do artigo 228, afirma que as pessoas menores de 18 anos são inimputáveis, 
ela garante a toda a pessoa menor de 18 anos não responderá penalmente 
por seus atos contrários à lei. Sendo assim, o referido artigo encerra uma 
garantia de não-aplicação do direito penal, como por exemplo, as cláusulas 
de não-aplicação de pena de morte ou de prisão perpétua, são garantias de 
não-aplicação do direito penal máximo a todos, conseqüentemente, todas 
as cláusulas pétreas garantidas pelo artigo 60, da Constituição Federal. 
(GOMES NETO; 2001, p. 86). 
 
 
Além de ser considerada cláusula pétrea, não sendo possível sua alteração 
via Emenda Constitucional, a regra do artigo 228 esbarra em outro problema, caso 
se queira modificá-la. O Brasil faz parte da Convenção Internacional dos Direitos da 
Criança que considera inimputável o menor de 18 anos, sendo assim que o 
parágrafo 2o do artigo 5o da CF/881 estabelece que também serão considerados 
direitos e garantias individuais, aqueles estabelecidos em tratados e convenções 
internacionais em que o Brasil seja parte. 
Dessa maneira, segundo Couto Terra, 
 
 
[...] é vedado ao Estado brasileiro tomar qualquer iniciativa que venha a 
tornar ineficaz ou contrariar qualquer dispositivo da Convenção sobre os 
Direitos da Criança, que, entre nós, por força do parágrafo 2o do artigo 5o, 
tem status de norma constitucional. Isso porque a Carta Magna de 1988, na 
esteira de outras constituições, passou a considerar as normas de tratados 
de direitos humanos como de hierarquia constitucional. (TERRA, 2001; p. 
63-64). 
 
 
Com isso, enquanto o Brasil fizer parte das convenções internacionais que 
tratam dos direitos das crianças e adolescentes, pela regra da Constituição-i, 
prevista no parágrafo 2o do artigo 5o, que conferiu estrutura constitucional aos 
21 
 
direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, 
fica inviabilizada a possibilidade de alteração da idade penal mínima. 
 
 
2.7 A CONSTRUÇÃO SOCIAL E TEÓRICA DA CRIANÇA NO IMAGINÁRIO 
JURÍDICO 
 
 
Sob a fundamentação do ponto de vista hoje do imaginário do jurista, a 
redução da maioridade penal tornou-se um impossível jurídico porque nem por 
emenda constitucional esse limite etário pode ser diminuído. 
Tem-se por certo que a inimputabilidade penal antes dos 18 anos é uma 
posição jurídica subjetiva, constituindo-se em núcleo essencial de um direito que 
veio a ser petrificado por força do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição. Trata-se, 
antes, de entendimento amplamente consagrado, reiteradamente manifestado e 
ultimamente com ênfase, em face da discussão atual que tem por objetivo reduzir a 
idade penal para 16 anos. 
O uso alarmista de ocorrências infracionais para inflar as teses 
criminalizadoras do comportamento de crianças e adolescentes, com o intuito de 
deslocar os institutos e procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente para 
o Código Penal, Souza Junior entende que 
 
 
realça uma vez mais que "a garantia do artigo 228 da Constituição, que 
expressamente estabelece a idade penal aos 18 anos, abriga uma cláusula 
pétrea, e qualquer atentado a ela constituirá fraude constitucional". (SOUZA 
JUNIOR, p. 104) 
 
 
Para Souza Junior (2001, p. 104) toda esta construção permite alicerçar o 
raciocínio em torno do caráter de garantia fundamental da inimputabilidade do menor 
de 18 anos. 
Evidentemente, não há ingenuidade nessa postura hermenêutica que impeça 
reconhecer os fatores de atualização de enunciados normativos sob impulso de 
22 
 
transformações sociais e que se possam se acolher ao abrigo de mudanças consti-
tuintes, sob pena dos assaltos corrosivos. 
A intocabilidade do núcleo essencial do direito à inimputabilidade penal antes 
dos 18 anos, por meio de revisão ou de emenda, ainda que reconheça que a 
subjetividade aí inscrita não pode ser a priori e definitivamente fixada. 
No sentido jurídico que se inscreve no imaginário constitucional, não só 
teoricamente, mas como consideração social de situação concreta do indivíduo 
historicamente datado e situado, a justificar a proteção de determinadas posições e 
relações jurídicas. É exatamente nesse ponto de interseção que se dá o processo de 
construção social das categorias criança e adolescente, no quadrante em que se 
formula o apelo de Oscar Vilhena Vieira, a partir do seu artigo citado: 
 
 
Melhor seria que os senhores legisladores assumissem parte da 
responsabilidade que lhes cabe pela miséria e barbárie a que estão 
submetidos nossos jovens, buscando agir deforma mais eficaz e 
moralmente legítima para a solução do vroblema do que atentando contra o 
futuro das novas gerações. (SOUZA JUNIOR, p. 105) 
 
 
A educadora paulista Maria Lúcia Prandi, coordenadora da Frente 
Parlamentar Estadual pelo Fim de Todo Tipo de Violência e Exploração contra 
Crianças e Adolescentes, em texto muito esclarecedor escrito para o Boletim "Juizes 
para a Democracia", publicação oficial da Associação Juizes para a Democracia, 
ano 5, ne 24, abril / junho 2001 - O Mito do Rebaixamento da Idade Penal - refere-se 
à criança e ao adolescente como expressões de um estágio do desenvolvimento do 
processo de vida, mas que se insere também numa realidade de criação social e de 
produção de sentido que permitem o desenvolvimento de uma identidade social 
positiva. 
Em outras palavras, a categoria criança é de algum modo uma criação social 
e histórica e não apenas um fato biológico. Não é o que apenas é, mas o que ela se 
torna em sua vida, realizando-se valorativamente, a partir das contradições que a 
constituem inicialmente. 
As mobilizações que se traduzem em propostas como as de redução de idade 
penal, encurtando o espaço valorativo da criança e da adolescência, se inscrevem 
nesse processo perverso. São, um atentado contra o futuro. Tanto mais quando se 
23 
 
camuflam em contrafação cultural, criando etiquetas despistadoras para acomodar 
consciências mal acomodadas nas práticas de solidariedade. A fabricação dos 
rótulos distintivos - menor, pivete, trombadinha, menino de rua - não absolve a 
responsabilidade social de quem se deixa levar por eles. Ao contrário, arma o 
agente do extermínio e se faz cúmplice da barbárie em conseqüência de uma razão 
indolente. 
 
