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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIRETO DISCIPLINA DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I PROF. WILLIAM SMITH KAKU TRABALHO 5 JURISPRUDÊNCIAS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ALUNOS: JOSÉ VITOR MULLER DA SILVA JUNES PEIXOTO BONES MAISSON PATRICK DA SILVA MARQUES PABLO FENNER VICTOR RODRIGUES BRUNATTO VOLMAR CORREA VIEIRA Porto Alegre Janeiro 2018 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 4 1 CASO JOÃO MARCOS NO STF (CF/1988, ART. 5º, § 2º) ................................................... 5 1.1 Relatório .................................................................................................................................... 5 1.1.1 Dados sobre a decisão ............................................................................................................. 5 1.1.2 Resumo da lide e das alegações .............................................................................................. 5 1.1.3 Resumo do decisum .................................................................................................................. 6 1.2 Análise da decisão ..................................................................................................................... 7 1.2.1 Generalidades .......................................................................................................................... 7 1.2.2 Princípios ................................................................................................................................. 7 1.2.3 Linha doutrinária ..................................................................................................................... 8 1.2.4 Linha jurisprudencial .............................................................................................................. 9 1.2.5 Cronograma legislativo e jurisprudencial relacionado ao caso ........................................... 10 1.2.6 Opinião do grupo sobre a decisão ......................................................................................... 11 2 CASO WILSON NO TRF4 (CF/1988, ART. 109, V) ............................................................. 14 2.1 Relatório .................................................................................................................................. 14 2.1.1 Dados sobre a decisão ........................................................................................................... 14 2.1.2 Resumo da lide e das alegações ............................................................................................ 14 2.1.3 Resumo do decisum ................................................................................................................ 14 2.2 Análise da decisão ................................................................................................................... 15 2.2.1 Generalidades ........................................................................................................................ 15 2.2.2 Princípios ............................................................................................................................... 17 2.2.3 Linha jurisprudencial ............................................................................................................ 19 2.2.4 Cronograma legislativo e jurisprudencial relacionado ao caso ........................................... 21 2.2.5 Opinião do grupo sobre a decisão ......................................................................................... 22 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 23 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 24 4 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como finalidade estabelecer uma análise descritiva acerca da conduta do Judiciário brasileiro no que tange ao conflito entre tratados e leis internas. Nesse passo, cumpre analisar como o Brasil tem se posicionado acerca do tema, tendo como pano de fundo duas decisões: uma, do STF, a respeito de uma questão sobre direitos humanos, a prisão civil do depositário infiel, que será tratada no item 1; e a outra, do TRF da 4ª Região, que versa sobre o conflito de competência entre Justiça Federal e Justiça Estadual, envolvendo um julgamento sobre crime de violação a direito autoral no Estado do Paraná na fronteira com o Paraguai, que será analisada no item 2. Cada uma dessas duas análises tem como foco um dispositivo constitucional que é central na fundamentação de cada uma dessas decisões. A primeira análise foca-se no art. 5º, § 2º; enquanto a segunda, no art. 109, inc. V, da Constituição Federal de 1988. Com este trabalho, busca-se, ainda, contribuir com um pensamento crítico sobre o posicionamento do Judiciário brasileiro quando da análise de conflitos entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno, visando uma análise final acerca da eficacia dos métodos empreendidos. Nesse ponto, frisa-se, em que pese o grande emprego doutrinário, o foco do presente trabalho é na exposição crítica e, quando for o caso, das respectivas controvérsias teóricas que se verificam na doutrina e na jurisprudência. O estudo acerca do modo com que o direito brasileiro tem incorporado e convivido com o Direito Internacional é de suma importância, ainda mais quando vistos dois fatores que contribuem para o crescimento do número de conflitos entre tratados e leis, quais sejam, a integração e a globalização econômicas. Na atual conjuntura político-econômica internacional é inquestionável que a globalização é um fenômeno cada vez mais inevitável, bem como é notório que os limites jurisdicionais dos Estados, com uma habitualidade muito maior do que no passado, são corriqueiramente transpassados. Nesse cenário, o direito internacional vai adquirindo também um aspecto globalizado, onde os tratados ocupam um espaço vital. Logo, correta a preocupação atual em se saber em que medida todos esses tratados podem e devem ser cumpridos, principalmente quando vão de encontro às disposições do Direito Interno. Nesse contexto, será exposto o supracitado tema, a fim de que, superada uma análise inicial - com a devida exposição dos princípios incidentes e o entendimento doutrinário e jurisprudencial - passar-se-á para uma breve apreciação, a fim de que o presente trabalho contribua para a construção de um pensamento crítico. 5 1 CASO JOÃO MARCOS NO STF (CF/1988, ART. 5º, § 2º) 1.1 Relatório 1.1.1 Dados sobre a decisão Tribunal : Supremo Tribunal Federal Turma : Segunda Processo : Habeas Corpus 96.772-8 São Paulo Relator : Ministro Celso de Mello Paciente/Impetrante : João Marcos Bachega Coator : Superior Tribunal de Justiça Julgamento : 09/06/2009 Publicação : DJe 21/08/2009 1.1.2 Resumo da lide e das alegações Observe-se que, no caso de João Marcos Bachega, a sua defesa, desde o 1º Grau até o STF, nunca usou como fundamento quaisquer normas de Direito Internacional, mas apenas os fatos do caso concreto e as normas jurídicas produzidas no âmbito do direito interno. Somente na última instância, é que um órgão julgador, diga-se o STF, veio a considerar, na análise do caso, as normas internacionais a ele relacionadas,bem como seus respectivos fundamentos constitucional, jurisprudencial e doutrinário. De início, João Marcos foi acusado como depositário infiel nos autos da Execução Fiscal nº 114/1993. Dois bens penhorados ficaram sob sua guarda, uma copiadora heliográfica e uma prancheta para desenho, ambas pertencentes à sociedade executada, Bachega Carazzatto e Santos Sc Ltda, da qual João Marcos era sócio e representante legal. Os bens se deterioraram. E, embora alegando que essa deterioração fosse natural, João Marcos teve sua prisão civil decretada a pedido da União pela 1ª Vara Cível da Comarca de Pindamonhangaba/SP. Para se defender, a defesa de João Marcos requereu, em julho de 2004, a avaliação indireta