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RELAÇÃO ENTRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E DISCURSIVAS, EXCLUSÃO, INCLUSÃO E MERCADO DE TRABALHO


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ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
1 
RELAÇÃO ENTRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E DISCURSIVAS, EXCLUSÃO, 
INCLUSÃO E MERCADO DE TRABALHO 
 
 
RESUMO 
Este painel objetiva relacionar processos de exclusão e de inclusão sociais que pode 
ocorrer a partir de ações e práticas pedagógicas operacionalizadas tanto no âmbito escolar, 
quanto extra-escolar. Desta forma, três pesquisas diferentes, mas complementares, 
fundamentam essa discussão. Sidnei H. Santos, ao analisar os processos de seleção e de 
contratação de trabalhadores sob a ótica da lógica competência, percebe que o conceito 
ainda não se efetiva na prática, sendo, em grande parte dos casos, apenas uma nova 
nomenclatura para um processo ainda baseado nos moldes da qualificação, o que 
representa uma forma de exclusão na medida em que as práticas adotadas pelas 
prestadoras de serviço não são realizadas em conformidade com o que é proposto pela 
teoria. Já Maria L. Teixeira, analisa as práticas pedagógicas de uma entidade filantrópica de 
Belo Horizonte, cuja missão é formar e inserir jovens no mercado de trabalho. É evidenciada 
uma prática pedagógica conformadora e tradicional, que não possibilita ao jovem 
trabalhador, construir os saberes, as habilidades e as competências requeridas pelo 
mercado de trabalho. Por sua vez, Marilza O. Santos, estuda práticas discursivas utilizadas 
em uma sala de aula de ensino fundamental, com o objetivo de verificar se os discursos 
adotados podem influenciar na construção da identidade da criança, seja para sua 
afirmação ou para sua negação como pessoa, como indivíduo. Assim, este painel traz uma 
discussão sobre a importância de se refletir sobre as práticas pedagógicas e discursivas 
utilizadas por profissionais da educação formal ou não-formal, em diferentes espaços e, 
como tais práticas podem ser excludentes e conformadoras. 
Palavras-chave: práticas pedagógicas; práticas discursivas; cidadania; formação 
profissional. 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
2 
LÓGICA COMPETÊNCIA – A TEORIA E A PRÁTICA NO PROCESSO DE 
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAS 
 
Sidnei Huebert Santos 
Escola Municipal IMACO/SMED/PBH 
 
 
Resumo: 
Este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa realizada junto a quatro 
empresas sediadas em Belo Horizonte/MG, de um total previsto de doze 
empresas dedicadas aos serviços de recrutamento e seleção de profissionais. 
O critério de escolha foi baseado no reconhecimento dessas empresas pelo 
mercado, sendo que duas empresas têm abrangência nacional e as demais, 
regional. O objetivo é analisar os princípios que norteiam as ações desses 
serviços na busca de trabalhadores, os discursos e as práticas utilizados e, em 
que medida essas ações refletem possíveis utilizações do conceito da lógica 
competência. A pesquisa se ampara teoricamente nos trabalhos de P. Zarifian, 
M. Dadoy, R. Ruas, F. Ropé, L. Tanguy, M. Stroobants, A. Fleury e M. T. 
Fleury. Esta investigação, de caráter qualitativo, utiliza como instrumental de 
pesquisa entrevista aberta, análise do discurso, análise documental e 
observação. Foram entrevistados quatro selecionadores que atuam nas 
empresas, analisados documentos e testes disponibilizados pelas prestadoras 
de serviço e observadas suas práticas. Os resultados parciais relacionam-se ao 
entendimento do conceito de competência como algo que pode ser medido, 
quantificado, algo complexo de ser realizado quando se pensa na subjetividade 
do sujeito, o seu saber-ser, como objeto de análise por parte do selecionador. 
Nessa perspectiva, o trabalho parece ser tratado como um conjunto de tarefas 
ligadas ao modelo da qualificação. Desta forma, percebe-se que o conceito da 
lógica competência não é utilizado, efetivamente, na prática dos processos de 
recrutamento e seleção de pessoas, o que é evidenciado pelos discursos e 
pelas práticas dos selecionadores. 
Palavras-chave: qualificação; lógica competência; recrutamento e seleção. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
3 
Introdução 
 
O mundo do trabalho foi profundamente influenciado e transformado, pelo 
desenvolvimento de novas tecnologias e importantes mudanças na economia 
internacional, entre outros fatores. Tais fatos expuseram o esgotamento do 
modelo taylorista/fordista que predominou na produção até a década de 1970, 
dando lugar aos novos modelos de gestão da mão-de-obra, dentre eles os 
chamados modelos japoneses, cujas implicações sobre a gestão de pessoas 
nas organizações tem sido objeto de inúmeros estudos. 
 