3 MAIORIDADE PENAL, O ECA E A RAZOABILIDADE 
 
 
3.1 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO ECA 
 
 
O ECA, no seu art. 112, cuida da enumeração das medidas socioeducativas 
cabíveis contra adolescente que pratica ato infracional. No seu § 3º, diz: Os 
adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento 
individual e especializado, em local adequado às suas condições. 
Gomes (2003, p. 22) entende que esse dispositivo legal não conta com 
clareza suficiente para alcançar situações em que o adolescente, cometendo crime 
violento e intencional, revela total insensibilidade frente à vida humana. Dois novos 
parágrafos, então, deveriam ser agregados ao citado art. 112, para disciplinar o 
seguinte: 
Gomes propõe a ementa fictícia da seguinte forma: 
 
§ 4º Os adolescentes que, sendo responsabilizados pela morte intencional 
consumada ou tentada de alguma pessoa, revelarem grave desvio de 
personalidade, constatado em laudo pericial fundamentado, estarão sujeitosa tratamento individual, especializado e multidisciplinar. 
§ 5º O tratamento previsto no parágrafo anterior terminará quando laudo 
médico, psicológico ou psiquiátrico, que deve ser renovado de ano em ano, 
ou quando houver determinação judicial, atestar a cessação do grave 
desvio de personalidade. (GOMES, 2003, p. 22) 
 
 
3.1.1 Justificativa 
 
 
Segundo Gomes (2003, p. 22) a tese da redução da maioridade penal é 
incorreta e insensata. 
Para embasar sua opinião, informa-nos dados que revelam essa incorreção e 
insensatez: 
 
 
Embora conte com forte apoio popular – em recente pesquisa da Ordem 
dos Advogados do Brasil 89% dos entrevistados manifestaram 
25 
 
concordância com a tese da redução da maioridade penal para 16 anos –, o 
cientificamente correto é sua peremptória refutação, em razão, sobretudo, 
da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente 
faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles só teria um 
significado: iríamos mais cedo prepará-los para integrarem o crime 
organizado. Aliás, os dois grupos que mais amedrontam hoje Rio de Janeiro 
e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos 
nossos estabelecimentos penais. (GOMES, 2003, p. 22) 
 
 
Portanto, se de um lado não parece dotada de sensatez essa postulação 
puramente vingativa, de outro lado, tampouco está claro no Estatuto da Criança e do 
Adolescente o tratamento que deve ser dado aos autores de crimes sanguinários, 
que revelam total desajuste comportamental e de personalidade. 
Uma coisa é a prática da ameaça ou mesmo do roubo desarmado, outra bem 
distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com 
requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, em princípio, tudo conta com a 
mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é 
medida socioeducativa voltada para sua proteção e da sociedade também) pode 
ultrapassar três anos (ou sobrepujar a idade de 21 anos). 
 
 
3.1.2 Casos de comoção popular 
 
 
Casos chocantes e aberrantes como o do menor Champinha (que confessou 
ter matado o casal de estudantes Liana e Felipe) não deveriam nunca conduzir a um 
perigoso e pouco amadurecido clamor popular (ou midiático), que, emocional ou 
mesmo desesperadamente, propugna pela adoção de medidas radicais e 
emergenciais, como se fosse imprevisível a violência juvenil. 
Ao contrário, momentos críticos e agudos exigem maior ponderação, mesmo 
porque o brasileiro já está exausto de medidas paliativas e pouco eficazes (como foi 
e é a lei dos crimes hediondos). Ninguém suporta o engano e a fraude de mais uma 
alteração legislativa que promete solução para todos nossos males econômicos e 
sociais, mas que, na verdade, nunca resolve nada. 
 
 
26 
 
3.1.3 Idéias equivocadas sobre as medidas socioeducativas do ECA 
 
 
Segundo Gomes (2003, p. 22), com o advento da Convenção da ONU sobre 
os direitos da criança, que foi subscrita por mais de 180 países (incluindo o Brasil), 
não há dúvida de que se transformou em consenso mundial a idade de 18 anos para 
a imputabilidade penal. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e 
apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos 
seus atos infracionais. 
No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a idéia de que 
o menor não se sujeita a, praticamente, nenhuma medida repressiva. Isso não é 
correto. O ECA prevê incontáveis providências socioeducativas frente ao infrator 
(advertência, liberdade assistida, semiliberdade, etc.). Até mesmo a internação é 
possível, embora regida (corretamente) pelos princípios da brevidade e da ultima 
ratio (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade 
do menor, quando se apresenta absolutamente necessária. 
De qualquer modo, tratando-se de menor absolutamente desajustado, que 
revela grave defeito de personalidade, inconciliável com a convivência social, não 
parece haver outro caminho senão o de colocá-lo em tratamento especializado, para 
sua recuperação. 
Nas palavras de Gomes (2003, p. 22) “não é preciso, evidentemente, chegar 
à solução do Direito Penal italiano, que admite a imputabilidade penal acima dos 14 
anos, conforme se constate concretamente (em cada caso) que o menor tinha 
capacidade de querer e de entender (CP italiano, art. 97)”. Não parece aceitável, de 
outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos transferi-lo para os 
cárceres destinados aos adultos quando completa 18 anos. Não basta ademais, 
para se adotar medidas mais contundentes, a mera grave ameaça à pessoa (que faz 
parte da essência do roubo). Para isso, o ECA já prevê a internação. 
Moderação e equilíbrio é o que se espera de toda medida legislativa. 
Gomes (2003, p. 22), analisando o grau de periculosidade do menor, pondera 
que, o menor de idade que apresentar grave desvio de personalidade, em síntese, e 
que tenha causado a morte intencional e violenta de alguma pessoa, não parece 
haver outro caminho senão o do tratamento adequado, nos termos dos §§ 4º e 5º, 
como acima sugeridos, que deveriam ser agregados ao art. 112 do ECA. O 
27 
 