dos bens penhorados a fim de depositar a quantia correspondente ao seu valor de mercado. A defesa de João Marcos alegou que o Juiz da execução não se pronunciou acerca deste pedido. Depois, em dezembro de 2005, João Marcos adquiriu bens idênticos para substituí-los pelos bens penhorados deteriorados a fim de revogação do decreto de prisão civil. Contudo, por não ter seus pedidos atendidos, impetrou habeas corpus perante o TRF da 3ª Região, o qual foi denegado por não ter sido 6 provada a existência efetiva dos bens alegadamente depositados em juízo e nem tampouco a sua equivalência aos bens inicialmente penhorados. Inconformado, João Marcos interpôs recurso ordinário em habeas corpus no STJ, sustentando a ilegalidade da ordem de prisão, já que os bens penhorados seriam fungíveis, nos termos do art. 85 do Código Civil de 2002, e teriam sido oferecidos, em substituição, outros bens da mesma espécie, qualidade e quantidade. Neste recurso, João Marcos requereu ao STJ a reforma do acórdão impugnado a fim de obter a ordem de habeas corpus e a revogação do decreto de prisão. O Ministério Público Federal opinou, junto ao STJ, pelo desprovimento deste recurso (HC 21.122 SP/STJ). A seguir, em 05/06/2007, o STJ decidiu negar-lhe o provimento, tendo como principais fundamentos três orientações: uma constitucional, o inc. LXVII, do art. 5º, que admite a prisão do depositário infiel; uma legal, o art. 652, do Código Civil de 2002 (idêntico ao art. 1.287 do Código Civil de 1916), que determina a prisão do depositário quando ele não restitui o depósito que lhe é exigido; e uma jurisprudencial convertida em lei, a Súmula 619 do STF, positivada pela Lei 11.382/2006, que incluiu o § 3º no art. 666, do CPC/1973, permitindo que a prisão do depositário infiel fosse decretada no âmbito do próprio processo de execução. A defesa de João Marcos, então, recorreu ao STF, solicitando liminarmente a expedição de salvo-conduto e, no mérito, a revogação do mandado de prisão, tendo em vista a violação ao art. 5º, caput e o inc. LXVIII, da CF/1988, que trata sobre a concessão de habeas corpus. 1.1.3 Resumo do decisum Em 26/11/2008, o STF concedeu a liminar solicitada pela defesa de João Marcos. E o julgamento final ocorreu em 09/06/2009, no qual a Segunda Turma do STF (estando presentes os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau), por unanimidade, deferiu o pedido de habeas corpus em favor de João Marcos, tendo servido como principais fundamentos jurídicos para esta decisão: os arts. 7º, item 7, e 29, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (ou Pacto de São José da Costa Rica); e o art. 5º, § 2º, da CF/1988. A interpretação de tais fundamentos pelo STF conduziou-o a determinar a inadmissibilidade da prisão civil por infidelidade depositária, qualquer que fosse a modalidade de depósito, voluntário ou necessário. Foram citados como precedentes jurisprudenciais o cancelamento da súmula 619 do STF e mais quatro julgados da mesma corte, os REs 349.703 e 466.343 e os HCs 87.585 e 92.566, todos decididos na mesma data, 03/12/2008, cancelando a prisão civil de depositários infiéis. 7 1.2 Análise da decisão 1.2.1 Generalidades No caso João Marcos, A decisão do STF teve uma fundamentação substancialmente diferente das decisões nas instâncias inferiores (1º Grau, TRF da 3ª Região e STJ). Pois, o STF levou em conta a força supralegal de dois tratados internacionais em matéria de direitos humanos: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Ambos passaram a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro em 1992. Como fundamento de validade para a adoção da hierarquia normativa supralegal dos tratados internacionais, o STF se valeu, embora algumas divergências, do disposto no art. 5º, § 2º, da CF/88: Art. 5º. (...) § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 1.2.2 Princípios O princípio mais importante aplicado ao caso de João Marcos é o que consta no art. 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica, segundo o qual: Art. 7º. Direito à liberdade pessoal 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. (grifo nosso) Este princípio também se encontra na Constituição brasileira, art. 5º, inc. LXVII, a qual, porém, admite uma exceção a mais que a prisão do devedor de alimentos, a do depositário infiel. CF/88. Art. 5º. LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; (grifo nosso) Segundo o entendimento atual do STF, o princípio que supera esta divergência é o contido no art. 5º, § 2º, da CF/88, já citado, ao garantir a não exclusão de direitos decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil faça parte, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica. De maneira que O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. (HC 88.240 SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 23/10/2008, citado no HC 96.772 SP) (grifos nossos) 8 Outro princípio sopesado pelo STF foi o do art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que, identificado como um princípio hermenêutico básico, confere primazia à norma mais favorável à pessoa, seja esta norma oriunda de um tratado internacional ou da legislação nacional. Art. 29. Normas de interpretação Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. (Pacto de São José da Costa Rica) HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observarum princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. (HC 96.772 SP) (grifos nossos) 1.2.3 Linha doutrinária A citação abaixo, integrante do voto do Min. Celso de Mello, no julgamento do caso sob análise, relaciona os autores e as obras que definiram o sentido da linha doutrinária adotada por este Ministro, isto é, a de considerar suprimida a prisão civil do depositário infiel do ordenamento jurídico brasileiro. Cabe destacar, neste ponto, por relevante, que essa orientação tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, que sustenta a insubsistência, em nosso sistema de direito positivo, da prisão civil do depositário infiel, valendo referir, dentre outros eminentes autores, as lições de VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Prisão Civil por Dívida e o Pacto de San José da Costa Rica”, 2002, Forense), de GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO (“Curso de Direito Constitucional”, p. 737/755, item n. 9.4.4, 4ª ed., 2009, IDP/Saraiva), de ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (“Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos”, 2ª ed., 2003, Fabris), de FLÁVIA PIOVESAN (“Direito Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, 2006, Saraiva), de CELSO LAFER (“A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais”, 2005, Manole), de LUIZ FLÁVIO GOMES (“Direito Penal”, vol. 4/45- 64, 2008, RT, obra escrita em conjunto com VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI), de GUILHERME ALBERGE REIS e RODRIGO CÉSAR NASSER VIDAL (“A Prisão do Depositário Infiel à Luz da Constituição Federal de 1988”, “in” “Direito em Movimento”, vol. III/307-321, coordenação de MÁJEDA D. MOHD POPP e ANASSÍLVIA SANTOS ANTUNES, 2008, Juruá), de LUIZ ALBERTO PEREIRA RIBEIRO (“A Ilegalidade da Prisão Civil por Dívida do Depositário Infiel na Alienação Fiduciária em Garantia de Bem Móvel face aos Direitos Humanos”, “in” “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, p. 277/285, 1ª ed./3ª tir., coordenação de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, 2006, Juruá), de 9 MAURÍCIO CORDEIRO (“Prisão Civil por Dívida e sua Proscrição Definitiva”, 2008, Factash Editora) e de ODETE NOVAIS CARNEIRO QUEIROZ (“Prisão Civil e os Direitos Humanos”, 2004, RT). (grifos conforme original) Em três dos quatro acórdãos de 3 de dezembro de 2008, que constituem precedentes para o caso João Marcos, diga-se, nos REs 349.703 RS e 466.343 SP e no HC 87.585 TO, o Rel. Min. Celso de Mello fez menção semelhante a este conjunto de obras, basilares para a fundamentação do seu voto, vencedor em todas essas decisões, cujos autores sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade. (Voto do Min. Celso de Mello, HC 90.983 SP, j. 23/09/2008, grifos conforme original) Contudo, a tese que se tornou preponderante, conforme já analisado no item 1.2.2, foi a da supralegalidade. 