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Primórdios da Psicossomática

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Primórdios da Psicossomática
Vimos, na primeira aula, como Aristóteles entendia a noção de uma continuidade entre corpo e alma (psyché). Vimos também como a noção holística do homem é anunciada por Aristóteles que, de forma inovadora, já antecipava o olhar holístico, que veio a desembocar na Psicossomática dos dias atuais.
A forma de entender a Psicossomática evoluiu ao longo da história deste conceito. Mas as referências ao fenômeno de uma causa psíquica para uma enfermidade física vêm desde as concepções da Medicina grega antiga.
Medicina separada da religião
Houve um período da História da Medicina que coincidiu, na Grécia clássica, com a de outras áreas de saber, que não mais buscavam explicar os fenômenos humanos naturais por uma concepção mágica ou mística.
Hipócrates é considerado o pai da Medicina, por tê-la estabelecido como uma disciplina e por tê-la fundado como profissão separada da religião. Para ele, a causa das doenças não é uma punição dos deuses, mas um desequilíbrio nos humores corporais, em consequência das disposições naturais do temperamento do indivíduo, das influências do meio ambiente e das ações atuais do paciente.
Alternância psicossomática
Uma das grandes contribuições que Hipócrates nos deixou é hoje descrito como alternância psicossomática, que intriga os médicos ainda hoje. Segundo esse conceito, o surgimento de uma doença física pode aliviar o quadro de um conflito mental. Atualmente, o conceito de alternância psicossomática permite entender o suceder abrupto de uma situação psíquica e somática sucedendo a outra (Mello Filho, 2002). Essa alternância explica os casos de remissão de sintomas físicos quando surge um conflito mental e seu desaparecimento quando surge uma doença somática.
Pensadores fundamentais para a Psicossomática
Dilthey (foi hermenêutico, psicólogo, historiador, sociólogo e pedagogo alemão), quando propõe a separação das ciências naturais das humanas, diz que esta se baseia na relação de sentido e significação, e com isto, redimensiona a Psicologia. Agora os fenômenos psicológicos podem ser compreendidos, permitindo com isto que o rigor da ciência possa valer também para a Psicologia.
Freud(conhecido como Sigmund Freud, formou-se em medicina e especializou-se em Neurologia, tendo logo a seguir criado a Psicanálise), por sua vez, evidencia que as manifestações dos seres humanos, os sonhos e os atos dos sujeitos têm um sentido. Na sua escuta da histeria de conversão(doenças nervosas que promoviam distúrbios de personalidade), Freud percebeu que não havia nenhum órgão afetado quando apresentavam analgesias, paralisias e cegueira, mas os sintomas no corpo eram traduções simbólicas de lembranças recalcadas, e que as histéricas “sofriam de reminiscências” (Freud, 1893-1895).
Conceitos da Psicossomática
O que é Psicossomática? Qual a importância deste saber para o profissional de Saúde? O que é somatizar? O termo somatização é considerado “um mecanismo de interferência da mente” no corpo. Esse mecanismo aponta para a inter-relação do sofrimento emocional e o adoecimento físico como tendo participação em qualquer doença. Estes sintomas não têm origem no corpo, mas o afetam de forma significativa e são denominados sem origem médica (SEM)
 A evolução dos modelos de compreensão do processo saúde-doença passou de uma etiologia linear – componente emocional para a determinação da doença para modelos multicausais e integrais, que consideram que todas as doenças são também determinadas por aspectos psicológicos e sociais que determinam sua evolução (Mello, 2011, p. 535). Segundo Mello Filho (2010), a Psicossomática não é só uma ciência interdisciplinar que integra Psicologia e Medicina para o estudo de efeitos de fatores sociais e psicológicos sobre o corpo e o bem-estar dos indivíduos. É, sobretudo, uma atitude, uma ideologia e uma prática da Medicina integral. Vejamos as palavras de Mello sobre a Psicossomática:
 “Psicossomática, em síntese, é uma ideologia sobre a saúde, o adoecer e sobre as práticas de Saúde. É um campo de pesquisas sobre esses fatos e, ao mesmo tempo, uma prática – a prática de uma Medicina integra.l”
Doença psicossomática
No processo de cuidar do profissional de Saúde, a doença psicossomática deve ser vislumbrada de forma integral em função da pessoa que adoece, pois em sua singularidade, cada um adoece de sua própria maneira.
Assim, o termo psicossomático, que foi inicialmente usado para se referir apenas a algumas doenças cuja relação entre corpo e mente se mostrava muito evidente, passou atualmente a ser usado para “... toda e qualquer doença e tendência atual é unitária” (Mello, 2002, p.21). O que quer dizer que a doença é sempre vivenciada no registro do sentido e da significação. Esta atitude pode e deve também ser adotada pelo profissional de Saúde no processo de cuidar.
O profissional de Saúde na Psicossomática
A complexidade e a integralidade dos sujeitos que têm doenças psicossomáticas acabam por impor um trabalho que pode ser exercido não só pelos médicos, mas por todos os profissionais de Saúde. Não devemos esquecer que a concepção psicossomática partiu de uma posição unidirecional psique-soma, inicialmente formulada para outra posição adotada pela Psicossomática atual de tomar os fenômenos relacionados ao adoecer em seu conjunto (Mello, 2002).
Então, qual deve ser o papel do profissional de Saúde neste contexto interdisciplinar? Não se espera que ele seja também psicólogo, mas que possa se tornar um observador qualificado, para desenvolver uma nova atitude no processo de cuidar. Devemos, para isso, levar em conta as relações humanas no cuidar.
É a experiência clínica que pode nos ensinar a ampliar nossos horizontes e apreender as relações dos fenômenos psicossomáticos com as significações do sujeito no contexto atual das relações doença-família e médico-paciente.
 
