Buscar

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiatrico - Estudo exploratório sobre o "pior do pior"

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA 
MARCELE DE FREITAS EMERIM 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO: 
ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE O “PIOR DO PIOR” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Palhoça 
2009 
 
MARCELE DE FREITAS EMERIM 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO: 
ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE O “PIOR DO PIOR” 
 
Relatório de pesquisa apresentado na disciplina de Trabalho de 
Conclusão de Curso II, como requisito parcial para a obtenção do 
título de psicólogo. 
Área de concentração: Psicologia e Saúde 
Linha de pesquisa: Institucionalização e processos psicológicos 
 
 
 
 
 
Orientadora: Professora Deise Maria do Nascimento, Msc 
 
 
 
 
 
 
 
Palhoça 
2009 
 
MARCELE DE FREITAS EMERIM 
 
 
 
 
 
 
 
 
HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO: 
ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE O “PIOR DO PIOR” 
 
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à 
obtenção do título de Bacharel em Psicologia e aprovado em sua 
forma final pelo Curso de Psicologia da Universidade do Sul de 
Catarina 
 
 
 
Palhoça, 18 de novembro de 2009 
 
 
 
 
________________________________ 
Professora Msc. Deise Maria do Nascimento 
Universidade do Sul de Santa Catarina 
 
________________________________ 
Professor Dr. Leandro de Castro Oltramari 
Universidade do Sul de Santa Catarina 
 
________________________________ 
Professor Dr. Paulo Roberto Sandrini 
Universidade do Sul de Santa Catarina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Vó Isaura, que me pegou pela mão, quando 
eu tinha pouco mais de cinco anos, para irmos 
juntas levar livros aos presos da cadeia da 
cidade, pois devia ser muito triste viver ali. 
 e 
À Laura, sempre, todos os dias, em tudo. 
Que bem antes de ter a idade que tenho hoje, 
ela viva num mundo sem hospitais de custódia. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Àqueles que deixam minha vida melhor todos os dias: Laura e André 
Àquela que cuida da minha casa (e, por extensão, de mim): Janete 
 
Como este trabalho é também um pouco (e tanto) dos últimos cinco anos... 
(agradecimentos retroativos) 
À Professora Ana Lopes, que me mostrou um mundo (novo) de possibilidades de atuação do 
psicólogo. 
À Professora Cristiani, que me apresentou à Gestalt-terapia e esteve ao meu lado quando 
“debutei” na clínica. 
À Professora Simone, minha supervisora de clínica no último ano, que sempre me animou 
com palavras carinhosas e incentivadoras. 
À Andreia e Leticia, queridas companheiras de trabalhos, muitos. 
À Bárbara e Eliana, colegas de abordagem e de acolhimento aos buscadores. 
Ao casal Müller-Granzotto, Marcos e Rosane, por sua clínica-desvio e sua ética-abrigo – uma 
possibilidade de ler (e acolher) o mundo. 
 
E ... 
À Débora e Eliete, queridas colegas de orientação. Presentes que ganhei neste ano. 
Aos Professores Leandro e Paulo, por toda atenção e carinho dispensados a este trabalho. 
À Professora Regina, mais do que pelas valiosas oficinas metodológicas, por trazer doçura e 
leveza ao mundo acadêmico. 
 
Por fim, a quem eu escolhi para me acompanhar neste último ano, na tarefa mais árdua: 
Muito obrigada, Professora Deise, mais um pouco e sempre, e ainda mais. Com toda a 
admiração e deferência possíveis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A vida do bandido – como aquela do homem sacro – não é um pedaço de 
natureza ferina sem alguma relação com o direito e a cidade; é, em vez disso, 
um limiar de indiferença e de passagem entre o animal e o homem, a phýsis e 
o nómos, a exclusão e a inclusão: loup garou, lobisomem, ou seja, nem 
homem nem fera, que habita paradoxalmente ambos os mundos sem 
pertencer a nenhum. (GIORGIO AGAMBEN) 
 
RESUMO 
 
Em meio às mudanças conceituais e pragmáticas observadas nas políticas públicas em saúde 
mental fomentadas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, uma pergunta emerge: E os 
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico – HCTPs? Quem tem se ocupado deles? Os 
pressupostos e as diretrizes da Reforma Psiquiátrica têm chegado até lá – no “pior do pior”? 
Com o intuito de trazer à pauta o tratamento designado ao louco infrator, bem como 
discussões sobre a periculosidade atribuída a essa figura e a finalidade da medida de 
segurança aplicada aos considerados inimputáveis, propôs-se, como trabalho de conclusão de 
curso, uma pesquisa exploratória que teve como tema o HCTP – bem como os conceitos, os 
paradigmas e os expedientes que mantêm essa instituição ainda em funcionamento. Este 
trabalho, de natureza bibliográfica, propôs-se a compreender as perspectivas teóricas e 
práticas apresentadas em quinze artigos selecionados sobre o tema, disponíveis na BVS – 
Biblioteca Virtual em Saúde do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em 
Ciências da Saúde/BIREME, demarcando as linhas de discussão propostas nesse material. 
Autores como Michel Foucault e Erving Goffman possibilitaram discussões acerca de 
instituições como os HCTPs e os saberes/poderes que as mantêm. Os conceitos de estado de 
exceção e de homo sacer, desenvolvidos por Giorgio Agamben, foram importantes para o 
entendimento da figura do louco infrator e do instituto da medida de segurança. Nas 
discussões sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil e o espaço designado à questão dos HCTPs, 
Paulo Amarante, Cristina Rauter, Denise Barros, Sérgio Carrara e Pedro Gabriel Delgado 
foram autores utilizados. Em linhas gerais, o material analisado revela que a periculosidade, 
historicamente conferida à figura do louco, é elemento norteador do tratamento que se 
dispensa àqueles que cumprem medida de segurança – expediente esse, criado e mantido com 
base no conceito de periculosidade. Os artigos analisados também revelam que as políticas 
preconizadas pela Lei nº 10.216 (Lei da Reforma) pouco têm chegado aos HCPTs e ao louco 
infrator, e que a atuação dos psicólogos nesse campo – seja em nível teórico ou nas práticas 
desenvolvidas, de maneira geral, tem se mostrado incipiente. O HCTP segue como a 
instituição contraditória que sempre foi – ora prisão, ora hospital psiquiátrico –, espaço de 
comprovada violação dos direitos humanos, promovendo o duplo estigma de seus internos: 
loucos e criminosos; segue existindo a despeito da nova legislação, como o “grande desafio” 
da Reforma Psiquiátrica. 
 
Palavras-chave: Hospital de Custódia. Louco infrator. Reforma Psiquiátrica. 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
BVS – Biblioteca Virtual em Saúde 
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial 
CFP – Conselho Federal de Psicologia 
CNS – Conferência Nacional de Saúde 
CNSM – Conferência Nacional de Saúde Mental 
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente 
HCTP – Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 
OMS – Organização Mundial da Saúde 
PAILI – Programa de Atendimento Integral ao Louco Infrator (GO) 
PAI-PJ – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (MG) 
SUS – Sistema Único de Saúde 
UBS – Unidade Básica de Saúde 
UES – Unidade Experimental de Saúde 
UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
1 APRESENTAÇÃO...........................................................................................................10 
1.1 PROBLEMÁTICA.......................................................................................................... 10 
1.2 OBJETIVOS.................................................................................................................... 14 
1.2.1 Objetivo geral.............................................................................................................. 14 
1.2.2 Objetivos específicos................................................................................................... 14 
1.3 JUSTIFICATIVA............................................................................................................ 15 
2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................ 20 
2.1 INSTITUIÇÕES TOTAIS, INSTITUIÇÕES DE SEQÜESTRO.................................... 20 
2.2 O QUE DEVE VIVER E O QUE DEVE MORRER...................................................... 22 
2.3 ANTIPSIQUIATRIA, REFORMA ITALIANA, PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA.... 25 
2.4 REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL................................................................... 28 
2.5 MEDIDA DE SEGURANÇA, INIMPUTABILIDADE, PERICULOSIDADE............. 32 
2.6 PSICOLOGIA E DIREITO: QUE ENCONTRO É ESSE?............................................. 35 
3 MÉTODO.......................................................................................................................... 38 
3.1 DELINEAMENTO.......................................................................................................... 38 
 
3.2 PROCEDIMENTOS........................................................................................................ 38 
3.2.1 Fontes de informação................................................................................................. 38 
3.2.2 Seleção dos artigos...................................................................................................... 38 
3.2.3 Sistematização dos dados........................................................................................... 40 
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS...................................................................... 43 
4.1 PERICULOSIDADE....................................................................................................... 43 
4.2 MEDIDA DE SEGURANÇA.......................................................................................... 50 
4.3 PRISÃO E/OU HOSPITAL............................................................................................. 60 
4.4 PERSPECTIVAS PRÁTICAS......................................................................................... 65 
4.5 REFORMA PSIQUIÁTRICA E HCTP........................................................................... 73 
4.6 PSICOLOGIA E HCTP................................................................................................... 80 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 86 
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 90 
APÊNDICE........................................................................................................................... 98 
APÊNDICE A – Protocolos de registro............................................................................. 99 
 10 
1 APRESENTAÇÃO 
 
 
O curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL 
oferece estágios curriculares que possibilitam o exercício profissional em diferentes áreas de 
atuação do psicólogo. O estágio oferecido no Serviço de Mediação Familiar, além dos 
atendimentos realizados em um Fórum de Justiça da Grande Florianópolis e do estudo teórico 
referente a essa prática, permite outras discussões acerca da relação Psicologia e Justiça. 
Em consonância com os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional 
do Psicólogo (2005) e as discussões possibilitadas por esse campo de estágio curricular, 
propôs-se uma pesquisa exploratória que teve como tema o Hospital de Custódia e 
Tratamento Psiquiátrico – HCTP, bem como os conceitos, os paradigmas e os expedientes 
que mantêm essa instituição em funcionamento. 
 