tratamento especializado e individualizado nesse caso, de outro lado, deveria durar 
até cessar a periculosidade. Com isso, o referido autor entende que, quando 
necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 
anos de idade. 
Essa proposta de alteração legislativa no ECA, de qualquer maneira, embora 
possa ser tida como razoável, não é de modo algum suficiente. Faltam investimentos 
que possam proporcionar ao jovem pautas de valores aceitáveis. Resta sempre 
saber até quando estamos dispostos a pagar com nossa vida a negligência de toda 
sociedade brasileira com o problema do "menor". 
 
 
3.2 É PRECISO MUDAR O PSICOLÓGICO E NÃO O CRONOLÓGICO 
 
 
Pires (2003, p. 23) acredita que que, quando um menor chega a cometer um 
crime é porque, certamente, sua estrutura de personalidade já se encontra 
comprometida. Segundo a autora um adolescente pode cometer um crime, mas nem 
todos podem entender por que chegou a cometê-lo. 
Poeticamente define a trajetória dos sujeitos pelo que: 
 
 
A história de um indivíduo é uma trama complexa de acontecimentos que se 
ressignificam entre si. 
[...] 
Dizemos que a subjetividade se constrói a partir de uma experiência 
simbólica estabelecida nos primeiros momentos da relação mãe-bebê e 
deste com o mundo no decorrer da primeira infância. (PIRES, 2003, p. 23) 
 
 
Assim, a capacidade de discernimento que um adolescente pode ter sobre 
seus atos não está ligada, portanto, à cronologia, mas sim à sua subjetividade, ou 
melhor, à capacidade que ele tem (ou não) de ressignificar seus atos de modo a 
assumi-los como verdadeiros ou válidos e aceitáveis. 
Pires (2003, p. 23) acredita que a redução da maioridade penal não mudaria o 
comportamento dos jovens de 16 anos, pois não se trata de mudar o cronológico, 
mas o psicológico. 
28 
 
A redução da maioridade penal para a autora nada mais é do que uma 
situação “tapa buraco” para uma situação que se mostra muito mais complexa, no 
qual a solução estaria na chance de reabilitá-lo com trabalhos de cunho psicológico. 
 
 
A redução da maioridade penal não educaria o jovem, pois não solucionaria 
o problema. O importante é, justamente, dar uma chance a este jovem, de 
compreender o significado de seu ato e, tal fato só se dá mediante um 
trabalho psíquico que envolva a construção de um superego e, 
necessariamente, a busca de uma verdade individual. (PIRES, 2003, p. 23) 
 
4 A IDADE DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS ADOLESCENTES 
 
 
A idade! Qual a idade? É aos 21 anos da idade de responsabilidade civil ou 
aos 18 anos da idade de responsabilidade criminalou aos 16 anos da idade de 
responsabilidade política? É a idade da razão ou a idade da emoção? É uma 
questão de gênero, tempo ou espaço? 
Maria Ignês Bierrenbach em texto publicado na Folha de S.Paulo, de 
04/11/1993 e 05/03/1998 contesta as soluções mágicas para combater a violência e 
propõe o pleno exercício da cidadania para a inclusão dos adolescentes em conflito 
com a lei. Questiona, ainda, o papel dos operadores da Justiça que têm por 
obrigação legal a defesa dos direitos dos jovens, de acordo com os preceitos 
constitucionais e em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Entretanto, tem prevalecido a concepção punitiva e segregadora, onde as idéias de 
rebaixamento da idade de responsabilidade penal surgem numa visão simplista e de 
forma recorrente, em detrimento da garantia dos direitos dos cidadãos adolescentes. 
Na visão de Bierrenbach a exacerbação da violência no atual momento 
brasileiro tem mobilizado corações e mentes. É altamente positivo o empenho da 
sociedade em colaborar, sem assistencialismo ou manipulações, mas, desejando 
contribuir efetivamente com os excluídos, sobretudo as crianças. A campanha contra 
a fome ganha um impulso e dimensão impensáveis num tempo não tão distante. 
Por outro lado, são extremamente preocupantes as soluções mágicas que 
também aparecem nessas ocasiões, visando a conter a onda de violência com mais 
violência. Nesse cenário insere-se a proposta de rebaixamento da idade de 
responsabilidade criminal dos jovens de 18 anos para 16 anos de idade, ou seja, 
quer-se diminuir a idade de inimputabilidade penal dos jovens brasileiros. 
Antes de mais nada é preciso esclarecer que os jovens infratores 
absolutamente não ficam impunes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) 
prevê até mesmo a internação no prazo de até três anos, sem eufemismo, como 
privação de liberdade. Ocorre que o Estatuto considera o jovem como pessoa em 
desenvolvimento biopsicossocial, e como tal aposta no seu potencial, na sua 
criatividade, na sua capacidade de situar-se como trabalhador e cidadão na sua 
comunidade.
30 
 
