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Arquitetura paisagística contemporânea if no Brasil V Arquitetura paisagística contemporânea no Brasil As últimas três décadas foram muito diferentes, qualitativamente, para a arquitetura paisagística no Brasil e para a própria compreensão que os paisagistas fazem da abrangência de suas atuações profissionais. Avança mos dos primeiros passos da consciência ambiental, nos anos 1970, para a atual discussão cotidiana de amplas questões ambientais. Nesse tempo, deixamos de enxergar o ofício como atividade meramente estética e passa mos a encará-lo como o endosso de uma carta de princípios comprometida com a própria sobrevivência do planeta. Perosinperdería hermosura, é claro! Não por coincidência, a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap) foi fundada há pouco mais de três décadas, aglutinando os profis sionais brasileiros, vivenciando e alimentando-se de toda a efervescência do período. Era uma época em que contávamos com 0 incansável Roberto Burle Marx, considerado o maior paisagista do século XX, como porta-voz oficial dos novos paradigmas. Pois foi por meio dele que tomamos contato com o descalabro ambiental que se alastrava por todo 0 território brasileiro, que descobrimos a beleza e a importância de nossa vegetação nativa, que aprendemos a valorizar as associações entre espécies vegetais, a respeitar n r a 1 SUMÁRIO | I 7 Nota do editor 9 Prefacio - T rinta anos, uma longa jornada | Rosa Crena Kliass 13 Apresentação | Eduardo Barra 17 Agradecimentos 19 Introdução | Ivete Farah, Mònica Bahia Schlee, Raquel Tardin __________________________________________________________ _______________ Parte í 35 Capítulo 1 . Arquitetura paisagística até 1930 | Hugo Segawa 49 Capítulo 2 . A produção paisagística brasileira entre 1930 e 1976 | Ana Rita Sá Carneiro ______________________________________________________ __________ __________ Parte 2 77 Capítulo 3 . A arquitetura paisagística no período entre 1976 e 1985 | Ivete Farah 119 Capítulo 4 . O (re) desenho paisagístico das cidades brasileiras (1986-1995) | Mònica Bahia Schlee 169 Capítulo 5 . A arquitetura paisagística no período entre 1996 e 2006 | Raquel Tardin _______________________ _______________________________________ Conclusão 215 Perspectivas da arquítetura paisagística no Brasil | Lucia Maria S. A. Costa, Paulo Renato M. Pellegrino 229 Sobre os autores 231 Créditos iconográficos NOTA DO EDITOR Em 1976, surgiu a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap), insti tuição pioneira, entre outras coisas, no diálogo da pesquisa com a atuação profissional. Desde sua fundação, a Abap mantém profícuas relações com importantes universidades brasileiras, promovendo seminários, cursos e congressos que, além de abordar temas de relevância para o paisagismo, incluem parcerias com órgãos públicos de gestão e adminis tração. Arquitetura paisagística contemporânea no Brasil, coletânea composta por textos de professores e pesquisadores de renomadas instituições brasileiras ligados à Abap, traça um painel das realizações dos precursores da arquitetura paisagística no Brasil até 1976 e, a partir de então, da forma como os associados da Abap contribuíram para a produção paisagística nacional. Com esta publicação, o Senac São Paulo objetiva não só disseminar o conheci mento sobre a produção paisagística no Brasil, como também destacar a importância das abordagens dessa atividade no que diz respeito aos processos de intervenção na paisa gem, oferecendo a profissionais e a estudantes da área informações consistentes e reflexão sobre um fazer que se torna cada vez mais fundamental. Rosa Grena Klutss PREFÁCIO | TRINTA ANOS, UMA LONGA JORNADA Rosa Crena Kliass FU N DADO RA DA ABAP Sensação plena de missão cumprida! A caminhada foi árdua, porém prazerosa. Picadas foram abertas para, com alguma dificuldade, descobrir novos lugares. Quanta surpresa! Novas paisagens, novos companheiros. A cada encruzilhada, novas perspecti vas, novos grupos juntando-se a nós. Finalmente, aqui estamos: já somos uma plêiade de profissionais de todos os quadrantes, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, buscando a multi plicação dessas jornadas para novos encantamentos, novas descobertas, novas lutas para a materialização do grande sonho: a urdidura da rede que, lançada sobre o nosso país, garantirá a manutenção da diversidade e da qualidade da nossa paisagem e a criação de novos lugares calcados na percepção de sua identificação com o meio ambiente e com os desígnios propugnados. U m p o u c o d e h is t ó r ia E pensar que essa campanha, de cunho essencialmente nacional, tenha tido seu início fora de nossas fronteiras, aliás, em uma instância internacional! A revista Acrópole havia recebido publicação de uma organização internacional, que o senhor Manfredo Gruenwald, diretor da revista, me encaminhou, acreditando ser de meu interesse por tratar-se de arquitetura paisagística. Foi então que tive conhecimento da International Federation of Landscape Architects (Ifla), e, diante da possibilidade IO de filiação como membro individual, apresentei-me e fui aceita. Fernando Chacel, Luiz Emygdio de Mello Filho e Almir de Lima Machado já eram filiados. O passo seguinte foi minha participação numa Sessão Técnica da Ifla, em San Antonio, no Texas, por ocasião do Congresso da American Society o f Landscape Architects (Asla), em 1975, em que tive ocasião de conhecer os membros da organização. Edgard Fontes, arquiteto paisagista português, era o secretário-geral e dedicou-se a me convencer da necessidade de criar uma associação no Brasil. Afinal, na terra de Burle Marx, como era possível não haver uma organização dos arquitetos paisagistas? Tentei justificar o fato pelo pequeno número de profissionais na área, porém, diante de sua insistência, assumi o compromisso de tentar a façanha. De volta, convoquei um grupo de colegas para discutir essa possibilidade e. para minha surpresa, houve aceitação imediata. Iniciou-se então o processo de criação da que se tomou a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap), oficialmente criada em 28 de maio de 1976, com 29 associados fundadores. A cerimônia de sua instalação deu-se nos salões da Vila Penteado, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), e contou com a presença dos sócios honorários Roberto Burle Marx, Hermes Moreira de Souza. Mario Guimarães Ferri e Mauro de Morais Vitor. Em 1976, participei do Congresso Mundial da Ifla em Istambul, quando foi sub metida e aprovada a filiação da Abap. Como representante da Abap. passei a participar com assiduidade das reuniões do World Council e dos congressos, tendo me encarregado da missão de realizar, em 1978, no Brasil, o Congresso Mundial. Foi, talvez, em toda a minha trajetória, a tarefa mais difícil que assumi. O XVI Congresso Mundial da Ifla, em Salvador, BA, foi um sucesso e colocou-nos definitivamente no mundo como partícipes do processo de valorização da profissão. T rinta anos depois Desde então, a estruturação da Abap veio se efetivando no ritmo e nos tempos das instituições. Um dos fatos relevantes é que, hoje, somos reconhecidos como um dos órgãos representativos dos arquitetos e - com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (Asbea), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (Abea) e a Federação Nacional de Arquitetos e Urba nistas (FNA) - estamos participando do processo de criação de um conselho profissional independente. No que tange aos aspectos da formação dos arquitetos paisagistas, a Abap tem tido uma atuação constante. Duas iniciativas merecem ser citadas. A primeira foi o encontro de professores de paisagismo em escolas de arquitetura, realizado pela Abap e pela FAU-USP em 1993, aproveitando a vinda ao Brasil do profes sor Peter Jacobs, arquiteto paisagista canadense. Com a presença de grande número de professores de escolas de vários estados, esse encontro marcou o início da instalação do programa do Encontro Nacional sobre Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil (Enepea), que já se encontra na io- edição. A segunda foi a realização do Programa de Capacitação para Professores de Arqui tetura Paisagística, sob os auspícios da Ifla, Abap, Fundação para a Pesquisa Ambiental (Fupam) e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ministrado por professores americanos e canadenses, em parceria com professores brasi leiros, ao qual atenderam professores e arquitetos paisagistas de vários estados do Brasil. O resultado de todo esse processo está nas páginas que se seguem e que, de forma clara e enfática, demonstram o efetivo campo de trabalho atual e a qualidade dos profissio nais nele atuantes. APRESENTAÇÃO Eduardo Barra PRESIDENTE DA ABAP (2005-2008) As últimas três décadas foram muito diferentes para a arquitetura paisagística e para a própria compreensão que os paisagistas têm da abrangência de suas atuações profissionais. Avançamos dos primeiros passos da consciência ambiental, nos anos 1970, para a discussão cotidiana de questões como aquecimento global, escassez de recursos hídricos, queimadas na Amazônia, propagação da soja no cerrado brasileiro, exploração indiscriminada de bens naturais não renováveis, necessidade premente de regeneração das áreas degradadas, proteção legal das áreas de preservação permanente, ecogênese, pre servação da paisagem cultural, e outros temas desse quilate. Em outras palavras, deixamos de enxergar 0 ofício como atividade meramente estética — ou cosmética, como preferem alguns — e passamos a encará-lo