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18/03/2017 Elementos constitutivos do Estado ­ Jus.com.br | Jus Navigandi
https://jus.com.br/imprimir/44467/elementos­constitutivos­do­estado 1/20
Este  texto  foi  publicado  no  Jus  no  endereço
https://jus.com.br/artigos/44467 
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br
Elementos constitutivos do Estado
uma proposta de conceito de Estado
Elementos constitutivos do Estado: uma proposta de conceito de Estado
Misael Alberto Cossio Orihuela
Publicado em 11/2015. Elaborado em 11/2015.
Os  elementos  constitutivos  do  Estado  nunca  se  apresentam  de  forma  isolada.  Eles  estão  em
comunicação interna, interagindo, dialogando e cooperando entre si, em sinergia, interpenetrando­se
e complementando­se.
Ora,  os  que  governam  não  devem  ser  amantes  do  poder,  porque  se  o
forem  encontrarão  amantes  rivais  e  lutarão  com  eles  (...)  Nossos
governantes e nossas governantes também... Não creias que tudo quanto
eu disse se aplique apenas aos homens, e não às mulheres... (Platão)
Resumo. Este artigo, tendo como modelo principal a forma do Estado democrático de direito, tem como objetivo tratar sobre os
elementos constitutivos do Estado e, com base nisso, propor um conceito de Estado.
Palavras­chave. Estado democrático de direito; povo; poder político; princípios da justiça social; ordem jurídica; autogoverno.
Sumário. Introdução. 1.  Teorias de número de elementos constitutivos do Estado sustentadas por diversos autores. 2. Uma teoria de
número aberto de elementos do Estado. Uma proposta de  conceito de Estado. 2.1. Povo. 2.2. Território. 2.3 Poder político. 2.4.
Princípios éticos ou morais da justiça social. 2.5. Ordem jurídica constitucional socialmente justa. 2.6. Finalidade. 2.7. Recursos. 2.8.
Autogoverno: governo autônomo e independente. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O Estado é a instituição mais poderosa, complexa e dinâmica construída pelos seres humanos em sociedade, pela humanidade. É
uma instituição em constante evolução e transformação. Na sua evolução histórica, ele foi assumindo várias formas ou tipos estatais.
Na literatura produzida ao respeito, é comum falar­se nas seguintes formas ou tipos de Estado: Estado antigo, Estado grego, Estado
romano, Estado medieval, Estado moderno. Por sua vez, o Estado moderno, na sua evolução, foi adotando também várias formas ou
tipos: Estado absolutista, Estado liberal de direito, Estado social de direito, Estado social e democrático de direito ou, simplesmente,
Estado democrático de direito. Considerando isso, necessário salientar que o presente estudo terá como referência principal a forma
do Estado democrático de direito, de um verdadeiro Estado democrático de direito (aquele que não o é somente de nome, como diria
Aristóteles),  ou  seja,  um  Estado  democrático  da  justiça  social,  isto  é,  da  justiça  ampla,  preventiva  e  jusdialogal,  não  apenas
jurisdicional ou judicial.
Existem diferentes modos de conceituar o Estado. Um deles é tomando como critério os elementos que o constituem. Entre os autores
que tratam desse assunto, porém, não existe unanimidade em relação a quantos e quais são os elementos formadores do Estado, e, em
razão disso, tampouco existe consenso relativamente ao seu conceito, havendo tantos conceitos quantos forem os estudiosos dele.
Nesse contexto, o presente texto tem como objetivo contribuir para o debate sobre quais e quantos são os elementos formadores do
Estado, e, com base nisso, propor um conceito do Estado.
1 TEORIAS DE NÚMERO DE ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO SUSTENTADAS POR
DIVERSOS AUTORES
Antes de tratar sobre as teorias de número de elementos constitutivos do Estado, devemos, brevemente, dizer que entre os tratadistas,
assim como não há consenso em relação a quantos e quais são os elementos do Estado, tampouco existe consenso acerca dos termos
usados para referir­se a eles. A maioria dos autores usa os termos “elementos”, “componentes”, “dimensões”. Já outros, junto a esses
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termos, utilizam os termos “características”, “causas”, “pressupostos”, “requisitos”. Nós, sem desprezar outros termos, utilizaremos
aqui, indistintamente, os termos “elementos”, “componentes”, “dimensões”.
Quanto ao número das dimensões constitutivas do Estado, como já dissemos, não há consenso entre os autores. Alguns sustentam uma
teoria de três elementos, outros defendem uma teoria de quatro componentes, ainda outros sustentam uma teoria de cinco elementos,
etc.
José Francisco Rezek, por exemplo, pensa que são três os elementos do Estado: (1) território; (2) população; e (3) governo:
“O Estado ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma
comunidade  humana  estabelecida  sobre  essa  área  e  uma  forma  de
governo  não  subordinado  a  qualquer  autoridade  exterior  (...)  Atributo
fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências (...)  já
se  terá  visto  insinuar,  em  doutrina,  que  os  elementos  constitutivos  do
Estado não  seriam apenas  o  território,  a população  e  o governo:  a
soberania  seria  um  quarto  elemento  (...)  Essa  teoria  extensiva  encerra
duplo erro. A soberania não é elemento distinto: ela é atributo da ordem
jurídica,  do  sistema  de  autoridade,  ou  mais  simplesmente  do  terceiro
elemento,  o  governo,  visto  este  como  síntese  do  segundo –  a  dimensão
pessoal do Estado ­, e projetando­se sobre seu suporte físico, o território.”
(REZEK, 1996, pp. 160, 226, 227 e 228) (os negritos são nossos).
Paulo Henrique Gonçalves Portela também defende a ideia de que são três os elementos constitutivos do Estado: (1) território; (2)
povo; e (3) governo soberano:
“O  estudo  do  Estado...  parte  também do  exame  de  seus  três  elementos
essenciais... o território, o povo e o governo soberano (...) O governo
soberano,  também chamado de  “poder  soberano”,  é  a  autoridade maior
que  exerce  o  poder  político  do  Estado  (...)  a  soberania  é  o  atributo  do
poder estatal que confere a este poder o caráter de superioridade frente a
outros núcleos de poder que atuam dentro do Estado, como as famílias e
as empresas...” (PORTELA, 2015, pp. 168 e 169). (negritado por nós).
Outro autor que sustenta uma teoria de três elementos formadores do Estado é Sahid Maluf: (1) população; (2) território; (3) governo:
“No  tocante  à  sua  estrutura,  o  Estado  se  compõe  de  três  elementos:  a)
população;  b)  território;  c)  governo  (...)  A  condição  de  Estado
perfeito  pressupõe  a  presença  concomitante  e  conjugada  desses  três
elementos,  revestidos  de  características  essenciais:  população
homogênea,  território  certo  e  inalienável  e  governo  independente”.
(MALUF, 1998, p. 23) (negritos nossos).
Já Hans Kelsen defende uma teoria de quatro elementos formadores do Estado: (1) território; (2) povo; (3) poder; e (4) tempo ou
período de existência:
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“A  doutrina  tradicional  distingue  três  ‘elementos’  do  Estado:  seu
território,  seu  povo  e  seu  poder  (...)  É  característico  da  teoria
tradicional  considerar  o  espaço –  território  ­, mas não  o  tempo,  como
um “elemento” do Estado. No entanto, um Estado existe não apenas no
espaço, mas também no tempo, e, se consideramos o território como um
elemento do Estado, então, temos que considerar também o período de
sua existência como um elemento do Estado.” (KELSEN, 1998, pp. 299
e 314) (negritos nossos).
Por seu lado, Dalmo de Abreu Dallari também sustenta que os componentes do Estado são quatro: (1) ordem jurídica; (2) finalidade
(3) povo; (4) território:
“Em  face  de  todas  asrazões  até  aqui  expostas,  e  tendo  em  conta  a
possibilidade e a conveniência de acentuar o componente jurídico do
Estado,  sem  perder  de  vista  a  presença  necessária  dos  fatores  não
jurídicos, parece­nos que se poderá conceituar o Estado como a ordem
jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado
em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os
elementos  que  compõem  o  Estado,  e  só  esses  elementos.  A  noção  de
poder  está  implícita  na  de  soberania,  que,  no  entanto,  é  referida  como
característica  da  própria  ordem  jurídica.  A  politicidade  do  Estado  é
afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a
um  certo  povo,  e,  finalmente,  a  territorialidade,  limitadora  da  ação
jurídica  e  política  do  Estado,  está  presente  na  menção  a  determinado
território.”  (DALLARI,  2012,  p.  122)  (as  cursivas  são  do  autor;  os
negritos, nossos).
Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos expressa uma teoria de cinco elementos do Estado: (1) povo; (2) território; (3) governo; (4) ordem
jurídica: leis; (5) poder:
“No nosso Curso de teoria do Estado e ciência política tivemos o ensejo de
definir  o  Estado  como  a  ‘organização  política...  resultante  de  um povo
vivendo sobre um  território  delimitado e governado  por  leis  que  se
fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e
supremo internamente...” (BASTOS, 1990, p. 7) (negritos nossos).
Também,  Antônio  Sebastião  de  Lima  sustenta  uma  teoria  de  cinco  elementos  do  Estado,  classificados  em  duas  categorias:  (a)
elementos materiais, que são quatro; e (b) um elemento formal, que é o direito constitucional. Dessa forma, para esse autor, os cinco
elementos formadores do Estado são: (1) povo; (2) território; (3) governo; (4) finalidade; e (5) direito constitucional:
“O  Estado,  produto  da  cultura  humana,  sociedade  política,  instituição
política...  tem  matéria  e  forma.  Os  elementos  essenciais  que  lhe  dão
existência  são o povo,  o  território,  o governo  e  a  finalidade. Esses
elementos,  em  conjunto,  são  a  estrutura  do  Estado,  a  sua  constituição
material.  As  regras  que  estabelecem  os  vínculos  de  organização  e
funcionamento  entre  esses  elementos  são  a  constituição  formal  do
Estado,  o  seu  direito  constitucional  escrito  ou  consuetudinário.”