 
1.1 PROBLEMÁTICA 
 
 
Após a Segunda Guerra Mundial, surgiram importantes movimentos de 
questionamento à Psiquiatria e seu modelo de assistência. Na Europa, a Psicoterapia 
Institucional e as Comunidades Terapêuticas, assim como a Psiquiatria de Setor e a 
Psiquiatria Preventiva, propuseram modificações às instituições asilares. Nas décadas 
seguintes, surgiram movimentos que questionaram mais do que o espaço asilar, contestaram, 
também, o próprio saber médico-psiquiátrico: a Antipsiquiatria e as experiências propostas a 
partir de Franco Basaglia. (AMARANTE, 1995). 
Na Inglaterra, na década de 60, em meio a um grupo de psiquiatras, com destaque 
para Ronald Laing, David Cooper e Aaron Esterson, surgiu a Antipsiquiatria, com a proposta 
de romper com o modelo assistencial da época. “O consenso entre eles diz respeito à 
inadaptação do saber e práticas psiquiátricas no trato com a loucura [...]”, escreveu Amarante 
(1995, p. 42), sobre esse grupo – o primeiro a criticar de forma severa o saber médico-
psiquiátrico. 
Contemporâneo às discussões da Antipsiquiatria, na Itália, no Manicômio de 
Gorizia, Franco Basaglia iniciou o trabalho de humanização desse hospital. E, em 1971, em 
Trieste, tendo Basaglia como o principal nome desse processo, os manicômios foram 
 11 
fechados e os antigos internos passaram, então, a ocupar a cidade, como todos os outros 
cidadãos. (LANCETTI; AMARANTE, 2006). Essa experiência provocou mudanças em toda 
a Itália, país onde, em maio de 1978, foi aprovada a Lei da Reforma Psiquiátrica, propondo a 
extinção dos manicômios em todo o seu território. 
A experiência de desinstitucionalização em Trieste, bem como todo o pensamento 
basagliano, apontou a diversos outros países a possibilidade de serem discutidos novos 
modelos de atenção em saúde mental que superassem o tradicional modelo manicomial. No 
final dos anos 70, importantes discussões acerca do modelo de assistência psiquiátrica vigente 
começaram a ocorrer no Brasil, com especial crítica ao modelo hospitalocêntrico de 
assistência. Debates e propostas de transformação dos paradigmas em saúde mental ganharam 
força com a fundação, em 1987, do Movimento Antimanicomial e com a promulgação da 
Constituição de 1988, que propiciou “condições de um grande salto na história da saúde 
mental brasileira: ela propugnou que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.” 
(LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 626). 
Mais do uma conquista legislativa, o que no Brasil só ocorreria efetivamente em 
2001, com a assinatura da Lei nº 10.216, que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das 
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde 
mental” (BRASIL, 2001), a Reforma Psiquiátrica é compreendida como um processo 
histórico, político e social. Esse processo envolve transformações de práticas, saberes e 
valores, abrange instituições, serviços e, também, relações interpessoais. (BRASIL, 2005b). 
A partir dos anos 90, o processo de redução de leitos psiquiátricos tornou-se 
política pública no Brasil, assim como o processo de desinstitucionalização de pessoas com 
longo tempo de internação. (BRASIL, 2005b). Durante todo esse período, vêm sendo criados 
e implantados programas e serviços que vão ao encontro do processo de 
desinstitucionalização preconizado pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, como as 
residências terapêuticas, o Programa Volta para Casa (2003), a instituição do auxílio-
reabilitação psicossocial(2003) e, especialmente, a implantação de Centros de Atenção 
Psicossocial – CAPS, importante dispositivo a serviço da saúde mental nos novos moldes de 
atenção. É função do CAPS “o acolhimento e a atenção às pessoas com transtornos mentais 
graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu 
território.” (BRASIL, 2005b). É importante salientar que por território entende-se mais do que 
apenas uma determinada área geográfica; território envolve pessoas, instituições, redes, 
ambientes onde ocorrem a vida comunitária. (BRASIL, 2005b). 
 12 
A partir da sanção da Lei Paulo Delgado (Lei n˚10.216) e da III Conferência 
Nacional de Saúde Mental, em 2001, as políticas de saúde mental, em consonância com as 
diretrizes da Reforma Psiquiátrica, consolidaram-se e ganharam maior amparo e visibilidade 
no país. (BRASIL, 2005b). 
Há mais de duas décadas a Carta Magna brasileira determina: “A saúde é direito 
de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1998, p. 117) e muito tem se avançado em discussões, 
saberes e práticas no tocante à questão da saúde mental no Brasil e seu processo de 
desinstitucionalização: a III Conferência Nacional de Saúde Mental apresentou, em 2001, 
discussões vinculadas ao tema proposto pela Organização Mundial da Saúde – OMS: Cuidar, 
sim. Excluir, não (SUS, 2002); e as diretrizes da Reforma Psiquiátrica têm sido norteadoras 
de muitos programas e ações no Brasil, nas esferas municipais, estaduais e federal. Em meio 
às mudanças conceituais e pragmáticas observadas nas políticas públicas de saúde mental, 
com as importantes transformações fomentadas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, 
uma pergunta emerge: E os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico – HCTPs? Quem 
tem se ocupado deles? Os princípios e as metas da Reforma Psiquiátrica têm chegado até lá – 
no pior do pior1? 
Segundo a conceituação e classificação de estabelecimentos penais do Ministério 
da Justiça, HCTPs são “estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas à 
medida de segurança.” (BRASIL, s/d). A Lei nº 7.209, de julho de 1984, que modifica 
dispositivos do Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, conhecido como Código 
Penal Brasileiro, traz em seu Art. 26 que “É isento de pena o agente que, por doença mental 
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com 
esse entendimento.” (BRASIL, 1984). 
Há a compreensão de “que a medida de segurança é associada ao aspecto 
preventivo enquanto na pena prevalece o caráter repressivo.” (CORRÊA, 1999, p. 146). A 
pena aplicada a um infrator “responsável por seus atos”, é substituída, nos casos previstos 
pelo Art. 26 do Código Penal, por medida de segurança – expediente destinado aos 
inimputáveis, “tomando como fundamento não mais a culpabilidade [como no caso dos 
imputáveis] mas a periculosidade, ‘o provável retorno à prática de fato previsto como crime’” 
(PERES; NERY FILHO, 2002, p.346) – que consiste na internação em hospitais de custódia. 
Segundo Michel Foucault (1996, p.85), “[a] noção de periculosidade significa que o indivíduo 
 
1 Alusão, assim como no título desta pesquisa, à campanha “Manicômio Judiciário: o pior do pior”, promovida 
pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. 
 13 
deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos 
[...]”, é o conceito de periculosidade, amplamente discutido na contemporaneidade por juristas 
e profissionais da área da Saúde, que justifica “a criação e a manutenção do instituto da 
medida de segurança como forma de proteger a sociedade daquele que é perigoso a priori.” 
(CORREIA et al., 2007, p. 1997). 
Na última década, algumas ações têm proporcionado maior visibilidade aos 
HCTPs. Em 2002, o Seminário Nacional para Reorientação dos Hospitais de Custódia e 
Tratamento Psiquiátrico, realizado conjuntamente pelos Ministérios da Saúde e da Justiça, 
indicou caminhos para “uma nova etapa da reforma psiquiátrica” (BRASIL, 2002), em que o 
SUS, assim como a rede de atenção à saúde mental, se responsabilizasse pelo atendimento às 
pessoas submetidas a medidas de segurança. No ano seguinte, a Portaria Interministerial nº 
1777 (2003) instituiu o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, que “prevê a 
inclusão da população penitenciária no SUS garantindo que o direito à cidadania se efetive na 
perspectiva dos direitos humanos.” (BRASIL, 2005a, p.11). Como população penitenciária, conforme 
o Art. 1º da referida Portaria, entende-se também os loucos infratores, como são chamadas as pessoas 
internadas em HCTPs, ainda que tais estabelecimentos penais “sejam objetos de norma própria” 
(BRASIL, 2003), devido à sua especificidade, como dita o parágrafo 4º do Art. 8º, da Portaria nº 1777. 
A saúde nessas instituições, como apresenta a literatura sobre o tema, não tem sido entendida como 
“direito de todos”. 
O documento do Ministério da Saúde (2005b), apresentado à Conferência 
Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental, aponta a questão dos HCTPs como um 
desafio para o movimento da Reforma Psiquiátrica. O referido material indica as dificuldades 
a que esse “duplo espaço de exclusão e violência” (BRASIL, 2005b) está condenado: 
A construção de novas práticas para um segmento historicamente situado à 
margem, inclusive do Sistema de Saúde, encontra resistência na rede de atenção 
extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades de 
origem dos pacientes e nos órgãos de justiça [...]. (BRASIL, 2005b, s/p). 
 