1.2.4 Linha jurisprudencial A linha jurisprudencial referente ao Direito Internacional, seguida na decisão sobre o HC 96.772 SP, está contida no voto do Rel. Min. Celso de Mello, o qual se refere a quatro decisões que foram julgadas em conjunto em 3 de dezembro de 2008. Com efeito, o Plenário desta Suprema Corte, no julgamento conjunto do RE 349.703/RS, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES, do RE 466.343/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO, do HC 87.585/TO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, e do HC 92.566/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, firmou o entendimento de que não mais subsiste, em nosso sistema constitucional, a possibilidade jurídica de decretação da prisão civil do depositário infiel, inclusive a do depositário judicial. Nos julgamentos mencionados, o Supremo Tribunal Federal, ao assim decidir, teve presente o que dispõem, na matéria, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 7º, n. 7) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 11). (grifos do original) Nos julgados referidos no trecho acima, os ministros do STF fundamentaram extensivamente as razões de seus votos. No julgamento do RE 349.703 RS, por exemplo, inúmeros doutrinadores nacionais e estrangeiros foram citados, sobretudo no voto do Min. Celso de Mello, conforme já mencionado no item 1.2.3 acima. No mesmo julgamento, o voto do Min. Gilmar Mendes analisou comparativamente disposições constitucionais de vários países que conferem hierarquia supralegal para os tratados internacionais sobre direitos humanos, tese que acabou sendo a adotada pelo STF. E, por fim, mas não menos interessante, é o histórico das mudanças de entendimento sobre a admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no âmbito das decisões do STF, que se encontra no voto do Min. Ilmar Galvão também no RE 349.703 RS, que contém 202 páginas, mas cujo estudo não dispensa o das demais decisões daquele dia, 3 de dezembro de 2008, que, em conjunto, constituem 10 um marco importante para o novo posicionamento do STF sobre a prisão civil do depositário infiel e a adoção da hierarquia normativa supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos com base no art 5º, § 2º, da CF/88. 1.2.5 Cronograma legislativo e jurisprudencial relacionado ao caso 22/11/1969 - Celebração e assinatura do Pacto de São José da Costa Rica.1 18/07/1978 - Entrada em vigor do Pacto de São José da Costa Rica para as onze primeiras partes aderentes. 17/10/1984 - Aprovação da Súmula 619 do STF,2 positivada em 06/12/2006 pela Lei 11.382/2006, e revogada (a Súmula) em 03/12/2008. 05/10/1988 - Promulgação da CF/88, prevendo a possibilidade da prisão do depositário infiel no art. 5º, inc. LXVII. 24/04/1992 - Entra em vigor, para o Brasil, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (internacionalmente em vigor desde 23/03/1976), aprovado pelo Decreto Legislativo n. 226, de 12/12/1991, e promulgado pelo Decreto n. 592, de 06/07/1992. O art. 11 deste Pacto proíbe a prisão por não cumprimento de obrigações contratuais. 25/09/1992 - Entra em vigor. para o Brasil, com o depósito do seu instrumento de adesão, o Pacto de São José da Costa Rica (internacionalmente em vigor desde 18/07/1978), aprovado pelo Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992, e incorporado ao direito positivo interno em 06/11/1992 pela promulgação do Decreto n. 678. 11/02/1994 - Edição da Medida Provisória 427, prevendo a prisão do depositário infiel para a Fazenda Pública, que foi reeditada pela MP 449 de 17/03/1994. 28/03/1994 - Distribuição para Min. Sydney Sanches do STF da ADIn 10553 contra a inconstitucionalidade da MP 449 de 17/03/1994 requerida pela Confederação Nacional da Indústria - CNI. 11/04/1994 - Conversão da MP 449/1994 na Lei 8.866/1994. 16/06/1994 - Liminar na ADI 1055 MC Prisão de Depositario Infiel na Lei 8.866 (MPs 427 e 449-1994) 1 A relação de países signatários e partes do Pacto de São José da Costa Rica, bem como as datas de assinatura, ratificação e depósito do instrumento de ratificação podem ser verificadas no seguinte endereço: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm.2 Súmula 619 do STF: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”. 3 http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=1055&processo=1055 11 10/01/2002 - Promulgação do novo Código Civil brasileiro, prevendo no art. 652 a prisão do depositário infiel. 06/12/2006 - Promulgada a Lei 11.382, que positiva o teor da Súmula 619 do STF, ao acrescentar o § 3º ao art. 666 do Código de Processo Civil/1973. 05/06/2007 - Julgamento do HC 21.122 pelo STJ, decidindo pela legalidade da prisão civil do depositário João Marcos Bachega. 03/12/2008 - Julgamento do HC 92.566 pelo STF e revogação da Súmula 619 do STF. 09/06/2009 - Julgamento do HC 96.772 pelo STF, concedendo HC para João Marcos Bachega. 16/12/2009 - Aprovação da Súmula Vinculante 25 que diz ser ilícita a prisão do depositário infiel. 1.2.6 Opinião do grupo sobre a decisão A decisão do STF no caso João Marcos, julgada em 9 de junho de 2009, ocorre apenas seis meses após o marco jurisprudencial do STF de 3 de dezembro de 2008, contudo, dezessete anos após a entrada em vigor do Pacto de São José da Costa Rica para o Brasil, em 1992. Por tanto, por muitos anos, vários mandados de prisão contra depositários infiéis foram decretados e executados. Inclusive novos dispositivos legais, regulamentando a prisão civil do depositário infiel, foram promulgados, ao longo desse tempo, sendo três os principais exemplos: a Lei 8.866 de 1994, que dispunha sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública e previa sua prisão no art. 4º, §§ 1º e 2º; o Código Civil de 2002, que prevê, no art. 652, a prisão do depositário infiel, reproduzindo o mesmo texto do art. 1.287 do Código Civil de 1916; e a Lei 11.382 de 2006, que acrescentou o § 3º ao art. 666 do Código de Processo Civil de 1973, o qual definia que “a prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito”. Segundo Mazzuoli,4 a edição dessas leis conflitantes com o Pacto de São José da Costa Rica se explicava porque o entendimento do STF, desde o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004- SE (RTJ 83/809) de 1977, era o de considerar os tratados internacionais com o mesmo nível de lei ordinária (relação de paridade normativa). Logo, as leis poderiam revogar os tratados. E, no dizer de Flávia Piovesan, julgamentos como este consistem em afronta a outro tratado de que o Brasil é parte, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados: Acredita-se que o entendimento firmado a partir do julgamento do Recurso Extraordinário n. 80.004 enseja, de fato, um aspecto crítico, que é a sua indiferença diante das consequências do descumprimento do tratado no plano internacional, na medida em que autoriza o Estado- parte a violar dispositivos da ordem internacional — os quais se comprometeu a cumprir de 4 MAZZUOLI, 2002, p. 71-72. 12 boa-fé. Essa posição afronta, ademais, o disposto pelo art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que determina não poder o Estado-parte invocar posteriormente disposições de direito interno como justificativa para o não cumprimento de tratado.5 Contudo, Piovesan não observa que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, apesar de ter sido assinada pelo Brasil em 23 de maio de 1969, só entrou em vigor para o país em 25 de outubro de 2009, trinta dias após o depósito do instrumento de ratificação, que ocorreu em 25 de setembro de 2009, e foi promulgada pelo Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. A disposição sobre a entrada em vigor desta Convenção para cada Estado é observada no seu art. 84, item 2. Artigo 84 - Entrada em Vigor 1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. 