O que a Teoria pode nos ensinar sobre a relação corpo-mente ?
Toda a teorização de Freud surgiu da prática clínica com as histéricas, que apresentavam inexplicáveis sintomas no corpo por uma causa orgânica. Outro exemplo que nos foi legado por Freud foi sua postura de escuta da biografia de seus pacientes. Criticando a sugestão, Freud afirma que aquele que usa da sugestão peca por "não ceder à palavra ao paciente” (1923).
Diante dessas evidências, Mello (2002) ressalta (p.23) que “... o pensamento de Freud foi eminentemente psicossomático desde o início”. Talvez o tema que podemos destacar como relevante para o estudo da Psicossomática, ainda nos dias atuais, é o conceito de pulsão. (fiz o download)
Outra contribuição que Freud nos legou foi no campo da significação, ao afirmar que os sintomas têm um sentido que simbolizam um conflito, um desejo inconsciente que não pôde ser traduzido em palavras e que, uma vez traduzidos em palavras, são passíveis de remissão. Assim, o estudo do psiquismo abandona o campo da representação da consciência, passando a afirmar, através do conceito de inconsciente, que a maior parte de nossa vida mental é regida pelos desejos e conflitos inconscientes, permanentemente influenciando nossas atitudes e ações.
As contribuições da Psicofisiologia
Enquanto os psicanalistas tentavam entender os fenômenos psicossomáticos no registro do sentido e da significação, os psicofisiologistas também deram contribuições que permitiram elucidar os mecanismos de interação psicofísica nos níveis fisiológico e bioquímico, usando a experimentação.
Mello (2002) mostra a importância do trabalho de Cannon(Walter Bradford Cannon, professor e presidente do Departamento de Fisiologia da Harvard Medical School.), que contribuiu para a Psicofísica com seu clássico trabalho sobre as modificações fisiológicas produzidas pela “secreção adrenalínica de emergência”, subjacentes aos estados de fome, medo, dor e raiva. O trabalho pioneiro de Cannon influenciou as descobertas da Psicofísica, que é o estudo das interações entre estados mentais e processos fisiológicos. Os psicofisiologistas começaram a buscar relacionar os estados mentais àsmodificações no corpo. Wolf e Wolf (Mello, 2002) constataram a íntima relação que guardava o funcionamento global dos órgãos de determinados pacientes com os mais diversos estados emocionais.
Processo de reação do organismo
Selye (Mello, 2002) confirma experimentalmente que qualquer vivente tem tendência a desenvolver de forma uniforme e inespecífica, anatomofisiologicamente aos vários estresses aos quais se vê submetido. Esse autor denomina o processo de reação do organismo, buscando respostas adaptativas de síndrome-adaptação, distinguindo três fases:
- Alarme: também denominado choque, iniciado por uma descarga adrenérgica: taquicardia, diminuição do tônus muscular e temperatura, hipercalcemia, entre outras;
- Segue-se a esta fase o contrachoque, quando as reações humorais e neurovegetativas são modificadas por uma hiperatividade do córtex suprarrenal.
- Se o agente estressante continuar com sua atuação, o organismo entra em uma fase de defesa, onde há uma permanente hiperatividade corticossuprarrenal, e uma fase de esgotamento, consequência da falha dos mecanismos adaptativos a estímulos permanentes e excessivos.
As “doenças de adaptação” são as que Selye denomina de resultantes do uso excessivo dos mecanismos de defesa.
 A úlcera péptica, certas formas de artrite, hipertensão arterial e lesões miocardiais são algumas destas resultantes.
 Com a Psicanálise, vimos como o sofrimento de uma vivência pode ser expressada simbolicamente no corpo, e como a Psicofísica entende alguns mecanismos que interrelacionam corpo e mente.
Atividade proposta

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