como o endosso de uma carta de princípios comprometi da com a própria sobrevivência do planeta. Pero sin perder la hermosura, é claro! A Conferência Mundial de Estocolmo, realizada em 1972 - a primeira vez em que países do mundo inteiro se reuniram para discutir a sanidade planetária - , costuma ser apontada como 0 marco inicial desse novo olhar. Sabemos, entretanto, que sua gestação teve início muito antes, talvez no segundo quartel do século XX, mas os trinta últimos anos foram mesmo decisivos. Em 1973, o Governo Federal do Brasil criou a primeira Secretaria do Meio Ambiente. Não por coincidência, a Associação Brasileira de Arqui tetos Paisagistas (Abap), fruto da pertinácia de Rosa Kliass e de um pequeno grupo de visionários, foi fundada em São Paulo apenas três anos depois. Também não foi por acaso que a International Federation of Landscape Architects (Ifla), em 1978, resolveu adotar o Brasil como sede de seu XVI Congresso Mundial. A partir daí, começaram a ocorrer, no M país, inúmeros outros eventos relacionados às questões paisagísticas e ambientais, num momento em que contávamos com o incansável Roberto Burle Marx, considerado o maior paisagista do século XX, como porta-voz oficial dos novos paradigmas. Foi através de Burle Marx que tomamos contato com o descalabro ambiental que se alastrava por todo o território brasileiro, que descobrimos a beleza e a importância de nossa vegetação nativa, que aprendemos a valorizar as associações entre espécies vegetais, a respeitar seus ecossistemas originais, a enxergar a paisagem tropical com olhos tropi cais. Ele não estava sozinho nessa batalha, é óbvio, mas carregava a bandeira com vontade. E que vontade! A consequência de tanto empenho é a impressionante qualidade e o volu me de seu legado, que soma arte e ciência com muita fundamentação. Toda a efervescência dessas décadas foi, de algum modo, captada e aglutinada pela Abap, instituição que, desde sua fundação, trabalha incessantemente em prol da in formação e da instrumentação dos profissionais brasileiros e, diria ainda, pela própria formatação do oficio em solo pátrio, uma vez que ainda não temos cursos de graduação de arquitetos paisagistas e, portanto, uma profissão devidamente regulamentada - por m ais incrível que isso possa parecer. Com a intenção de ampliar a abrangência das áreas de atuação do arquiteto paisagista, a Abap incentivou o exercício pleno da interdisciplina- ridade, conduzindo o paisagista brasileiro à participação em equipes com formação hete rogênea, compostas por ambientalistas, hidrólogos, geólogos, geógrafos, biólogos, enge nheiros agrônomos e florestais, entre outros. Os profissionais atuantes no início dos anos 19 70 precisavam adaptar-se aos novos tempos, e foi através da Abap que novos conceitos e fundam entos começaram a tomar forma e a propagar-se. Era hora, também, de ampliar o "tim e”, até então limitado a poucos iniciados. Foram cursos, palestras, seminários e encontros, que suscitaram o debate, a troca de idéias e a formação de uma mentalidade. Portanto, acredito que não se possa dissociar 0 paisagismo contemporâneo brasileiro des sa instituição: são elementos completamente imbricados. Por tudo isso, por ocasião do I Congresso Internacional da Abap, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 2006 - quando a instituição comemorava seu 30o aniver- rio , consideramos que estava na hora de registrar o percurso da arquitetura paisagís tica brasileira no período. O livro que imaginamos, para isso, deveria retratar exatamente esse momento de transição, tentando compreender de onde partimos, o que alcançamos e o rumo que pretendemos tomar. Tínhamos como referência a bela publicação comemo rativa do centenário da American Society o f Landscape Architects (Asla), em que Melanie Simo traça um histórico pormenorizado do século XX e, em paralelo, permite uma visão abrangente da evolução do ofício através do simples folhear de suas páginas, repletas de fotos criteriosamente selecionadas. Através da já consagrada parceria entre a Abap e o Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Prourb), eu e a professora Lucia Costa começa mos a delinear o formato do livro. Tínhamos três décadas para enfocar, mas não podíamos esquecer dos antecedentes que levaram essas três décadas a ser como foram. Convidamos as professoras Ivete Farah, Mônica Bahia Schlee e Raquel Tardin para escrever os três principais capítulos e coordenar a produção intelectual do conjunto. Hugo Segawa surgiu como o nome óbvio para traçar o histórico da produção nacional dos pri- mórdios até os anos 1930, tendo em vista a seriedade de suas pesquisas e a qualidade de seus artigos e livros, referências obrigatórias de todos os estudiosos do tema. Já os anos 1930 a 1970 cairíam bem nas mãos da professora Ana Rita Sá Carneiro, estudiosa da obra de Roberto Burle Marx e que conhece como poucos seu trabalho pioneiro desenvolvido no início da carreira na cidade do Recife, tendo, inclusive, trabalhado na recomposição de seus primeiros jardins. Por fim, o professor Paulo Pellegrino foi convidado para juntar-se à Lucia Costa na reflexão sobre o futuro da arquitetura paisagística brasileira, momento em que nos provocam e instigam a pensar. E assim, após muita pesquisa, muito debate e muito trabalho, temos a satisfa ção de entregar ao leitor este belo produto, com a certeza de que se tomará referência para todos os que estudam, desfrutam e apreciam a cultura e as paisagens brasileiras. Deliciem-se! agradecimentos As organizadoras agradecem a Eduardo Barra e Lucia Costa, idealizadores desta coletânea, pelo empenho para a sua viabilização; a Marcos de Sousa, por acreditar na im portância de sua publicação; e os comentários, as informações e imagens cedidas por Alexandre Campello, Andréa Queiroz Rego, Beatriz Johansen, Beatriz Marinho, Benedito Abbud, Claudia Netto Costa, Dora Celidônio, Fernando Chacel, Francine Sakata, Gisela Heuchert, Gláucia Dias Pinheiro, Haruyoshi Ono, Iraci Leme, Isabel Duprat, Isabela Ono, Ism ar A lm eida, Jam il José Kfouri, João Ramid, Jonathas Magalhães e equipe do arquiteto Luiz Carlos Toledo, José Tabacow, Kássia Torres, Lucia Porto, Luciano Fiaschi, Luiz Can- cio, Luiz M arques, Luiz Vieira, Manuel Águas, Márcia Nogueira Batista, Maria Cecília Barbieri Gorski, Marieta Cardoso Maciel, Michel Todel Gorski, Mirelli Borges Medeiros, Nícia Paes Borm ann, Patrícia Akinaga, Raul Pereira, Rosa Kliass, Rubens de Andrade, Saide Kahtouni, Sérgio Treitler, Sidney Linhares, Sidonio Porto, Sílvio Soares Macedo, Vera Tângari e Virgínia Vasconcellos. Fundação da Abap. Rosa M Mauro de Moraes Vitor e I INTRODUÇÃO Ivete Farah M ônica Bahia Schlee Raquel Tardin Como o país que viu nascer um dos mais ilustres paisagistas do mundo - Roberto Burle Marx - apresenta sua produção paisagística contemporânea? Quais as linhas de atuação que hoje se destacam? Em que medida a trajetória da produção paisagística brasi leira dos últimos trinta anos reflete legados e influências, conquistas alcançadas e deman das da nossa sociedade em transformação? Quais os desafios e os novos horizontes da Fundação da Abap. Rosa Kliass, Roberto Burle Marx, Paulo Nogueira Neto, Mauro de Moraes Vitor e Hermes Moreira de Souza. profissão do arquiteto paisagista brasileiro no século XXI? Essas são algumas das questões que nos propusemos a investi gar neste livro. Vamos abordá-las especificamente a partir do per curso trilhado pela Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap), instituição fundada em 1976, cuja história se confunde com o desenvolvimento e a consolidação desse campo profissional no Brasil. Ao resgatar o papel da Abap nesse processo, esta publica ção vem celebrar seus trinta anos de criação. Na busca por abordagens diversificadas, reunimos aqui textos de professores e pesquisadores de diversas instituições brasilei ras, com a finalidade de apresentar um panorama representativo da produção dos profissionais ligados à Abap nos trinta anos de sua existência, estendendo o olhar a projeções futuras. Para sua publicação, retomou-se a parceria, de longa data, da Abap com o Programa de Pós-graduação èm Urbanismo (Prourb) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU-UFRJ), que conta com a realização de ações e eventos relevantes para o desenvolvimento da profissão no Brasil. O livro está organizado em cinco capítulos, que se distribuem em duas partes, caracterizando diferentes momentos da produção paisagística. A primeira parte trata dos caminhos precursores da arquitetura paisagística no Brasil até 1976. Seu primeiro capí tulo oferece um panorama da produção paisagística brasileira nos três primeiros séculos do Brasil após a colonização portuguesa. Nele, Hugo Segawa delineia as atitudes da so ciedade brasileira, relacionando-as com a trama das nossas cidades, tendo como recorte os espaços públicos ajardinados. No segundo, Ana Rita Sá Carneiro aborda os rumos da produção paisagística brasileira entre as décadas de 1930 e 1976, relacionando-os à busca pela afirmação das raízes brasileiras e à construção do caráter da produção paisagística nacional. Na segunda parte, analisamos a contribuição dos associados da Abap na produção paisagística brasileira ao longo dos últimos trinta anos. Ela se desenvolve em três capítu los - de autoria de Ivete Farah, Mônica Bahia Schlee e Raquel Tardin - que permitem a visualização dos caminhos da profissão do arquiteto paisagista brasileiro, oferecendo um panorama dos planos, projetos e obras realizados, e analisando essa produção quanto aos tipos de espaços livres, aos partidos adotados, à linguagem projetual, aos aspectos morfo- lógicos, funcionais, e às tendências conceituais que orientaram sua inserção nos diversos contextos urbanos brasileiros. À guisa de conclusão, Lucia Costa e Paulo Pellegrino apresentam uma reflexão em direção ao futuro da profissão de arquiteto paisagista no Brasil, em que abordam des dobramentos e perspectivas para a prática projetual, a partir do material e das discussões propostas no corpo dos artigos apresentados. 