(LIMA, 1998, p. 35) (negritos nossos).
Para  Marcus  Cláudio  Acquaviva,  compreendendo­as  como  causas  materiais,  formais  e  final,  também  são  cinco  as  “causas”
constitutivas do Estado: (1) povo; (2) território; (3) ordem jurídica; (4) poder político; e (5) finalidade:
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“As  causas  constitutivas  do  Estado  são  materiais,  formais  e  final.  São
causas materiais do Estado o povo, ou elemento humano, e o território
(...)  Quanto  às  causas  formais...  são  a  ordem  jurídica  e  o  poder
político (...) Quanto à causa final... o Estado tem por causa final o bem
comum  (...)  A  soberania  é  o  atributo  do  poder  do  Estado...”
(ACQUAVIVA, 2010, pp. 24 e 51) (negritos nossos).
Por seu turno, Valério de Oliveira Mazzuoli, num primeiro momento, afirma uma teoria de quatro elementos do Estado, mas depois
admite a existência de um quinto elemento. Além do mais, como Dallari, Mazzuoli, destacando o seu componente jurídico, chama o
Estado de “ente jurídico”. Dessa forma, podemos concluir que, em verdade, para Mazzuoli, os elementos do Estado são seis: (1) ordem
jurídica; (2) povo; (3) território; (4) governo; (5) finalidade; e (6) capacidade para manter relações com os demais Estados:
“Pode­se  definir  o  Estado...  em  sua  concepção  jurídica moderna,  como
um ente  jurídico,  dotado  de  personalidade  internacional,  formado  de
uma  reunião  (comunidade)  de  indivíduos  estabelecidos  de  maneira
permanente  em  um  território  determinado,  sob  autoridade  de  um
governo  independente  e  com  a  finalidade  precípua  de  zelar  pelo  bem
comum daqueles que o habitam (...) De acordo com a definição de Estado
que acabamos de colocar, ficam postos em evidência os quatro elementos
constitutivos do Estado: povo, território, governo e finalidade. Além
destes  elementos,  pode­se  também  incluir  a  capacidade  para
manter  relações  com  os  demais  Estados...  (...)  O  conceito  de
governo autônomo e independente induz à ideia de Estado soberano, que
é  aquele...  que  não  reconhece  nenhum  poder  superior...”  (MAZZUOLI,
2015, pp. 483 e 490) (as cursivas são do autor; os negritos, nossos).
Da  leitura  do  livro  Leviatã  ou matéria,  forma  e  poder  de  um Estado  eclesiástico  e  civil,  podemos  afirmar  que,  para Hobbes,  os
elementos do Estado são sete: (1) povo: povo reunido; (2) território: espaço onde o povo está reunido; (3) recursos: recursos de todos;
(4)  poder  soberano;  (5)  governo;  (6)  ordem  jurídica:  leis  do Estado;  e  (7)  finalidade:  preservação  da  paz  e  da  justiça,  defesa  e
segurança comum e todas as comodidades da vida para o povo:
18/03/2017 Elementos constitutivos do Estado ­ Jus.com.br | Jus Navigandi
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“Cedo  e  transfiro  meu  direito  de  governar­me  a  mi  mesmo  a  este
homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires
a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.
Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado... É
esta a geração daquele grande Leviatã... ao qual devemos... nossa paz e
defesa    (...)  É  nele  que  consiste  a  essência  do Estado,  a  qual  pode  ser
assim  definida:  Uma  pessoa  de  cujos  atos  uma  grande  multidão,
mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um
como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos,
da  maneira  que  considerar  conveniente,  para  assegurar  a  paz  e  a
defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano,
e  dele  se  diz  que  possui  poder  soberano  (...)  É  desta  instituição  do
Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a
quem  o  poder  soberano  é  conferido  mediante  o  consentimento  do
povo reunido (...) preservação da paz e da justiça, que é o fim em
vista do qual todos os Estados são instituídos (...) O cargo do soberano...
consiste  no  objetivo  para  o  qual  lhe  foi  confiado  o  soberano  poder,
nomeadamente a obtenção da segurança do povo. Mas por segurança
não entendemos aqui uma simples preservação, mas  também  todas as
comodidades da vida (...) E sempre que muitos homens... se tornarem
incapazes  de  sustentar­se  com  seu  trabalho,  não  devem  ser  deixados  à
caridade de particulares, mas serem supridos... pelas leis do Estado...”
(HOBBES, 2000, pp. 144, 145, 150, 251 e 258) (as cursivas são do autor;
os negritos, nossos).
Da sua parte, Platão, na sua obra A República, também menciona a existência de sete elementos formadores do Estado: (1) povo ou
conjunto  de  habitantes;  (2)  território;  (3)  poder;  (4)  governo;  (5)  princípios  de  justiça;  (6)  ordem  jurídica:  constituição,  leis  e
costumes; (7) finalidade: conferir educação e os maiores benefícios ao povo. Repare­se:
“Um  Estado  nasce...  das  necessidades  dos  homens  (...)  o  conjunto  dos
habitantes  recebe  o  nome  de  cidade  ou  Estado  (...)  O  território  do
Estado precisa ser estendido (...) Teremos, pois, de cortar para nós uma
fatia  do  território  vizinho  (...)  os  que  governam  não  devem  ser
amantes  do poder  (...)  não  são  vãs  quimeras  o  que  dissemos  sobre  a
cidade e seu governo, e sim coisas que, embora difíceis, são realizáveis –
mas realizáveis unicamente de maneira que descrevemos, istoé, quando
haja  na  cidade  um  ou  vários  governantes  que...  tenham...  na mais  alta
estima o reto e as honras que dele dimanam, prezando como a maior e
mais  necessária  de  todas  as  coisas  o  justo...  cujos  princípios  serão
exaltados por eles ao organizarem a cidade (...) a justiça é em si mesmo
o maior dos bens  (...) para educá­los  de acordo com seus próprios
costumes e leis... para que o Estado alcance no mais breve espaço de
tempo a felicidade e possa conferir os maiores benefícios ao povo
que se rege por tal constituição...” (PLATÃO, 1996, pp. 37, 39, 42, 157 e
173) (os negritos são nossos).
18/03/2017 Elementos constitutivos do Estado ­ Jus.com.br | Jus Navigandi
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Assim, considerando todos os elementos sugeridos por todos esses autores, teremos que os elementos constitutivos do Estado são: (1)
população; (2) povo; (3) território; (4) tempo; (5) poder político; (6) governo; (7) finalidade; (8) recursos; (9) princípios de justiça;
(10) ordem jurídica; (11) capacidade de manter relações com outros Estados.
2 UMA TEORIA DE NÚMERO ABERTO DE ELEMENTOS DO ESTADO. UMA PROPOSTA DE
CONCEITO DE ESTADO
Em razão do que foi exposto, podemos afirmar que não é razoável pensar­se na existência de um número fixo e fechado de elementos
do Estado,  seja  fechado em três,  seja  fechado em quatro,  seja  fechado em cinco,  seja  fechado em seis, etc. Sendo o Estado uma
instituição complexa e em constante evolução e transformação, mais razoável é pensar­se em que esse número é aberto e não fechado.
Postulando,  então,  uma  teoria  de  número  aberto  de  elementos  constitutivos  do  Estado,  entendemos  que  o  verdadeiro  Estado
democrático de direito está formado pelos, entre outros, seguintes elementos: (1) povo; (2) poder político; (3) território; (4) princípios
éticos ou morais da justiça social; (5) ordem jurídica constitucional socialmente justa; (6) finalidade; (7) recursos; e (8) autogoverno.
Esses  elementos  nunca  se  apresentam  de  forma  isolada.  Eles  estão  em  comunicação  interna,  unidos,  ligados,  conjugados,
coordenados.  Eles  interagem,  dialogam,  cooperam,  interpenetram­se  e  complementam­se  para  a  formação,  funcionamento,
desenvolvimento e aperfeiçoamento do Estado. Em sinergia, formam um sistema, o sistema do Estado, um sistema aberto ao mundo e
à vida, à sociedade, aos outros povos, sociedades, Estados e entes internacionais, com os quais interage, dialoga e coopera e deve
interagir, dialogar e cooperar.
Isolando­os para fins apenas didáticos, tratemos, brevemente, de cada um desses componentes do Estado.
2.1 POVO
Formado por indivíduos­cidadãos com dignidade de pessoas humanas, isto é, no dizer de Kant, por pessoas consideradas sempre
como fins e nunca apenas como meios (Cf. KANT, 2001, pp. 69 e 70), e chamado também de cidadania, o povo é a dimensão humana
e humanizadora do Estado. No Estado social e democrático de direito, ou, simplesmente, Estado democrático de direito, o povo é o
titular do seu poder soberano (princípio da soberania popular), como o proclamou Rousseau, e o titular do seu governo democrático
(princípio do governo popular): o governo democrático (a democracia) é governo do povo, pelo povo e para o povo, como o afirmou
Abraham Lincoln.
De forma particular, a Constituição do Estado democrático de direito brasileiro de 1988 registra isso nos incisos I, II e III, e parágrafo
único do seu art. 1º, Título I:
“Título I – DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art.  1º.  A  República  Federativa  do  Brasil...  constitui­se  em  Estado
democrático de direito e tem como fundamentos:
I ­ a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio  de  representantes  eleitos  ou diretamente,  nos  termos  desta
Constituição.” (negritos nossos).