2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por esse Estado, de seu instrumento de ratificação ou adesão. (Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.) No entanto, consideramos que são totalmente válidas as considerações de Piovesan em relação à adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica. Tal dispositivo reitera a importância, na esfera internacional, do princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir cumprimento às disposições de tratado, com o qual livremente consentiu. Ora, se o Estado, no livre e pleno exercício de sua soberania, ratifica um tratado, não pode posteriormente obstar seu cumprimento. Além disso, o término de um tratado está submetido à disciplina da denúncia, ato unilateral do Estado pelo qual manifesta seu desejo de deixar de ser parte de um tratado. Vale dizer, em face do regime de Direito Internacional, apenas o ato da denúncia implica a retirada do Estado de determinado tratado internacional. Assim, na hipótese da inexistência do ato da denúncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem internacional.6 Piovesan observa que a tese da paridade entre tratado internacional e lei ordinária federal, firmada em 1977, foi reafirmada pelo STF, em 1995, num julgamento, em grau de habeas corpus, de um caso de prisão civil por dívida de depositário infiel, o HC 72.131-RJ (22.11.1995), onde foi citado que “inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República. (...) a ordem constitucional vigente no Brasil não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante convenção internacional, ter-se-ia interditado a possibilidade de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada expressamente pela própria Constituição da República. A circunstância do Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica — cuja posição, no plano da hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas — não impede que o Congresso Nacional, em tema de prisão civil por dívida, aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção processual (...). Os tratados internacionais não podem 5 PIOVESAN, 2013. 6 Ibid. 13 transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental. (...) Diversa seria a situação, se a Constituição do Brasil — à semelhança do que hoje estabelece a Constituição argentina, no texto emendado pela Reforma Constitucional de 1994 (art. 75, n. 22) — houvesse outorgado hierarquia constitucional aos tratados celebrados em matéria de direitos humanos. (...) Parece-me irrecusável, no exame da questão concernente à primazia das normas de direito internacional público sobre a legislação interna ou doméstica do Estado brasileiro, que não cabe atribuir, por efeito do que prescreve o art. 5º, parágrafo 2º, da Carta Política, um inexistente grau hierárquico das convenções internacionaissobre o direito positivo interno vigente no Brasil, especialmente sobre as prescrições fundadas em texto constitucional, sob pena de essa interpretação inviabilizar, com manifesta ofensa à supremacia da Constituição — que expressamente autoriza a instituição da prisão civil por dívida em duas hipóteses extraordinárias (CF, art. 5º, LXVII) — o próprio exercício, pelo Congresso Nacional, de sua típica atividade político-jurídica consistente no desempenho da função de legislar. (...) A indiscutível supremacia da ordem constitucional brasileira sobre os tratados internacionais, além de traduzir um imperativo que decorre de nossa própria Constituição (art. 102, III, b), reflete o sistema que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no plano do direito comparado” (Trechos do voto do Min. Celso de Mello no julgamento do HC 72.131-RJ, em 22.11.1995.)7 Conforme a pesquisa crítica de Piovesan, esse entendimento do STF, que é conforme o voto (acima) do Min. Celso de Mello e que considera os tratados internacionais com a mesma hierarquia de leis ordinárias, foi posteriormente reiterado nos julgamentos da ADI 1480 DF, de 04/09/1997; do RE 206.482 SP, de 27/05/1998; do HC 76.561 SP, de 27/05/1998; e do RE 243.613, de 27/04/1999. Levou alguns anos para que o Min. Celso de Mello, ao lado de outros integrantes do STF, mudassem seu entendimento, passando a citar a doutrina de Piovesan, entre as de outros autores, como fundamento de suas argumentações a fim de considerarem que: conferir hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com sua racionalidade e principiologia. Trata-se de interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana — que é valor fundante do sistema constitucional.8 7 PIOVESAN, 2013. 8 Ibid. 14 2 CASO WILSON NO TRF4 (CF/1988, ART. 109, V) 2.1 Relatório 2.1.1 Dados sobre a decisão Tribunal : Tribunal Regional Federal da 4ª Região Turma : Sétima Processo : Recurso Criminal em Sentido Estrito Nº 5000494-05.2013.404.7005/PR Relator : Juiz Federal Artur César de Souza Recorrente : Ministério Público Federal Recorrido : Wilson Galvão Julgamento : 23/04/2013 2.1.2 Resumo da lide e das alegações Em 25/01/2009, Wilson Galvão foi abordado enquanto conduzia um automóvel, na BR 277 na cidade de Cascavel, que transportava, sem a devida regularização, 110 CDs e 210 DVDs gravados e outras mercadorias estrangeiras. O Ministério Público Federal apresentou a denúncia por violação de direitos autorais relativos aos CDs e DVDs apreendidos. A Juíza, da 2ª Vara Federal de Cascavel/Paraná, entendeu que, por se tratar de crime de violação a direito autoral, competia a Justiça Estadual o julgamento do feito. O MPF interpôs recurso contra a decisão de declínio de competência. Alega nas razões de recurso que cabe à Justiça Federal o processamento e julgamento da lide tendo em vista a existência de tratados internacionais, nos quais o Brasil participou, sobre o combate a falsificações. 2.1.3 Resumo do decisum A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, composta pelo Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, pelo Juiz Federal Artur César de Souza e pela Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, deu provimento ao recurso do MPF, por unanimidade, reformando a decisão que declinou da competência para a Justiça Estadual, entendendo que por terem sido encontradas as mercadorias perto da fronteira do Brasil com o Paraguai, há fortes indícios de transnacionalidade da conduta prevista no art. 184, §2º do Código Penal, cabendo, portanto, à Justiça Federal o processamento e julgamento da lide. A decisão se baseou na Convenção de Berna, na Convenção Interamericana sobre os Direitos de Autor em Obras Literárias, Científicas e Artísticas, nas 15 Conferências Pan-Americanas, na Convenção de Genebra, na Convenção de Roma, no Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT, na Convenção Universal dos Direitos do Autor de Genebra e no artigo 109, V da Constituição Federal do Brasil, modificando assim a jurisprudência a respeito da competência para julgar crimes de violação a direito autoral. 