21 Introdução Pa i s a g i s m o n o B r a s i l e a f o r m a ç ã o d o a r q u i t e t o p a i s a g i s t a No Brasil, a produção paisagística do período 1976-2006 espelha as tendências do projeto da paisagem no contexto internacional e, entre outros fatores, reflete condi- cionantes ditadas pela conjuntura sociocultural, científica e urbanística do país. Ao longo da década de 1970, desenhou-se um quadro pontuado por três características principais: a valorização do ambiente urbano, 0 desenvolvimento do movimento ambientalista e 0 início dos estudos interdisciplinares como subsídio ao planejamento urbano e regional. Ao longo desses trinta anos, a atuação do arquiteto que trabalha com a paisagem, tanto na escala urbana como nas escalas metropolitana e regional, tornou-se gradativamente mais reconhecida no Brasil, acrescentando um olhar diferenciado ao de diversos profissionais que tratam do tema, como geógrafos, historiadores, antropólogos, entre outros. Na atualidade, a complexidade das paisagens urbanas tem levado o projeto pai sagístico a extrapolar suas condicionantes e qualificações tradicionais para, simultanea mente, considerá-las integradas, de acordo com a concepção de que a paisagem, por si só, está relacionada a diversos campos disciplinares. Tal tendência vem reforçar o caráter interdisciplinar do tema e ampliar o campo de atuação do arquiteto paisagista perante outros profissionais que elegeram a paisagem como objeto de trabalho. Na criação de novos espaços livres destinados a uma variada gama de funções, na revitalização de áreas centrais, no planejamento em âmbito regional e urbano, na melhoria da qualidade de vida das nossas cidades e na preservação do nosso patrimônio natural e cultural, o papel do arquiteto paisagista tem-se desempenhado de forma cada vez mais atuante. " A formação do profissional dessa área ainda é um ponto de discussão, acirrado pelo debate crítico acerca das linhas de atuação na produção da paisagem e pelos campos disciplinares que lhe são afins. Observam-se - tanto no Brasil como em âmbito internacio nal - diversidades no caráter dessa formação, com títulos, currículos e enfoques diferen ciados. 22Arquitrtura paisagística contcmporânva no Brasil A expressão arquitetura da paisagem”, cunhada por Frederick Law Olmsted e Cal- vert Vaux, criadores do Central Park, em Nova York, e de diversos outros parques urbanos na Costa Leste norte-americana, em fins do século XIX, passou a designar a profissão, que, a partir de 18 9 9 , foi institucionalizada nos Estados Unidos com a criação da Am erican Society o f Landscape Architects (Asla), fundada por profissionais oriundos de diversas form ações.1 No Brasil, ainda hoje, a formação do profissional em arquitetura paisagística segue privada de um nível de graduação específico. Em muitos casos, a formação do profissional em paisagism o consolida-se através da prática direta nos escritórios ou através de cursos de pós-graduação ou extensão universitária. Nas últimas três décadas, os cursos de formação paisagística passaram a ocorrer, de form a precursora, em nível de pós-graduação em escolas como a Faculdade de A r quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e a FAU-UFRJ, disse- minando-se em outras cidades do país. Importantes grupos de pesquisa em paisagismo constituíram-se ao longo dos últimos anos, possibilitando a evolução do processo reflexivo e analítico relativo a esse campo disciplinar e à sua aplicação na prática projetual, em con sonância com as necessidades locais. As temáticas abordadas nesses grupos de pesquisa, que contam com a presença de vários profissionais associados à Abap,* trazem contribuições relacionadas ao estudo da paisagem urbana e territorial brasileira. A associação entre pesquisa e atuação profissional é fundamental para o desenvolvimento e evolução do campo disciplinar em arquitetura Para um panorama da produção paisagística norte-americana e a contribuição da American Society o f Landscape Archi tects no período de 1899, data da sua criação, a 1999. ver Melanie Simo, 100 Yearsof Landscape Architecture: Some Pattems o f a Cenlury (Washington. DC: Asla, 1999). Destaca-se a contribuição de Sílvio Soares Macedo através da organização da revista Paisagem e Ambiente: Ensaios, lança da em 1986, e de várias outras publicações abordando temas relacionados à paisagem, que aglutinaram e divulgaram a produção paisagística realizada no país e a produção científica de professores de diversas universidades brasileiras. Ao longo das décadas de 1980 e 1990. Macedo consolidou o grupo de pesquisa em paisagismo da FAU-USP, dando conti nuidade ao trabalho de Miranda Martinelli Magnoli na construção, consolidação e difusão dos fundamentos conceituais referentes à paisagem urbana brasileira. *3 da paisagem e, nesse sentido, a relação estabelecida entre a Abap e as universidades tem sido bastante frutífera, como demonstrado pelos frequentes seminários, cursos e congres sos promovidos pela instituição em parceria com a academia. Tais encontros abordaram temas de relevância para o paisagismo e têm envolvido, além de instituições de pesquisa, a parceria com órgãos públicos de gestão e administração. Não menos importante para a formação profissional de diversas gerações de arqui tetos paisagistas foi a contribuição dos escritórios de Roberto Burle Marx, no Rio de Janei ro, e de Roberto Coelho Cardozo e Rosa Grena Kliass, em São Paulo. Vale ainda ressaltar o papel fundamental de Burle Marx e Fernando Chacel como incentivadores da dimensão científica e interdisciplinar desse campo de atuação, ao incorporar a estrutura da natureza brasileira em seus projetos e divulgar esses conceitos em fóruns nacionais e internacio nais. Um número considerável de escritórios consolidados que se dedicam ao projeto paisagístico, criados ao longo desse período, colaboraram nesse percurso e têm inovado em suas abordagens projetuais, trazendo contribuições conceituais e práticas para o de senvolvimento do paisagismo no Brasil. A CONSOLIDAÇÃO DA PROFISSÃO DE ARQUITETO PAISAGISTA NO BRASIL Ao longo de sua existência, a Abap contribuiu significativamente para a consolida ção da profissão de arquiteto paisagística no Brasil, por seu papel aglutinador nos encon tros, seminários, congressos nacionais e internacionais, nas palestras e mesas-redondas que promoveu. Essas atividades foram fundamentais para a divulgação e o intercâmbio do conhecimento na área. Com apenas dois anos de criação, a Abap organizou, em 1978, 0 XVI Congresso Mundial da International Federation o f Landscape Architects (Ifla), na cidade de Salvador, contando com a participação de profissionais de 25 países, tendo como tema principal o desenvolvimento espontâneo dos assentamentos humanos nos países em vias de industrialização, enfatizando o papel do arquiteto paisagista para a me lhoria da qualidade de vida nas cidades. O encontro representou um marco no desen volvimento desse campo disciplinar no país e na construção de suas relações com as co munidades internacionais. Nesse congresso foram destacadas algumas questões que ainda hoje perma necem relevantes, como: a complexidade da intervenção na paisagem, reforçando a premissa do envolvimento de profissionais de diversos campos disciplinares; o caráter processual das estruturas paisagísticas; e a indicação, como princípio básico, da rea lização de planos e programas visando à conciliação política com as necessidades de desenvolvimento e de manutenção dos remanescentes de paisagens naturais no meio urbano, com garantia da qualidade de vida da população. O aprimoramento da formação dos profissionais é questão que sempre esteve presente nas atuações da instituição desde a sua fundação. Na primeira década, desta- caram-sc os cursos ministrados pela Abap com o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), visando a ampliar os conhecimentos XVI,k IFLA WORLD CONGRESS1978 SALVADOR • B AH IA • BRASIL 2 5 a 28 de setembro XVI Congresso Mundial da Ifta. em Salvador. Roberto Burle Man o gcwcraackx da Bahtt. Roberto S Ciça Gorski, Sidney Linhares, Rosa Kliass, prof. Luiz Emygdio de Mello Filho e sua esposa, dona Irene. específicos e interdisciplinares do profissional da arquitetura da paisagem, tornando-o mais qualificado ao seu desempenho. A partir daí, vários cursos de extensão e capacitação têm sido organizados. Na segunda década, surgiu o Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura (Enepea), e, com sua disseminação, a Abap voltou sua atenção ao ensino de paisagismo nas escolas de arquitetura. Na última década, o foco dirigiu-se ao aperfeiçoamento da profissão e à formação e capacitação de docentes, com a elaboração do curso Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)/ Fundação para a Pesquisa Ambiental (Fupam). A realização de cursos de extensão e capacitação proveu condições para ampliar as ferramentas dos profissionais da arquitetura da paisagem no Brasil. Os diversos cursos promovidos pela entidade nas últimas décadas contemplam um farto repertório de temas e conhecimentos interdisciplinares, envolvendo