Assim sendo não o estigmatiza a priori, não o criminaliza, mas dá-lhe uma 
chance de ser atendido em condições especiais, talvez a primeira oportunidade que 
o jovem tenha na sua vida de miséria e opressão. 
Os jovens que chegam à internação, em sua maioria esmagadora, são 
procedentes das classes populares, o que significa que não tiveram nem saúde e 
educação, nem teto, nem pão. Prioritariamente, cometem delitos contra o 
patrimônio, furtos e roubos, sem violência contra a pessoa e, por vezes, nem 
deveriam estar internados, se houvesse condições de atendimento em meio aberto. 
Apenas um número restrito comete delitos considerados graves ou apresenta 
sérios comprometimentos afetivo-emocionais e precisa de internação em pequenas 
unidades com atendimento específico, tanto para preservar sua própria integridade 
física, como para prevenir reincidência. 
Segundo Bierrenbach a conquista do voto aos 16 anos e as propostas de 
obtenção de carteira de motorista também aos 16 anos são argumentos utilizados 
para justificar a criminalização aos 16 anos, numa pretensa coerência técnico-
jurídica. 
Nos dois casos, ficam claras as restrições legais, ou seja, os cuidados 
necessários à garantia de direitos: 16 anos, o voto é uma faculdade e não um dever, 
assim como a habilitação para dirigir veículos exige o consentimento dos pais ou 
responsáveis. Não se pode admitir que uma faculdade concedida ao adolescente 
justifique uma comparação por falsa analogia, dando contornos de legalidade à já 
disseminada violência. 
Uma longa história de arbitrariedade e desmandos indica que não há as 
mínimas condições de garantia de direitos para os segmentos excluídos da 
sociedade. O arcabouço jurídico do país tem favorecido os ricos e os poderosos em 
detrimento dos pobres e do povo, sendo amplamente reconhecida a seletividade 
socioeconômica do sistema penal. 
As relações de subjugação são relações de controle e de dominação. 
Interessa a setores retrógrados que os jovens sejam forjados no mundo do crime e, 
posteriormente, sejam penalizados como respostas às pressões da sociedade que, 
preocupada com a segurança, desloca sua atenção dos problemas de fundo que 
permitem a exacerbação da violência. 
A inconsistência da tese propugnada torna-se absurda em função da falência 
do sistema penal e da sempre revelada superpopulação nos estabelecimentos 
31 
 
prisionais, engendrando freqüentes rebeliões e, na última década, agravada pelo 
fantasma da Aids, impossibilitando mínimas condições de recepção de uma 
população de jovens já tão vulnerável. 
É possível reconstruir a história da infância por meio do resgate dos 
mecanismos repressivo-assistenciais que a produzem. Contudo, em vez de 
repetirmos os equívocos do passado, vamos, juntos, elaborar um complexo e 
delicado processo de construção social do futuro da criança brasileira a partir do 
ECA, que, sem dúvida, é uma legislação que vem à frente da sociedade, mas serve 
de alavanca para as transformações que atendam as necessidades e interesses da 
consciência coletiva. 
Por último, é importante que o país - tão criticado no exterior em relação aos 
assassinatos de crianças e jovens - seja reconhecido por ter uma lei avançada na 
defesa de direitos, que responde às exigências das convenções internacionais, 
inclusive àquelas específicas para a prevenção da delinqüência, administração da 
Justiça e proteção dos jovens privados de liberdade. Em resumo, uma nação que 
acredita e aposta no potencial da nova geração, sem rótulos ou estigmas, simples-
mente jovens brasileiros. 
Nas palavras de Bierrenbach, o tema volta à pauta no rastro do 
conservadorismo da sociedade, que não sabe como resolver seus problemas e opta 
sempre pelo encaminhamento mais simples: o rebaixamento da idade de 
imputabilidade penal dos jovens autores de infrações. A corda sempre rompe do 
lado dos mais fracos. 
É até compreensível que a sociedade assim pense, embalada na 
desinformação sobre o assunto, polêmico e complexo. O inadmissível é que 
autoridades ligadas ao tema, que têm obrigação de defender os direitos dos 
adolescentes, ajam de maneira totalmente descompromissada com eles, usando 
suas posições para divulgar idéias preconceituosas e mesquinhas, tratando-os como 
cidadãos de segunda classe. 
Há um reducionismo do problema. Prevalece a concepção punitiva, 
segregadora, como se jogar adolescentes nos cárceres resolvesse a exacerbação 
da violência na sociedade. Até nessa perspectiva se enganam - ou, mais grave, 
pretendem enganar. Não é com mais violência que vamos alcançar a paz. 
Argumentar que os jovens autores de infração penal podem ficar até três anos 
privados de liberdade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, não 
32 
 
interessa aos detratores do ECA, que querem jogar fora a criança com a água do 
banho. Não se sabe o que os incomoda mais: se a lei avançada, afinada com os 
preceitos internacionais de defesa de direitos e apontando rumos para uma 
civilização comprometida com suas crianças e seus jovens, ou o direito a 
ressocialização dos jovens infratores. O legislador inscreveu a idade de 
responsabilidade penal -18 anos - na Constituição para assegurar condições contra 
ataques que, vez por outra, ressurgem no bojo do autoritarismo e prever garantias 
contra os aventureiros de sempre, com suas receitas para, num passe de mágica, 
reformar a sociedade. 
Alega-se o direito à opinião - sem dúvida, intocável. Mas soa estranho que, 
em debates sobre a questão os juristas de ocasião se apeguem ao Código Penal, 
passando a falsa imagem de que ele rege a autoria do ato infracional dos 
adolescentes; na verdade, induz apenas à ideologia do controle e da repressão. 
Desconhecendo o ECA, pretendem negá-lo e inviabilizam sua aplicação, aqual têm o dever de fiscalizar. Mais grave: em detrimento dos direitos dos cidadãos 
adolescentes que deveriam garantir. No mínimo, estão deslocados, sobretudo em 
suas funções precípuas de defesa da sociedade, já que estamos numa democracia 
de direitos, arduamente conquistada. É estranho que os operadores da justiça não 
se embasem na lei para aplicar indiscriminadamente as medidas de internação, que, 
conforme determina a Carta, devem ter a excepcionalidade e a brevidade requeridas 
pela pessoa em desenvolvimento. 
Pode-se supor que não estejam preparados para lidar com as referências 
conceituais e práticas que orientam a questão. Segundo Bierrenbach, na França, 
quem lida com crianças e jovens passa por um curso de capacitação; sem ele, 
juízes, promotores, advogados, educadores não são considerados aptos. Para o 
exercício profissional, há que se conhecer e apreender o espírito da lei; perceber-se 
os sujeitos em situação de risco pessoal e social e suas circunstâncias, na realidade 
econômica, política e social do país. 
Quando vivemos num mundo globalizado, no qual se enfatiza a necessidade 
de desenvolvimento integral com base na educação, reduzir a idade de 
responsabilidade penal é crença equivocada no medievalismo da pena. É um gesto 
de reiterada exclusão das possibilidades de cidadania do jovem, de desestímulo ao 
exercício de direitos numa democracia ainda em construção. 
 