2.2 Análise da decisão 2.2.1 Generalidades Como o arrazoado do ponto anterior concernente a esta decisão esclarece, trata-se de um decisum que versa, principalmente, a respeito de matéria de competência processual no julgar de uma causa que dialoga com noções próprias do Direito Internacional. Trata-se de disposição de que a Justiça Federal julgue caso de violação de direitos autorais em incidente que diretamente envolveu o país Paraguai – portanto, um incidente transnacional. Em anterior à generalidade própria da decisão e um levantamento dos proeminentes objetos que dela advém, cabe, a partir da atualidade e relevância do tema, tecer análise do panorama da informalidade no eixo Brasil-Paraguai, com o fim de esclarecer que o caso em análise não constitui evento isolado, mas parte de uma recorrente prática ilegal de comércio. Em declaração ao O Globo em 2017,9 o então Ministro da Justiça do Governo brasileiro, Osmar Serraglio, demonstrou preocupação com a prática supracitada. Osmar destacou a cultura brasileira como parte do que legitima o exercício da pirataria e da violação dos direitos autorais. Segundo o político, as condutas deste gênero têm consequências mediatas, que se irradiam em um futuro distante, mas com efeitos severos. Sobretudo, entende que o dinheiro movimentado por este comércio informal é destinado a financiamento de crimes, destruindo não apenas a capacidade econômica do país, mas, igualmente, pequenos empreendedores que possam buscar louros dentro do terceiro setor. O comércio ilegal na fronteira com o Paraguai não abrange apenas DVDs e CDs (como na matéria em estudo). Destaca-se o contrabando de cigarros e drogas, igualmente - produtos progressivamente alarmantes, com um prisma de mazelas ainda mais amplo. Conforme pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social da Fronteira veiculada na Folha,10 prejuízos decorrentes das práticas comuns a estas atuações chegaram a cento e 9 SCRIVANO e NASCIMENTO, 2017. 10 TOLEDO, 2017. 16 trinta bilhões de reais em 2016. As perdas incluem degradações advindas ao setor produtivo e ao regime de impostos. De um ponto de vista contextual, dessarte, clarifica-se que, extrapolando limites do Direito e discussão próprias da doutrina e jurisprudência, o comércio transnacional informal que abrange Brasil e Paraguai possui reflexos sociais e econômicos (como resta demonstrado nos estudos divulgados pela mídia, acima). Resta-nos, contudo, sopesar, na sequência, os reflexos detidos exclusivamente no campo jurídico, abordando, mormente, dois conceitos básicos que resultam da decisão examinada: competência e transnacionalidade como positivada no artigo 109 da Constituição Federal. A decisão do Caso Wilson no TRF4, ao determinar à Justiça Federal o rigor do julgado, cumpre o disposto, internamente, na Carta Magna brasileira que, em seu Título IV, trata da organização dos Poderes. O Poder Judiciário é especializado,11 e cada estrutura está especificada para um tipo próprio de matéria a ser regulada. No fato em questão, impera à ordem da Justiça Federal, que possui um critério de determinação, para sua competência, da qualidade dos atores processuais ou, ainda, evocando o art. 109,inc. III, da CF/88, de critério material, qual seja a existência de tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; O primórdio da noção de competência surge, no Direito pátrio, no século XIX. Em que pese já existisse um aparelhamento de Justiça no Brasil anteriormente,12 é somente mediante o desenvolvimento de uma Justiça Federal, com o Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que passa- se a positivar regras de dinstinção das matérias que podem ou não ser julgadas pelos diferentes braços da Justiça enquanto órgão.13 Mediante a incorporação da ideia de que existiria, consoante o Decreto, uma competência Federal para todos os casos que, de alguma forma, envolvessem convenções ou acordos internacionais, criou-se um arcabouço legislativo próprio. Desde então, a partir deste primeiro dispositivo de 1890, perpassando Cartas Constitucionais vindouras, tornou-se passiva a ideia de que 11 ROMANO NETO, 2010. 12 A Justiça Federal, no Brasil, aparece inicialmente posto o período de Proclamação da República. Antes disso, nos anos Imperiais da história nacional, devido ao regime unitário que existia, não era concebida uma forma, no campo processual, que pudesse abarcar os conceitos aproximados de competência que são conhecidos no presente. Destarte, a Constituição de 1824 é omissa nas menções de matérias tais. 13 Art. 15. Compete aos juizes de secção processar e julgar: (...) f) as acções movidas por estrangeiros e que se fundem quer em contractos com o Governo da União, quer em convenções ou tratados da União com outras nações; (...) 17 liga-se sempre à Justiça Federal, em sua alçada, as disciplinas que transcendem o cenário jurídico nacional. Ainda nas generalidades do decisum, é mister que pontuemos a ideia dos direitos autorais, presente na questão, por meio do diálogo da matéria com a competência federal diante da incidência apropriada do Direito Internacional. Ora, como acima verifica-se, cabe à Justiça Federal a competência processual de julgar os casos através dos quais incida clara evidência de matéria internacional, presente quer em Tratado, quer em covenção. Por conseguinte, devemos, nesta subanálise do trabalho, dialogar a generalidade típica que liga os produtos indevidamente copiados, violando, portanto, pressupostos de direitos autorais, com o Direito Internacional. Deve-se destacar, em condutas como a do Caso Wilson, que a atividade delitiva que envolvia o transporte das mídias que atentavam aos direitos autorais dizia respeito a outra nação, o Paraguai. A partir disto, estabelece-se uma relação clara de transnacionalidade que, por sua vez, remete a matéria à competência Federal. A mera ação movida diante de um crime de direitos autorais não é causa, por si só, suficiente para a disposição de transferência de competências no Judiciário. Assim como para qualquer outra matéria, a consideração é feita, unicamente, diante da incidência das hipóteses positivas no dispositivo constitucional - o artigo 109. A transnacionalidade da matéria é catalisador deste tipo de necessidade processual (a competência recair sobre a Justiça Federal), e não o ponto meramente material, como pode ser equivocadamente entendido a partir de um arrazoar superficial do caso. 2.2.2 Princípios O decisum, propriamente considerado, elenca princípios que não se confundem com a matéria de Direito Internacional, restando restritos ao Direito Processual e Constitucional, unicamente. No entanto, extrapolando a esfera deste caso específico, é possível elencar diferentes referências principiológicas advindas de outras fontes doutrinárias e jurisprudências que se alinham ao evento em análise no julgado deste caso e, por consequência, ao artigo 109 da Carta Magna brasileira. A ideia consagrada em nossa Constituição que embasa a competência da Justiça Federal no julgamento de casos que tangenciem matérias internacionais vai de encontro com a presente na frase de José Carlos de Magalhães: “as constituições dos Estados, organizadoras das comunidades nacionais e lei suprema de cada país, não podem estar dissociadas dos valores e princípios 18 consagrados na ordem internacional”.14 Desta feita, disparidades entre disposições legislativas de um país e disposições internacionalmente acordadas devem ser dirimidas. Deve-se priorizar pela equiparação entre tais conteúdos, portanto. Na ideia de remessa de competência, assim, devem-se associar alguns princípios norteadores da motivação do legislador pátrio ao estipular tal dispositivo. A noção de que a Justiça Federal é a apta para fazer coisa julgada nas matérias transnacionais advém de uma preocupação e tutela do conjunto normativo para que se resguarde ao mais alto, em um nível hierárquico considerado para fins de competência, escalão a potência de atuação. Garantir ao - e tão apenas - ao âmbito federal tal possibilidade deve ser encarada como uma tentativa de estabelecer segurança jurídica e maior legitimidade a decisão. Decisões que envolvam agentes internacionais não teriam a mesma outorga se pudessem advir de tribunais estaduais ou agentes que, possivelmente, estivessem inadequados para tecer considerações de abrangência mais ampla do que em um contexto regional. Daí podemos afirmar que a preocupação do legislador na elaboração do artigo 109, de que falamos, está associada, intrinsecamente, com princípios internacionais que remontem a ideia de solução de imbróglios com o menor agravo possível, tais quais são: o de solução pacífica de controvérsias, o de dever de cooperação internacional e, especialmente, o da boa fé no cumprimento das obrigações internacionais (Mazzuoli referencia o cumprimento, pelos Estados, associado a este título quando redige sobre a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados15 e Rezek,16 em outro espectro, abarca a boa fé, mas inserindo-a na discussão principiológica da irretratabilidade). Tais princípios foram desenvolvidos através da Carta da ONU a respeito das Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados.17 Cecília Galício18 questiona estes princípios e a forma como eles podem vincular os países eficientemente. Remontando a Hart, Cecília indica que os princípios internacionais atingem o seu fim para a solução de questionamentos do direito dentro dos sistemas nos quais se inserem. Em outras palavras, os princípios acima elencados são fulcrais no papel de minimizar mazelas e controvérsias dos sistemas jurídicos, quando estas surgirem. Quando tais controvérsias dizem respeito a confrontos entre diferentes países, deve a ordem nacional buscar solidificar o seu sistema jurídico para que se atinjam os fins internacionais com o 14 MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma Análise Crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000, p. 20. apud LOPEZ, 2009. 