a participação de profissionais de áreas afins; por exemplo, o que foi organizado pela Abap com o Instituto dos Arquitetos do Bra sil no Rio de Janeiro (IAB-RJ), em 1982, contando com a participação de renomados pro fissionais, como Rachel Sisson e Fernando Chacel. Foram organizadas equipes de profis sionais especializados em disciplinas específicas para ministrar temas importantes, como no curso Vegetação Aplicada ao Paisagismo, no início da década de 1980, que contou com a valiosa contribuição de Luiz Emygdio de Mello Filho, Aziz Ab’Sáber, Mario Guimarães Ferri, Hermes Moreira de Souza, entre outros. As discussões a respeito do ensino do paisagismo nas faculdades de arquitetura foram fomentadas a partir do I Colóquio sobre Ensino de Arquitetura Paisagística no Brasil, realizado em 1993, em ação conjunta com a FAU-USP, configurando-se como 0 primeiro encontro de professores de paisagismo em escolas de arquitetura. Plantada a se mente desse debate, ela evoluiu para o maior fórum brasileiro de discussão sobre o tema, o Enepea, que, no ano de 2008, assistiu à concretização de sua 9a edição. Como resultado desses encontros, valorizou-se e difundiu-se a importância desse campo disciplinar no ensino de arquitetura e urbanismo no país, ampliando sua abrangência em termos de m m Visita técnica nos anos 1980. temáticas abordadas, seu papel, carga horária no currículo das faculdades de arquitetura e urbanismo, e sua importância para a formação de profissionais. Em 2002, foi desenvolvido o programa de capacitação em arquitetura paisagística, promovido pela Abap com a Ifla, Unesco e Fupam.3 Com duração de dois anos, o curso foi elaborado com o objetivo de definir conteúdos e métodos voltados para a prática profis sional em paisagismo, e de servir como modelo para o ensino relacionado ao projeto e ao planejamento da paisagem. A realização de sessões técnicas, que têm como objetivo relatar a prática de atuação de arquitetos paisagistas, demonstra o envolvimento da instituição com as questões de projeto e do exercício profissional. Essas sessões começaram com reuniões de associados, em que aconteciam as trocas de experiências, evoluindo ao longo do tempo para a apresen tação de projetos específicos, temas selecionados, sendo convidados profissionais externos à instituição. Nessa mesma linha, um outro tipo de evento se destaca - as visitas técnicas - visando à experimentação de importantes projetos paisagísticos e paisagens. O primeiro programa foi coordenado pelos professores Paulo Pcllegrino (USP) e |ames Taylor (Ifla), I Congresso Internacional sobre Metodologias e Práticas Projetuais em Arquitetura Paisagística na América Latina. José Tabacow, Zelia e John Stoddart, Fernando Chacel, Eduardo Barra e Carlos Martner. Exposição da Ia Premiação Internacional de Arquitetura Paisagística da Abap durante o I Congresso Internacional. Visita técnica ao Sítio Roberto Burle Marx (Rio de Janeiro, RJ) durante o I Congresso Internacional, com orientação de José Tabacow. O foco na atuação prática também caracterizou os encontros e eventos promovi dos pela parceria Abap/Prourb, representando um diferencial temático, envolvendo dis cussões sobre projetos contemporâneos e especificidades da arquitetura paisagística. O Encontro Internacional sobre Parques Públicos Contemporâneos: Conceitos e Projetos,4 realizado no Rio de Janeiro em 2003, com a participação de profissionais da área, em âm bito nacional e internacional, marcou essa atuação. Nesse sentido, outro evento que se destacou foi o I Congresso Internacional sobre Metodologias e Práticas Projetuais em Arquitetura Paisagística na América Latina, com a organização da Ia Premiação Internacional de Arquitetura Paisagística da Abap, em 2006, ambos em parceria com o Prourb/FAU-UFRJ. Esses eventos divulgaram a produ ção latino-americana em arquitetura paisagística, contrapondo idéias, dificuldades e carac terísticas próprias desse campo de trabalho em diversos países. A exposição de projetos de renomados profissionais de paisagismo, com abrangência internacional, delineou um 4 Esse evento foi organizado pelos professores Lucia Costa (Prourb) e Eduardo Barra (Abap-Rio). ■a no Bros 28 quadro referencial da produção paisagística latino-americana da atualidade. Outros eventos internacionais orga nizados pela entidade que desempenha ram importante papel na consolidação da arquitetura paisagística nacional foram a Ifla Western Regional Conference 2002, na cidade de Belém do Pará, cujos princi pais temas discutidos foram a requalifica- çâo dos espaços urbanos e a conservação do patrimônio paisagístico, tendo sido le vantadas, a partir deles, importantes ques tões relativas a conceitos e experiências de intervenção nos espaços urbanos, a fim de estabelecer diretrizes para novas ações que respeitem e preservem os valores ambien tais e culturais. A Abap também se destacou na congregação de profissionais em nível na cional, suscitando trocas e discussões per manentes por meio de sua participação na organização do I Encontro Nacional de Arquitetos Paisagistas, em 1981, em Curi tiba, e do apoio institucional ao Congresso Brasileiro de Paisagismo, de periodicidade anual, encontrando-se, em 20 0 9 , em sua 12* edição. 1 Encontro Nacional de Arquitetos Paisagistas. Roberto Burle Marx, Jayme Lemer, Fernando Chacel e Rosa Kliass. 2 9 Luciano Fiaschi e Rosa Kliass carregam faixa da Abap em manifestação públic; Em 2005, o I Seminário Nacional sobre Regeneração Ambiental de Cidades: Aguas Urbanas, realizado no Rio de Ja neiro, organizado em uma ação interativa entre a Abap, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura (Proarq), da FAU-UFRJ, e o Grupo de Pesquisa Histó ria do Paisagismo (GPHP-EBA), também da UFRJ, contribuiu para a divulgação das reflexões acerca das experiências contem porâneas de regeneração ambiental de ci dades. Seu tema central foi a reabilitação de ambientes urbanos situados às margens de corpos d'água - orlas marítimas e fluviais, baias, praias, lagoas, rios e canais. Outro caminho essencial na forma ção e consolidação profissional do arquiteto paisagista foi a atuação da Abap e de seus associados na difusão do conhecimento por meio de publicações que abordavam a pro dução da arquitetura paisagística no Brasil. Publicações como Cadernos de Paisagismo Ver Lúcia no Fuschi. CuJtm oi Brêsàeitm At AtytXfttfi. feuogisntp I. vol. 5 (Slo Paulo: Projeto. 1980$, e Benedi to Abbud (org.). CsAtmot Bnnim w At Arynirrun» Am* tagismo II. vol. ít (y ed São Paulo Projeto. 198(0 3° e Visões de paisagem6 constituíram-se em um dos principais veículos de divulgação não só da produção dos profissionais da arquitetura da paisagem em todo o Brasil, m as tam bém das reflexões sobre a produção paisagística brasileira. Desde 1 9 9 9 , a Abap veicula o seu boletim informativo, que, a partir de 2005, passou a ser denominado Paisagem Escrita, distribuído em versão impressa e digital. Cabe ressaltar que essas realizações contribuíram para form ar opiniões e inform ar a sociedade, mostrando a importância da defesa dos valores do patrimônio paisagístico nacional e dos interesses coletivos de nossa sociedade. A contribuição da entidade se fez presente em várias comissões oficiais, ligadas ao agenciamento da paisagem urbana em esferas públicas e privadas, posicionando-se em favor da preservação da paisagem cultural e natural em diversas cidades brasileiras. Um caso exemplar é a atuação do Núcleo-Rio na participação da luta para salvaguardar importantes referências paisagísticas da cidade do Rio de Janeiro, como o Campo de Santana, o Passeio Público, a Praça Luís de Cam ões e, mais recentemente, o Parque do Flamengo, ameaçados de descaracterização por interven ções m unicipais de caráter temporário ou permanente. Por fim, este livro representa mais uma iniciativa na construção do conhecim ento sobre a produção da paisagem no Brasil, no intuito de colaborar para o desenvolvim ento e a divulgação da arquitetura paisagística, ofício que, cada vez m ais, configura-se funda mental nos processos de intervenção em nossas paisagens. Desejamos que nossos olhares contribuam para futuras reflexões e discussões sobre tema tão rico, amplo e apaixonante. Ver Guilherme Mazza Dourado (org.), Visões de paisagem: um panorama do paisagismo contemporâneo no Brasil (São Pau lo: Abap, 1997). 3 * B i b l i o g r a f i a ABBUD, Benedito (org.). Cadernos Brasileiros de Arquitetura: Paisagismo II. Vol. n . y ed. São Paulo: Projeto, 1986. DOURADO, Guilherme Mazza (org.). Visões de paisagem: um panorama do paisagismo contemporâneo no Brasil. São Paulo: Abap, 1997. FIASCHI, Luciano. Cadernos Brasileiros de Arquitetura: Paisagismo I. Vol. 5. São Paulo: Projeto, 1986. S1MO, Melanie. 