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Dialética, o jogo dos opostos Normas morais têm um caráter de universalidade originado de diversas fontes e devem influir nas demais normas, pois se observam as diferenças e semelhanças entre norma com fim moral para vida boa, uma vida do bem; e as normas para um fim prático, como um trabalho eficaz, a aplicação de uma lei, um comportamento adequado para fim de aceitação social, como foi mostrado nos tópicos anteriores dessa aula. Muitas vezes, a não distinção das semelhanças e diferenças tende a colocar a reflexão das virtudes morais e as virtudes intelectuais que fundamentam aquelas normas em polos opostos, sem nenhuma tentativa de conciliar. Tal visão de opostos inconciliáveis leva muitas pessoas a “opinar” entre vícios por falta ou excesso (“melhor ser assim do que ser assado”) ou entre normas (“fazer isso ou aquilo”), trabalhando “racionalmente” com dados contraditórios, que em nada favorecem ao bem viver. Na solução de conflitos lógicos ou no caso de ações do mundo prático: conciliação de litígios nos tribunais, relações de compra e venda, relações familiares; enfim, nas relações humanas, as relações éticas são praticadas tendo como motor dinâmico a dialética. Dialética quer dizer “caminho entre ideias” e são as relações entre tese, antitese e síntese. Enquanto o método analítico corta, separa, fragmenta e leva ao entendimento de que a parte é o todo, a dialética pega o corte e tenta juntar num todo. Para o método dialético, as partes são falsas, pois sendo parte não são o todo. Esse argumento tem sido utilizado desde o filósofo Sócrates, na Grécia Antiga. A dialética para Platão era a técnica de perguntar, responder e refutar, privilegiando o diálogo para atingir o verdadeiro conhecimento. Aristóteles define a dialética como a lógica do provável, do processo racional que não pode ser demonstrado. O conceito de dialética, é utilizado por diferentes doutrinas filosóficas e, de acordo com cada uma, assume um significado distinto. Desde Aristóteles o método tem sido reformulado até se consistir em um modo esquemático de explicação da realidade, que se baseia em oposições e em choques entre situações diversas ou opostas. A dialética é considerada como o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. Como dissemos, os elementos do esquema básico do método dialético são a tese, a antitese e a síntese. A tese é uma afirmação ou situação inicialmente dada. Exemplo: Eu sou mestre, enquanto professor. A antitese é uma oposição à tese. Você é aprendiz, enquanto aluno. Do conflito entre tese e antitese surge a síntese, que é uma situação nova que carrega dentro de si elementos resultantes desse embate. A síntese, então, torna-se uma nova tese, que contrasta com uma nova antítese, gerando uma nova síntese, em um processo em cadeia infinito. O processo de aprendizagem desenvolve-se dialeticamente até que o mestre aprenda com o aluno e o aprendiz torna-se mestre. Qual é a síntese? O conhecimento, a educação, a realização acadêmica. A relação com o trabalho também é dialética, principalmente no que refere ao trabalho convencional de produção e transformação de bens. Com o trabalho, surge a oportunidade do ser humano atuar em contraposição à natureza. O homem faz parte da natureza; mas, com o trabalho, ele vai além, busca uma síntese entre a oposição inicial homem x natureza. Primeiro temos a negação de uma determinada realidade, para que a natureza seja útil; na parte da natureza que foi suprimida, sobrevive a conservação de algo essencial dessa realidade; e, por fim, a elevação a um nível superior: sobrevivência, sustentabilidade. A filosofia descreve a realidade e a reflete; portanto, a dialética busca não interpretar, mas refletir acerca da realidade. Por isso, seus três momentos (tese, antitese e síntese) não são um método, mas derivam da dialética mesma, da natureza das coisas. Muitos sistemas de ideias têm se construído na tradição filosófica que vem de Platão e Hegel, passando por Kant, Apel e Habermas. O método para construção desses sistemas é a dialética e