Foi no século XIX, o “século dos manicômios” (PESSOTTI, 1996), que várias 
forças organizaram-se em torno da instituição judiciária, criando uma rede de controle e 
correção, instituições – como escolas, hospitais e asilos –, a fim de “vigiar e punir” os 
indivíduos ao nível de suas virtualidades. (FOUCAULT, 1996). Espera-se que, duzentos anos 
depois, possam psicólogos, educadores, psiquiatras, operadores do Direito – “um exército 
inteiro que veio substituir o carrasco” (FOUCAULT, 2002, p.14) quando da passagem, entre 
os séculos XVIII e XIX, das punições explícitas às penas de detenção – travar diálogos, para 
além de seus campos de conhecimento, que problematizem questões como a inimputabilidade, 
 14 
a medida de segurança, a internação compulsória e apontem para possibilidades de defesa e de 
garantia da cidadania ao chamado louco infrator. 
Pergunta-se: Quais as principais perspectivas teóricas e práticas apresentadas nos 
artigos científicos publicados na BVS – Biblioteca Virtual em Saúde do Centro Latino-
Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde/BIREME sobre os Hospitais de 
Custódia e Tratamento Psiquiátrico – HCTPs? 
 
 
1.2 OBJETIVOS 
 
 
1.2.1 Objetivo geral 
 
 
Compreender as perspectivas teóricas e práticas apresentadas nos artigos 
científicos publicados na BVS – Biblioteca Virtual em Saúde do Centro Latino-Americano e 
do Caribe de Informação em Ciências da Saúde/BIREME sobre os Hospitais de Custódia e 
Tratamento Psiquiátrico – HCTPs. 
 
 
1.2.2 Objetivos específicos 
 
 
a) Identificar artigos científicos que abordem temas relacionados aos HCTPs. 
b) Identificar as principais áreas de estudo sobre os HCTPs. 
c) Descrever as nomenclaturas utilizadas nos artigos selecionados para se remeter 
ao detento/paciente e ao HCTP. 
d) Demarcar as principais perspectivas teóricas e práticas apresentadas nos artigos 
selecionados. 
f) Relacionar os conteúdos e as perspectivas teóricas e práticas encontrados nos 
artigosselecionados com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica. 
g) Caracterizar a atuação da Psicologia em relação aos HCTPs nos artigos 
selecionados. 
 
 15 
1.3 JUSTIFICATIVA 
 
 
Desde o final da década de 70, sob a inspiração da experiência da Reforma 
Italiana, no Brasil vêm se desenhando importantes discussões acerca da atenção destinada 
àqueles considerados “loucos”. Após a promulgação da Constituição de 1988, especialmente 
com a implantação do SUS (1990), novos espaços vêm se abrindo, de saberes e práticas, em 
todos os níveis de atenção à saúde, em legislações específicas, no meio acadêmico e em outras 
esferas da sociedade. 
Os pressupostos e as diretrizes do movimento contínuo conhecido como Reforma 
Psiquiátrica avançaram significativamente nas duas últimas décadas, contando com o 
Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/ Psiquiatria e o Programa Anual de 
Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS, assim como o Programa Volta 
para Casa e a ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial em todo o Brasil, o que 
possibilitou a redução de leitos psiquiátricos e o fechamento de vários hospitais destinados ao 
atendimento asilar. (BRASIL, 2005b). Mas, para além de uma reorganização de serviços, a 
Reforma Psiquiátrica é um processo em constante movimento, com a sistemática inovação de 
atores e conceitos, o que exige modificações conceituais, técnicas, jurídico-políticas e na 
concepção de loucura no imaginário social. (AMARANTE, 2003). 
Já se vão trinta anos do início das discussões no Brasil acerca das possibilidades de 
acesso das pessoas denominadas loucas a serviços de saúde que não aniquilem sua 
singularidade e cidadania, e há ainda muito a ser discutido e reformulado. Primeiro, porque 
como já foi dito, trata-se de um processo permanente, sem objetivar um final, e também, 
porque as reflexões e as ações preconizadas pela Reforma Psiquiátrica ainda encontram 
dificuldades e desafios em vários setores – seja no campo biomédico, político, jurídico ou 
conceitual. Um dos desafios da Reforma Psiquiátrica são os HCTPs, esse lugar que “consegue 
articular [...] duas das realidades mais deprimentes das sociedades modernas – o asilo de 
alienados e a prisão – e [...] dois dos fantasmas mais trágicos que nos ‘perseguem’ [...] o 
criminoso e o louco.” (CARRARA, 1998, p. 26). 
De acordo com dados do Relatório para Reorientação dos Hospitais de Custódia e 
Tratamento Psiquiátrico (2002), nos dezenove HCTPs, espalhados por vários estados 
brasileiros, estão internadas por volta de 4000 pessoas. A Reforma Psiquiátrica não tem 
chegado até o louco infrator, a atenção destinada a essas pessoas dentro dos HCTPs 
impossibilita a integração delas em suas comunidades, ferindo os direitos individuais 
 16 
previstos pela Constituição de 1988. (CORREIA et al., 2007). Causa estranhamento que, em 
tempos de discussões sobre inclusão, desmistificação da loucura e abandono de estigmas, e de 
uma série de modificações nos modelos de atenção à saúde mental, um número tão elevado de 
pessoas ainda permaneça preso, simultaneamente, a esses dois modelos de intervenção social: 
“o modelo jurídico-punitivo e o modelo psiquiátrico-terapêutico.” (CARRARA, 1998, p.18). 
A questão dos HCTPs envolve atores de diversas áreas de conhecimento e de 
atuação, de forma que, para que haja mudanças significativas e eficazes em relação aos 
cuidados destinados ao louco infrator, é imprescindível a mobilização de vários setores. É 
dever dos profissionais e das instituições de saúde, dos operadores do Direito, dos 
legisladores e do meio acadêmico – eminente espaço de produção de conhecimento científico, 
debruçar-se sobre essa questão. 
A necessidade de uma interlocução interdisciplinar produziu encontros entre os 
Ministérios da Justiça e da Saúde, em especial, o Seminário Nacional para Reorientação dos 
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (2002), onde se reuniram diversos atores, 
individuais e coletivos, para a produção de consensos técnicos sobre a medida de segurança e 
a assistência em saúde mental ao louco infrator, visando à integração dos HCTPs às diretrizes 
básicas da Reforma Psiquiátrica. (BRASIL, 2002). Essa reunião de diversos profissionais 
possibilitou a abertura para um diálogo fundamental entre Saúde e Justiça, espaços esses, 
segundo Pedro Gabriel Delgado (BRASIL, 2002), onde “os conceitos de inimputabilidade, 
medida de segurança e periculosidade devem ser submetidos a uma crítica sistemática, 
buscando sua superação no plano teórico e nas suas conseqüências práticas.”(s/p). Os 
dispositivos institucionais que se sustentam nesses conceitos, em especial os HCTPs, com seu 
modelo de tratamento-custódia, segundo o relatório do seminário (2002b), deveriam ser 
urgentemente reformulados. (BRASIL, 2002). 
Experiências como a do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário – 
PAI-PJ, criado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais ou a do Programa de Atendimento 
Integral ao Louco Infrator – PAILI, do Tribunal de Justiça de Goiás, têm apontado para a 
possibilidade de atendimento ao louco infrator em outros espaços, como a Unidade Básica de 
Saúde – UBS e os serviços de média complexidade, como os CAPS, demonstrando que é 
possível o atendimento ao paciente mental infrator fora dos HCTPs, o que irá, 
gradativamente, provocando a obsolescência dessas instituições. 
Alguns autores ligados à área do Direito e da Saúde Pública, nos últimos anos, tem 
se ocupado em discutir a questão do loucos infratores – pessoas submetidas à medida de 
segurança, “condenadas” (ainda que a medida de segurança não seja, em sua acepção, uma 
 17 
pena) a uma instituição que “apresenta, desde a sua origem, uma estrutura ambígua e 
contraditória [...] com grades e intervenções psiquiátricas” (CORREIA et al., 2007, p. 1997). 
O louco infrator é destinado, assim, a uma dupla exclusão, ocupando dois papéis cristalizados 
de segregação na sociedade ocidental: o de louco e o de criminoso. 
As publicações científicas encontradas em bases de dados indicam que muitas 
discussões já se iniciaram, em especial, na área do Direito e da Saúde Pública. Observam-se, 
nos artigos disponíveis, reflexões e questionamentos sobre os conceitos de periculosidade, 
inimputabilidade e o expediente da medida de segurança, assim como uma preocupação, mais 
do que legítima, de colocar a atenção ao louco infrator em consonância com os pressupostos 
da Reforma Psiquiátrica e em obediência à Constituição de 1988, que anuncia a saúde como 
“um direito de todos.” (p. 117). 
Na área do Direito, a procuradora de justiça Tânia Maria Nava Marchewka 
publicou As contradições das medidas de segurança no contexto do Direito Penal e da 
Reforma Psiquiátrica no Brasil (2003), que reflete sobre as contradições dos conceitos e os 
expedientes que norteiam os trâmites realizados na condução de casos que envolvam os 
considerados inimputáveis. A autora ainda chama atenção para os recursos já existentes nas 
ciências penais “à disposição dos operadores do direito para possibilitar modificações no 
contexto das medidas de segurança.” (MARCHEWKA, 2003, p. 107), além de pontuar a 
urgente necessidade de conciliação entre a reforma da justiça criminal e a Reforma 
Psiquiátrica. 
Maria Fernanda Tourinho Peres, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do 
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo – USP, escreveu, juntamente 
com Antônio Nery Filho, também da área da Saúde, um artigo intitulado A doença mental no 
direito penal brasileiro: inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de 
segurança (2002), que analisa como os códigos penais brasileiros, desde 1930, têm tratado a 
questão do louco infrator.Esse artigo problematiza os conceitos que sempre o colocaram em 
um lugar ambíguo. Ambigüidade essa presente em grande parte da literatura sobre o tema: 
Hospital ou prisão? Tratamento ou punição?, que vê o HCTP como uma “instituição híbrida e 
contraditória, de difícil definição.” (CARRARA, 1998, p. 27). 
Discussões como as mencionadas acima são encontradas em artigos científicos, de 
autores ligados à área do Direito e da Saúde Pública. Nas áreas relacionadas às profissões da 
Saúde2, com exceção dos médicos psiquiatras, encontram-se poucos escritos publicados sobre 
 