100 Years o f Landscape Architeclure: Some Pattems o f a Century. Washington, DC: Asla, 1.999. ■ M II i I CAPÍTULO 1 ARQUITETURA PAISAGÍSTICA ATÉ 1930 Hugo Segawa Difícil tratar de um tema como a arquitetura paisagística nos três primeiros sécu los do Brasil. É um período longo de nossa história, que aqui deve ser revisado num ensaio - por definição, escrito nada longo. Ademais, há a contingência de se olhar para trás na perspectiva da arquitetura paisagística, um conceito contemporâneo aplicado a momentos ancestrais. Identificar as atitudes das sociedades humanas diante das paisagens e reconhecer a figura do arquiteto paisagista em tempos imemoráveis seguem como desafios para os historiadores e naturalistas, e também para os poetas. Talvez excesso de cautela para uma proposição nada pretensiosa que desenvolvo adiante. Terei como recorte os espaços pú blicos ajardinados: jardins (às vezes semipúblicos), passeios, bosques, parques. Espaços necessariamente desenhados - embora nem sempre se conheçam aqueles que os deli nearam - e relacionados com a trama das cidades. Tentarei resgatar alguns significados desses logradouros, muitos deles com vestígios não no território, mas apenas em relatos dos livros. No imaginário do europeu, navegador e renascentista, a América nasceu sob o sig no do paraíso perdido. A exuberância dos trópicos propiciou o lugar mitológico da Utopia. de Thomas More (1478-1535). No confronto entre civilização e natureza, a porção ibero- -americana acomodou peculiares hipóteses de domínio territorial, prestou-se como campo de experimentação: os conquistadores dominaram seus nativos, organizaram cidades e campos, e, na dialética das culturas, criou-se o laboratório americano. Como sabemos, a América Central, o Caribe e a América do Sul foram domínios espanhóis, tendo presença portuguesa na colonização do que mais tarde se configurou como Brasil. Todavia, não foram portugueses ou espanhóis os primeiros a desenvolverem um reconhecimento da natureza do Novo Mundo, linlre 1(147 *' 1644. Johann Moritz von Nassau-Siegen (1604-1679). conhecido entre nós como Mauricio de Nassau, estalu-lei eu na cidade do Rccile uma possessão holandesa e trouxe consigo diversos naturalistas, que realizaram extensa documentação sobre a flora, fauna, geografia, observações as tro n ô m i cas e meteorológicas, linlre os primeiros registros iconográficos da paisagem americana, estão as pinturas de Frauz Post (1612-1680), Alberl Ekhout (1610?- 16655) e /ac harias Wa- gener (1 614-1688). Dentro desse espírito de curiosidade naturalista. Nassau foi o criador do primeiro jardim botânico 11a América, por volta de 1642, na cidade do Rec ife. Todavia, pouco sabemos a respeito desse jardim, senão pelos relatos de Frei Manuel Calado do Salvador (1648) e de Gaspar Harléu (1647). A ARTE DE PASSEAR Podemos considerar o Passeio Público do Rio de Janeiro como o primeiro lardim urbano construído no Brasil, li representante de uma geração peculiar de espaços públicos ajardinados ibero-americanos que floresceram ao longo do século XVIII Nada mais singular, do ponto de vista urbanístico do Brasil do século XVIII, que a realização do Passeio Público do Rio de janeiro. O que surpreende n e s s e recinto jjar dinado? A vegetação e o panorama do seu terraço deslumbraram os visitantes estrangei ros mais sensíveis. Diíerentemente dos e spaços abertos do urbanismo colonial, o Passeio Público, em si, não era um símbolo evidente da autoridade portuguesa - como seria o campo onde se fincava o pelourinho, ou se erguiam o paço. a câmara r cadeia ou o quartel , tampouco o vazio defronte ou em volta do rdifii 10 religioso o largo da matriz, o acho francíscano ou beneditino, 0 terreiro jesuíta. O Passeio Público não se prestava paia nnol- durar nenhum monumento. Ao contrário, era um monumento à natureza, monumento a si mesmo. Em 1720, o Brasil era elevado à condição de vice-reino. Em 1763, a sede do vice- -reinado foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, com o incremento da exploração do ouro das Minas Gerais. O Rio de Janeiro do início do século XVIII era 0 maior assen tamento meridional português na América. Maior, mas não notável: porto de localização estratégica no domínio metropolitano, cidade administrativa, militar e mercantil a contro lar e servir uma vasta área ao sul do vice-reinado. Caracterizava-se por uma implantação peculiar: uma cidade virtualmente encarapitada sobre morros, vigiando o horizonte m arí timo, olhando desconfiada para as miasmáticas planícies, sujeitas aos humores da maré e aos horrores das invasões. Estudos contemplando 0 Passeio Público informam que sua execução decorreu entre 1779 e 1783, por ordem do vice-rei dom Luís de Vasconcelos (1740-1807), que encar regou o artista Valentim da Fonseca e Silva (c. 1745-1813), 0 Mestre Valentim - importante escultor, arquiteto e, no caso, urbanista do Rio de Janeiro colonial - , a traçar o recinto ajardinado. Sua localização decorreu de uma estratégia de tratamento e aproveitamento de áreas alagadas e charnecas, buscando conquistar terreno firme num sítio carente de ho rizontes de expansão, marcado por elevações e baixadas pantanosas. Alinhar o desenvol vimento da cidade em direção sul deve ter priorizado 0 esforço de aterrar a lagoa do Bo queirão da Ajuda - estabelecendo a comunicação para os lados dos futuros bairros do Flamengo e de Botafogo - e implantar signos de urbanização mediante o alinhamento de novas ruas e a criação do próprio Passeio Público. O Passeio Público do Rio de Janeiro espelha também o surgimento, no século XVIII, de lugares especificamente desenhados para a apreciação da paisagem marítima. O belvedere como lugar de contemplação está na origem do advento do gosto pelo panorama. O belvedere marítimo é uma inovação que surgiu com a apreciação do espetáculo do mar. Busto do Mestre Vale Rio de Janeiro. •ntim no Passeio Público do 39 Antes disso, a organização das construções nas áreas litorâneas usualmente voltava as costas para as águas. O surgimento de estruturas chamadas esplanades, teiraces e marine parades pe los ingleses, ou certas práticas mediterrâneas que deram origem a termos como marina ou montpellier, revelava a nova disposição de permanecer e usufruir das delícias à beira-mar. O Passeio Público é um exemplo desses mirantes à beira d’água, necessariamente relacionados com espaços arborizados e, nesse sentido, antecedeu aos inúmeros congêne res europeus que se multiplicaram ao longo do século XIX. A organização espacial que se opera no Passeio Público, no entanto, revela uma extraordinária justaposição de sentidos. A paisagem de árvores, flores e jardins era o domínio do repouso e da harmonia, espaço edênico mitificado e idealizado pelo ser humano. O mar, ao contrário, pelo mistério de seu vazio insondável, era o abismo desconhecido a se desvendar, fascinante paisagem a infundir terror e respeito, o não domínio do ser humano. O terraço do Passeio Público era a tênue linha das suscetibilidades humanas: ao ser humano concedia-se a simultaneidade de defrontar-se com duas paisagens antitéticas, desafiando os seus anseios de formular um imaginário capaz de explicar as raízes da existência, o seu relacionamento com a na tureza e o mundo. Em 1861, o Passeio Público sofreu uma remodelação projetada pelo botânico fran cês Auguste François Marie Glaziou (1833-1906), transformando os canteiros geométricos de Mestre Valentim em percursos curvilíneos, ao gosto da época. Apesar de seu traçado ter sido reformado em 1862, o Passeio Público do Rio de Janeiro é o único remanescente de jardim público do período colonial entre nós. O Passeio Público foi contemporâneo ao surgimento dos primeiros jardins pú blicos europeus, na segunda metade do século XVIII, símbolos do pensamento iluminis- ta a invocar práticas sociais em que a aristocracia e a burguesia encontravam um lugar comum. Surpreendente foi, em plena vigência do colonialismo português, 0 vice-rei do Brasil ter-se proposto a construir um jardim público à maneira dos recintos existentes na Europa. Espaços que - no Velho Mundo - serviam de palco para as transformações das formas de sociabilidade na aristocracia, na pequena nobreza, e eram testemunho da 4 ° ascensão da burguesia. Essa composição social e política soava estranha ao escravocrata meio colonial carioca. Até o ajardinamento do Campo de Santana (1880), o Passeio Público foi, por qua se um século, o único recinto com as características de local "para ver e para ser visto . Descrições de viajantes ao longo do século XIX revelaram instantes animados, mas, muito mais, momentos de abandono e solidão de um espaço programado como público. Público em um sentido que deve ser examinado em seu tempo. Espaço de acesso controlado, de comportamento vigiado, um mundo à parte. Tão à parte, que os visitantes estrangeiros estranhavam a ausência da população no recinto e a falta de empenho dos governantes em conservá-lo, apesar dos tantos predicados que vislumbravam no local. Há de se considerar que esses defensores forâneos traziam um olhar educado, sensível a outros significados. A natureza com recortes específicos: a natureza misteriosa - o mar - e a natureza ordenada - o jardim - , juntas, lado a lado, confrontando-se num espaço criado por seres humanos. Desconhecido o culto à natureza na forma humanizada de um jardim; imerso num horizonte circundante que parece infinito, não só a partir do terraço, mas de qualquer lugar e em qualquer direção para onde a imagem saturadora dos trópicos permanentemente impregna as retinas, que significado tem um Passeio Público como esse no Rio de Janeiro? Como o viajante norte-americano Thomas Ewbank exultou em 1846, "não deixei este paraíso terrestre antes do pôr do sol". Era um paraíso - paraíso artificial, cultivado pelo ser humano. A TERRA COMO FONTE DE RIQUEZA Os recursos botânicos da colônia iriam tornar-se do interesse de Portugal somente a partir do fim do século XV II1, quando a Fisiocracia inspirou a Coroa portuguesa a pro mover ações de reconhecimento de plantas do além-mar com potencial econômico. Num primeiro instante, os jardins botânicos coloniais voltaram-se tanto para 0 reconhecimento Campo de Santana. 