Num verdadeiro Estado democrático de direito, então, o povo não é apenas um componente sociológico do Estado, mas é também
componente normativo, jurígeno, ético (moral), jurídico e político. Nesse Estado, o povo, seja de forma direta, seja por meio dos seus
representantes éticos, justos, honestos, dialógicos, cooperativos, pacíficos e pacificadores, humanos e humanizadores, e junto a esses
seus representantes, é o construtor e reconstrutor dos princípios éticos ou morais da justiça social e da ordem jurídica constitucional
socialmente justa do Estado, princípios e ordem aos quais o Estado e ele próprio estão e devem estar submetidos. Como dimensão
humana do Estado, o povo é, pois, um ser humano coletivo ético­jurídico­político.
Nesse  sentido,  o  verdadeiro Estado democrático de direito  (Estado do povo, pelo povo,  com o povo  e para o povo,  como diriam
Rousseau  e  Lincoln)  é  um  empreendimento  ético­jurídico­político  originado,  construído  e  desenvolvido  pelo  seu  componente
humano e para o seu componente humano: o povo, formado por indivíduos­cidadãos com dignidade de pessoas humanas. Por seu
componente humano e para o seu componente humano, o verdadeiro Estado democrático de direito é, pois, também, um Estado
ético, humano e humanizador.
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Assim, o povo e os indivíduos­cidadãos que formam o povo não são meros objetos do Estado, nem da sua ordem jurídica, nem do seu
governo, mas, principalmente, são autores, sujeitos, princípios e fins primeiros deles. Por isso, o povo e os indivíduos­cidadãos que o
constituem tampouco são apenas sujeitos de deveres e direitos subjetivos perante o Estado, mas, sobretudo, são autores do próprio
direito (positivo ou positivado) que devem observar, obedecer e respeitar e que o Estado também deve observar, obedecer e respeitar
e deve fazer com que seja obedecido e respeitado com o uso da força, se necessário for.
É pelo povo e para o povo que o Estado existe. O povo é, pois, o componente criador, gestor, empreendedor, construtor e beneficiário
do Estado democrático de direito.
Há autores que, considerando o elemento humano como o mais importante e fundamental do Estado, conceituam o Estado como:
“conjunto de habitantes”  (PLATÃO,  1996, p. 39);  “universalidade dos cidadãos”  (ARISTÓTELES,  1998, p. 41);  “multidão unida
numa só pessoa” (HOBBES, 2000, p. 144); “pessoa pública formada pela união de todas as demais” (ROUSSEAU, 1996, p. 22);
“associação constituída por cidadãos iguais” (RAWLS, 1997, p. 230); “povo politicamente organizado”; “O Estado somos nós”, etc.
2.2 TERRITÓRIO
É o elemento espacial do Estado. É o espaço no qual e sobre o qual o Estado afirma seus direitos de soberania e governo. Esse espaço
tem várias dimensões: (a) espaço territorial: solo e subsolo; (b) espaço fluvial: rios e lagos; (c) espaço aéreo; (d) espaço marítimo: mar
territorial, plataforma continental, alto mar; (e) espaço ficto: embaixada, navios e aeronaves.
Num verdadeiro Estado democrático, o território, além de espaço jurídico e político, é também espaço moral, ético e humano, pois é
nesse espaço que vive seu elemento humano, seu empreendedor, criador, governante e soberano: o povo e os indivíduos­cidadãos
com dignidade de pessoas humanas que compõem o povo, ente coletivo moral, ético e humano.
Além do mais, o território é também fonte de recursos naturais e ou materiais do Estado.
2.3 PODER POLÍTICO
É o componente energético e coercitivo do Estado, a energia ou força coercitiva do Estado. Num Estado democrático de direito, como
foi visto, o titular do poder político é o povo, a cidadania, os indivíduos­cidadãos como coletividade.
O poder do Estado tem as seguintes características: (1) é soberano ou supremo, isto é, possui a qualidade (ou atributo) da soberania ou
supremacia; (2) é um, só um, uno, indivisível, indelegável, inalienável e imprescritível.A qualidade da soberania é tão inerente ao
poder  do  Estado  que  ela  é  considerada  como  sendo  o  próprio  poder  soberano  ou  supremo  do  Estado.  Vejamos  isso  em  quatro
pensadores da soberania ou poder supremo ou soberano do Estado: Aristóteles, Bodin, Hobbes e Rousseau.
O poder supremo do Estado como sinônimo de soberania já está em Aristóteles:
“O governo é o exercício do poder supremo do Estado. Esse poder só
poderia  estar ou nas mãos de um só, ou da minoria,  ou da maioria das
pessoas (...) A principal dificuldade consiste em saber a quem deve caber
o  exercício  da  soberania.”  (ARISTÓTELES,  1998,  pp.  105  e  149)
(negritos nossos).
Para  Jean  Bodin,  autor  francês,  considerado  o  primeiro  a  tratar  da  soberania  de  forma  sistemática,  ela,  a  soberania,  tendo  as
características de  indivisibilidade,  indelegabilidade,  irrevogabilidade e perpetuidade, é o poder absoluto ou supremo do Estado.
Paulo Bonavides, na sua obra Ciência Política, nos lembra disso:
“A  soberania  é  una  e  indivisível, não  se  delega  a  soberania,  a
soberania  é  irrevogável,  a  soberania  é  perpétua,  a  soberania  é  um
poder  supremo,  eis  os  principais  pontos  de  caracterização  com  que
Bodin  fez  da  soberania...  um  elemento  essencial  do  Estado.”
(BONAVIDES, 2003, p. 160) (negritado por nós).
Também  para Hobbes  o  poder  do  Estado  é  poder  soberano,  que  ele,  ressaltando  sua  característica  de  indivisibilidade,  chama
também de “soberania”, “o maior dos poderes humanos”, “poder comum”, “grande autoridade”:
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“O  maior  dos  poderes  humanos  é  aquele  que  é  composto  pelos
poderes  de  vários  homens,  unidos  por  consentimento  numa  só  pessoa,
natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na dependência
da sua vontade: é o caso do poder de um Estado (...) Portanto não é de
admirar que seja necessária alguma coisa mais, além de um pacto, para
tornar  constante  e  duradouro  seu  acordo:  ou  seja,  um poder comum
que  os  mantenha  em  respeito,  e  que  dirija  suas  ações  no  sentido  de
benefício comum. A única maneira de instituir um tal poder comum... é
conferir  toda a sua  força e poder a um homem ou a uma assembleia de
homens,  que  possa  reduzir  suas  diversas  vontades,  por  pluralidade  de
votos,  a  uma  só  vontade  (...)  à  multidão  assim  unida  numa  só  pessoa
chama­se Estado,  em  latim,  civitas.  É  esta  a  geração  daquele  grande
Leviatã, ou antes... daquele Deus mortal (...) Aquele que é portador dessa
pessoa chama­se soberano, e dele se diz que possui poder soberano
(...) o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo
reunido  (...)  É  evidente  que  quem  é  tornado  soberano  não  faz
antecipadamente  nenhum  pacto  (...)  E  se  fizer  tantos  pactos  quantos
forem os homens, depois de ele receber a soberania esses pactos seriam
nulos  (...) Portanto  é  inútil    pretender  conferir  a soberania através de
um pacto anterior (...) Quando se confere a soberania a uma assembleia
de  homens,  ninguém  deve  imaginar  que  um  tal  pacto  faça  parte  da
instituição  (...)  a  grande  autoridade  é  indivisível,  e  é
inseparavelmente atribuída ao soberano (...) o poder soberano
inteiro (que já mostrei ser indivisível) tem que pertencer a um ou mais
homens,  ou  a  todos...”  (HOBBES, pp. 83,  143,  144,  145,  146,  147,  150  e
153) (as cursivas são do autor; os negritos, nossos).
Chevallier,  comentando  o  absolutismo  e  a  indivisibilidade da  soberania  ou poder  soberano  tanto  em Bodin  quanto  em Hobbes,
leciona:
“Como  em  Bodin,  também  em Hobbes  o absolutismo  da  soberania
acarreta  sua  indivisibilidade...  Dividir  o  poder  é  dissolvê­lo.  Os
fragmentos do poder  reciprocamente  se destroem... Verdadeira doença
do  corpo  social.  As  características  dessa  soberania  absoluta  e
indivisível são as mesmas que em Bodin...” (CHEVALLIER, 1993, p. 75)
(negritos nossos).
Do  seu  lado,  Rousseau,  quem  colocou  o  poder  soberano  ou  soberania  nas  mãos  do  povo,  afirmando  as  suas  características  de
indivisibilidade e inalienabilidade, chama a soberania também de “força comum”, “poder absoluto”, “autoridade soberana”:
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“Do pacto social (...)  ‘Encontrar uma forma de associação que defenda e
proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de  cada associado,
e pela qual cada um, unindo­se a todos, só obedeça, contudo, a si mesmo
e permaneça tão livre quanto antes’. Esse é o problema fundamental cuja
solução é fornecida pelo contrato social (...) esse ato de associação produz
um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quantos são os
votos da assembleia, o qual recebe, por esse mesmo ato, sua unidade, seu
eu comum, sua vida e  sua vontade. Essa pessoa pública, assim  formada
pela união de todas as demais, tomava outrora o nome de Cidade, e hoje o
de República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros
de Estado quando passivo, soberano quando ativo e Potência quando
comparado  a  seus  semelhantes.  Quanto  aos  associados,  eles  recebem
coletivamente  o  nome  de  povo  e  se  chamam,  em  particular,  cidadãos,
enquanto  participantes  da  autoridade  soberana  (...)  o  poder
soberano  não  tem  nenhuma  necessidade  de  garantia  em  face  dos
súditos  (...)  Dos  limites  do poder  soberano  (...)  o  pacto  social  dá  ao
corpo  político  um  poder  absoluto  sobre  todos  os  seus,  e  é  esse
mesmo  poder  que,  dirigido  pela  vontade  geral,  recebe,  como  ficou
dito,  o  nome  de  soberania  (...)  Pela  mesma  razão  por  que  é
inalienável, a  soberania é  indivisível.”  (ROUSSEAU,  pp.  20,  21,  22,
24, 34, 38, 39) (as cursivas são do autor; os negritos, nossos).