2 Biologia, Biomedicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, 
Odontologia, Psicologia, Química, Serviço Social, Terapia Ocupacional e Veterinária. 
 18 
os HCTPs. Os profissionais de Psicologia, por exemplo, a julgar pela escassez de artigos 
científicos publicados sobre o tema, têm se eximido da discussão relacionada a essas 
instituições. 
Historicamente, a atuação do psicólogo no Sistema Penal tem se restringido, na 
maioria dos casos, à confecção de laudos e pareceres, atuando na reprodução da “engrenagem 
carcerária” (RAUTER, 1995). É contrário ao Código de Ética profissional que o psicólogo 
atue em consonância com saberes que anulam o sujeito, que permitem que uma suposta 
patologia sobressaia-se sobre aquele que sofre, tampouco pode se omitir de discussões e 
posicionamentos claros em questões complexas e interdisciplinares como as relacionadas aos 
HCTPs – onde a omissão pode estar em conformidade com “o conteúdo e a natureza 
repressora que estão inseridos no Direito.” (VERANI, 1995, p. 14). 
Em seu artigo Mundos paralelos, até quando? Os psicólogos e o campo da saúde 
mental pública no Brasil nas duas últimas décadas (2004), o psicólogo e cientista político 
Eduardo Vasconcelos aborda as transformações ocorridas no campo da saúde mental em 
contraponto com a formação do psicólogo e sua posterior prática profissional, concluindo que 
a formação, no nível de graduação, ainda está muito distante das novas demandas em saúde 
mental, especialmente em Saúde Pública. Levanta-se a hipótese que a dissonância entre a 
formação acadêmica e as atuais demandas sociais na área da saúde seja uma das explicações 
para o vazio teórico observado na interface entre a Psicologia e as questões concernentes à 
temática crime e loucura. 
Conforme apresenta o Ministério da Saúde (2005b), a formação teórica e técnica 
de profissionais comprometidos com a ampliação e manutenção de um novo modelo de 
atenção em saúde mental é um dos grandes desafios para o processo de consolidação da 
Reforma Psiquiátrica. Sendo assim, é possível imaginar que essa escassez de recursos 
humanos qualificados deve ser ainda maior quando se refere à atuação de profissionais junto 
àqueles conhecidos como loucos infratores. Uma consistente formação teórica – e a 
conseqüente boa formação técnica, depende diretamente de estudos e produções na área da 
atenção à saúde mental. 
Observada a produção ainda restrita, com destaque para a omissão da Psicologia, 
sobre a temática dos HCTPs – “um desafio para a Reforma” (BRASIL, 2005b), esta pesquisa 
se propôs a fazer um levantamento das publicações disponíveis na BVS – Biblioteca Virtual 
em Saúde do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da 
Saúde/BIREME para poder demarcar as linhas de discussão propostas nos artigos 
selecionados. Esta pesquisa permitiu a identificação das principais áreas de estudo sobre os 
 19 
HCTPs, permitiu a articulação dos conteúdos discutidos nos artigos selecionados com o 
movimento da Reforma Psiquiátrica e o trabalho do psicólogo, bem como o desenho das 
principais perspectivas teóricas e práticas na área, objetivando ser mais uma oportunidade, 
nem sempre freqüente, de discussão sobre “o mais espinhoso desafio para uma política 
pública de saúde mental fundada na ética dos direitos humanos.” (KOLKER;DELGADO, 
2003, p.168), proporcionando maior visibilidade ao tema, em especial, dentro da comunidade 
acadêmica do curso de Psicologia da UNISUL. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 20 
2 REFERENCIAL TEÓRICO 
 
 
2.1 INSTITUIÇÕES TOTAIS, INSTITUIÇÕES DE SEQÜESTRO 
 
 
Erving Goffman (2005) chamou de instituição total o local que abriga um grande 
número de pessoas em situação semelhante, separadas de seu meio social, na maioria dos 
casos, por um longo período de tempo, passam a viver de forma reclusa, com todas as suas 
atividades diárias realizadas em um mesmo local, geralmente em grupo e com horários fixos, 
com rigoroso controle por parte de uma organização formal. As instituições totais 
caracterizam-se, fundamentalmente, por imporem uma barreira entre a instituição e o mundo 
externo e por serem um “híbrido social, parcialmente comunidade residencial, parcialmente 
organização formal.” (GOFFMAN, 2005, p. 22). Hibridismo esse presente nos Hospitais de 
Custódia e Tratamento Psiquiátrico – HCTPs, instituição que é, ao mesmo tempo, um espaço 
prisional e um espaço hospitalar. (CARRARA, 1998). 
Segundo Goffman (2005), as instituições totais podem ser divididas em cinco 
grupos: as criadas para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si próprias 
(orfanatos e asilos para idosos); as criadas para cuidar de pessoas apontadas como incapazes 
de cuidados a si mesmas e, também, consideradas uma ameaça à sociedade (encontram-se 
aqui os hospitais psiquiátricos); as criadas para proteger a sociedade das pessoas 
intencionalmente perigosas (as prisões); as que visam o desenvolvimento de alguma tarefa ou 
trabalho (quartéis, internatos, campos de trabalho) e, por fim, as de orientação religiosa 
(conventos, mosteiros). Os HCTPs encontram-se em duas das categorias apontadas por 
Goffman, são instituições que visam à suposta proteção da sociedade daqueles considerados 
perigosos, como as prisões, e também são instituições que prestam atendimento àqueles 
considerados incapazes de cuidar de si próprios e que de maneira não-deliberada podem 
oferecer perigo a outras pessoas, os hospitais psiquiátricos. Nesses dois espaços – prisão e 
hospital psiquiátrico – “se reúnem e se potencializam as piores mortificações destas duas 
instituições totais.” (KOLKER;DELGADO, 2003, p.168). 
Para Michel Foucault (1996), instituições como fábricas, prisões, hospitais e 
escolas têm por objetivo fixar os indivíduos “em um aparelho de normalização dos homens.” 
(p.114). A essas instituições Foucault chama de instituições de seqüestro – onde há um 
rigoroso controle sobre a totalidade do tempo dos indivíduos. Ao entrar em uma dessas 
 21 
instituições o indivíduo despe-se daquilo que configura sua singularidade, despe-se de sua 
aparência usual. (GOFFMAN, 2005). Em sua entrada num HCTP, o chamado louco infrator 
encontra-se entre o modelo jurídico-punitivo e o modelo psiquiátrico-terapêutico, dentro de 
uma instituição designada ao tratamento e à contenção (CARRARA, 1998), que ignora sua 
singularidade. 
É a partir século XIX que as instituições de seqüestro ganharam forma e poder. 
Segundo Foucault (2002), na virada do século XVIII para o século XIX as punições públicas 
(suplícios) foram perdendo espaço. A justiça deixou de assumir publicamente a violência 
relacionada ao seu exercício e, assim, novos personagens surgiram como instrumento de 
controle e punição: médicos, guardas, educadores, psicólogos. Ergueu-se, ao redor da 
instituição judiciária, um conjunto de instituições a fim de permitir o controle dos indivíduos 
e a correção de suas virtualidades. (FOUCAULT, 1996). Trata-se do que Foucault(1996, p. 
86) chamou de ortopedia social. 
Foucault (1996) considera que a melhor ilustração da “sociedade da ortopedia 
generalizada” (p. 86) é o modelo Panopticon, idealizado pelo pensador Jeremy Bentham. O 
Panopticon é uma construção em forma de anel dividido em pequenas celas, com uma torre 
no centro, de onde é permitido a um guarda vigiar a todos os prisioneiros sem ser visto, 
edifício esse que poderia servir a uma série de instituições, o que permitiria vigilância 
constante sobre as pessoas. Foucault (1996) chamou de panoptismo esta forma de poder: um 
controle contínuo – que vigia e que constitui um saber referente àqueles que são vigiados. “O 
Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder.”, escreveu Foucault (2002, p. 
168) sobre a capacidade das instituições de seqüestro de realizar experiências com os 
indivíduos, de treiná-los e de modificar seus comportamentos, como “estufas para mudar 
pessoas.” (GOFFMAN, 2005, p. 22). O “tríplice aspecto do panoptismo – vigilância, controle 
e correção” (FOUCAULT, 2002, p. 103) parece caracterizar de forma exemplar o 
“tratamento” realizado nos HCTPs. 
O poder de vigilância permitiu que um outro tipo de poder emergisse: o poder 
epistemológico. Esse poder caracteriza-se por um saber que nasce da observação dos 
indivíduos, de sua classificação, do registro e da análise de seus comportamentos. É no século 
XIX que se forma um saber sobre o homem, um saber oriundo das práticas sociais de controle 
e de vigilância que possibilitam a criação de um saber sobre aqueles que estão sob o controle 
permanente de uma rede de vigilância e de correção. (FOUCAULT, 1996). 
O saber psiquiátrico originou-se a partir da observação exaustiva dos médicos, 
personagens que detinham o poder no interior dos hospitais psiquiátricos. (FOUCAULT, 
 22 
1996). É no século XIX, o século dos manicômios, que surge a figura do médico especialista 
em tratar os loucos – o alienista. (PESSOTTI, 1996). Em relação à matéria penal, esse 
especialista passou a ser chamado como o “conselheiro da punição”, a quem cabia dizer sobre 
a periculosidade do indivíduo a ser julgado, o melhor modo de proteção contra ele, como 
tratá-lo e/ou reprimi-lo. O laudo psiquiátrico concedeu aos expedientes punitivos um poder 
sobre as infrações e sobre os indivíduos – sobre o que eles fizeram, quem são ou possam ser. 
(FOUCAULT, 2002). 
No que se refere aos considerados inimputáveis, são os médicos psiquiatras que 
produzem o laudo sobre o estado de saúde mental daqueles que são alvo de medida de 
segurança, são os médicos que inferem a consciência que o acusado tinha sobre os atos 
praticados, mas cabe ao juiz, operador do Direito, a decisão final. Segundo Carrara (1998), os 
muros dos HCTPs abrigam também os limites da intervenção em Saúde nas questões de 
Justiça. Dessa forma, com um patente conflito de saberes e competências, o detento/paciente 
encontra-se em um jogo cruel onde não há nem absolvição nem tratamento. (SZASZ, 1963). 
 