5 A REDUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL 
 
 
Submeter o jovem a um regime especial, diverso do Direito Penal comum, em 
maior ou menor escala, surgiu no século passado, apesar de essa idéia haver 
deixado um grande rastro na História. Em verdade, para determinar as 
conseqüências da prática de um crime, nunca foi irrelevante a idade do autor. 
Amaral (2003, p. 22) diz que a jamais a idade (que traduz o nível de uso da 
razão/discernimento) foi irrelevante na história da luta do homem contra o crime. 
Desde os obscuros tempos em que o Direito (acientífico ainda) Penal não passava 
de mera vingança e cujas reprimendas eram tão cruéis quanto ofensivas à 
construção (ao longo de séculos de muita luta sangrenta) do valor humano como 
algo transcendental e axiomático. Muitas legislações antigas e contemporâneas têm 
tratado a reação penal na faixa etária da criança (o infans, dos romanos) ao jovem-
adulto com base no critério gradual (de 12 até 15 ou 16 anos e daí até 21 ou 23 
anos) só medidas educativas naquela primeira etapa e com medidas de cunho 
repressivo/intimidatório, mas sempre acompanhadas de atenuantes em face da 
pouca idade do delinqüente. 
O Direito Penal, hoje, está inapto para resolver a crise de insegurança social 
(violência em geral e crime) que assola essa quadra histórica aqui e noutros países. 
Mas, no Brasil, essa crise conta com elementos, negativos adicionais. 
Amaral (2003, p. 22) expõe alguns dados nos seus estudos: a Unesco revela, 
numa pesquisa que é vergonhosa para o Brasil, que 50% dos brasileiros na faixa 
dos 15 anos estão abaixo ou no chamado nível 1 de alfabetização, marca 
estabelecida pela Unesco que classifica os estudantes que conseguem apenas lidar 
com tarefas muito básicas de leitura. Numa escala sobre níveis de compreensão de 
leitura englobando 41 países, o Brasil está quase no fim da fila: 37ª posição – à 
frente somente da Macedônia, da Albânia, da Indonésia e do Peru. Há muitos outros 
exemplos daqueles elementos negativos adicionais. Essa inaptidão ocorre, 
principalmente porque há sobre o Direito Penal uma excessiva sobrecarga, que o 
transformou em um instituto regulador de inúmeras condutas, às vezes de pouca 
gravidade. 
Amaral faz uma severa crítica ao modo o Direito penal é visto: 
34 
 
Hoje em dia todos os males se pretende resolver com o Direito Penal, até 
para lavar-se as mãos (as consciências falam alto: "já fiz a minha parte, 
agora é com o Poder Judiciário, MP, Polícia..."). Ora, essa deturpação 
banalizou e desgastou o sistema penal (e sobretudo o penitenciário, porque 
todos querem cadeias para todos os males). Esse desgaste tanto é físico 
(penitenciárias sem vagas), ideológico (descrença na força intimidatória 
genérica) e psicológico (intimida a poucos, ou só aos criminosos 
eventuais/passionais, aos criminosos por opção, os "profissionais" jamais se 
intimidam com a pena e até mesmo com a cadeia, como temos hoje). Isso 
não se dá tão-só pela incerteza da pena, senão também pela própria 
habitualidade/acomodação do delinqüente com o mal. (AMARAL, 2003, p. 
25) 
 
 
Com efeito, o Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém 
a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à 
coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência 
social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as 
respectivas sanções. E dentro desse ordenamento penal há um setor que é (ou 
deveria ser) voltado para as condutas mais graves dentre as graves, são as normas 
reprimem/punem com cadeia. Assim, o Direito Penal deveria existir como última 
esfera do Direito em geral, utilizada apenas nos casos mais graves de desarmonia 
social. Mas como desencorajar/intimidar ou reprimir comportamentos maléficos à 
sociedade? Primeiro há de se recorrer a um padrão racional e inteligente de solução. 
Assim, é certo que a busca da extinção (ou redução tolerável) já no nascedouro do 
mal é o melhor caminho, ainda que a médio e longo prazos. Educação séria e 
comprometida com reversão do mal, centrada e distribuída nas áreas mais propícias 
à delinqüência. Oportunidade de ensino e trabalho (ensino profissionalizante) 
sobretudo para os que não chegarão às universidades. 
Essas atenções estatais, prioritárias e especiais, principalmente no plano 
municipal (que antes das guardas, das polícias, deveriam cuidar da comunidade 
mais carenciada, prevenindo a migração e a potencial perda de contribuintes). 
Todos os brasileiros moram em municípios (salvo a deturpação federativa do 
Estado/DF); ninguém mora nos Estados ou menos ainda na União. Assim a essas 
esferas políticas deveriam levar recursos (financeiros e de outra natureza) 
suficientes aos municípios, acompanhando de perto com a comunidade a execução 
e uso dos mesmos. O receituário do FMI em décadas em que foi ministrado quase 
matou o doente chamado Brasil e no que ele cresceu, cresceu mais para o proveito 
de seus credores externos e internos. Agora a doença generalizada exige 
35 
 
tratamento em UTI e fortes gastos com remédios eficazes. A delinqüência infanto-
juvenil não é mais que manifestação dolorosa daquela doença (enorme debilidade 
social e insegurança pública previsível) que nos concedeu mais de três décadas 
para curá-la e nada fizemos, ou pouco fizemos, ou, pior ainda, nos enganamos e 
perdemos recursos em soluções-engodo. 
Amaral (2003, p. 26) faz uma ponte entre o Direito Penal e o Direito 
Administrativo como co-responsável pelas malezas públicas. 
 