Para Rousseau, então, da mesma forma que para Bodin e Hobbes, o poder do Estado, o poder soberano ou soberania é indivisível.
Quanto ao titular do poder soberano ou soberania, porém, Rousseau opõe­se a Bodin e Hobbes. Para Bodin e Hobbes o titular da
soberania é um indivíduo: o monarca, o príncipe. Já para Rousseau, o dono, o titular do poder soberano ou soberania é o povo, a
cidadania, os cidadãos como coletividade. Em relação a isso, Chevallier comenta:
“Absoluta, infalível, indivisível, inalienável, ­ a que se pode acrescentar,
como se viu: sagrada e  inviolável,  ­ de que prestigiosos atributos não se
acha aureolada essa soberania segundo Rousseau! Muito bem se disse:
depois de O Espírito das leis, que acentuava outros valores, O Contrato é
‘a  desforra  da  soberania’.  Sobre  as  ruínas  do  absolutismo monárquico,
condenado em espírito, Rousseau quis erigir,  lembrando­se de Genebra,
uma  soberania  sem  perigo  para  os  governados  e,  apesar  disso,  tão
augusta, majestosa  e  exigente  quanto  a soberania de  um  só,  segundo
Bodin, Hobbes  e  Bossuet. Soberania do povo,  isto  é, dos  cidadãos
em  conjunto,  soberania  inteiramente  abstrata,  em  substituição  à
soberania concreta de um Luís XIV...  Soberania que opõe  a O Estado
sou  eu,  do monarca  absoluto, O Estado  somos nós,  dos  governados  em
conjunto!”  (CHEVALLIER,  1993,  p.  174)  (as  cursivas  são  do  autor;  os
negritos, nossos).
Num verdadeiro Estado democrático de direito,  porém,  a  soberania  (ou poder  soberano ou  supremo) popular não  é mera  força
coercitiva, mas  é  também, principalmente,  soberania humana  e humanizadora,  pois  é  o poder do povo  soberano,  seu  elemento
humano, povo formado por indivíduos­cidadãos com dignidade de pessoas humanas. Em razão disso, a soberania do povo é também
soberania justa (socialmente justa, essencialmente), dialógica,cooperativa, pacífica e pacificadora, isto é, soberania ética ou moral,
pois ela se autolimita, autorregula e autogoverna pelos princípios éticos ou morais da justiça social.
Para alguns autores, o poder político é o elemento mais importante do Estado. É por isso que tais autores definem o Estado como
“poder institucionalizado”.
2.4 PRINCÍPIOS ÉTICOS OU MORAIS DA JUSTIÇA SOCIAL
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Construídos  pelo  povo  e  ou  por  seus  representantes  éticos,  justos,  honestos,  dialógicos,  cooperativos,  pacíficos  e  pacificadores,
humanos  e  humanizadores,  constituem  a  ordem  deontológica  ou  principiológica  do  Estado.  É  a  ordem  ético­educativa  (não
coercitiva) do Estado. O ordenamento deontológico ou principiológico do verdadeiro Estado democrático de direito pode ser definido
como  o  sistema  imperativo  (mas  não  coercitivo)  de  princípios  éticos  ou morais  da  justiça  social  que  fundamentam,  justificam,
ordenam e governam efetivamente o Estado, seu poder político, sua ordem jurídica e seu governo. O verdadeiro Estado democrático
de direito é, pois, um Estado democrático da justiça social, pois os princípios que o fundamentam, justificam, ordenam e governam
são, essencialmente, princípios éticos ou morais da justiça social.
Em  relação  aos  princípios  éticos  ou  morais  da  justiça  social  como  elemento  constitutivo  do  Estado  e  de  outras  instituições
democráticas, Rawls leciona:
“A  justiça  é  a  primeira  virtude  das  instituições  (...)  leis  e
instituições...  devem  ser  reformadas  ou  abolidas  se  são  injustas  (...)
Exige­se um conjunto de princípios para escolher entre várias formas
de ordenação... Esses princípios são os princípios da justiça social
(...)  o  ideal  moral  da  justiça  como  equidade  está  profundamente
incorporada  nos princípios  fundamentais da  teoria  ética  (...)  para  a
efetivação de um Estado  constitucional bem ordenado.”  (RAWLS,  1997,
pp.  3,  4,  5  e  35;  e  2002,  p.  372)  (negritos
nossos).                                                                       
Também para Aristóteles, a principal virtude (bem principal) que constitui o Estado é o princípio ético da justiça: “... a justiça [é] o
principal bem do Estado” (ARISTÓTELES, 1998, p. 150). Para o mesmo Aristóteles, outro princípio formador do Estado é o princípio
ético da honestidade: “Não existe Estado feliz por si mesmo senão que se constitui sobre as bases da honestidade” (ARISTÓTELES,
1998, p. 61). Para o filósofo, o Estado ou Cidade deve ser, pois, Estado justo, honesto, virtuoso: “... a verdadeira Cidade (a que não o é
somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.” (ARISTÓTELES, 1998, p. 54).
Antes de Aristóteles e Rawls, Platão já pensara que a justiça é o maior dos bens do Estado e que os princípios da justiça fazem parte da
organização (do governo) do Estado:
“O Estado surge da necessidade dos homens (...) a justiça é... o maior
dos bens  (...)  não  são  vãs  quimeras  o  que dissemos  sobre  a cidade e
seu governo, e sim coisas que, embora difíceis, são realizáveis... quando
haja na cidade um ou vários governantes que...  tenham... na mais alta
estima o reto e as honras que dele dimanam, prezando como a maior e
mais  necessária  de  todas  as  coisas  o  justo...  cujos  princípios  serão
exaltados por eles ao organizarem a  cidade.”  (PLATÃO,  1996,  pp.  37,
39 e 173) (negritos nossos)
Se o Estado não estiver constituído nem governado por princípios éticos ou morais da justiça social, ele, então, estará constituído e
governado por “princípios” imorais, antiéticos, antissociais, como, por exemplo, a injustiça, a desonestidade, o abuso, a mentira, a
indecência,  a  esperteza,  o  desamor,  o  desrespeito,  a  intolerância,  a  deslealdade,  a  arrogância,  o  individualismo,  o  egoísmo,  “a
maldição do dinheiro” (RAWLS, 2001, p. 184), etc.
Os princípios éticos ou morais da justiça social são tão importantes para a formação, existência, funcionamento, desenvolvimento e
aperfeiçoamento do Estado que, quando ocorre a ausência, a perda, o abandono, a violação, o desrespeito, o esquecimento e ou o
desvio em relação a eles, produzem­se graves doenças, anomalias, disfunções e problemas sociais e institucionais: (1) violência; (2)
criminalidade;  (3) corrupção;  (4) assalto e ou desvio dos recursos públicos, principalmente dos dinheiros públicos;  (5) omissão,
descaso  e  ou  inércia dos  agentes dos  órgãos do  governo  em  relação  aos direitos  sociais  e  individuais  do povo  e dos  indivíduos  e
cidadãos  e  futuros  cidadãos:  crianças  e  adolescentes;  (6)  judicialização  da  política  ou  ativismo  judicial;  (7)  formação  de  castas
privilegiadas no setor público; etc.
No caso do Estado democrático de direito, em geral, seus princípios fundamentais são também princípios éticos ou morais da justiça
social, ou seja, da justiça ampla, preventiva e jusdialogal, não apenas jurisdicional ou judicial. Entre outros, esses princípios são: (1)
amorosidade; (2) justiça; (3) paz; (4) dignidade da pessoa humana; (5) equidade; (6) igualdade; (7) liberdade; (8) fraternidade; (9)
solidariedade;  (10)  honestidade;  (11)  decência;  (12)  bondade;  (13)  lealdade;  (14)  pluralismo;  (15)  respeito  (16)  tolerância;  (17)
promoção  e  garantia dos direitos humanos,  incluídos os direitos das minorias;  (18)  cooperação  (colaboração);  (19) diálogo;  (20)
participação; (21) educacionalidade, expressando uma educação justa e para a justiça e paz, fundamentalmente, sociais. Para ser um
verdadeiro  Estado  democrático  de  direito,  o  Estado  deve  estar  formado,  alicerçado,  ordenado,  fundamentado,  justificado  e
efetivamente governado por, entre outros, esses princípios.  
No caso particular do Estado democrático de direito brasileiro, os seus princípios éticos ou morais da justiça social estão registrados no
preâmbulo e nos artigos 1º e 4º do Título I da sua Constituição de 1988:
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“PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte  para  instituir  um  Estado  Democrático,  destinado  a
assegurar  o  exercício  dos  direitos  sociais  e  individuais,  a
liberdade, a segurança, o bem­estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade justa, fraterna,
pluralista  e  sem  preconceitos,  fundada  na  harmonia  social  e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das  controvérsias,  promulgamos,  sob  a  proteção  de  Deus,  a  seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
[...]
Título I – DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art.  1º.  A  República  Federativa  do  Brasil...  constitui­se  em  Estado
democrático de direito e tem como fundamentos:
I ­ a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – pluralismo político.
[...]
Art.  4º.  A  República  Federativa  do  Brasil  rege­se  nas  suas  relações
internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
II ­ prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não­intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
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X – concessão de asilo político.” (negritado por nós).