 
2.2 O QUE DEVE VIVER E O QUE DEVE MORRER3 
 
 
A partir do século XVII desenvolveram-se duas formas de poder sobre a vida, não-
contraditórias entre si, mas situadas como “dois pólos de desenvolvimento interligados por 
todo um feixe intermediário de relações.” (FOUCAULT, 1999, p.131). O poder disciplinar 
sobre os corpos encontra-se em um dos pólos, no outro há o poder sobre o “corpo-espécie, [...] 
transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos.” (idem). 
Assim, além da existência de micropoderes disciplinadores junto a instituições como escolas, 
hospitais ou prisões, que administram os corpos dos indivíduos, que regram comportamentos 
– poder disciplinar; os escritos de Michel Foucault também conduzem à identificação de um 
poder que se ocupa da “própria gestão da vida do corpo social” (DUARTE, 2008, p.3), de um 
poder sobre a vida – um biopoder. 
 A organização desse poder se dá a partir da “docilização dos corpos” e do 
gerenciamento da vida da população – há o encontro da “anátomo-política do corpo” 
desenvolvida em Vigiar e Punir com a “bio-política da população” apresentada em História 
 
3 Michel Foucault em Em Defesa da Sociedade 
 23 
da Sexualidade: a vontade de saber (FOUCAULT, 1999). A sociedade disciplinar está na 
disciplinarização dos corpos no sentido legal, físico, moral, político, administrativo e, 
paralelamente, criaram-se saberes sobres os indivíduos. (PRADO FILHO, 2006). Por sua vez, 
“[o] biopoder é composto por tecnologias de poder no sentido amplo do termo: como 
diversidade de técnicas articuladas a uma multiplicidade de saberes.” (PRADO FILHO, 2006, 
p.48). 
O poder soberano, “o direito de vida e morte” (FOUCAULT, 1999, p.127), a partir 
do século XIX passou a ser não apenas “um poder de matar a vida, mas sim um ‘poder que 
gere a vida’.” (DUARTE, 2008, p.4). O poder deixa de recair apenas sobre a morte, a decisão 
soberana de ‘causar a morte’ (com a execução na forca, por exemplo) para estender-se sobre a 
vida, “estabelecer políticas públicas por meio das quais poder-se-ia sanear o corpo da 
população, depurando-o de suas infecções internas” (DUARTE, 2008, p. 4). 
A vida passou a ser um “elemento político por excelência” administrado e 
normalizado por políticas públicas (DUARTE, 2008), contudo, conforme observa Foucault 
(1999), guerras e holocaustos jamais foram tão violentos como a partir do século XIX: “As 
guerras já não se travam em nome do soberano a ser defendido; travam-se em nome da 
existência de todos; populações inteiras são levadas à destruição mútua em nome da 
necessidade de viver. Os massacres tornaram-se vitais.” (p.129). 
Pensando sob a ótica do biopoder, a questão das medidas de segurança e do 
trancafiamento do louco infrator em um HCTP, de forma muitas vezes perpétua, deixa de 
estar situada apenas no âmbito disciplinar, para espelhar um “corte no todo biológico da 
espécie humana, estabelecendo a partilha entre ‘o que deve viver e o que deve morrer’.” 
(DUARTE, 2008, p.5). A morte simbólica daquele que foi submetido à medida de segurança, 
ao ser banido da vida em sociedade, garantiria a segurança dos demais (poder disciplinar) mas 
também garantiria a existência de um corpo social saudável (biopoder). “A morte do outro 
não é simplesmente a minha vida, na medida em que seria minha segurança pessoal; a morte 
do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é o que 
vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura.” (FOUCAULT, 2000a, p. 305). 
O HCTP, como toda prisão (uma das categorias de instituição total de Goffman), 
segue existindo como mais um expediente de proteção da sociedade contra aqueles que 
oferecem perigo aos demais. Entretanto, além disso, é o corte realizado pelo diagnóstico da 
“doença mental perigosa” que parece dar condições de existência a uma sociedade 
pretensamente sã e pacífica. Uns precisam/devem “morrer” para que outros vivam. 
 24 
Inspirado na obra de Michel Foucault, e também na de pensadores como Hannah 
Arendt, Carl Schmitt e Walter Benjamin, Giorgio Agamben trabalha o conceito de “estado de 
exceção” (2002). O estado de exceção é “uma situação paradoxal na qual a lei suprime a lei, 
na medida em que se abolem, por meio da lei, certas garantias e direitos individuais e 
coletivos, expondo os cidadãos ao risco iminente da morte violenta e legalmente justificada.” 
(DUARTE, 2008, p.10). O ordenamento jurídico estabelece uma situação paradoxal na qual o 
próprio ordenamento perderia validade, como nos estados de necessidade. Assim, em casos 
excepcionais, o soberano pode deixar de lado os direitos e garantias fundamentais para aplicara lei que julgar mais adequada em virtude da necessidade. 
Nos estados modernos, em especial no século XX, a necessidade foi sendo 
construída como mais urgente, diária, fazendo da exceção a regra. Se o estado moderno é um 
estado de exceção, o soberano tem o poder de usar a morte para gerir a vida. A vida do súdito 
deixa de ser uma vida política (biopolítica), repleta de direitos, para, em virtude da exceção, 
ser uma vida nua, desprovida deles. O homem assume, segundo Agamben (2002), o caráter de 
homo sacer – vida matável e insacrificável. Matável porque pode ser morta sem que seja 
considerado homicídio e insacrificável porque tal morte não se constitui um sacrifício – a ela 
não é dado o direito do rito sacrificial. Seria exatamente essa “vida nua” que daria 
constituição aos estados modernos, estados de exceção, estruturas de bando. 
O bando é o agrupamento de vidas submetidas ao poder soberano e que lhe dá 
validade, que lhe constitui enquanto poder. (AGAMBEN, 2002). O soberano, ao excluir 
alguma vida do bando, definindo o que deve viver e o que deve morrer, cria, dá validade à 
própria estrutura de bando. Alguém banido, como nos campos de concentração (exemplo 
utilizado por Agamben, 2002), é um “fora”, um a-bandonado, que está, paradoxalmente, o 
tempo inteiro sob o domínio da lei soberana. “Aquilo que nele é excluído, é, segundo o 
significado etimológico do termo exceção, capturado fora, incluído através de sua própria 
exclusão.” (AGAMBEN, 2002, p. 177). 
Os campos de concentração, os atos de eugenia e a eutanásia praticados pelo 
Terceiro Reich, o confinamento de presos políticos em Guantánamo, são alguns dos exemplos 
utilizados por Agamben para relacionar o poder sobre a vida nua com a constituição dos 
estados que, no século XX, fazem da exceção a regra. A exceção, o abandono, o capturar fora, 
é exatamente a condição de existência desse estado, desse corpo social. 
Aceitando a reflexão de Agamben e tentando aplicá-la ao caso das medidas de 
segurança e das internações nos HCTPs, pode-se dizer que com a exclusão do louco infrator 
da convivência social, parece-se querer não apenas a segurança da sociedade, mas a sua 
 25 
própria constituição enquanto corpo biopolítico saudável. A vida do louco infrator, submetida 
à força do poder psiquiátrico – “[...] que pode dizer a verdade da doença pelo saber [poder] 
que detém sobre ela, e [...] que pode produzir a doença na sua verdade e submetê-na realidade, 
pelo poder que a sua vontade exerce sobre o próprio doente.” (FOUCAULT, 1997, p. 49) e à 
inconstitucionalidade da medida de segurança, serve de forma exemplar ao conceito de homo 
sacer (AGAMBEN, 2002) – “que designa um ser cuja vida nada vale, uma vida matável 
[...].” (SEQUEIRA, 2006, p. 1). A figura ambígua do louco infrator - ora doente, ora 
criminoso, sob a tutela da Justiça e o discurso da Psiquiatria, “condenada” a um duplo 
estigma, é o homo sacer – banido do mundo dos homens e do mundo dos deuses 
(AGAMBEN, 2002). 
 