15 MAZZUOLI, 2015, p. 109. 16 REZEK, 2014, p. 43. 17 DECLARATION..., 1970. 18 GALÍCIO, 2016. 19 menor dispêndio possível de vigores. Por isso remonta-se ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações internacionais para reiterar que, no caso tratado, o fato dos direitos autorais ostenta, diante da existência de uma controvérsia transnacional, a necessidade de que o Brasil, país competente para julgar o evento, o faça da maneira da maneira mais exitosa, com danos mínimos na sua relação com o Paraguai, e com a mais ampla noção regulatória do Direito queseja possível, qual seja a Justiça Federal. A boa fé no cumprimento das obrigações internacionais, neste caso, trata do Brasil referir à sua ordem federal a competência para julgamento, de modo que esta, como a mais alta ordem, dentro da estrutura que faz paralelo com a Carta Magna, possa atuar sem provocar potenciais aumentos em imbróglios entre os países. O Estado Democrático de Direito resta garantido pela Constituição19 e, esta, por dispositivos como o art. 109, trata de resguardar a noção última da segurança jurídica (conceito este que aproxima ordens nacionais e internacionais, em uma perspectiva doutrinária do Curso de Direito Internacional Público em Accioly),20 da proteção de que aquilo que está positivado é o que, aproximando os campos ontológico e deontológico, vai ser posto em prática pelos Tribunais. Consolida-se a confiança do aparato jurídico-judiciário com tal desempenho. Ora, na abordagem de que acordos e convenções internacionais passem a pressupor uma tutela exclusiva de competência única da Justiça Federal, se está pautando todo o artefato jurídico na prevenção do trato com estes objetos. Os julgamentos de matérias internacionais são sensíveis, pois suas consequências extrapolam as fronteiras da nação e, logo, avalizar o bom emprego do artigo 109 é assegurar o cumprimento dos princípios internacionais vistos acima, garantindo a solução de conflitos com o menor gravor e a partir de preceitos que permeiam a boa fé entre as nações. 2.2.3 Linhas doutrinária e jurisprudencial Conforme Romano Neto, embora ele se refira mas mais especificamente em relação ao inc. III, do art. 109, da CF/88, pode-se dizer algo semelhante também em relação à doutrina e à jurisprudência do inc. V, do mesmo artigo: A doutrina nacional pouco se dedicou a essa regra de competência, o que torna necessário sua análise aprofundada sob o ponto de vista acadêmico, com o fim de estabelecer sua compreensão e orientar sua aplicação pelos operadores do direito, sobretudo pelos juízes federais e estaduais que se deparem no cotidiano forense com ações cujo pedido ou causa de pedir encontre suporte em tratado ou contrado (sic) celebrado pela União. 19 GALÍCIO, 2016. 20 ACCIOLY, 2012, p. 157. 20 De outra parte, também a jurisprudência tem dedicado pouca atenção ao tema, além de verificar-se na maior parte dos julgados encontrados a ausência de um critério uniforme e seguro de aplicação da regra de competência.21 Na linha doutrinária, o voto do Relator Juiz Federal Artur César de Souza cita apenas duas obras. De forma indireta, cita Canotilho, referindo-se ao fato de que: Não cabe ao aplicador/intérprete tornar a norma da Constituição um texto vazio e destituído de qualquer sentido prático, contrariamente ao princípio interpretativo da máxima efetividade das regras constitucionais. E, de forma direta, a obra de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco, o seu Curso de Direito Constitucional (2ª ed., Saraiva, 2008, fls. 118-119): Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo. Na linha jurisprudencial, embora reconheça a existência de jurisprudência do STJ, o Relator se refere apenas a precedentes jurisprudenciais da 7ª Turma, do TRF da 4ª Região, com a relatoria do Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, enumerando apenas três casos: RSE 5003676- 76.2011.404.7002 (DE 27/09/2012); RSE nº 5005639-85.2012.404.7002 (DE, 04/10/2012); e ACR nº 5000397-19.2010.404.7002 (DE, 03/10/2012). Em relação à competência federal para apurar crime de violação a direito autoral, o Rel. César de Souza cita a ementa do RSE 5003676-76.2011.404.7002, na qual, a respeito do art. 109, V, da CF/88, consta que: 5. Havendo tratados internacionais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tutelando direitos autorais e indícios - nos autos - da transnacionalidade da conduta, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Magna Carta. Ausente o pressuposto da transnacionalidade, será da Justiça Estadual. 6. Quando o acusado apenas declara verbalmente ter trazido de outro país os produtos com violação a direito do autor, sem nenhum elemento no conjunto probatório evidenciando a origem estrangeira, torna-se impossível adotar a competência federal, por não comprovada suficientemente a transnacionalidade. 7. In casu, preenchidos os requisitos do art. 109, V, da CF, e presentes os requisitos legais, impõe-se o recebimento da denúncia, conforme os ditames da Súmula 70922 do STF, e o processamento perante a Justiça Federal. (TRF4, RSE 5003676- 76.2011.404.7002, Sétima Turma, Relator Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 27/09/2012) E, depois, ainda no RSE 5003676-76.2011.404.7002, destaca trechos do voto do Rel. Pinheiro de Castro, entre os quais, sobressaem-se a respeito do art. 109, V, da CF/88: (...) Ora, cada inciso do art. 109 da Constituição deve ser interpretado independentemente dos demais, de forma que havendo tratado internacional e transnacionalidade da conduta, resta configurada a competência da Justiça Federal, sendo irrelevante a disposição do inciso IV. 21 ROMANO NETO, 2010. 22 Súmula 709 do STF: Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela. 21 Desse modo, insta tecer algumas considerações acerca dos requisitos insculpidos no art. 109, V, da Constituição Federal. Primeiramente, vale destacar que existem diversos tratados internacionais acolhidos pelo Brasil resguardando os direitos autorais, tais como a Convenção de Berna (da Proteção de Obras Literárias e Artísticas, art. 4 - Decreto n° 75.699/75); Convenção Interamericana sobre os Direitos de Autor em Obras Literárias, Científicas e Artísticas (Artigo VI, 1 e Artigo IX - Decreto n° 26.675/49); as seis Conferências Pan-Americanas, Convenção de Genebra/1971; de Roma/1961, Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT (pela rodada de Negociações do Uruguai, de 1994 - Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994) e Convenção Universal dos Direitos do Autor, de Genebra/1952, revista em Paris/1971 (Decreto nº 76.905, de 24 de dezembro de 1975). Assim, preenchido o primeiro requisito constante do inciso V do art. 109 da Constituição Federal. No que pertine ao segundo pressuposto, a conduta de introduzir no país configura ato de execução descrito no inciso V como aquele que, 'iniciado no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente'. (...) Isto é, havendo tratados internacionais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tutelando direitos autorais e indícios - nos autos - da transnacionalidade da conduta, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Magna Carta. Ausente o pressuposto da transnacionalidade, será da Justiça Estadual. 