4* botânico nativo como para a aclimatação de plantas exóticas, em especial, para introduzir no território a cultura de especiarias das Índias Orientais. Em 1796, a Carta Régia orde nava a criação do Jardim Botânico de Belém, não muito distante do Jardim Botânico de Caiena. estabelecido pouco antes pelos franceses em seu domínio. O Aviso Régio de 1798 ordenou aos governadores das capitanias de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São Pau lo a constituição de jardins botânicos nos moldes do de Belém. Os governadores tomaram as primeiras iniciativas para o cumprimento do Aviso, mas não concluíram a tarefa. Com a transferência da Corte portuguesa para 0 Brasil, 0 príncipe regente dom João mandou estabelecer, em 1808, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o segundo por iniciativa portuguesa e o único que chegou até nossos dias. Manuel Arruda da Câmara (c. 1752-1811), naturalista brasileiro comissionado pelos portugueses para realizar expedi ção científica pelo Nordeste, defendia a ideia de constituir vários jardins botânicos, argu mentando a importância econômica da agricultura em um reino com a extensão territorial do Brasil. Em 18 11, foi criado o Jardim Botânico de Olinda (logo desaparecido), como con- traparte daquele do Rio de Janeiro. Somente após a Independência do Brasil foram fun dados. em 1825, outros hortos botânicos: Ouro Preto (desaparecido) e São Paulo (que se transformou no Jardim da Luz). Na área destinada ao horto botânico de Salvador, criou-se o Passeio Público, em 1803. Todos esses recintos eram resquícios do Aviso Régio de 1798. Apesar do impulso original, os jardins botânicos ao longo do século XIX não logra ram alcançar o objetivo fundamental de desenvolvimento científico, tendo sido, de manei ra geral, desprezados pelos naturalistas e apreciados pelos frequentadores como lugar de passeio. O SÉCULO DA SALUBRIDADE Figura emblemática no paisagismo brasileiro da segunda metade do século XIX foi o francês Auguste François Marie Glaziou, engenheiro civil e botânico, que atuou no jardim Botânico do Rio de janeiro. Brasil entre 1858 e 1897, primeiro como Diretor-Geral de Matas e Jardins e, depois. Dire tor de Parques e Jardins da Casa Imperial, no Rio de Janeiro. O reconhecimento da flora brasileira e sua introdução nos jardins públicos no Rio de Janeiro foi contribuição impor tante de Glaziou. Muitas décadas depois, Roberto Burle Marx reconhecería no paisagista francês uma fonte de inspiração, por sua preocupação com a flora brasileira. Entre os pro jetos paisagísticos reconhecidos como de sua autoria estão os jardins do Palácio Imperial de Petrópolis, 0 Parque São Clemente (Nova Friburgo, RJ), as remodelações dos jardins do Passeio Público (1861), da Quinta da Boa Vista (1874-1878), e o projeto paisagístico do Campo de Santana (1873-1880 - atual praça da República, no centro do Rio de Janeiro), sua principal realização, seguindo padrões estéticos vigentes na França no final do século XIX. A passagem do século XIX para 0 XX foi marcada pelo reconhecimento da im portância da vegetação no espaço urbano como fator de salubridade. Nesse período, a consolidação da disciplina urbanística evidenciou a importância de áreas verdes nas cida des. Inúmeras realizações dessa época fundamentaram-se nessa convicção. Dentro dessa perspectiva, o sistema de parques e jardins estabelecido pelo intendente Antônio José de Lemos (1843-1913) na cidade de Belém, entre 1898 e 19 11, foi um dos mais bem-sucedidos: a arborização da área central que caracteriza a capital paraense, a praça da República, a praça Batista Campos e o Bosque Municipal foram realizações do apogeu da economia da borracha. O provável responsável pela implantação desse sistema foi Eduardo Hass (?-i9o8), diretor do Serviço dos Bosques, Parques, Jardins e Hortos Municipais. Um dos mais significativos remanescentes dessa época é o Bosque Municipal, atual Bosque Rodri gues Alves. Sua criação data de 1883, como forma de ocupação de uma área livre no limite da área urbana da época. Em 1903, foi reformado e reinaugurado pelo intendente Antônio Lemos. O bosque ocupa uma área retangular de aproximadamente 152 mil metros qua drados, hoje completamente cercada pela cidade. Foi 0 maior jardim público de Belém no início do século XX, e é ainda um importante logradouro para a cidade, constituindo uma reserva natural da vegetação amazônica, não obstante as transformações e perdas em um Quinta da Boa Vista século de existência. Está dividido em quatro quadriláteros permeados por vias curvilíneas e com um lago central constituído em foco para um cenário típico dos jardins brasileiros da passagem do século XIX para o XX, com seus equipamentos: regatos, cascatas, ilhas, pontilhões, rotundas, grutas, pavilhões, viveiros para aves e animais amazônicos. O primeiro grande gesto da República em Minas Gerais foi a decisão, em 1893, de transferir a capital do estado de Minas Gerais da colonial Ouro Preto para uma cidade nova. Belo Horizonte, inaugurada em 1897, foi um marco de afirmação de uma moderni zação política e uma aposta no futuro, simbolizados na materialização de um espaço ur- Quinta da Boa Vista bano. A ação da Comissão Construtora da Nova Capital, liderada por Aarão Reis (1853- 1936) e seus colegas egressos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro - eminente reduto positivista caracterizou uma das primeiras iniciativas em que um saber téc nico sistematizado fundamentava o projeto de uma cidade. Eram os alvores do urba nismo moderno, alimentando a jovem Re pública. No traçado da nova capital, Aarão Reis reservou uma área de 640 mil metros quadrados para o Parque Municipal. Para o desenvolvimento das obras, o paisagista francês Paul Villon, um ex-assistente de Glaziou, fixou residência no Parque. A ma turação desse logradouro, todavia, foi lenta, e sua fisionomia geral, contando com equi pamentos típicos da época, como os descri tos para o Bosque Rodrigues Alves, foi sen do gradativamente implantada, sobretudo depois da Primeira Grande Guerra. Em 19 11, o urbanista francês Joseph- Antoine Bouvard (1840-1920) propôs para a cidade de São Paulo a criação de duas grandes áreas ajardinadas: o Parque do Anhangabaú (lentamente executado até o fim da década de 1910), e o Parque da Vár zea do Carmo. As áreas alagadiças do rio 4 6 Tamanduateí, lindeiras ao marco da fundação da cidade, eram conhecidas como Várzea do Carmo, um setor insalubre, obstáculo para a circulação e expansão da cidade. O primei ro esforço de urbanização foi um aterro, aproveitado para a criação da Ilha dos Amores, em 1872, na tentativa de estabelecer um jardim público, mas que teve vida efêmera. Foi o paisagista E. F. Cochet o responsável pelo projeto paisagístico que, a partir de 1918, foi implantado numa área estimada em 451,8 mil metros quadrados, inaugurada em 1922, como Parque D. Pedro II. A adoção do Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia, a partir de 1938, e os subsequentes planos urbanos privilegiando o sistema de circulação viária, fo ram gradativamente sacrificando 0 Parque D. Pedro II, com perdas de áreas mediante no vas vias e viadutos, restando completamente desfigurado no início dos anos 1970. A área é um testemunho das vicissitudes de um espaço livre na maior metrópole sul-americana contemporânea. U ma questão urbana A introdução do padrão garden city no Brasil se fez através de um de seus criadores, Barry Parker (1867-1941), que em 1918 e 1919 esteve em São Paulo a serviço da City o f São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, empresa constituída em 1911 por investidores europeus e brasileiros atentos aos vaticínios do crescimento urbano de São Paulo, patrocinado pela riqueza do café. Quando se fala em “jardins” na capital pau lista, evoca-se uma região cheia de glamour, de sofisticação, de luxo. Claro que a elástica geografia da especulação imobiliária estendeu os “jardins” para além dos limites origi nalmente estabelecidos. Foi Barry Parker, associado com Raymond Unwin (1863-1940), que, no começo do século XX, deu forma concreta às teorias do conterrâneo britânico Sir Ebenezer Howard (1850-1928), idealizador de uma proposta de cidade - as cidades-jardins - baseada na conciliação entre o ambiente campestre e o urbano, numa concepção não isenta de dimensões utópicas e sociais, rebento das transformações advindas da Revolução 47 Industrial na Inglaterra. Parker foi o responsável direto por consubstanciar um padrão ur banístico, paisagístico e arquitetônico consoante o modelo das cidades/subúrbios-jardins — dos quais foi um dos instauradores captando as peculiaridades da cultura local para a elaboração de estratégias que resultaram nos magníficos e aristocráticos bairros paulista nos, como o Jardim América (iniciado em 19 x3 , urbanisticamente definido em 19 19 ), Alto da Lapa (19 2 1), Pacaembu (19 25), Alto de Pinheiros (19 25 ), Butantã (19 35)- Se comparadas às experiências congêneres anteriores (e cotejando-as aos códigos de posturas, à legislação da época, e ao estado da arte do urbanismo no Brasil e no mundo), não é difícil concluir o quão inovadoras, progressivas e perenes foram as propostas de Barry Parker elaboradas na segunda década do século XX. Os bairros-jardins de Parker caracterizaram-se por uma integração diferenciada entre cidade, arquitetura, paisagem e natureza: um pitoresco am biente de ruas sinuosas, arborizadas, casas “ilhadas” em meio à vegetação, e o público e o privado dissimulados na continuidade entre ruas e jardins, demarcada por discretas cer cas vivas de pouca altura. Idílico “bairro perfeito” nas bem elaboradas peças publicitárias estampadas em jornais e revistas da época, produzia uma imagem pública de seriedade e rigor, vendendo conforto, salubridade, qualidade