Num  verdadeiro  Estado  democráticode  direito,  porém,  mais  do  que  escritos  num  Texto  ou  numa  Carta  ou  “Folha  de  Papel”
constitucional, como diria Ferdinand Lassale, os princípios éticos ou morais da justiça social estão e devem estar, essencialmente,
“escritos”, gravados: (1) no espírito, mente, coração, ações e interações do Estado e da sociedade; (2) no espírito, mente, coração,
ações e interações das funções, órgãos e instituições do governo do Estado; (3) no espírito, mente, coração, ações e interações dos
indivíduos e cidadãos que formam a sociedade e o povo; (4) no espírito, mente, coração, ações e interações dos indivíduos e cidadãos
que  atuam  como  servidores  do  Estado;  (5)  no  espírito,  mente,  coração,  ações  e  interações  dos  indivíduos  e  cidadãos  que,  por
delegação do povo, atuam como seus representantes e agentes dos órgãos e instituições do governo do Estado: agentes da educação, da
saúde, da segurança pública, da economia, do legislativo, do judiciário, do tribunal constitucional, da chefia do Estado, etc. É nesse
momento  que  ganha  importância  fundamental  e  central  o  princípio  da  educacionalidade,  princípio  que  exige  do  Estado  o
processamento de uma educação justa e para a justiça e paz, essencialmente sociais, para todos e com a participação ampla, dialógica
e cooperativa de todos.
Num e para um verdadeiro Estado democrático de direito, a educacionalidade é princípio base, fonte e componente estruturador e
fortalecedor da soberania popular,  isto é, do poder soberano do povo, e do ético,  justo, honesto, dialógico, cooperativo, pacífico e
legítimo exercício desse poder pelo povo, com o povo e para o povo. Por esse princípio, o Estado tem o dever de desenvolver, em
comunhão, diálogo e cooperação com a sociedade e as famílias, uma educação justa e para a justiça e paz, fundamentalmente, sociais,
uma  educação  interativa,  cooperativa,  dialógica,  e  social,  constitucional  e  plenamente  (funcional,  administrativa,  orçamentária,
financeiramente, etc.) autônoma e independente, uma educação formadora da cidadania, de indivíduos e cidadãos justos e pacíficos
uns  com  os  outros:  amorosos,  respeitosos  e  tolerantes  uns  com  os  outros,  livres,  autônomos  e  independentes,  iguais,  fraternos,
solidários, honestos, íntegros, inteligentes, trabalhadores, empreendedores, dialógicos, cooperativos, democráticos, participativos.
No caso do Estado democrático de direito brasileiro, o princípio da educacionalidade está registrado como dever do Estado e da
família no art. 205 da sua Constituição:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa,  seu preparo para  o  exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (negritos nossos).
Observemos: o pleno desenvolvimento das pessoas (com a participação do Estado, da sociedade e das famílias) implica também o
desenvolvimento ético ou moral delas.
Por esse princípio, então, o Estado, a sociedade e as famílias têm o dever de, reciprocamente, educar­se e de educar os indivíduos e
cidadãos e futuros cidadãos, desde crianças, desde uterinos, desde o início das suas vidas, em todas as esferas da vida e por toda a
vida, entre outras coisas, (1) nos princípios éticos ou morais da justiça social e para os princípios éticos ou morais da justiça social, (2)
na  justiça  e  paz  e  para  a  justiça  e  paz,  fundamentalmente,  sociais,  (3)  para  o  bom,  ético,  honesto,  inteligente,  eficaz,  eficiente,
dialógico, cooperativo, justo e pacífico governo do Estado democrático de direito.
Quando o princípio da educacionalidade se realiza, (1) os indivíduos­cidadãos que formam o povo, (2) o povo, a sociedade e o Estado,
e (3) os agentes dos órgãos e instituições do governo do Estado obedecem, respeitam, observam, espontaneamente, naturalmente, de
livre vontade, amorosamente, ou seja, sem a necessidade do uso da força: (a) os princípios éticos ou morais da justiça social; e (b) a
ordem jurídica constitucional (e infraconstitucional) e os valores ou bens que a essa ordem jurídica defende e deve defender. Como
resultado, os problemas sociais e  institucionais da corrupção, da violência, da criminalidade, do assalto e ou desvio dos recursos
públicos, etc., são, se não erradicados, reduzidos a níveis que não constituem reais problemas sociais nem institucionais,  ficando
apenas como fatos isolados e facilmente controlados e solucionados.
Num verdadeiro Estado democrático de direito, os seus princípios éticos ou morais da justiça social valem, pois, como seus princípios
formadores,  organizadores,  reguladores,  ordenadores,  fundamentadores,  justificadores  e  governadores  independentemente  de
estarem  ou  não  escritos  numa  “Folha  de  Papel”  constitucional.  Quando,  porém,  positivados  e  escritos  num  Texto  jurídico­
constitucional ou numa “Folha de Papel” constitucional, sem perder a sua autonomia, independência e dignidade ética ou moral,
serão parte essencial, fundamental e central da ordem jurídica constitucional socialmente justa do Estado.
2.5 ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL SOCIALMENTE JUSTA       
Também construída pelo povo e ou por seus representantes éticos, justos, honestos, dialógicos, cooperativos, pacíficos e pacificadores,
humanos  e  humanizadores  com  base  nos  princípios  éticos  ou morais  da  justiça  social  e  da  legitimidade,  é  a  ordem  normativa
constitucional positiva  (coercitiva) do Estado. É  a  ordem do direito  constitucional  socialmente  justo do Estado. Podemos,  então,
conceituar a ordem  jurídica constitucional de um verdadeiro Estado democrático de direito como o sistema de normas públicas
humanas e humanizadoras, justas (socialmente justas) e legítimas construídas com base nos princípios éticos ou morais da justiça
social que o Estado deve observar, respeitar e obedecer e deve fazer que seja observado, respeitado e obedecido, com o uso da força,
se necessário for.
Por estar também formada pelos princípios éticos ou morais da justiça social e, por isso, ser também uma ordem ético­educativa,
dialógica, humana e humanizadora e socialmente justa, a ordem jurídica constitucional do verdadeiro Estado democrático de direito
não apenas normatiza coercitiva e punitivamente a conduta dos  indivíduos e cidadãos, mas, principalmente, proporciona e deve
proporcionar a todos eles, entre outras coisas, desde crianças, desde uterinos, desde a sua gênese como seres humanos: (1) a plena
satisfação dos seus direitos sociais (educação, saúde, cultura, trabalho, segurança pública, previdência social, assistência social, etc.)
e individuais, aí incluída uma educação justa e para a justiça e paz, essencialmente sociais, uma educação que, entre outras coisas
importantes, forma esses indivíduos e cidadãos nos valores ou bens da vida e para os valores ou bens da vida que a mesma ordem
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jurídica constitucional defende e deve defender, prevenindo, evitando, com isso, que eles se tornem objetos de punição. Isso porque,
como se sabe, em verdade, justiça não é punir, mas prevenir, evitar, que os seres humanos se transformem em objetos de punição, e
se eventualmente forem penalizados, deverão ser penalizados respeitando­se a sua condição de indivíduos com dignidade de pessoas
humanas, e sempre possibilitando a sua ressocialização e reabilitação; (2) condições e bases justas e legítimas que possibilitem que
eles dialoguem, cooperem e participem da construção de uma sociedade justa e pacífica, e que lhes possibilitem conquistar seu bem
e sua felicidade; (3) condições justas e legítimas para que eles possam participar, de forma democrática, dialógica e cooperativa, da
construção  e  reconstrução  da  ordem  jurídica  constitucional  (e  infraconstitucional)e  da  sua  interpretação  e  aplicação;  (4)  as
condições necessárias, justas e legítimas para que possam solucionar por si mesmos (por compreenderem que é muito mais digno,
justo, decente, humano e reciprocamente vantajoso que seja assim) e ou por meio de juízes e tribunais éticos,  justos, equitativos,
educados,  honestos,  decentes,  dialógicos,  pacíficos  e  pacificadores,  humanos  e  humanizadores  e  verdadeiramente  populares  e
cidadãos  os  conflitos  que  eventualmente  possam  surgir  entre  eles,  sem  a  intervenção  da  indigna,  desonesta,  indecente,  injusta,
desumana e vergonhosa “justiça alheia” de juízes e tribunais dworkinianos, isto é, sem a intervenção de juízos formados por juízes­
deuses, juízes­nobres, juízes­filósofos, juízes­hércules, juízes­sobre­humanos, juízes­soberanos ou juízes­príncipes com carreira no
Olimpo (Cf. DWORKIN, 2010, p. 165; e 2007, pp. 476 e 486).
A propósito do caráter intrinsecamente indigno e vergonhoso da “justiça alheia” dos juízes e tribunais “sonolentos”, Platão já ensinava:
“[...] necessidade de ensinar que a justiça é em si mesmo o maior dos
bens e a  injustiça o maior dos males (...) é necessário que a educação
comece  desde  a  infância,  que  seja  feita  com  grande  cuidado  e  se
prolongue durante a vida  inteira  (...) E não  te parece uma vergonha  e
um grande indício de uma educação deficiente o ter um homem de
recorrer  à  justiça  alheia  por  não  a  possuir  em  si  mesmo,
entregando­se assim às mãos de outros homens, de quem  faz  seus
senhores e juízes... [e] passa a melhor parte da sua vida demandando e
sendo demandado ante os tribunais... e faz alarde de sua habilidade em
burlar  a  lei...  e  tudo  isso  com o  fito  em obter  vantagens  insignificantes,
sem compreender quanto melhor  e mais decoroso  seria dispor  sua vida
de  modo  a  poder  dispensar  a  intervenção  de  um  sonolento  juiz...” 