 
Por outro lado, se faz necessário um melhor uso de outro ramo do Direito 
(relativamente novo e pouco ou incorretamente utilizado) o Direito 
Administrativo, que não é apenas um Direito da Administração. 
É também o conjunto de normas jurídicas pertencentes ao Direito Público, 
que tem por finalidade disciplinar e harmonizar as relações das entidades e 
órgãos públicos entre si, e desses com os agentes públicos e com os 
administrados. Direito Administrativo e Direito Penal se aproximam no 
aspecto de ambos aplicarem sanções em virtude de ilícitos. Todavia, o 
Direito Administrativo pode e deve exercer forte influência no controle de 
comportamentos anti-sociais. Se mais não for, pelo menos o Direito 
Administrativo deveria, entre nós, ser o Direito da excelência nas ações 
estatais, ele poderia exigir e sancionar a falta de resultados na ação do 
administrador público. O princípio da economicidade (eficiênciaproporcional 
ao gasto público) aplicado às Febens, às penitenciárias, mas, sobretudo e 
antes de tudo, às escolas públicas, aos programas sociais, aos 
governantes, certamente teriam mais eficácia que muitas das soluções-
engodo implantadas, anunciadas ou discutidas. Há um grave e caro ilícito 
administrativo nessas ações estatais (municipais, estaduais e federais) 
ineficazes. (AMARAL, p. 26) 
 
 
Como bem se pode perceber, antes da redução da maioridade penal, até por 
dever de consciência, por razões de simples inteligência e bom senso, ou ainda por 
razoável (apenas razoável) senso de racionalidade temos algumas premissas. 
 
6 DESFAZENDO "VERDADES" ENGANOSAS 
 
 
6.1 DISCERNIMENTO DE MUNDO X INIMPUTABILIDADE DO MENOR 
 
 
Não procede a alegação de que o adolescente de hoje recebe maior carga de 
informações do que o adolescente do início do século passado e, portanto, tem mais 
discernimento do que aquele. Se há, de fato, mais informações hoje, elas são mais 
quantitativas que qualitativas, ou seja, o jovem é mais bombardeado por 
informações mais deletérias que educativas e isso se verifica até no interior das 
escolas. 
A televisão e o computador têm sido veículos mais de malefícios que 
benefícios às nossas crianças e adolescentes, e são as principais companhias 
desses seres em formação. A família de hoje, por outro lado, tem sido mais pródiga 
em alienação e abandono (sentimental, intelectual, material) às crianças e 
adolescentes. Ao contrário do que muita gente diz, o adolescente brasileiro, como de 
resto a maioria da nossa população, tem sido alvo de um sistema econômico que 
está vitimando a todos e mais aos pobres e desvalidos. Nossa migração que já era 
assustadora no plano interno (interior/grandes cidades) agora comove porque é 
êxodo do solo pátrio, que termina no desespero da prostituição, da exploração 
degradante e da morte. A educação não é de qualidade e o sistema de saúde está 
totalmente falido. 
Nas palavras de Amaral 
 
 
Não há emprego para os pais e sequer perspectivas para o adolescente, 
que não consegue enxergar além da exclusão a que está submetido com 
sua família, e da conduta reprovável e "reforçadora" de certas elites de 
nossa sociedade. Que Brasil é esse? Não é, por certo, o dos brasileiros! 
(AMARAL, 2003, p. 25) 
 
 
 Conhecer o mundo é próprio das novas gerações, no entanto, isso não 
significa que o Código Penal deva apertar mais a mão contra essas novas gerações, 
privilegiadas pela disseminação da informação, mas ainda vítimas do sistema.
37 
 
6. 2 VOTO X ININMPUTABILIDADE DO MENOR 
 
 
É má-fé ou desinformação o que se prega quanto ao fato do direito de voto do 
adolescente ser justificativa para a responsabilidade penal. São, pois, temas 
completamente díspares e com exigências psíquicas bem diferentes. O voto aos 16 
anos não é obrigatório e não dá direito de ser votado. Depois, em várias civilizações, 
o voto é ou foi deferido a quem tem meios econômicos, a quem distingue a mão 
direita da esquerda. Trata-se apenas e tão-somente de uma prática incentivadora e 
aceleradora da cidadania ativa, jamais demonstração de maturidade suficiente para 
a imputabilidade penal. Essa imputabilidade exige, no mínimo, o uso da razão e a 
culpabilidade que sempre é suportada por todos os que têm parcela de culpa no fato 
criminoso (e o Estado/sociedade também dividem essa culpa como é o caso da 
atenuação para os jovens delinqüentes, isso sempre foi uma lógica moral). 
 
 
6.3 POBREZA X INIMPUTABILIDADE DO MENOR 
 
 
Não é verdadeira a lógica do argumento de que a situação econômico-social 
seja determinante da delinqüência, já que jovens ricos e bem posicionados na 
sociedade também delinqüem; ora essa delinqüência é ocasional, é tópica, e sempre 
bem explicada com base no abandono sentimental, educacional (uma vez que a 
escola, mesmo particular, hoje, pouco ensina e menos ainda educa) e moral a que 
muitas crianças e jovens da classe alta estão submetidos. Ao contrário do que se 
diz, os filhos de classe média e alta, quando praticam atos infracionais, também são 
vítimas do abandono praticado por seus pais, que, preocupados com a vida pessoal, 
esquecem-se dos filhos, não lhes dando a educação e os limites adequados. Há 
filhos felizes da pobreza e filhos infelizes da riqueza; essa, aliás, está mais próxima 
da infelicidade já por inúmeras razões. 
 