Destacam-se entre essas implicações aquelas provocadas pelo chamado 
modelo das competências sobre o recrutamento, seleção de mão-de-obra e 
sua avaliação. Nesse contexto, as empresas de serviços de recrutamento e 
seleção de pessoal testemunham as mudanças no mundo do trabalho e são, 
em grande medida, as responsáveis pela implantação dos novos modelos de 
gestão de pessoas. 
 
Assim, se no modelo taylorista-fordista, o trabalhador era considerado uma 
simples peça de uma imensa engrenagem, executando praticamente a mesma 
tarefa durante todo o seu tempo de trabalho, no modelo de produção flexível, o 
trabalhador como afirma Zarifian (2001) precisa agir na incerteza, ser flexível, 
comunicativo, autônomo, trabalhar em grupo e em culturas diferentes da sua. O 
modelo taylorista-fordista de produção não levava em conta (muito embora lá 
estivessem) a criatividade, a iniciativa, a subjetividade do trabalhador 
elementos que hoje, parecem ser reconhecidos e negociados, no mercado de 
trabalho. 
 
As reflexões apontadas suscitam questionamentos referentes às concepções 
da noção de competência que norteiam as ações dos serviços de recrutamento 
e seleção de mão-de-obra. Se, no passado, o processo de recrutamento e 
seleção de pessoas obedecia a princípios centrados nos modelos que tinham 
como referência os postos de trabalho bem definidos, o trabalho individual e 
processos rígidos de produção dentre outras características. Na atualidade, os 
processos flexíveis de produção e postos de trabalho quase indefinidos e o 
trabalho coletivo apontam para necessárias mudanças nos modos de 
recrutamento e seleção de pessoas nas empresas. 
 
Dessa maneira, a problemática explicitada sugere a seguinte questão de 
pesquisa: que entendimento os serviços de recrutamento e seleção possuem 
do modelo de competência? Que princípios norteiam, na atualidade, as ações 
dos serviços de recrutamento e seleção na busca de trabalhadores? 
 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
4 
Competência – Alguns pressupostos teóricos 
 
O mundo do trabalho apropriou-se da noção de competência construída por 
diversas áreas de estudo como a Ergonomia, o Direito, a Sociologia e a 
Lingüística (DADOY 2004). Tal apropriação se deu em diferentes contextos 
aplicados a objetos distintos dos originais, sem que houvesse por parte dos 
empregadores, sindicatos, educadores da área profissional uma reflexão mais 
aprofundada sobre as diversas definições e utilizações da noção de 
competência. Esse fato gerou e ainda gera relativas confusões, indefinições, 
disputas, divergências debates quanto ao adequado emprego dessa noção no 
mundo do trabalho.Em decorrência da grande heterogeneidade conceitual da noção de 
competências seu uso social é marcado pela sobreposição de concepções 
correlatas, tais como, qualificação, atribuições, desempenho (DADOY, 2004; 
RUAS, 2005). A utilização do termo, no contexto organizacional, refere-se à 
modificação do perfil do trabalhador acrescido de um vocabulário renovado que 
apela aos termos saberes e competências (STROOBANTS, 2002) e a um 
conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades relacionadas ao ofício 
(ROPÉ E TANGUY, 2002). 
 
A abordagem de competência entendida sob o prisma da inteligência prática de 
situações que se apóiam nos conhecimentos adquiridos (ZARIFIAN, 2001) e os 
transformam com quanto mais força, quanto maior a complexidade das 
situações vivenciadas pelos trabalhadores nas organizações enfoca a saída do 
foco do posto para o indivíduo. Nessa perspectiva, o trabalho não é mais o 
conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo, mas torna-se o 
prolongamento direto da competência que o indivíduo mobiliza em face de uma 
situação profissional cada vez mais mutável e complexa. 
 
No que diz respeito à área empresarial parece existir inúmeros entendimentos 
da noção e do uso social do termo competência explicitados nas pesquisas de 
autores como Zarifian, Ruas, Fleury & Fleury. Essa ocorrência instiga a 
pesquisa científica e deixa transparecer certo desconhecimento, por parte da 
academia a respeito do entendimento dos empresários, ou seja, no mundo do 
trabalho, sobre o modelo das competências, bem como, às demandas que 
fazem, hoje, à mão-de-obra, cujas repercussões podem ser detectadas no 
recrutamento e seleção de pessoas. 
 