(PLATÃO, 1996, p. 37, 68, 69 e 70) (negritos nossos).
Se a ordem jurídica constitucional não for realmente ético­educativa, dialógica, socialmente justa, pacífica e pacificadora, humana e
humanizadora,  ela,  então,  não  será  uma  ordem  verdadeiramente  jurídica  constitucional,  mas  apenas  um  conjunto  de  regras
coercitivas desumanas, antiéticas, imorais, antijurídicas, regras de caráter individualista e privado, regras elaboradas para promover
e proteger determinados privilégios e interesses de indivíduos e grupos privados que atuam dentro e fora do Estado, isto é, regras
próprias de um Estado desumano, injusto, legalista, juizista, violento, vingativo, desonesto, indecente, antiético, imoral, populista,
antidemocrático, ditatorial e ou corrupto e corruptor, ou, apenas, como diz Rawls, “uma coleção de ordens particulares destinadas a
promover os interesses de um ditador ou o ideal de um déspota benevolente” (RAWLS, 1997, p. 258).
Existem autores que consideram que a ordem jurídica é a dimensão que melhor expressa o que seja o Estado. Por isso, conceituam o
Estado como sendo a própria ordem jurídica. Dallari, por exemplo, conceitua o Estado como sendo a “ordem jurídica soberana...”
(DALLARI, 2012, p.122). Outro exemplo é Mazzuoli, autor que conceitua o Estado como “ente  jurídico dotado de personalidade
internacional...” (MAZZUOLI, 2015, pp. 483).
2.6 FINALIDADE
É  a  dimensão  teleológica  do Estado.  Consiste  nos  fins  ou  objetivos  do Estado. Os  fins  do Estado  e  os  princípios  do Estado  estão
estreitamente ligados. Notemos essa ligação em Aristóteles:
“Da finalidade do Estado (...) Mas não é apenas para viver juntos, mas
para bem viver juntos que se fez o Estado (...) O fim da sociedade civil é,
portanto,  bem  viver  juntos;  todas  as  suas  instituições  não  são  senão
meios para isso (...) não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade
(a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude...
capaz de tornar [seus membros em] bons e honestos cidadãos (...) Dos
mesmos princípios depende a felicidade do Estado. É  impossível que
um  Estado  seja  feliz  se  dele  a  honestidade  seja  banida  (...)  Não
podemos deixar de  lembrar  estes princípios...”  (ARISTÓTELES,  1998,
pp. 53, 54, 56 e 58) (negritos nossos).
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Assim, por essa ligação: (1) o fim de formar cidadãos e Estados honestos liga­se ao princípio da honestidade; (2) o fim de realizar a
justiça social e um Estado socialmente justo vincula­se ao princípio da justiça (sentido amplo); (3) o fim de assegurar uma vida digna
a  todos  se  comunica  com o princípio da dignidade da pessoa humana;  (4) o  fim de  construir  sociedades e Estados  solidários  se
relaciona com o princípio da solidariedade; etc.
Entre os autores, não existe consenso sobre quais são os fins ou objetivos do Estado. Para Platão, por exemplo, a finalidade do Estado é
educar os indivíduos e cidadãos e proporcionar os maiores benefícios ao povo:
“O Estado surge das necessidades dos homens (...) para educá­los de
acordo com seus próprios costumes e leis... para que o Estado alcance no
mais breve espaço de tempo a  felicidade e possa conferir os maiores
benefícios ao povo...”  (PLATÃO,  1996, pp. 39  e  173)  (os negritos  são
nossos)
Para Aristóteles, o fim do Estado é bem viver juntos:
“Da finalidade do Estado (...) Mas não é apenas para viver juntos, mas
para bem viver juntos que se fez o Estado (...) O fim da sociedade
civil  é,  portanto,  bem  viver  juntos;  todas  as  suas  instituições  não  são
senão meios para isso...” (ARISTÓTELES, 1998, pp. 53 e 56) (as cursivas
são do autor).
Para Hobbes, os principais fins ou objetivos do Estado e do soberano são preservar a paz e a justiça e proporcionar ao povo todas as
comodidades da vida (educação, saúde, trabalho, previdência social, segurança pública, assistência social, etc.):
“[...] preservação  da  paz  e  da  justiça,  que  é  o  fim  em  vista  do
qual  todos  os  Estados  são  instituídos  (...)  O  cargo  do  soberano...
consiste  no  objetivo  para  o  qual  lhe  é  confiado  o  soberano  poder,
nomeadamente  a  obtenção  da  segurança  do  povo...  Mas  por
segurança não entendemos aqui uma simples preservação, mas também
todas  as  outras  comodidades da  vida.”  (HOBBES,  220,  pp.  150  e
251) (negritos nossos).
Já para Rawls, o fim do Estado, mais precisamente do seu governo, é o bem comum:
“Presume­se que o governo vise ao bem comum, isto é, à manutenção das
condições e a consecução dos objetivos que são similarmente vantajosos
para todos.” (RAWLS, 1997, p. 255).
No  caso  do  Brasil,  os  fins  ou  objetivos  do  seu  Estado  democrático  de  direito  como  um  todo  estão  registrados  no  artigo  3º  da
Constituição Federal de 1988:
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“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III –  erradicar  a pobreza  e  a marginalização  e  reduzir  as desigualdades
sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor,  idade  e  quaisquer  outras  formas  de  discriminação.”  (negritos
nossos).
Vemos, então, que um dos fins ou objetivos do Estado democrático de direito brasileiro como um todo é construir a justiça social
(“sociedade justa”). Outros objetivos desse Estado são promover o bem comum (bem de todos) e construir uma sociedade livre e
solidária. Notemos que o objetivo de construir a justiça social é também um objetivo da ordem social desse mesmo Estado, conforme
registrado no art. 193 da sua Constituição:
“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivoo bem­estar e a justiça sociais.” (negritos nossos).
Assim, para o Estado democrático de direito brasileiro, a  justiça social é um fim a ser realizado tanto pelo Estado como um todo
quanto pela sua ordem social. Observe­se nesse mesmo artigo 193 que outro objetivo ou fim da ordem social do Estado democrático
brasileiro é o bem­estar social (bem­estar de todos).
Outro fim desse Estado brasileiro, mais especificamente, da sua ordem econômica, é assegurar a todos os brasileiros uma existência
digna, conforme os ditames (do princípio) da justiça social. Esse objetivo está inscrito no art. 170, caput, da Constituição:
“Art.  170.  A  ordem  econômica,  fundada  na  valorização  do  trabalho
humano  e  na  livre  iniciativa,  tem  por  fim  assegurar  a  todos
existência  digna,  conforme  os  ditames  da  justiça  social...”
(negritos nossos).
Reparemos que, para o Estado democrático de direito brasileiro, a justiça social é tanto um princípio (“ditames da justiça social”)
quanto um fim ou objetivo (“a ordem social tem... como objetivo... a justiça social”; “construir uma sociedade justa”).
2.7 RECURSOS
Consistem no sistema de meios que possibilitam a consecução dos fins ou objetivos do Estado como um todo (justiça social; paz social;
bem comum; etc.)  e de  suas esferas particulares: educação,  saúde, previdência  social,  segurança pública,  economia,  legislativo,
judiciário, etc. O próprio Estado pode ser visto como um recurso (meio) que as sociedades, nações e povos construíram para realizar
seus  fins  ou  objetivos  de  justiça  e  paz  nas  sociedades,  na  humanidade.  Para  que  o  Estado  seja  efetivo,  eficaz  e  eficiente  no
cumprimento dos seus fins ou objetivos, os seus recursos devem ser bem geridos, administrados: bem planejados, bem organizados,
bem direcionados, bem controlados, bem conservados, bem utilizados, bem aplicados, bem protegidos. Os recursos do Estado podem
ser classificados nas seguintes classes: (1) recursos humanos; (2) recursos educativos; (3) recursos financeiros; (4) recursos materiais
ou físicos; (5) recursos de comunicação e informação; (6) recursos científico­tecnológicos; (7) recursos institucionais; etc. De todos
esses  recursos,  destacam­se  dois:  (a)  os  recursos  humanos,  incluindo  os  agentes  dos  órgãos  do  governo  do  Estado:  agentes  da
educação, agentes da saúde, agentes da economia, agentes do judiciário (juízes), agentes do legislativo (legisladores), etc.; e (b) os
recursos educativos, em que se destacam os professores ou profissionais da educação, que também são recursos humanos do Estado.
Os recursos humanos são os seres humanos (seres com dignidade de pessoas humanas) que, na dimensão recursal do Estado, atuam
como meios,  mas  sem  perder  a  qualidade  de  serem  fins  do  mesmo  Estado.  São  os  recursos  humanos  que  inventam,  captam,
conservam, protegem, desenvolvem, utilizam, aplicam, isto é, administram os recursos do Estado e o próprio Estado como recurso.
Sem recursos humanos, todos os outros recursos (inclusive o Estado) são inoperantes.
Os recursos humanos do Estado devem ser bem formados, bem valorizados, bem considerados, bem tratados, bem treinados, bem
capacitados,  bem  desenvolvidos,  permanentemente  qualificados  e  aperfeiçoados.  É  nesse  momento  que  ganham  importância
fundamental os recursos educativos: escolas, universidades, professores, que também devem ser bem formados, bem valorizados,
bem  considerados,  bem  tratados,  bem  treinados,  bem  capacitados,  bem  desenvolvidos,  permanentemente  qualificados  e
aperfeiçoados. Os professores de todos os níveis, desde a educação infantil até a educação superior, são, pois, recursos humanos que
formam e desenvolvem os outros recursos humanos. Por essa razão, podemos afirmar que os recursos do Estado formam um sistema
de recursos que tem como recurso central o recurso da educação.