 
2.3 ANTIPSIQUIATRIA, REFORMA ITALIANA, PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA 
 
 
Segundo Amarante (1995), a partir do século XIX, observa-se a produção de uma 
percepção sobre a loucura a serviço de um olhar científico, constituindo-se um saber teórico e 
prático sobre o tema. “[A] experiência radicalmente singular do enlouquecer [foi submetida] a 
classificações e terapêuticas ditas científicas: submissão da singularidade à norma da razão e 
da verdade do olhar psiquiátrico.” (p. 24). A visão do louco como aquele que oferece risco 
social fundou a institucionalização da loucura pela Medicina e, a partir da segunda metade do 
século XIX, assim como outros saberes, a Psiquiatria passou “a ser um imperativo de 
ordenação dos sujeitos.” (p. 26). A internação compulsória em uma instituição total como o 
hospital psiquiátrico, bem como o estigma concernente a esse tipo de intervenção, é a resposta 
da sociedade por ter sido ultrajada pelas ações consideradas inadequadas praticadas pelo 
doente mental, escreveu Goffman (2005). 
O trabalho de Philippe Pinel, baseado em saberes e práticas sobre o trato com a 
loucura, deu ao hospital (antigo estabelecimento de cunho social-filantrópico, de hospedagem 
de outros tantos tipos marginalizados) status de instituição médica e aos médicos, o saber 
sobre a loucura (AMARANTE, 1995), de forma que o hospital psiquiátrico tornou-se “o 
núcleo gerador da psiquiatria como especialidade médica.” (PESSOTTI, 1996, p. 09). Desde 
essa época, Pinel obteve seguidores e críticos do modelo médico-asilar de assistência. 
Conforme relatam Amarante (1995) e Jorge (1997), em meados do século XX, na 
Europa pós-guerra surgiram movimentos que propuseram reformas restritas ao espaço asilar, 
 26 
como a Psiquiatria Institucional (na França), que visava ao resgate da função terapêutica dos 
hospitais psiquiátricos, e as Comunidades Terapêuticas (na Inglaterra), espaços que buscavam 
superar a relação vertical entre médicos e pacientes, além de acabar com espaços de 
segregação dentro do hospital, onde deveria ser permitido o livre circular dos pacientes. Nesse 
mesmo período, surgiram movimentos que contestavam o espaço asilar, como a Psiquiatria de 
Setor francesa e a Psiquiatria Preventiva ou Comunitária norte-americana, que acreditavam 
que a comunidade fosse o local mais adequado para a atuação da Psiquiatria. Esses 
movimentos questionaram e propuseram modificações em relação ao hospital como 
instituição asilar. “Eles buscavam modificar as práticas psiquiátricas, mas nunca colocavam 
em discussão a psiquiatria como tal, a psiquiatria como instituição, e por isso mesmo também 
não colocavam em discussão as instituições produzidas pela psiquiatria.” (ROTELLI, 1994, p. 
150). O saber psiquiátrico e todos os seus expedientes somente passaram a ser contestados 
com o movimento da Antipsiquiatria e da Psiquiatria Democrática – movimento criado para 
consolidar a teoria de Franco Basaglia. 
Em meio aos movimentos da contracultura, surgiu, na Inglaterra dos anos 60, o 
movimento da Antipsiquiatria – liderado por um grupo de psiquiatras, onde se destacaram 
Ronald Laing, David Cooper e Aaron Esterson. Para esse grupo, os saberes e as práticas da 
Psiquiatria eram inadequadas ao tratamento da loucura, em especial da esquizofrenia – 
gerando um questionamento radical ao saber médico-psiquiátrico. (AMARANTE, 1995). A 
Psiquiatria representava os interesses dos que se auto-intitulavam “sadios” ao passo que 
destinava aos apontados como “loucos”, um tratamento violento. (COOPER, 1989). 
A Antipsiquiatria propôs uma ruptura ao modelo teórico-prático até então 
utilizado, buscando retirar a hegemonia do saber médico sobre a compreensão da doença. Para 
tanto, lançou mão de várias referências: fenomenologia, psicanálise, as obras de Michel 
Foucault, dentre outras. A Antipsiquiatria buscou um entendimento da loucura como um 
fenômeno que ocorre entre os homens, não dentro deles. Os questionamentos proporcionados 
pela Antipsiquiatria trouxeram significativas contribuições para as transformações prático-
teóricas no trato com a loucura. (AMARANTE, 1995). 
A necessidade social de discussão e questionamento sobre o hospital psiquiátrico e 
o saber médico, juntamente com as questões relacionadas aos direitos humanos originadas 
durante e logo após a Segunda Guerra, possibilitaram a eclosão de movimentos diferentes em 
vários países, com alguns marcos em comum, mas com singularidades entre si. Na Itália, nos 
anos 60, uma ruptura radical com a Psiquiatria clássica, com crítica severa ao saber médico-
psiquiátrico – que tem no manicômio seu grande reduto de atuação, iniciou-se com o médico 
 27 
e psiquiatra Franco Basaglia e seguiu em pauta com o movimento da PsiquiatriaDemocrática 
Italiana. (AMARANTE, 1995). 
Na cidade italiana de Gorizia, na década de 60, Franco Basaglia iniciou um 
trabalho de humanização no hospital psiquiátrico do local. A partir dessa experiência abriram-
se novas perspectivas e posicionamentos revolucionários de rompimento com todo o modelo 
psiquiátrico vigente. Posteriormente, na cidade de Trieste, Basaglia percebeu a necessidade de 
superar o modelo de humanização institucional, a fim de inventar uma prática que 
tem na comunidade e nas relações que esta estabelece com o louco – através do 
trabalho, amizade, e vizinhança –, matéria-prima para desconstrução do dispositivo 
psiquiátrico de tutela, exclusão e periculosidade, produzidos e consumidos pelo 
imaginário social. (AMARANTE, 1995, p. 48). 
 
Para Basaglia, a Psiquiatria, até então, para estudar a doença havia colocado o 
indivíduo entre parênteses, como se a patologia existisse por si só – afastando-se do homem e 
de sua experiência concreta de dor e sofrimento. Contrária a Psiquiatria tradicional, a proposta 
de Basaglia era colocar a doença em suspensão, para que o homem – aquele que sofre – 
pudesse aparecer. (LANCETTI; AMARANTE, 2006). 
O isolamento e a exclusão – característicos de instituições como os hospitais 
psiquiátricos – não serviam mais a esse homem que deixou de ser meramente reduzido a uma 
suposta doença. Um homem percebido em sua totalidade demandava por espaços de lazer, de 
trabalho, de cuidados – espaços de relações. (LANCETTI; AMARANTE, 2006). Um homem, 
visto em sua totalidade e em sua singularidade, precisava ter preservado seu poder de 
contratualidade em suas três dimensões fundamentais: troca de bens, de mensagens e de 
afetos. (KINOSHITA, 2001, p.55). 
Em 1971, tendo Basaglia como grande protagonista, teve início em Trieste um 
processo de fechamento dos hospitais psiquiátricos e de substituição dessas instituições totais 
por serviços sociais, assistenciais, culturais e políticos, como moradia para os ex-internos, 
associação de familiares, cooperativas de trabalho, permitindo que o louco ocupasse toda a 
cidade – local onde todas as pessoas vivem e se relacionam. A experiência em Trieste 
originou modificações em toda a Itália, culminando na Lei 180, de 1978, conhecida como Lei 
da Reforma Psiquiátrica Italiana ou Lei Basaglia, que determinou o fechamento de todos os 
manicômios em seu território e a criação de serviços substitutivos ao modelo asilar. 
(LANCETTI; AMARANTE, 2006). 
Com o objetivo de tornar possível a Reforma Psiquiátrica nos moldes traçados por 
Franco Basaglia, foi criado em Bolonha, em 1973, um movimento político conhecido como 
Psiquiatria Democrática. Esse movimento permitiu a denúncia civil de práticas de violência 
 28 
institucional e alianças junto a sindicatos e outras associações, mobilizando todas as esferas 
da sociedade para a questão da Reforma Psiquiátrica – uma mudança tão profunda que 
precisaria atingir mais do que somente os profissionais da área da Saúde. (AMARANTE, 
1995). 
A Psiquiatria, criticada em vários aspectos, com argumentos construídos “a partir 
da análise e reflexão dos conceitos, leis e instituições sobre as quais se erguem o saber 
psiquiátrico.” (BARROS, 1994, p. 190), passou a ser alvo de expressivas modificações. 
Contrários a uma Psiquiatria que se pretendia definidora de saúde mental (BIRMAN; 
COSTA, 1994), os protagonistas da Reforma Italiana e da Psiquiatria Democrática elegeram 
como luta a criação de condições que possibilitassem a desmontagem dos manicômios a partir 
do seu interior, subvertendo sua lógica e seu funcionamento, numa postura que visava 
gradativamente a desconstrução dos manicômios e a paralela construção de serviços 
territoriais substitutivos. (BARROS, 1994). 
 