2.2.4 Cronograma legislativo e jurisprudencial relacionado ao caso 11/10/1890 – Decreto nº 848, de 11 de novembro de 1890, no qual o Governo provisório organiza a Justiça Federal. 1889-1928 – As seis Conferências Pan Americanas.23 12/02/1949 – Convenção Interamericana sobre os Direitos de Autor em Obras Literárias, Científicas e Artísticas (Artigos VI e X – Decreto nº 26.675/1949). 26/10/1961 – Convenção de Roma, promulgada através do Decreto n. 57.125, de 19 de outubrode 1965. 24/07/1971 – Convenção de Genebra, promulgada através do Decreto n. 76.906, de 24 de dezembro de 1975. 06/05/1975 – Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975, que promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris, a 24 de julho de 1971. 24/12/1975 – Decreto nº 76.905, que promulga a Convenção Universal sobre Direito de Autor, de Genebra/1952, revista em Paris/1971. 05/10/1988 – Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, prevendo a competência dos juízes federais no art. 109 e incisos. 30/12/1994 – Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATC (pela rodada de Negociações do Uruguai, de 1994), promulgado pelo Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994. 23 DULCI, 2008. 22 2.2.5 Opinião do grupo sobre a decisão Como dito anteriormente e neste caso específico, há fortes indícios de transnacionalidade, pois as mídias digitais apreendidas foram encontradas em meio a outras mercadorias de origem estrangeira no interior do automóvel conduzido por Wilson Galvão, nas proximidades da fronteira do Brasil com o Paraguai. A jurisprudência da 7ª Turma do TRF da 4ª Região é no sentido de que, havendo tratados inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tutelando direitos autorais e indícios – nos Autos – da transnacionalidade da conduta, a competência será da Justiça Federal nos termos do art. 109, inc. V, da CF/ 88 (art. 184, § 2º, do CP). Ausente este pressuposto, será da Justiça Estadual. Apesar de ser propriamente uma questão jurídica interna de interpretação de competência para julgar o delito podemos também identificar (até pela localização “geográfica”), algumas questões jurisprudenciais do Direito Internacional. Também pelo fato de o país seguir tratados e ditames internacionais anteriormente citados. A interpretação de costumes,24 cuja existência implica também interpretar a conduta dos sujeitos envolvidos, sejam Estados ou organizações internacionais. Assim sendo, como exemplifica Accioly,25 ficam evidentes as semelhanças entre as técnicas do Direito Internacional e as do Direito Interno – nacional – (Processual e Constitucional). Por outro lado, o direito brasileiro, não obstante a existência de legislação interna que defina a competência do juízo responsável pela apreciação da matéria, quando presentes causas fundadas em tratados ou contratos com Estados estrangeiros (art. 109, inc. III, da CF), é ociosa quando da imposição de critérios objetivos que possibilitem o enfrentamento de problemas de conflito entre o Direito Internacional e o Direito Interno. 24 MAZZUOLI, 2015, p. 104. 25 ACCIOLY, 2012, p. 157. 23 CONCLUSÃO Pelo exposto nos casos acima examinados, tais matérias trataram de questões legais lacunosas, que são, ou foram até pouco tempo atrás, ou, possivelmente, voltem a ser: controvertidas. As soluções jurisprudenciais encontradas tiveram que contar decisivamente com o apoio da doutrina. Ao deixar para a jurisprudência a tafera de definir um posicionamento a respeito da questão de conflito de normas entre o Direito Interno e o Direito Internacional - nada existindo expressamente na constituição de 1988 – o sistema nacional possibilita que, às vezes, o Judiciário possa vir a interpretar a matéria de forma diversa e contraditória. A importância dos tratados internacionais é patente, sendo considerado como uma das fontes mais importantes do Direito Internacional, ou seja, uma importante diretriz institucional que estrutura os cenários econômicos, políticos e sociais. Nesse sentido, ainda que não seja a proposta do presente trabalho examinar as teorias que versam sobre a natureza do Direito Internacional, quais sejam, monista e dualista, a jurisprudência internacional é cogente ao defender a primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno dos Estados. Contudo, esta concepção não é uniforme, devendo ser adequeada por cada Estado. No caso brasileiro, a omissão de determinação expressa na constituição acerca da posição nacional sobre as normas do Direito Internacional gerou o posicionamento Jurisprudencial de conferir aos tratados em geral valor equivalente ao das leis infraconstitucionais e aos tratados de direitos humanos valor infraconstitucional, mas supralegislativo. Contudo, como supracitado, o tema carece de maiores critérios objetivos quando presentes conflitos internacionais. Com a tendência de crescimento nos próximos anos de situações de conflitos entre tratados internacionais e leis internas, haja vista o crescente número de tratados assinados pelo Brasil nos últimos anos, faz-se necessário maior incorporação do tema pelo sistema legislativo brasileiro, seguindo a tendência internacional de uma Nova Ordem Internacional. 24 BIBLIOGRAFIA Geral BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 7 jan. 2018. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. Específica do Caso 1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 619. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1523>. Acesso em: 18 jan. 2018. BRASIL. Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992. Aprova o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José) celebrado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1992/decretolegislativo-27-26-maio-1992-358314- publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 4 jan. 2018. BRASIL. Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991. Aprova os textos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 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Específica do Caso 2 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. Nascimento e; COSELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. BRASIL. Decreto nº 848, de 11 de novembro de 1890. Organiza a Justiça Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d848.htm>. Acesso em: 3 jan. 2018. BRASIL. Decreto nº 26.675, de 12 de fevereiro de 1949. Promulga a Convenção Interamericana sobre os Direitos de Autor em Obras Literárias, Científicas e Artísticas, firmada em Washington em 25 22 de junho de 1946. Disponível em: <http://www.unesco.org/culture/natlaws/media/pdf/bresil/brazil_decreto_26675_18_05_1949_por_ orof.pdf>. Acessoem: 4 jan. 2018. BRASIL. Decreto nº 57.125, de 19 de outubro de 1965. Promulga a Convenção Internacional para proteção aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão; assinada em Roma, a 26 de outubro de 1961. 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HC 96772Ementa e Acórdão (3) Relatório (7) Voto - CELSO DE MELLO (9) Debate (2) Extrato de Ata (1) https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=413 66721790953091110000000033&evento=41366721790953091110000000002&key=5cddf49e38 08ff3fde0d482f27a184662f7a3ead2d12c77398f46965a41a5fb1 RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5000494-05.2013.404.7005/PR RELATOR : ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO : WILSON GALVÃO PROCURADOR : HENRIQUE GUIMARAES DE AZEVEDO (DPU) DPU129 EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CRIME DE VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL. TRATADOS INTERNACIONAIS. 