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No caso do Estado democrático de direito brasileiro, a educação como recurso, bem como direito de todos e dever do Estado, como já
foi visto, está registrado no art. 205 da sua Constituição:
“Art.  205. A  educação,  direito  de  todos  e  dever  do Estado  e  da  família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno  desenvolvimento  da  pessoa,  seu  preparo  para  o  exercício  da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Dito de outro modo: a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, bem como o recurso (o meio) para conseguir o pleno
desenvolvimento das pessoas (dos indivíduos­cidadãos que formam o povo soberano), seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Por isso, isto é, por ser o recurso que desenvolve plenamente os indivíduos e cidadãos que compõem
o povo soberano e a sociedade, podemos afirmar que a educação, sem perder a sua qualidade de ser um princípio, um fim, uma
função e um dever do Estado, e um direito do povo e de todos os indivíduos e cidadãos e futuros cidadãos, é o maior e melhor recurso
do Estado. É o recurso dos recursos do Estado.
Nesse momento recursal do Estado impera e deve imperar o princípio da justiça e da dignidade salariais ou remuneracionais dos
recursos humanos e dos professores (recursos humanos desenvolvedores dos outros recursos humanos). Isso porque, embora nesse
momento atuem como recursos (meios), os seres humanos não perdem sua condição de serem pessoas dignas (indivíduos­cidadãos
com dignidade de pessoas humanas) e fins do Estado, e, como tais, devem ter salários dignos. Num verdadeiro Estado democrático de
direito, o princípio da justiça e dignidade salariais afasta e deve afastar as remunerações indignas, as remunerações privilegiadas, a
autolegislação salarial, o acúmulo de vantagens, as castas salariais, etc.
2.8 AUTOGOVERNO: GOVERNO AUTÔNOMO E INDEPENDENTE       
É o componente gestor e empreendedor do Estado. É também chamado de exercício do poder ou exercício da soberania do Estado.
Aristóteles já definia o governo como sendo o exercício do poder supremo (soberano) do Estado: “O governo é o exercício do poder
supremo do Estado” (ARISTÓTELES, 1998, p. 105).
O governo  é  a  atividade denominada de  administração ou  gestão do Estado.   É o processo de planejamento,  de  organização,  de
liderança, de coordenação, de direção, de execução e de controle do Estado como um todo (esfera global de governo) e das suas
esferas particulares de governo: educação, saúde, segurança pública, previdência social, economia, legislativo, judiciário, tribunal
constitucional,  etc.  Implica  o  processo  de  tomada  de  decisões  em  todas  as  esferas  de  governo:  na  esfera  global  e  nas  esferas
particulares de governo.
O governo do Estado é, na verdade,  autogoverno,  isto é,  governo autônomo e  independente.  Isso  significa que o Estado possui a
capacidade de governar­se sem a intervenção ou intromissão de outros Estados e entidades externas ou internacionais. Significa que
nos seus negócios e assuntos internos e externos é ele que toma suas próprias decisões sem a ingerência ou intervenção de outros
Estados ou entidades externas ou internacionais, com os quais, no entanto, mantém e deve manter relações de interação, diálogo e
cooperação.   
É o governo do Estado que estabelece, através da sua dimensão de planejamento (que inclui a previsão), entre outras coisas: (1) os
princípios e os fins ou objetivos do Estado; (2) a mobilização dos recursos do Estado para atingir esses fins ou objetivos. Em razão
disso, o planejamento é o momento central do sistema governamental do Estado. Todas as ações e interações do Estado devem ser
ações e interações planejadas, planejadas pelo povo e ou junto ao povo, à sociedade e às famílias, com ampla participação do povo, da
sociedade e das famílias, em comunhãoe diálogo com o povo, a sociedade e as famílias.
Em virtude da sua dimensão de governo, o Estado é, analogicamente, desde Platão, considerado um “navio”, um navio que deve ser
administrado, governado, dirigido:
“O Estado surge da necessidade dos homens (...) Há indivíduos talhados
para  cultivar  a  Filosofia  e  dirigir  a  cidade  (...)  as  cidades  não  se
livrarão  dos  seus  males  enquanto  não  forem  governados  pelos
filósofos (...) sobre o governo do navio [do Estado]... o bom piloto [o
filósofo]...  estando  verdadeiramente  qualificado,  é  ele  que  tem  que
dirigi­lo,  queiram  os  outros  ou  não...”  (PLATÃO,  1996,  pp.  39,  122  e
134).
Carlos Cirne­Lima comenta:
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“Os  Filósofos  Gregos  se  deram  conta muito  cedo,  na História  da  nossa
cultura, de que é  importantíssimo definir com clareza qual é a forma de
governo que faz florescer a Justiça e a Cidadania... Platão passou a vida
inteira  preocupado  com  isso  (...) O Estado,  diz  ele,  deve  ser dirigido
por quem entende do assunto, ou seja, por quem sabe governar. Quem
sabe governar?... O Filósofo, reponde Platão. É por isso que o Estado
deve  ser governado  pelos Filósofos  (...)  Isso  tudo  é Platão.  Só que  ele
não  falava de  avião,  é  claro,  e  sim de navio. Um navio  perdido  numa
tempestade e sem piloto...” (CIRNE­LIMA, 1997, pp. 196 e 197) (negritos
nossos).
Walzer retoma essa analogia do governo do Estado­navio, mas faz observações críticas a Platão:
“[...]  a  autonomia  das  esferas  produzirá  uma maior  repartição  de  bens
sociais... Espalhará mais amplamente o prazer de governar (...) Vejamos
o caso do piloto ou do timoneiro ao  leme de um navio, dirigindo a  sua
rota  (...)  O  que  os  marinheiros  não  percebem  é  ‘que  um  navegador
autêntico só pode tornar­se apto a comandar um navio depois de estudar
as estações do ano, o céu, as estrelas e os ventos e tudo quanto faz parte
do seu ofício’. Passa­se o mesmo com a nave do Estado (...) Na verdade,
porém,  quanto mais  profundamente  analisamos  o  significado do poder,
mais nos sentimos inclinados a rejeitar a analogia de Platão. É que só nos
confiamos  ao  timoneiro  depois  de  termos  decidido  para  onde
queremos  ir  e  essa  decisão,  mais  do  que  o  estabelecimento  de
determinada rota, é a que melhor ilumina o exercício do poder (...) É
claro que para tarefas especiais é necessário descobrir pessoas especiais...
Mas  todas  aquelas  pessoas  são  agentes  e  não  dirigentes  dos  cidadãos.”
(WALZER, 1999, pp. 273 e 274) (negritos nossos).
John Rawls, também utiliza a analogia de Platão ao falar do governo, ou melhor, do autogoverno do Estado­navio:
“Presume­se que o governo vise ao bem comum (...) Ora, o Estado é de
certo modo  semelhante  ao  navio  em alto­mar  (...)  Naturalmente,  os
fundamentos  do  autogoverno  não  são  apenas  de  ordem  prática  (...)
Além disso, o efeito do autogoverno, quando os direitos políticos iguais
têm  seu  valor  equitativo,  é  o  de  aumentar  a  auto­estima  e  o  senso  de
capacidade  política  do  cidadão...”    (RAWLS,  1997,  pp.  255  e  256)
(negritos nossos).
Para o bom, inteligente, honesto e justo autogoverno do Estado democrático de direito, a educação justa e para justiça e paz, na sua
expressão de educação governamental, é também fundamental. O mesmo Rawls, defensor de uma democracia participativa justa,
que ele chama de democracia deliberativa, afirma a importância central da educação governamental ampla e democrática para o
povo e para todos os indivíduos e cidadãos:
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“A  democracia  deliberativa  [participativa]  também  reconhece  que,  sem
instrução  [educação]  ampla  sobre  os  aspectos  básicos  do
governo democrático para todos os cidadãos, e sem um público
informado  a  respeito  de  problemas  prementes,  decisões  políticas  e
sociais cruciais simplesmente não podem ser  tomadas.”  (RAWLS, 2004,
p. 184) (destaque e negritos nossos).
Assim,  o  verdadeiro  Estado  democrático  de  direito  é,  pois,  também,  um  Estado  governamentalmente  educador.  É  Estado  que
também se educa e educa o povo e os indivíduos e cidadãos que compõem o povo para o bom, ético, honesto, inteligente, dialógico,
justo e pacífico autogoverno do Estado democrático de direito, Estado que é deles e para eles.