 
2.4 REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL 
 
 
O processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil iniciou-se nos anos 70 
contemporaneamente ao movimento da Reforma Sanitária – que propunha mudanças nos 
modelos de atenção e defendia a saúde coletiva e a eqüidade na oferta dos serviços de saúde. 
(BRASIL, 2005b). Ao final dos anos 70, em meio ao processo de redemocratização, com 
importantes discussões como as protagonizadas pela Reforma Sanitária, trabalhadores de 
saúde mental, representando vários estados brasileiros, reuniram-se para discutir propostas de 
reforma no campo da assistência psiquiátrica. (LOBOSQUE, 2001). 
Durante a primeira metade do século XX, a assistência psiquiátrica no Brasil foi 
marcada pela construção de grandes manicômios públicos e, a partir da década de 60, pela 
criação de um grande número de hospitais psiquiátricos privados em convênio com o poder 
público – a “indústria da loucura”. Essa configuração, apontada por Lobosque (2001), trouxe 
ao movimento brasileiro da Reforma Psiquiátrica mais uma dificuldade. Além dos 
preconceitos sociais em relação à loucura, como a suposta periculosidade do louco, e da 
resistência dos “setores psi, que tendem a encarar qualquer transformação efetiva da situação 
como algo que fere os princípios da ciência e da técnica, ou ameaça interesses corporativos.” 
(LOBOSQUE, 2001, p. 15), no Brasil o movimento da Reforma Psiquiátrica contou com 
 29 
outro grande obstáculo: o processo de “mercantilização da doença” instalado no país. Os 
hospitais psiquiátricos haviam se tornado negócio rentável, uma vez que “podiam ter centenas 
e até milhares de pacientes internados com pouquíssimos funcionários, péssimas condições 
sanitárias e anulação de direitos de cidadania de seus internos.” (LANCETTI; AMARANTE, 
2006, p. 625). 
Em 1986, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde – CNS, coordenada por 
Sergio Arouca, contando pela primeira vez com a participação de vários segmentos da 
sociedade: movimentos sociais, associações de portadores de patologias e profissionais de 
saúde – tendo como tema: Saúde, direito de todos, dever do Estado (posterior Art. 196 da 
Constituição Federal). Muitas das discussões propiciadas pela 8ª CNS apareceram 
solidificadas na Constituição de 1988, que contou com a assessoria de uma comissão de 
representantes do movimento da Reforma Sanitária durante os dois anos de Assembléia 
Constituinte (DA ROS, 2005). Norteada pelos princípios e diretrizes da 8ª CNS, ocorreu, em 
1987, a I Conferência Nacional de Saúde Mental, onde foram discutidas a Reforma Sanitária, 
a reorganização da atenção em saúde mental e as questões relacionadas à cidadania e à doença 
mental. (AMARANTE, 1995). 
Com a promulgação da nova Constituição e a criação do SUS, em 1988, os 
hospitais psiquiátricos passaram a ter seu exercício regulamentado, não sendo mais uma 
“opção de lucro”, e a receber fortes críticas, de natureza ideológica, política, sanitária e 
técnica. (LANCETTI; AMARANTE, 2006). A nova Constituição conferiu importantes 
poderes aos municípios na gestão da Saúde, o que permitiu que ocorresse na cidade de Santos 
SP, em 1989, “um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira.” (BRASIL, 2005b). 
A Casa de Saúde Anchieta, único hospital psiquiátrico da cidade, após denúncias 
de maus-tratos e mortes, sofreu intervenção por parte da Secretaria Municipal de Saúde de 
Santos. Muitos profissionais de saúde uniram-se para atender aos quinhentos pacientes do 
local que se encontravam em péssimas condições de saúde. Foram proibidas sessões de 
eletrochoques, pacientes começaram a ter direito a saídas do hospital, as enfermarias foram 
reorganizadas, a comunidade foi mobilizada, foram sendo criados serviços substitutivos, 
possibilitando a demonstração de que era possível cuidar de pessoas em sofrimento psíquico 
sem lançar mão de instituições como os manicômios e de que a Reforma Psiquiátrica era 
possível e exeqüível. (LANCETTI; AMARANTE, 2006; BRASIL, 2005b).“Num movimento 
inédito de audácia e criatividade, Santos abriu caminho para todo o Brasil, ao demonstrar a 
viabilidade concreta e a fertilidade intensa da proposta de uma sociedade sem manicômios.”, 
escreveu Lobosque (2001, p.17). 
 30 
Com a entrada do Projeto de Lei do Deputado Paulo Delgado (1989) no Congresso 
Nacional, que propunha “a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a 
extinção progressiva dos manicômios no país” (BRASIL, 2005b), iniciaram-se discussões e 
lutas no campo legislativo e normativo. E, a partir de 1992, inspirados por esse Projeto de Lei 
– que, após sofrer alterações substanciais, seria sancionado em 2001 – , muitos municípios 
brasileiros conseguiram aprovar as primeiras leis determinando a substituição progressiva dos 
leitos psiquiátricos por serviços dispostos em uma rede de atenção à saúde mental. Ainda em 
1992 aconteceu a II Conferência Nacional de Saúde Mental, que possibilitou discussões 
acerca de um novo modelo assistencial, mobilizou importantes setores nas esferas municipais, 
estaduais e federal, e contou com a expressiva participação de pessoas atendidas por serviços 
em saúde mental e de seus familiares. (SUS, 2002). 
Com discussões claramente vinculadas ao tema proposto pela Organização 
Mundial da Saúde – OMS: Cuidar, sim. Excluir, não, no final de 2001, ocorreu a III 
Conferência Nacional de Saúde Mental – CNSM, onde foram elaboradas propostas e 
estratégias para a efetiva mudança no modelo de atenção à saúde mental, buscando a 
transformação das relações sociais com a loucura e, assim, a consolidação da Reforma 
Psiquiátrica no Brasil. (SUS, 2002; BRASIL, 2005b). A situação do louco infrator no Brasil 
foi contemplada pelas discussões realizadas nessa Conferência. A alteração do Código Penal 
brasileiro no tocante ao conceito e “presunção de periculosidade” do portador de transtorno 
mental que comete infrações, garantindo-lhe o direito à responsabilidade e à assistência, bem 
como a garantia de espaços humanizados de tratamento e do direito a saídas do HCTP para 
facilitar sua inserção na família e na comunidade, foram algumas das propostas da III CNSM. 
(SUS, 2002). 
Após a promulgação da Lei nº 10.216/2001, o processo de redução de leitos 
psiquiátricos ganhou ainda mais força, assim como a expansão dos serviços substitutivos. Em 
2003, foi instituído o Programa Volta para a Casa – “uma das estratégias mais 
potencializadoras da emancipação de pessoas com transtorno mental.” (BRASIL, 2005b, s/d). 
Através do pagamento mensal de um auxílio-reabilitação durante um ano, o programa 
objetiva favorecer o processo de inserção social das pessoas internadas por longo período em 
hospitais psiquiátricos, estimulando um exercício de cidadania. (BRASIL, 2005b). 
Mais do que a sanção de novas leis e maior do que um conjunto de mudanças nas 
políticas públicas e nos serviços de atenção à saúde mental, indiscutivelmente importantes, a 
Reforma Psiquiátrica é um 
 31 
processo político e social complexo, composto por atores, instituições e forças de 
diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, 
estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos 
conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de 
seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da 
opinião pública .(BRASIL, 2005b, s/p). 
 
Tal processo vem acontecendo em velocidade distinta em cada área e dimensão a 
ser contemplada pelas transformações preconizadas pela Reforma Psiquiátrica. Segundo o 
Relatório para a Reorientação dos HCTPs, a problemática do tratamento destinado ao louco 
infrator no Brasil – “discussão até então pouco aprofundada na reforma psiquiátrica 
brasileira” (BRASIL, 2002), só ganhou espaço significativo a partir dos primeiros anos do 
século XXI. 
Segundo Kolker e Delgado (2003), após a assinatura da Lei nº 10.216/ 2001, que 
prevê o fim progressivo dos hospitais psiquiátricos, e de eventos como a III CNSM (2001), 
que ratificou a necessidade de incluir os internos e os egressos dos HCTPs entre os atendidos 
pelos serviços preconizados pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, e o Seminário para 
Reorientação dos Hospitais de Custódia (2002), “começamos finalmente a reunir condições 
para rever a legislação psiquiátrico-penal para propor medidas efetivamente viáveis para o 
tratamento deste problema.” (p. 170). 
Apesar de um notório atraso na inclusão dos HCTPs nas discussões e propostas do 
movimento da Reforma Psiquiátrica, há experiências bem sucedidas ocorrendo no Brasil, 
como o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário – PAI-PJ, criado pelo Tribunal 
de Justiça de Minas Gerais, onde os egressos encontram assistência em dispositivos como os 
CAPS e em ambulatórios de saúde mental (BRASIL, 2005b; BRASIL, 2002), e o Programa 
de Atendimento Integral ao Louco Infrator – PAILI, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de 
Goiás em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde, que vem possibilitando a criação de 
projetos terapêuticos individualizados, levando em consideração a singularidade de cada caso, 
com o objetivo, também, de “buscar a adesão do círculo sócio familiar do paciente judiciário, 
trabalhando junto à família para estabelecimento de vínculos para retorno ao lar, prestando 
apoio e esclarecimento; garantir acesso ao tratamento na rede pública (garantia 
constitucional).” (GOIÁS, s/d, s/p). 
Segundo Kolker e Delgado (2003), nas três dimensões que o movimento da 
Reforma Psiquiátrica propõe-se a atuar: ético-política, técnico-administrativa e jurídica, são 
inquestionáveis os avanços nas discussões acerca do direito à cidadania da pessoa com 
sofrimento psíquico (dimensão ético-política) e as reformulações nos modelos de atenção 
(dimensão técnico-administrativa). Entretanto, os avanços no campo jurídico são ainda 
 32 
restritos. No caso específico do louco infrator, seu destino continua sendo a internação em um 
HCTP – com sua realidade, na maioria dos casos, de “maus tratos, agressões físicas e 
humilhações cotidianas, desamparo, ociosidade, falta de perspectivas, ausência de programas 
de reabilitação e reinserção social, muitas grades e cadeados.” (p.170). Em que pese todas as 
modificações ocorridas, desde 1988, na área da Saúde Mental, muitos avanços e 
transformações – políticas, jurídicas e epistemológicas – necessitam ser feitos em relação à 
instituição aniquiladora de subjetividades que é o HCTP. 
 