1 - Apreensão de CD e DVDs gravados com violação a direito autoral. Decisão monocrática declinou da competência para a Justiça Estadual quanto ao crime de violação a direito autoral. 2. A jurisprudência atual da 7ª Turma deste Tribunal é no sentido de que 'havendo tratados internacionais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tutelando direitos autorais e indícios - nos autos - da transnacionalidade da conduta, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Magna Carta. Ausente o pressuposto da transnacionalidade, será da Justiça Estadual' (RSE 5003676- 76.2011.404.7002, D.E. 27/09/2012). 3. Existentes no caso indícios da transnacionalidade da conduta, vez que as mídias falsificadas foram apreendidas junto com outras mercadorias de origem estrangeira, a competência para julgar o feito é Justiça Federal. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso para reformar a decisão que declinou da competência, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 23 de abril de 2013. Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA Relator Documento eletrônico assinado por Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 5763520v2 e, se solicitado, do código CRC 31F7D3B3. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): Artur César de Souza Data e Hora: 23/04/2013 17:42 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=413 66721790953091110000000031&evento=41366721790953091110000000002&key=7902629fe 0113cac5009f9d7a30f597200d9efdef088e9639b64ad8d72bd389e RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5000494-05.2013.404.7005/PR RELATOR : ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL RECORRIDO : WILSON GALVÃO PROCURADOR : HENRIQUE GUIMARAES DE AZEVEDO (DPU) DPU129 RELATÓRIO Cuida-se de Recurso Criminal em Sentido Estrito apresentado pelo Ministério Público Federal contra decisão proferida pela Juíza Federal da 2ª VF de Cascavel/PR, declinou da competência para a Justiça Estadual para apurar o crime de violação a direito autoral imputado ao acusado, pois o interesse diretamente atingido é particular (evento 3 dos autos 5001465-92.2010.404.7005). Alega o recorrente que o delito de violação a direito autoral consistente na introdução no Brasil de fonogramas (DVD e CD) reproduzidos sem a autorização dos titulares dos direitos correspondentes é de competência da Justiça Federal em virtude de acordos internacionais firmados pelo Brasil de combate a esse tipo de falsificação (evento 9). Com as contrarrazões, subiram os autos. O Representante do Ministério Público Federal emitiu parecer opinando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Peço dia. Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA Relator Documento eletrônico assinado por Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 5763518v3 e, se solicitado, do código CRC 8342DDB3. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): Artur César de Souza Data e Hora: 23/04/2013 17:42 https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=413 66721790953091110000000032&evento=41366721790953091110000000002&key=4b71ff96f2 626ac4d0f354acdbfe7e95c36fd649d86e484b4289d5fd8a69edb7 RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5000494-05.2013.404.7005/PR RELATOR : ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO : WILSON GALVÃO PROCURADOR : HENRIQUE GUIMARAES DE AZEVEDO (DPU) DPU129 VOTO No automóvel conduzido por Wilson Galvão foram encontrados 110 CDs gravados e 210 DVDs gravados conforme auto de infração e apreensão de mercadoria, quando ocorreu a abordagem na BR 277, KM 586, na cidade de Cascavel/PR, no dia 25/01/2009. Na ocasião, também foram apreendidas várias mercadorias de origem estrangeira sem a regular internação no país, mas não há nos autos informações sobre o destino dessas mercadorias. A denúncia abordou apenas a apreensão dos CDs e DVDs gravados com violação a direitos autorais, tendo a magistrada declinado da competência para a Justiça Estadual para apurar esse delito em face da existência de interesse particular no caso. Competência federal para apurar crime de violação a direito autoral Esta 7ª Turma modificou a jurisprudência a respeito da competência da Justiça Federal para processar e julgar crime de violação a direito autoral em função equivocada interpretação de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, consoante os termos do seguinte acórdão: Penal e Processual. Art. 184, § 2º, do CP. violação de direitos autorais. Reexame dos casos de fixação da competência. Art. 109, V, da CF. Tratado internacional. Existência. Transnacionalidade. Configuração. Art. 109, IV da CF. Interesse da União. Irrelevância. Competência da Justiça Federal. Denúncia. Recebimento. Súmula 709 do STF. 1. Com base em interpretação equivocada da jurisprudência do STJ, esta Corte vem declinando da competência para julgar delito de violação de direitos autorais à Justiça Estadual. 2. O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o delito insculpido no art. 184, § 2º, do CP quando ausente o requisito constitucional da transnacionalidade da conduta. 3. Cada inciso do art. 109 da Constituição deve ser interpretado independentemente dos demais, de forma que, havendo tratado internacional e transnacionalidade da conduta, resta configurada a competência da Justiça Federal, sendo irrelevante a disposição do inciso IV. 4. Declinar da competência exclusivamente por ausência de ofensa a bens, serviços e interesses da União, ignorando o inciso V do art. 109, implicaria verdadeira revogação tácita de dispositivo constitucional. 5. Havendo tratados internacionais inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tutelando direitos autorais e indícios - nos autos - da transnacionalidade da conduta, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da Magna Carta. Ausente o pressuposto da transnacionalidade, será da Justiça Estadual. 6. Quando o acusado apenas declara verbalmente ter trazido de outro país os produtos com violação a direito do autor, sem nenhum elemento no conjunto probatório evidenciando a origem estrangeira, torna-se impossível adotar a competência federal, por não comprovada suficientemente a transnacionalidade. 7. In casu, preenchidos os requisitos do art. 109, V, da CF, e presentes os requisitos legais, impõe-se o recebimento da denúncia, conforme os ditames da Súmula 709 do STF, e o processamento perante a Justiça Federal. (TRF4, RSE 5003676-76.2011.404.7002, Sétima Turma, Relator Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 27/09/2012) No mesmo sentido RSE nº 5005639-85.2012.404.7002 (DE, 04/10/2012) e ACR nº 5000397- 19.2010.404.7002 (DE, 03/10/2012), de relatoria do Desembargador Élcio Pinheiro de Castro. Por ocasião do julgamento do RSE nº 5003676-76.2011.404.7002, o eminente Relator assim se manifestou sobre o art. 109 da Constituição: 'Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. (...). Da leitura de tal dispositivo constitucional como um sistema coerente, extrai-se que os requisitos de atração da competência para a esfera federal foram organizados da seguinte forma: aqueles que bastam por si só encontram-se isolados em um inciso; se, no entanto, houver cumulação de pressupostos, estes devem ser consignados conjuntamente. A título de ilustração, não há dúvida que causas entre Estado estrangeiro e pessoa domiciliada ou residente no País devem ser processadas na Justiça Federal, por força do inciso III, independentemente do que venha a dispor, por exemplo, o inciso XI (disputa sobre direitos indígenas). Isto é, se tal interpretação viesse a prevalecer, e os incisos devessem ser interpretados conjuntamente, somente seriam processados e julgados na esfera federal crimes contra o sistema financeiro (inciso VI) praticados a bordo de navios ou aeronaves (inciso IX), o que seria absurdo. No ponto, não há discussão na jurisprudência ou na doutrina. No entanto, independentemente
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