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Ariel, Rodó - Resenha de Luis Afonso Salturi


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Revista Ágora-ISSN1984 -185x 
 
 R. Ág., Salgueiro-PE, v. 5, n. 1, p. 118-120, agos. 2010 
 
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RODÓ, José Enrique. Ariel. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991, 115 p. 
 
 
Luis Afonso Salturi1 
 
Escrita pelo uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), a obra Ariel foi responsável 
para que este autor alcançasse sua expressão mais original no ensaísmo. Publicado pela 
primeira vez em 1900, o livro tornou-se um clássico do pensamento latino-americano, 
principalmente ao trazer reflexões sobre as possibilidades e diferentes perspectivas do 
pensamento dessa sociedade e sua diferenciação com relação à sociedade americana, no que 
diz respeitos às contribuições europeias. Tais contribuições estão presentes em amplos setores 
da América Latina, estando ligadas às transformações sociais, econômicas, políticas e 
culturais. 
No que se refere aos personagens, o livro Ariel tem como referência a obra A 
tempestade, de Willian Shakespeare, da qual três personagens são tomados emprestados, 
servindo também como metáforas no ensaio de Rodó. São eles: Próspero, que na obra A 
tempestade aparece como o legítimo Duque de Milão e no ensaio de Rodó é um herói 
civilizador, um velho e venerado mestre, uma alusão ao mago shakespeareano; Ariel, na obra 
A tempestade é o espírito do ar, mas no ensaio de Rodó aparece como uma estátua de um 
gênio, é jovem, idealista e inteligente; Calibam, o escravo selvagem e disforme de A 
tempestade, aparece como sendo materialista, utilitarista e sem ideais. 
A narrativa da obra de Rodó chama a atenção para várias coisas, entre as quais a 
juventude, fazendo uma comparação entre esta e o processo evolutivo das sociedades. Para 
ele, a juventude traz consigo o entusiasmo e a esperança, virtudes que corresponderiam, 
segundo ele, ao movimento e a luz na natureza: “a juventude, que assim significa luz, amor e 
energia na alma dos indivíduos e das gerações, também existe com o mesmo significado no 
processo evolutivo das sociedades” (RODÓ, 1991, p. 18). Para o protagonista, cada jovem, 
independente se será cientista, artista ou homem de ação, deve ser um exemplar não mutilado 
da humanidade, pois o interesse coletivo não pode perder sua virtude comunicativa. Dessa 
forma, o texto chama atenção para o conceito vulgarizado de educação, que mutila a 
integridade natural dos espíritos presentes numa sociedade. Nesse caso há uma limitação dos 
 
1 Doutorando em Sociologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR). 
Revista Ágora-ISSN1984 -185x 
 
 R. Ág., Salgueiro-PE, v. 5, n. 1, p. 118-120, agos. 2010 
 
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espíritos, pois a cultura completa e refinada pode conduzir ao que o protagonista chama de 
resultados terríveis. 
Através de um conto saído do “recanto empoeirado da memória” do protagonista, 
este vai mostrar a “liberalidade” de um rei com seus súditos, pois “tudo era liberdade e 
animação dentro desse augusto recinto, cuja entrada nunca teve guardas a vedá-la.” (RODÓ, 
1991, p. 33). Porém, nesse reino havia um aposento cuja entrada era proibida. Lá dentro, 
isolada do castelo estendia-se uma sala misteriosa onde ninguém podia entrar, exceto o 
próprio rei. O protagonista atribui esse conto o “cenário de nosso reino interior”. 
O protagonista fala sobre a importância de se ter uma visão clara da beleza das 
coisas, ou seja, o sentimento do belo. Para ele o sentimento do belo é visto, entre todos os 
elementos superiores da existência racional, “...o que mais facilmente fenece com a aridez da 
vida limitada à invariável descrição do círculo vulgar, convertendo-o no atributo de uma 
minoria que, dentro de cada sociedade humana, zela por ele como o depósito de um precioso 
bem segurado.” (RODÓ, 1991, p. 38). Esse ponto de vista no qual o sentimento do belo é 
ressaltado acaba sendo simplista, a exemplo da passagem: “parece-me indubitável que quem 
aprendeu a distinguir entre o vulgar e o delicado, o feio e o belo, já tem meio caminho andado 
para distinguir entre o bem e mal. Com certeza não é bom gosto, como pretendia certo 
diletantismo moral leviano, o único critério para avaliar a legitimidade das ações humanas” 
(RODÓ, 1991, p. 41). 
A obra também fala sobre a democracia que, ao lado da ciência, seria um dos esteios 
insubstituíveis sobre os quais repousariam a civilização. A democracia instituindo a 
universalidade e a igualdade de direitos sancionaria o predomínio ignóbil do número, caso 
não cuidasse de manter em altíssimo posto a noção das legitimidades superiores humanas e de 
fazer da autoridade vinculada ao voto popular não a expressão do sofisma da igualdade 
absoluta, mas o louvor da hierarquia procedendo a liberdade. 
Para o protagonista a igualdade democrática é vista como igual possibilidade e nunca 
como igual realidade. O conceito de igualdade repousaria na ideia de que todos os seres 
racionais são dotados de faculdades capazes de desenvolver o que ele chama de “nobre”. O 
Estado teria, então, como dever colocar todos os membros da sociedade em iguais condições a 
fim de buscar seu aperfeiçoamento. Desse modo, a igualdade democrática se tornaria o 
instrumento mais eficaz de seleção espiritual, sendo o ambiente providencial da cultura. 
No decorrer dessa exposição, percebe-se que a intenção do autor é despertar a 
reflexão do leitor que acaba então conhecendo Ariel, inspiração de Próspero. Ariel que 
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“...significa idealidade e ordem na vida, nobre inspiração no pensamento, desinteresse na 
moral, bom gosto na arte, heroísmo na ação, delicadeza nos costumes. Ele é o herói epônimo 
na epopeia da espécie; ele é o imortal protagonista, desde que, com sua presença, inspirou os 
débeis esforços de racionalidade do primeiro homem pré-histórico” (RODÓ, 1991, p. 106).