urbana, escrupulosamente controlados pelo empreendedor com normas urbanísticas e construtivas mais severas que as próprias exigências da municipalidade. Tal rigor, que perpassou as muitas mudanças de legislações e inevitáveis transformações urbanas nas últimas oito décadas, foi o que assegurou, quase que milagrosamente, uma inusitada mancha orgânica na dura e geométrica aerofotogra- metria do coração da metrópole paulistana. Podemos dizer que os últimos grandes parques, criados ainda sob 0 influxo do ideá rio paisagístico estabelecido no primeiro terço do século XX, são o Parque Redenção, em Porto Alegre, com cerca de 400 mil metros quadrados, projetado pelo urbanista francês Alfred Agache (1875-1959) e inaugurado em 1935; e os parques Botafogo (540 mil metros quadrados) e Buritis (400 mil metros quadrados), concebidos por Attilio Correia Lima (1901-1943) em seu projeto de 1933 para a nova capital de Goiás, Goiânia - onde também se evidenciou o modelo das cidades-jardins. Ao me referir a “últimos grandes parques”, nào quero dizer que nossas cidades deixaram de ganhar parques de grande extensão e significado. No Brasil, 1930 marca o início da Era Vargas. Mas as grandes formulações ou reformulações urbanísticas não configuram data precisa. Foi por volta dessa virada de década que surgiram as proposições de Alfred Agache, para o Rio de Janeiro, e o plano de Prestes Maia, para São Paulo. Doravante, a paisagem urbana ganha uma nova dimensão como desenho de cidades. Mas isso é tema para outro ensaio. B i b l i o g r a f i a KLIASS, Rosa Grena. Parques urbanos de São Paulo. São Paulo: Pini, 1993. MACEDO, Silvio Soares & SAKATA, Francine Gramacho. Parques urbanos no Brasil. Sâo Paulo: Edusp/Im prensa Oficial, 2002. MONTES, Maria Lúcia et a l “ Eu, Maurício". Em Os espelhos de Nassau. São Paulo/Recife: Banco Real, 2004. RIBEIRO, Maria Eliana Jubé. Goiânia: os planos, a cidade e 0 sistema de áreas irriUs. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2004. SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/Fapesp, 1996. __________. Prelúdio da metrópole. São Paulo: Ateliê, 2000. TERRA, Carlos Gonçalves. O jardim no Brasil do século XIX: Glaziou remitado. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes-UFRJ, 1993. WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. Jardim América: 0 primeiro bairrojardim de Sâo Paulo e sua arquitetura. Sâo Paulo: Edusp/Imprensa Oficial/Fapesp, 2001. CAPÍTULO 2 A PRODUÇÃO PAISAGÍSTICA BRASILEIRA ENTRE 1930 E 1976 Ana Rita Sá Carneiro Com a concepção do jardim brasileiro, os anos 1930 marcaram uma fase distinta, preponderante e decisiva na história do paisagismo no Brasil. Por essa época, foram firma dos os princípios do pensamento moderno, que mudaram os rumos da produção artística até então referenciada nas influências estrangeiras fortemente europeias. Surgia a pro posta desafiadora de construir o caráter nacional da produção artística, democratizando-a e, portanto, desprendendo-a dos modelos estrangeiros. Quanto à arquitetura, Lúcio Costa afirmava que deveria estar voltada para a coletividade, procurando explorar a potencialida de dos materiais locais disponíveis e refletir a racionalidade da estrutura construtiva, para solidificar as raízes brasileiras.1 Nessa atmosfera propícia, coube ao paisagista Roberto Burle Marx a tradução desse sentimento e conceito no jardim, reunindo conhecimentos em outros tipos de arte, como a pintura, a escultura, a música e, além disso, a botânica. Por isso, o arquiteto Michel Racine caracterizou o modernismo brasileiro como um “movimento-modemista-com-jardimV porque foi traduzido no campo da paisagem por um espírito revolucionário como o de Burle Marx. A determinação desse paisagista evidenciou-se com muita propriedade em * Lúcio Costa apuei Márcia Sant’anna, “Modernismo e patrimônio: o antigo-modemo e o novo antigo", em Luiz Antonío Cardoso & Lívia Oliveira (orgs.), (Re)discutindo 0 modernismo: universalidade e diversidade do movimento moderno em arqui tetura e urbanismo no Brasil (Salvador: UFBA, 1977). p 123. Michel Racine, “ Dans les jardins de Roberto Burle Marx", em Jacques Leenhardt (org.). Nos jardins de Burle Marx (São Paulo: Perspectiva, 1996), p. 114. contem porânea no Brasil artigo publicado em jornal do Recife, no ano de 1935, quando expressou a urgência em começar a semear a alma brasileira nos nossos jardins.’ Por volta dos anos 1940 e 1950, começaram a ser visíveis as intervenções paisa gísticas realizadas por Azevedo Neto e Luiz Emygdio de Mello Filho no Rio de Janeiro e por Roberto Coelho Cardozo, em São Paulo. E, na década de 1960, mais dois nomes des pontaram: Fernando Chacel e Rosa Kliass, entre outros paisagistas que contribuíram para enriquecer nossas paisagens urbanas e rurais. São diferentes maneiras de intervir, a partir de diferentes enfoques e priorizando quase sempre o elemento natural. Mas, no computo geral, esse legado artístico-paisagístico é testemunho da capacidade e do talento desses profissionais inspirados e sensibilizados pela diversidade da paisagem brasileira. Alguns desses projetos, do intervalo de 1930 a 1976, são comentados com a finalidade de mostrar que as formas de intervir na paisagem variam conforme os olhares dos paisagistas, seus estímulos e capacidade criativa. Os projetos paisagísticos apresentados trazem escalas di ferentes da paisagem urbana, incluindo jardins residenciais e institucionais, praças, par ques c alguns exemplos de grandes áreas em âmbito regional. A o b r a d e R o b e r t o B u r l e M a r x e a c r ia ç ã o d o j a r d i m b r a s i l e i r o Entre 19 2 0 e 19 30 instalou-se no Brasil um frenesi de criação artística. Retornan do ao Rio de Janeiro após período vivido na Alemanha, onde estudou música, pintura e fez tratam ento dos olhos, Burle Marx trouxe consigo a vontade de fazer, a impetuosidade e a confiança nas lições artísticas recebidas, pronto para exercitar o olhar e descobrir a paisagem brasileira na sua expressividade e nas suas cores. Somaram-se, como estímulo, a riqueza dos elem entos naturais da paisagem carioca e os jardins projetados por Glaziou, um precursor das explorações botânicas pelo interior do Brasil. Burl*» Mar* jardiri* « parquru <Jo R<-afi*w, em Diário da Tarde, Rrcifir, I4-J-I935- Ao visitar o Jardim Botânico de Dahlem, na Alemanha, por volta de 1928, Roberto Burle Marx conheceu de perto os cactos e outras plantas brasileiras exuberantes. De volta ao Brasil, em seu convívio com artistas e intelectuais, observa os cactos já utilizados por Mina Warchavchik no jardim da residência na rua Santa Cruz (Vila Mariana, São Paulo, SP), simbolizando a paisagem brasileira. O emprego de materiais locais na arquitetura da casa, projetada por Gregori Warchavchik, e no jardim de cactos, como um gesto inovador e moderno, era motivo de ironia e depreciação por parte de alguns grupos sociais.4 Tais mudanças incorporavam algo diferente que estava para surgir e causar impacto na vista, nas atitudes, na cultura. O exercício de Burle Marx em perceber a paisagem estava aguça do em capturar as estruturas, os marcos, a arquitetura, os fatos sociais e outros estímulos para conceber algo diferente do que até então vigorava. Guiado pelos princípios modernistas de Lúcio Costa e Le Corbusier (e a convite do governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti), Burle Marx chegou à cidade do Recife, onde lançou as bases de sua carreira, em 1934, e permaneceu até 1937 como Chefe do Setor de Parques e Jardins da Diretoria de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Pernambuco, dirigida pelo arquiteto Luís Nunes. Atuando em reformas e ações com plementares nos jardins existentes, Burle Marx implantou uma nova forma de pensar o espaço público a partir dos elementos da paisagem local, interpretada segundo princípios artísticos da pintura, da música e da poesia. Contribuiu para isso a companhia de Joa quim Cardozo, que congregava outros intelectuais como Clarival Valadares, Gibson Bar- boza, Gilberto Freyre e Cícero Dias.5 Teve como resultado uma geometria espacial inédita, em que a vegetação surgia como o elemento expressivo da comunicação ou mensagem artística. 4 G u ilh erm e M azza D ourado , Modernidade verde:jardins de Burle M arx (São P au lo : E d itora S e n a c S ã o P a u lo /E d u sp , 2 0 0 9 ) . * C on rad H a m erm an . “ B urle M arx: the Last In terv iew ", e m The Journal o f the Decorative and Propaganda Arts. n 2 1 . B ra z il T h e m e Issu e , 19 9 5 , pp. 15 6 - 17 9 . Arquitetura paisagística contemporânea no Brasil | 52 Segundo Burle Marx, as pinturas serviam de laboratório para a com posição dos jardins; quando pintava, experimentava novas formas, novas justaposições de cores, crian do momentos elevados e dramáticos.6 E assim se fez o projeto paisagístico, segundo prin cípios modernos, em que a vegetação tinha papel fundamental. Por isso, revolucionou a arte paisagística tradicional, dando os passos decisivos para a ruptura com a prática e os modelos importados prevalecentes. Na sua dedicação em conhecer os detalhes da paisagem do Recife, observou os rios, os casarões do período colonial e os mocambos e palafitas, ou seja, a “casa-grande” e a “ senzala” , que inspiraram Gilberto Freyre em sua obra lançada por aquela época. Acredita va que a cultura geral, a técnica e a experimentação eram condições básicas na construção do jardim m odem o. Ou seja, o paisagista precisava ter conhecimento sobre pintura, botâ nica, história, geografia, música, poesia, etc., para compreender a arte de projetar jardins; a técnica seria alcançada com o detalhamento do emprego dos materiais e dom ínio das etapas de construção; e a experimentação seria realizada nas sementeiras ou nos laborató rios, testando a associação de plantas e a introdução de novas espécies. Isso ele adquiriu com o estudo, a prática da jardinagem e exercitando a percepção da paisagem local, em que se insere o convívio com intelectuais e pessoas comuns. Como afirm ou Joaquim Car- dozo, em jornal local, “a paisagem pernambucana tem oferecido a Burle M arx elementos preciosos e que foram , até certo ponto, desprezados pelos seus antecessores” .7 Finalm en te, ainda assegura que “o senhor Burle Marx acabará dando aos jardins do Recife um caracter próprio e incomparável, como certamente nunca tiveram anteriormente” .8 É essa convivência multidisciplinar que possibilita Burle M arx conceber um jar dim de características modernas, apoiado em três funções urbanas: higiene, educação e arte, com o ele ressalta no artigo “Jardins para Recife” publicado em 1935. H igiene e esté Ibidem. "Jard in s bonitos que o Recife possui” , entrevista com Joaquim Cardozo, em Diário da Tarde, Recife, 14 -6 -1937. ' Ibidem. 