Contrariamente  ao poder do Estado,  o  governo do Estado  é divisível  ou  separável. É divisível  ou  separável  em  funções. É nesse
momento  governamental,  mais  precisamente,  na  dimensão  organizacional  do  governo,  que  vige  o  princípio  da  separação  de
funções2. O princípio da  separação de  funções  (também chamado de princípio da divisão do  trabalho)  exige  que  o  governo do
Estado, para cumprir com seus fins ou objetivos de forma efetiva, eficaz e eficiente (princípios da efetividade, eficácia e eficiência),
seja dividido ou separado em funções relativamente autônomas e independentes para serem delegadas (distribuídas, atribuídas) a
determinados órgãos de governo, também separados e relativamente autônomos e independentes entre si, e também harmônicos,
interativos, dialógicos,  cooperativos  (colaborativos)  entre  si  e  com o povo,  com as  famílias  e  com a  sociedade:  órgão  constituinte
(originário e reformador), órgão da educação, órgão da saúde, órgão da segurança pública, órgão da previdência social, órgão da
assistência social, órgão da economia, órgão do legislativo, órgão do judiciário, órgão do controle constitucional, órgão da coordenação
geral, órgão da chefia do Estado, etc. De todas essas funções (e respectivos órgãos), a educação, por sua natureza ética, justa, dialógica,
humana e humanizadora, é a função mais importante, pois ela, entre outras coisas, é também mediadora natural do desempenho
ético, justo, íntegro, inteligente, dialógico, cooperativo, eficaz e eficiente de todas as outras funções e órgãos do governo, e do governo
como um todo. Tendo, todos eles, autonomia e independência funcionais, administrativas, orçamentárias, financeiras, etc., nenhum
desses órgãos cumpre nem deve cumprir decisões de outros órgãos. Cada órgão, agindo de acordo com os princípios éticos ou morais
da  justiça social e a ordem  jurídica constitucional  socialmente  justa, nas suas  respectivas esferas de governo,  toma suas próprias
decisões, mas sempre conservando uma relação de harmonia, diálogo e cooperação (colaboração) com os outros órgãos e com o povo,
com as  famílias  e  com  a  sociedade.  Por  tratar­se  de  um Estado  democrático  de  direito,  porém,  o  titular  das  decisões  de  última
instância em todos os negócios ou assuntos do Estado é o povo, a cidadania, os indivíduos­cidadãos como coletividade. Rawls ressalta
isso:
“Numa  sociedade  democrática...  o  tribunal  de  última  instância  não  é  o
judiciário,  nem  o  executivo,  nem  o  legislativo,  mas  sim  a  cidadania,  o
eleitorado como um todo.” (RAWLS, pp. 432 e 433).
Não devemos confundir, pois, governo do Estado com “governo” do chamado “poder” executivo. Primeiro, porque, em verdade, o
“poder”  executivo  não  é  poder,  mas,  quando  muito,  seria  apenas  uma  função  ou  órgão  de  governo.  Dizemos  “seria”,  porque,
rigorosamente, o “executivo” nem sequer é função específica ou especial de governo, pois a “execução” ou “função executiva” é função
comum a  todos os órgãos de governo:  todos os órgãos de governo executam funções de governo. De  igual  forma, os denominados
“poder” legislativo e “poder” judiciário tampouco são poderes do Estado, mas são também apenas funções ou órgãos de governo. Isso
porque, como foi visto, o poder do Estado é um, só um, uno, indivisívele indelegável, e pertence ao povo, unicamente ao povo. O que
se divide ou separa é o exercício do poder ou governo do Estado e não o poder do Estado, e se divide ou separa em funções para serem
delegadas a órgãos de governo. Sendo órgãos de governo, e não poderes do Estado, então, o judiciário e o legislativo executam suas
respectivas  funções  judiciárias  e  legislativas. A  propósito, Aristóteles  já  ensinava  que  o  judiciário  é  órgão do  governo:  “A  ordem
judiciária é... órgão... do governo” (ARISTÓTELES, 1998, p. 141).
Tampouco  devemos  confundir  o  governo  do  Estado  com  o  “governo”  de  determinadas  pessoas, mesmo  que  eleitas  por  vontade
popular, como, por exemplo, no caso do Brasil, “o governo FHC”, “o governo Lula”, “o governo Dilma”, etc. Esses “governos” não são o
governo do Estado, nem essas pessoas são governantes do Estado. Essas pessoas são apenas representantes do povo e, por delegação do
mesmo povo, agentes dos órgãos do governo, e não governantes ou dirigentes do Estado, nem do povo, nem dos indivíduos­cidadãos
que formam o povo. A propósito, Walzer leciona:
“Na  verdade,  porém,  quanto  mais  profundamente  analisamos  o
significado do poder, mais nos sentimos  inclinados a  rejeitar a analogia
de  Platão.  É  que  só  nos  confiamos  ao  timoneiro  depois  de  termos
decidido para onde queremos ir e essa decisão... é a que melhor
ilumina o exercício do poder (...) É claro que para tarefas especiais é
necessário  descobrir  pessoas  especiais... Mas  todas  aquelas  pessoas  são
agentes e não dirigentes  dos  cidadãos.”  (WALZER,  1999,  pp.  273  e
274) (negritado por nós).
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Num verdadeiro Estado democrático de direito, então, o verdadeiro governante ou dirigente do Estado é o povo, pois ele, unicamente
ele, além de ser o titular do poder soberano, é o titular do exercício do poder ou governo do Estado. É o princípio do governo popular
proclamado por Abraham Lincoln: o governo democrático (a democracia) é o governo do povo, pelo povo e para o povo.
Assim, podemos dizer, então, no caminho de Lincoln, Rawls e Walzer, que no governo de um verdadeiro Estado democrático de
direito,  isto  é, do Estado democrático da  justiça  social, da  justiça ampla, preventiva  e  jusdialogal,  e não apenas  jurisdicional ou
judicial, o verdadeiro governante, dirigente, gestor, empreendedor, administrador, líder, chefe, presidente, parlamento, legislador e
tribunal de última instância não é o “presidente”, nem o “parlamento”, nem o “supremo tribunal”, nem o “tribunal constitucional”,
mas o povo  (os  indivíduos­cidadãos como coletividade),  e quando o povo o delega a  seus  representantes éticos,  justos, honestos,
cooperativos, dialógicos, pacíficos e pacificadores, humanos e humanizadores, esse governo é e deve ser processado junto ao povo,
com a participação ampla do povo, em comunhão, interação e diálogo com o povo, sempre em benefício do povo.
Todos esses componentes do Estado, como já dissemos, nunca se apresentam isoladamente. Eles, estando em comunicação interna,
interagindo, interpenetrando­se, complementando­se, dialogando e cooperando entre si, em sinergia, formam um sistema: o sistema
ético­jurídico­político democrático do Estado.
Com base nas ideias expostas, podemos, então, sem pretender exatidão, nem precisão, nem perfeição quanto a isso, propor o seguinte
conceito do Estado: o Estado é o  sistema ético­jurídico­político democrático aberto ao mundo e à vida,  à  família,  à  sociedade,  à
humanidade, com os quais interage, dialoga e coopera, que, dotado de poder soberano, princípios éticos ou morais da justiça social,
ordem jurídica constitucional socialmente justa, recursos e autogoverno nos limites de um determinado território, tem, entre outros,
como fins interligados e complementares, com a participação ampla da sociedade e das famílias: (1) realizar a justiça e a paz sociais,
uma sociedade, uma vida e um mundo justos e pacíficos; (2) realizar a satisfação plena de todos os direitos sociais e individuais de
todos  os  indivíduos  e  cidadãos,  com  prioridade máxima,  total,  absoluta  de  todas  as  crianças  e  adolescentes;  (3)  realizar  o  bem
comum, traduzido como a criação das condições justas e legítimas que possibilitem a todos a conquista do seu bem e sua felicidade;
(4) educar o povo e todos os indivíduos e cidadãos que o compõem, desde crianças, desde uterinos, desde o início das suas vidas, em
todas as esferas da vida e por toda a vida, na justiça e paz e para a  justiça e paz,  fundamentalmente sociais, e para o bom, ético,
inteligente, honesto, dialógico, cooperativo, justo e pacífico governo do Estado democrático de direito, Estado que é deles e para eles.  
CONCLUSÃO
Ao concluir este texto, diante da falta de consenso entre os tratadistas sobre a identificação e quantificação das partes formadoras do
Estado, e sobre o conceito do Estado, gostaríamos de ter contribuído para o debate sobre essa matéria.
O  importante para nós é que tenha  ficado claro que:  (1) não é razoável pensar­se na existência de um número  fixo e  fechado de
elementos do Estado,  seja  fechado em três,  seja  fechado em quatro,  seja  fechado em cinco, etc. Sendo o Estado uma  instituição
complexa e em constante evolução e transformação, mais razoável é pensar­se em que esse número é aberto e não fechado; e (2) os
elementos  constitutivos  do  Estado  nunca  se  apresentam  de  forma  isolada.  Eles,  estando  em  comunicação  interna,  interagindo,
dialogando e cooperando entre si, em sinergia, interpenetrando­se e complementando­se, formam o sistema do Estado.
Fundados nessas ideias, conceituamos o verdadeiro Estado democrático de direito, ou seja, o Estado democrático da justiça social, da
justiça ampla, preventiva e jusdialogal, e não apenas jurisdicional ou judicial, como o sistema ético­jurídico­político democrático
aberto ao mundo e à vida, à família, à sociedade, à humanidade, com os quais interage, dialoga e coopera, que, dotado de poder
soberano, princípios éticos ou morais da justiça social, ordem jurídica constitucional socialmente justa, recursos e autogoverno nos
limites de um determinado  território,  tem, entre outros,  como  fins  interligados e  complementares,  com a participação ampla da
sociedade e das famílias: (1) realizar a justiça e a paz sociais, uma sociedade, uma vida e um mundo justos e pacíficos; (2) realizar a
satisfação plena de todos os direitos sociais e individuais de todos os indivíduos e cidadãos, com prioridade máxima, total, absoluta de
todas  as  crianças  e  adolescentes;  (3)  realizar  o  bem  comum,  traduzido  como  a  criação  das  condições  justas  e  legítimas  que
possibilitem a todos conquistar seu bem e sua felicidade; (4) educar o povo e todos os indivíduos e cidadãos que o compõem, desde
crianças, desde uterinos, desde o início das suas vidas, em todas as esferas da vida e por toda a vida, na justiça e paz e para a justiça e
paz, fundamentalmente sociais, e para o bom, ético, inteligente, honesto, dialógico, cooperativo, justo e pacífico governo do Estado
democrático de direito, Estado que é deles, por eles, com eles e para eles.  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                               
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria geral do Estado. Barueri, SP: Manole, 2010.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
CIRNE­LIMA, Carlos. Dialética para principiantes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
CHEVALLIER, Jean­Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1993.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2012.
DWORKIN,

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