 
 
 
38 
 
6.4 SISTEMA PRISIONAL X IMPUTABILIDADE DO MENOR 
 
 
Dados informados por Amaral (2003, p. 27) dá nos conta de que, ao contrário 
do que se possa pensar, o sistema penal (que abrange o prisional) empurra os 
adultos ainda mais para a marginalidade, tendo reincidências de 40 a 70% após 
saírem da prisão. 
Amaral (2003, p. 27) conclui que, enquanto o ECA pode dar respostas 
adequadas quando aplicado corretamente, por exemplo, os programas de Liberdade 
Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade de Joinville (SC), no ano de 1999, 
que tiveram índices de reincidência de apenas 7 e 5%, respectivamente 
(reincidência é a prática de outro ato infracional quando o adolescente já cumpriu 
medida socioeducativa). 
 
 
6.5 ECA X INIPUTABILIDADE DO MENOR 
 
 
Analisando os tratados internacionais ao qual o Brasil aderiu, Amaral mostra-
nos que o Brasil ainda está longe de conseguir sua meta de proteção à criança no 
plano internacional. 
 
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não foi ainda aplicado em 
sua parte nobre e social. Assim, o que se precisa fazer é dar eficácia social, 
cumprimento efetivo e pleno a essa lei, isso até para estarmos fiéis no 
concerto internacional às Regras de Beijing (1985/ONU) e da Convenção 
(1989/ONU) dos Direitos da Criança e do Adolescente (até 18 e 
excepcionalmente até 21 anos) que situam esse destinatário em situação 
privilegiada (porque uma criança/adolescente não é um adulto de calça 
curta), enquanto credor da tutela estatal, que vai desde a oferta de 
creche/educandários e pré-escolas, reforço pedagógico, escola, cultura, 
esporte, lazer, ações de saúde, desenvolvimento/envolvimento comunitário 
e implantação do binômio município/menor, para todas as crianças e 
adolescentes, e senão com boa qualidade, pelo menos, em níveis 
inicialmente razoáveis. 
 
 
39 
 
Há ainda o dever estatal e comunitário de implantação de programas de 
renda mínima, de combate à evasão escolar, à exploração sexual infanto-juvenil e 
exploração do trabalho infantil, bem como a implantação dos conselhos municipais 
de direitos da criança e do adolescente e dos conselhos tutelares. Só após essa 
básica rede de tutela e prevenção em geral é que se pode falar em reforma mais 
estrutural do ECA, cujas grandes deficiências são: mais direitos que deveres (isso, 
aliás, já é nossa tradição), gerando a sensação de imunidade aos deveres; a falta de 
previsão de meios e recursos para toda a rede necessária e prioritária de proteção e 
prevenção; e o eloqüente silêncio quanto à tão indispensável e oportuna tutela 
administrativa de menores, como instituto suplementar de assistência em geral e 
representação jurídica dos menores (cobrança judicial, inclusive e sobretudo contra 
o Estado) sem isso, o ECA acabou sendo mais uma promessa vazia da lei. 
Quiçá após o resgate dessa dívida legal (de mais de uma década) do Estado 
e da sociedade entre nós, possamos, então, pensar numa tão delicada e 
comprometedora, sob todos os aspectos, alteração da idade mínima para a 
imputabilidade penal. Com efeito, essa alteração exige máximo respaldo moral e 
técnico, sob pena de nos lançarmos, como civilização, numa lama de vingança pura 
e abjeta, e pior, vingança do mais poderoso sobre o mais fraco, como acontece no 
âmbito por aqui (onde o crime de abigeato era mais punido que o crime de fraude 
contra saúde pública, onde as cadeias pouco conhecem os muitoscriminosos 
ricos/poderosos). Assim, qualquer alteração na idade penal haverá de ser conjugada 
com uma nova concepção de unidade de reeducação de crianças e jovens, pois, 
caso contrário, estaremos varrendo a sujeira para debaixo do tapete. 
 
 
7 SOLUÇÕES 
 
 
Aqui, uma vez mais, a inteligência é o grande instrumento da ciência, a 
poderosa alavanca com a qual o homem se torna senhor da realidade, 
subordinando-a a seus fins vitais. Ora, a redução da idade ou do momento, marco 
inicial para a justa e útil reação penal, milenarmente tem preocupado as mentes 
esclarecidas e justas no longo rastro da luta da humanidade contra as condutas anti-
sociais. O tema não é daqueles que possa ser enfrentado com emocionalismo, com 
perda da razão de ser da punição penal (hoje cada vez mais útil que meramente 
vingativa ou intimidatória). Será que o ensino jurídico no Brasil está tão ruim que 
possa gerar mentes que acreditam que o Direito Penal possa servir, ainda, como 
meio de vingança? A redução da idade penal não fez diminuir a criminalidade nos 
poucos países em que foi adotada, assim como a pena de morte. É que o criminoso 
não age segundo essa lógica intimidatória, não o criminoso que nos assusta a todos, 
os "profissionais" do crime (criminoso por opção de vida), raramente o efeito 
intimidatório da pena, ainda que a mais cruel, interfere no ato ou momento irracional 
dos que cometem crime por deslizes eventuais ou passionais, daí a utilidade 
reduzidíssima da pena tão-só intimidatória. Se a mera punição de crianças e jovens 
fosse verdadeiramente fator de contenção ao crime, os Estados Unidos, que punem 
(em alguns Estados) menores de 18 anos, não seriam um exemplo de alta taxa de 
criminalidade entre os adolescentes. Também não haveria tantos crimes no interior 
das cadeias e Febens, se essa sanção fosse, de fato, utilmente intimidatória ou 
eficaz contra o crime. 
A redução da maioridade, em primeiro lugar, fere princípio consagrado no 
Direito brasileiro (e em países tidos como civilizados) de que o jovem é um ser em 
formação, diverso, pois, do adulto. Isso já estava, em maior ou menor grau, na base 
das preocupações seculares dos Direitos antigos. O adolescente pode e deve ser 
punido pelo que faz de errado, mas essa sanção precisa ter, predominante e 
efetivamente, um caráter educativo/ressocializante. Isso tem sido a lógica moral e 
social na história da humanidade. É absolutamente falso afirmar que o ECA não 
pune menores infratores; pune e não reeduca, o que é pior. Todavia deixará, em 
breve, de punir porque o sistema punitivo (do menor ou do adulto) não pode 
concorrer com a farta e forte estimulação criminogênica: os padrões culturais (éticos, 
41 
 