 
2.5 MEDIDA DE SEGURANÇA, INIMPUTABILIDADE, PERICULOSIDADE 
 
 
No século XIX, relata Sérgio Carrara (1998), “contribuindo para o bom 
funcionamento do sistema penal que se instalava nas sociedades liberais” (p.78), a Psiquiatria 
incorporou qualidades como crueldade, indisciplina e periculosidade à figura do louco, 
porém, evitando a não distinção entre a figura do louco e a do criminoso. Havia preocupação 
em deixar claro que eram as pessoas passíveis de punição e as que não eram – os loucos, os 
inimputáveis. 
Data também do século XIX, o início da assistência psiquiátrica pública no Brasil. 
As pessoas pobres que enlouqueciam eram trancafiadas em asilos. Era no recolhimento em 
asilos que a sociedade da época via a única solução para os loucos que supostamente 
oferecessem risco e ameaça à segurança pública. A pressão popular pelo recolhimento dos 
“inoportunos” em instituições asilares conduziu à criação do primeiro hospício brasileiro, 
criado em 1852, na cidade do Rio de Janeiro – local que abrigou todo tipo de “alienado”. 
(CORREIA et al., 2007). A “nova instituição” atendia convenientemente a preocupação da 
época de zelar pela segurança da sociedade. (CORREIA et al., 2007). E a Psiquiatria,como já 
vinha fazendo em outros países, se pôs no Brasil a serviço de 
sanar tecnicamente a exclusão já atuada pela sociedade, que automaticamente 
‘recusa’ aqueles que não se integram no jogo do sistema. Mas esta ação de exclusão 
não tem o mínimo caráter técnico- terapêutico, limitando-se esta à separação entre 
aquilo que é normal e aquilo que não o é, onde a ‘norma’ não é um conceito 
elástico e discutível, mas é algo de fixo e estreitamente ligado aos valores do 
médico e da sociedade da qual é o representante. (BASAGLIA et al., 1994, p. 18) 
 
Os hospitais psiquiátricos destinados a receber os doentes mentais que cometessem 
delitos ou crimes surgiram no Brasil a partir da década de 20 (século XX) com a denominação 
de manicômio judiciário – modificada pela Reforma Penal de 1984, passando a se chamar 
 33 
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. (CORREIA et al., 2007). Segundo Carrara 
(1998), após campanha na imprensa pela construção de “uma prisão de caráter especial, prisão 
e manicômio ao mesmo tempo” (p.193), foi inaugurado, em cerimônia de aplausos e 
discursos, o primeiro manicômio judiciário brasileiro, em 1921, na então capital federal, Rio 
de Janeiro. Criou-se, a partir daí, uma nova categoria: o louco-criminoso, que deveria ser 
separado do louco comum internado no Hospício Dom Pedro II. (CORREIA et al., 2007). 
No dossiê sobre o caso Pierre Rivière4, coordenado por Michel Foucault (2000), 
encontra-se a seguinte passagem: “[a] sociedade tem pois o direito de pedir, não a punição 
deste infeliz, já que sem liberdade moral ele não pode ter culpabilidade, mas seu isolamento 
por medida administrativa, como o único meio que a possa tranqüilizar sobre os atos 
ulteriores deste alienado.” (p.259). A partir dessa citação pode-se iniciar uma discussão de 
como a noção de inimputabilidade (“ele não pode ter culpabilidade”) e de periculosidade 
(“tranqüilizar sobre os atos ulteriores deste alienado”), assim como o expediente da medida de 
segurança (“isolamento por medida administrativa”) são mecanismos contraditórios, 
ambíguos e têm servido com grande eficiência nesse quase um século de manicômios 
judiciários no Brasil – “desde sempre, lugares de exclusão e violência.” 
(KOLKER;DELGADO, 2003). 
Segundo Marchewka (2003), no início do século XX, como sanção a delitos 
cometidos, a legislação penal brasileira instituiu a pena e a medida de segurança. A medida de 
segurança é defendida, desde o século XIX, como “tratamento ético-social do indivíduo 
infrator, que tenha agido sem a necessária capacidade de discernimento do caráter ilícito de 
sua conduta” (p.99), enquanto a pena destina-se a punir o delito cometido. A medida de 
segurança é uma sanção que difere da pena, sendo destinada aos inimputáveis – os isentos de 
pena. 
O louco, inimputável, além ser considerado incapaz de compreender seus atos e de 
responder por eles, também é considerado perigoso. A penalidade, através da medida de 
segurança passa a “ser um controle, não tanto sobre se o que fizeram os indivíduos está em 
conformidade ou não com a lei, mas ao nível do que podem fazer, do que estão sujeitos a 
fazer, do que estão na iminência de fazer.” (FOUCAULT, 1996, p.85). Todas as 
possibilidades de expressão do considerado louco são reduzidas a um comportamento 
agressivo e violento, e não é lhe é ofertada a possibilidade de defesa, de elucidação de seu ato 
 
4 No século XIX, Pierre Rivière matou sua mãe e seus dois irmãos, foi condenado e suicidou-se na prisão. 
Michel Foucault coordenou a reunião das partes do processo e o desenvolvimento de estudos sobre os aspectos 
jurídicos e psiquiátricos do caso. 
 34 
transgressor. (BARROS, 1994). Cabe destacar aqui iniciativas com o PAI-PJ, onde uma 
equipe multidisciplinar acompanha o louco infrator em todas as etapas do processo criminal e 
atua junto a uma rede de atenção, na comunidade, que promova sua reinserção social, e, é 
garantido a esse sujeito o direito de responder sobre seu ato delituoso. 
Independentemente da gravidade do delito ou crime, o louco infrator é julgado por 
sua periculosidade – “seguindo a idéia de punir o criminoso e não o crime.” (PERES; NERY 
FILHO, 2002, p.342), e “condenado” à internação compulsória em HCTPs por tempo 
indeterminado, podendo ultrapassar, inclusive, os trinta anos – tempo máximo previsto aos 
imputáveis em casos de pena privativa de liberdade, chegando em certos casos, à “internação 
perpétua”. Não há na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) dispositivos que permitam a 
liberação do doente mental de forma progressiva, no modelo que ocorre com as penas 
privativas de liberdade. (MARCHEWKA, 2003). O conceito de periculosidade é que garante 
que tais violações e inconstitucionalidades ocorram. 
Para o portador de transtorno que cometa qualquer delito, independente da 
gravidade, continua a ser preconizada a medida de segurança até que seja 
considerada cessada a sua periculosidade [...]. Absolvidos, mas considerados 
imprevisíveis e irresponsáveis, os inimputáveis continuam a ter como destino mais 
provável a internação perpétua. ( KOLKER; DELGADO, 2003, p.169). 
 
As medidas de segurança, diferentemente das penas privativas de liberdade, não 
têm seu tempo máximo determinado, podendo durar indeterminadamente, enquanto o juiz, 
respaldado pela perícia médica e psicológica, não considerar o fim da periculosidade 
supostamente oferecida pelo indivíduo – louco e infrator. (MARCHEWKA, 2003). Ainda há, 
por parte de legisladores, doutrinadores, profissionais da saúde, e opinião pública, um 
entendimento de que “o objetivo da medida de segurança é o tratamento psiquiátrico do 
inimputável portador de doença mental e não o de reprimi-lo.” (p.100). 
A realidade dos HCTPs em nada lembra “tratamento” ou promoção de saúde, “[n]a 
administração do HCTP, o Estado incorpora a demanda punitivo-segregacionista produzida 
socialmente, voltando-se para os internos com uma estrutura alicerçada na violência, 
amparada pelo medo, controladora e reprodutora de desconfiança.” (CORREIA et al., 2007, 
p. 2000). Após todas as discussões fomentadas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica e 
todas as transformações técnico-políticas observadas na saúde mental nos últimos vinte anos 
no Brasil, conceitos como periculosidade e inimputabilidade precisam ser urgentemente 
revistos, por estarem ultrapassados e ferirem o princípio constitucional de “Todos são iguais 
perante a lei”. (BRASIL, 1988, p.15). 
 
 35 
 
2.6 PSICOLOGIA E DIREITO: QUE ENCONTRO É ESSE?5 
 
 
O Código de Ética do Psicólogo (2005) apregoa, em seus princípios fundamentais, 
que todo psicólogo deve pautar sua atuação no respeito e na promoção da liberdade de todo 
ser humano, assim como da sua dignidade, igualdade e integridade – valores difundidos pela 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Assembléia Geral das Nações 
Unidas em 1948, buscando a qualidade de vida de todas as pessoas e a eliminação de toda 
sorte de negligência, opressão ou violência. (CFP, 2005). É dever da Psicologia e dos 
psicólogos o “desvelamento dos mecanismos subjetivos através dos quais se produzem as 
legitimações ou invalidações das práticas sociais, que, como tais, favorecem ou mutilam os 
direitos humanos.” (SILVA, 2003, p.06). 
Se é dever do psicólogo respeitar e fazer cumprir os direitos à cidadania e à 
dignidade de todo ser humano, sua atuação junto às instituições do Direito deve ser sempre 
um encontro em prol desses direitos, em prol da liberdade. (VERANI, 1995). “Até que ponto 
[os psicólogos] se identificam com a ampliação dos direitos e das autonomias dos sujeitos e 
dos grupos sociais e, até que ponto eles se colocam na contramão, suscitando o

Outros materiais