53 A produção paisagística brasileira entre igjo e 1976 tica eram requisitos projetuais já veiculados no Recife, aos quais ele acrescenta educação e arte. Relacionado à higiene, o jardim representaria uma concentração de vegetação que ameniza o clima e a poluição urbana. Como objeto educativo, o jardim seria um meio de instruir, de transmitir conhecimento através do conjunto dos seus elementos no qual a vegetação era o principal. E, como arte, o jardim deveria “obedecer a uma ideia básica, um tema, com perspectivas lógicas e subordinado a uma determinada forma de conjunto” .9 Nesse sentido, entendia o jardim como uma intervenção humana sobre a natureza que trabalha um conteúdo não edificado, aberto, no qual a arte se faz a partir dos elementos vi vos como a vegetação, a água, o solo e poucos elementos construídos. Além disso, enaltece 0 compromisso social e pedagógico do jardim como obra de arte pública com capacidade de despertar a sensibilidade artística das pessoas que o contemplam e usam. Durante esse período, a partir da assimilação dos condicionantes da paisagem regional, Burle Marx formula e consolida, mediante uma intensa experimentação, os pres supostos da sua concepção paisagística: o emprego e valorização da flora autóctone e o respeito ao meio ambiente e à cultura local. O elemento água quase sempre está presente, exercendo seu poder de atração e de proporcionar a continuidade da paisagem urbana recifense. Os jardins do Recife idealizados por Burle Marx formam um conjunto de espaços livres distribuídos a partir do centro urbano e penetrando nos subúrbios, perseguindo, quando possível, uma temática vegetal, uma estrutura. Cada um dos jardins representa um grupo isolado pela característica geográfica dos elementos “subordinados, entretanto, à ideia de conjunto”.10 Quando relaciona com a ideia de conjunto, que tão bem soube explorar, ele introduz a visão de planejamento urbano interpretado como “plano de remo delação” , “plano de reforma” , "plano moderno de aformoseamento” , ou ainda “plano de Roberto Burle Marx. “Jardins para Recife”, em Boletim de Engenharia, 7 (1), Recife, março de 1935. Ibidem. -A . jard ins u n ifo rm iz a d o '" em que o con junto de jard in s púb licos d e ve n a se r a o no centro d a cidade, m as tam bém n os b airros resid en ciais. . O p rim eiro projeto de jard im público de sua carre ira , executad o n o R e c í e , 0 1 a praça de C asa Forte, em 19 35 , u m jard im de água, com vegetação d e v á ria s p ro ce d ê n c ia s . O segund o, a praça E u d id es da C unha, in icialm ente d esign ad a C actário d a M a d a le n a - u m jardim ecológico, com fundam ento botânico consistente na id ealização d a p a is a g e m , n a intenção de in form ar da vegetação da caatinga e do c lim a sem iárid o n o rd e stin o . S e g u e m nom es de outros projetos de jard ins, em bora p eq uenas in terven ções t iv e sse m o co rrid o e m paralelo: praça Artur O scar, praça D ezessete, praça do D erby, p raça d o E n tro n ca m e n to , praça C oração de Jesu s (hoje C hora M enino), praça P into D am aso , p raça d a R e p ú b lic a e os jardins do Palácio do C am po das Princesas. Foram quatro anos de intenso trabalho, durante os q u a is B u rle M a rx re a liz o u mais de dez intervenções paisagísticas, entre projeto com pleto e p e q u e n a s a lte ra ç õ e s o u complementaçòes. Depois dessa fase, ele volta a trabalhar no R ec ife e m 1 9 5 1 , q u a n d o fa z doação ao Instituto do Patrimônio H istórico e A rtístico N ac ion al (Iph an) d o p ro je to d o entorno da Capela da Jaqueira, dentro do parque da Jaq u eira . E n tre 19 5 7 e 19 5 8 , proje tou a praça de Dois Irmãos, no largo do Jardim Zoobotân ico , b e m co m o a p ra ç a S a lg a d o Filho, cuja plasticidade e elegância dos arranjos vegetais, refletidos n a s fu lg u ra ç õ e s d e um lago. convertem-na em m onum ento sin gu lar d iante do A ero p o rto In te rn a c io n a l d o s Guararapes. O jard im de C asa Forte foi construído a partir da re fo rm a da p raça existente cujo ponto focal era u m m onum ento aos h eró is da R estauração Pernambucana B u r le M a rx retirou o m onum ento, passando a re lacionar o ja rd im co m o casario d o e n to rn o e a ittre ia num a das extrem idades e criando n o seu in terior u m gran d e esp aço ab erto q u e n ro n o r cion a a o vis tante um a forte se n sa ç io d e am plitude e p ro fu n d id ad e , e m fu n ç ã o d a f o i longitudinal do terreno. Devido a sua capacidade d e le r a paisagem local e id e n tific a r o s ! "A vid«i da odidr A rHornu doi jardin* público* do Kctifc •cm ôírino da Tarde, Re, if,. ü -5 iy)5. P ra ç a d e Casa F o rte , R e c ife . PE, 1935. caráter, explicitou o sentido de cada planta empregada em cada solução. A praça res surgiu como um jardim d’água inspirado na paisagem do Jardim Zoobotânico de Dois Irmãos, que tinha a vitória-régia como motivo central. A diversidade da vegetação era o tema principal, contemplada em três jardins, cada um com um motivo vegetal distinto: o primeiro, um jardim de plantas da mata atlântica, mostrando uma associa ção de plantas aquáticas dos rios e açudes da região; o segundo, de plantas da Amazô nia, em cujo lago central (com flora aquáti ca) seria instalada uma estátua do escultor Celso Antônio, representando uma índia a banhar-se - que não chegou a ser colocada; e o terceiro, de plantas exóticas das regiões tropicais e de outros continentes. Incluiu também, nos canteiros das extremidades, a cana-da-índia,12 planta considerada vulgar, comumente encontrada em terrenos vazios na cidade e áreas ribeirinhas, e que passou a fazer parte dos jardins dos recifenses. A praça Eudides da Cunha despon tou com uma ideia inovadora e por isso pode ser considerada o primeiro jardim pú- u N o m e cien tifico : Canna indica. 57 P ra ç a E u d id e s d a C u n h a , R ec ife , P E , 19 35 . A produção paisagística brasileira entre tçjo e J976 blico essencialmente brasileiro - jardim temático, cujo fundamento foram as plantas do semiárido nordestino pertencentes ao ecossistema da caatinga. Essa proposta ainda não tinha sido explorada em um jardim urbano. Para tanto, Burle Marx debruçou-se na leitu ra da obra de Euclides da Cunha, Os sertões, aprofundando seu conhecimento botânico e social sobre a paisagem da caatinga e sobre o povo sertanejo. Sua admiração pelo escritor levou-o a sugerir o nome da praça. Por essa época, o cangaço vivia um momento de grande popularidade. Para esse jardim, indicou a composição dos cactos com blocos de pedra e uma es tátua representando um “homem de tanga” (do escultor Celso Antônio), afirmando sua intenção de reverenciar o homem do Norte do Brasil. Em lugar da escultura proposta, foi colocada a de um sertanejo (do escultor Abelardo da Hora), no final da década de 1950. No centro dessa estrutura, ficavam as cactáceas, de onde partiam canteiros lineares gramados e passeios em terra batida até o limite da praça, contornado por árvores do sertão. Numa das extremidades, as fileiras de árvores encontravam-se, formando um pequeno bosque, tendo ao lado o edifício da Estação Elevatória da Companhia de Água e Saneamento de Pernambuco (1915). Sua concepção do jardim moderno originava-se de um pensamento que ordena a natureza - segundo princípios artísticos como harmonia, contraste, relação de cheios e vazios - , em que a vegetação definia piso, parede e teto. Ao colocar um jardim de cactáceas no centro da praça, sedimenta um princípio clássico de convergência, ainda rígido, man tendo, dentro de uma simetria, o foco para o objeto de admiração e prestigiando a riqueza da flora. A intenção é de divulgá-la para conhecimento público, ressaltando ainda a varie dade existente, pois nela estão presentes oito das doze comunidades e subcomunidades do Domínio das Caatingas, confirmadas no estudo do botânico Dárdano de Andrade Lima.'5 ” A n a R ita S á C arn e iro & L iana M esq uita , Restaurando o Recife de Burle M arx, re latório (R ecife : P re fe itu ra d o R ecife/ Emlurb, 2003). A u tilização das cac láceas n u m jard im público va lorizan d o a p a isa g e m u rb an a é nm a d e m o n stra rã o da p reocup ação com a cu ltura, a ed u carão i* a eco log ia , m o stran d o u m a re a lid a d e d u ra e so fr id a , m as, ao m e sm o tem po, de gran d e riqueza cu ltu ra l. O co
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