sociais e econômicos), entre nós (mais do que alhures), são fatores de crime. A 
nossa seleção de mérito parece só funcionar bem e tradicionalmente em nosso 
futebol. No resto, tudo vale mais que a ética e a virtude. O sistema punitivo é a 
última contenção social e só age como exceção à regra da boa formação ética e 
social de cada um e de todos, do contrário é sempre ineficaz qualquer aparato de 
repressão criminal sério e socialmente útil e não puramente vingativo (a bastilha um 
dia cai!). 
Enfim, pode-se repensar tudo no ECA desde que com isenção e 
racionalidade. Por isso, as mentes raivosas e movidas por emoções 
(compreensíveis ou não, de vítimas de crime ou só mesmo por formação iracunda) 
só podem turvar a situação delicada da delinqüência, sobretudo a infanto-juvenil. A 
maioria do povo a cada dia será mais a favor da pena de morte e da redução da 
maioridade penal porque apavorado com a criminalidade à sua porta, imagina e é 
influenciado (pelos falsos conhecedores e pela mídia que pouco sabe ou quer saber, 
em mor parte dela) ser isso uma solução justa e de boa eficácia social. Ora, a 
matéria não é tão técnica que exige uma boa dose de estudos para o povo ser 
utilmente consultado. Seria como perguntar ao povo se ele é a favor da fissão ou da 
fusão nuclear. O limite temporal (de três anos) da pena aplicável aos menores pode 
ser repensado, porém sempre atento ao infenso fenômeno da prisionização. 
Um critério escalonado para a sanção de menores: penas exclusivamente 
educativas/protetivas para a primeira faixa etária, e penas menos protetivas e mais 
repressivas para a segunda faixa (quiçá de 16 a 18 anos). Ou ainda o retorno, 
criticável, do critério do discernimento, em substituição ao cronológico, retrocesso já 
vergastado pelo grande Tobias Barreto (1884, p. 50) citado por Amaral (2003, p. 27), 
em face do art. 13 do velho Código Criminal do Império, de 1830. Mas reduzir a 
idade penal para se colocar um jovem num ambiente tão criminógeno quanto a 
cadeia é insana vingança. 
Ora, o caráter pedagógico da punição do menor delinqüente, no Brasil, 
raramente se verifica como determina a lei; aliás há pouca diferença entre as 
condições desumanas de nossos presídios e das unidades das Febens. Também 
seria mais correto que a simples redução da maioridade seguir-se o critério adotado 
em alguns países que analisam, no caso concreto, se o infrator, ao cometimento de 
um delito, poderia ter agido ou não com suficiente entendimento acerca do caráter 
criminoso dessa conduta, utilizando-se para tanto de uma gama de técnicas 
42 
 
interdisciplinares, envolvendo aspectos psicológicos, psiquiátricos, 
psicopedagógicos, sociológicos e jurídicos. A consciência, assim, fica mais tranqüila 
e os resultados práticos seriam menos criticáveis. Há alguns países que fixam a 
idade mínima de 12 anos para responder pelos delitos, desde que o indivíduo 
entenda o que fez (uso da razão), dado obtido através de uma análise ampla e 
criteriosa da pessoa do delinqüente. E assim poderá haver pessoas com a mesma 
idade cronológica, todavia com entendimento/discernimento diverso, o que desafia 
responsabilização também diferenciada. 
Usando-se o Direito comparado como base, Amaral demonstra através de 
seus estudos que: 
 
 
De um total de 57 legislações estrangeiras analisadas, apenas 17% adotam 
idade menor que 18 anos como critério para definição legal de adulto e, 
portanto, responsável penalmente. E entre as que não adotam tal critério, 
destacam-se: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, 
Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granada. Destaque-se que 
a Alemanha e a Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal, e a 
primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 
18 a 21 anos. Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os 
demais países são considerados pela ONU como países de médio ou baixo 
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens 
infratores ainda mais problemática. Enquanto nos EUA e Inglaterra a 
juventude tem asseguradas condições mínimas de saúde, alimentação e 
educação, nos demais países (como no Brasil) isto está longe de acontecer. 
Nos países ditos desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a 
sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse 
pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. 
(AMARAL, 2003, p. 27) 
 
 
Amaral (2003, p. 27) vai além, ao dizer-nos que por outro lado, na Nicarágua, 
Índia ou no Brasil, este pressuposto é totalmente falso: em todo o País, apenas 
3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa concluíram o ensino 
fundamental. É imoral, assim, querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à 
inglesa ou norte-americana – esquecendo-se da boa qualidade de vida que os 
jovens desfrutam há décadas naqueles países. Que nosso Estado e nossa 
sociedade assegurem primeiro as mesmas condições e depois, quiçá, terá alguma 
moral para cogitar de responsabilidade individual dos jovens e alterar a lei penal, 
punir e vingar-se daquele que abandonou à própria sorte. E não se argumente que

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