sua busca de síntese, que o professor e filósofo Carlos Cirne-Lima, propondo um projeto de sistema filosófico, chamou de dialética ascendente. A dialética ascendente explica três partes do sistema: lógica, natureza e ética, nomeadas contemporaneamente de metalógica, metabiologia e metafísica, e metaética. O que é a dialética ascendente? Imaginemos um triângulo situado como uma pirâmide com um vértice apontando pra cima. No topo estão os princípios universais que são muitos, mas que o professor Carlos Cirne-Lima, na sua Dialética para todos (2006), resumiu em três grandes princípios: identidade, diferença e coerência. Na dialética ascendente parte-se da multiplicidade das coisas no mundo que nos cerca, do eu individual e, passo a passo, as teorias que são formuladas nos explicam e explicam a nós. Porém, chega um ponto em que as teorias são abandonadas, pois se tornam insuficientes e só interessa a busca de princípios universais, revelando o eu universal. Conforme o esboço de sistema do professor Carlos Cirne-Lima, esses princípios (identidade, diferença, coerência) regem tudo. Esquema de um esboço de sistema Princípios universais Partes do sistema metalógica metabiologia e metafísica (natureza) metaética SISTEMA identidade Identidade simples e reflexa Indivíduo, replicação, reprodução, espécie Homem, família, educação, sociedade diferença O novo, o diferente, mas que nem sempre é coerente Emergências do novo Mutação por acaso Eliminação Criatividade do ato livre Invenção Arte coerência Distinguir Eliminar pólos opostos Mal=incoerência Bem= coerência Seleção natural Princípio ético. A transposição da coerência que existe na natureza para a ética são os imperativos categóricos. Os imperativos categóricos foram enunciados por Imannuel Kant da seguinte maneira: “age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser elevada ao estatuto de lei universal.” Para entender um pouco essa universalização, vamos pegar como exemplo uma ideia, um desejo ou uma profissão. Se a universalização for bem sucedida, a ação é moralmente boa; se a tentativa de universalização não for boa, a ação é ruim. Mentir é bom? É ruim? Por que mentir é ruim? Se todos (universalização) mentem o tempo todo, ninguém se entende mais. Ser professor é uma boa profissão? Diríamos que sim. E se todos virem a ser professor? Não haverá mais aluno. Não havendo mais aluno, deixa de se ter professor. Vamos levar esse exemplo para o imperativo categórico de Hegel. O imperativo categórico de Kant sofreria objeções de Hegel, principalmente se o exemplo fosse: “Por que assassinar é ruim? Porque se todos assassinarem, a humanidade acaba”. Não é muito coerente, não? Hegel chamou esses princípios de imperativos categóricos abstratos e propôs outra ideia de universalização baseada na inserção: “inserir harmoniosamente uma parte dentro de um todo”. Ao invés de todos serem professores, pode-se inserir um número significativo de professores na sociedade; assim também um número significativo de cozinheiros, médicos etc. A coerência como inserção harmoniosa no todo é o critério que distingue o bem e o mal, no dever-ser da ética. Para Habermas, o princípio de coerência e a universalização dizem: “age sempre de forma que todos os efeitos primários, secundários e terciários de sua ação possam ser aceitos por todos”. Ser ético é ter coerência,é ser lógico. Ser ético é ser indivíduo que identifica semelhança e distingue. O ético reconhece a diferença e a coerência na emergência do novo, seja na natureza, seja na meta-ética: educação, sociedade, cultura. Ético na criatividade do ato livre. Na invenção e na arte de viver com princípios. _______________________________________________________ Referências bibliográficas para Dialética, o jogo dos opostos: KONDER, Leandro. O que é Dialética. 17ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Col. primeiros passos) CIRNE LIMA, Carlos Roberto Velho. Dialética para Principiantes. Porto Alegre, PUCRS, 1997. _______. Dialética para todos. (CD ROM interativo). Porto Alegre, 2006.
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