Nesse sentido, no âmbito dos profissionais de recursos humanos parece existir 
a tendência da utilização do conceito de competência como algo que pode ser 
medido, quantificado, à semelhança dos resultados obtidos por meio do 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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treinamento; e do uso de padrões baseados em habilidades, no conjunto de 
conhecimentos e atitudes que afetam o trabalho, ou seja, em desempenho, 
afirmam Fleury & Fleury (2004). Tal entendimento aponta para a utilização do 
modelo de competência como uma nova roupagem para qualificação na gestão 
de pessoas. Assim, os princípios do trabalho centrados na tarefa e o conjunto 
de tarefas referentes ao cargo continuariam em pauta. 
 
Competência – O entendimento do termo nas empresas pesquisadas. 
 
O ramo de recrutamento e seleção conta com aproximadamente 181 
empresas. Neste trabalho, a escolha da amostra se deu por meio dos 
seguintes critérios: tempo mínimo de 15 anos de atuação no mercado, 
exigência de formação superior, abrangência nacional e seleção para cargos 
que vão desde trainee à presidência. Foram selecionadas 12 empresas. Tal 
escolha se justifica devido às mesmas terem vivenciado transformações 
importantes no mundo do trabalho e à crença de que a noção de competência 
aparece mais nitidamente nos cargos de gerência que exigem nível 
universitário. 
 
A coleta de dados se deu por meio de entrevista aberta realizada em cada 
empresa junto aos responsáveis diretos pelo processo de recrutamento e 
seleção e adotou-se a técnica de análise do discurso. Prática que busca avaliar 
construções ideológicas, apreendendo o significado de aspectos verbais e não 
verbais presentes nos textos em uma dada conjuntura histórico-social. A 
sustentação teórico-conceitual se dá por meio de estudo bibliográfico sobre a 
temática apontada. 
 
Um dado comum observado na totalidade das empresas entrevistadas 
relaciona-se ao fato da necessidade de inserção “in loco” por parte do 
entrevistado – selecionador – às empresas contratantes do serviço. Dessa 
forma, são captadas a cultura empresarial e as particularidades do cargo a ser 
preenchido visando o melhor encaixe do profissional à vaga, conforme o que 
relata o entrevistado R&S 1 “A empresa me dá capacete e protetores. Vou para 
o meio da fábrica para conversar com um, com outro, para entender como a 
fábrica funciona.” [...] “Porque um dos aspectos para contratar é entender como 
é que é o contratante, a pessoa com quem o candidato vai trabalhar o chefe 
imediato do sujeito”. 
 
O selecionador ao vivenciar o dia-a-dia da empresa por um determinado 
período, apura o seu olhar por meio das lentes da necessidade de contratação 
de mão de obra da empresa. Pode-se constatar uma mudança no tocante ao 
fato de hoje ser esperado do trabalhador uma visão generalista no e do 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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trabalho “Ele tem que mexer com o negócio da empresa”, afirma R&S1. “Uma 
característica fundamental é a disponibilidade para aprender. Outra é a 
flexibilidade porque as mudanças são contínuas e cotidianas. O negócio 
fechado ontem à noite considerado ótimo, pela manhazinha não ‘tá valendo 
nada’”, pontua R&S2. 
 
As características avaliadas como fundamentais pelos entrevistados no tocante 
ao perfil profissional dos trabalhadores, assenta-se primeiramente na formação 
profissional de nível superior, o desenvolvimento de aprendizado contínuo, na 
experiência construída na trajetória de vida pessoal e profissional. “O passado 
sugere um comportamento que poderá se repetir no futuro” afirma R&S3. 
Disponibilidade, flexibilidade, abertura a mudanças, dinamismo, 
comunicabilidade constituem-se em um rol de valores considerados 
importantes pelas empresas. 
 
O elenco de tais características desejáveis pelas organizações compõe o perfil 
profissional dos trabalhadores. Contudo, os selecionadores, até agora 
estudados, buscam atestar as capacidades explanadas pelo candidato por 
meio de estudos de caso, ‘cases’, com vistas a captar a maneira pela qual o 
candidato responde a uma situação problema, que traduz a idéia da incerteza, 
da mobilização de saberes, contidos na lógica competência, percebidos nos 
trechos a seguir: “Não adianta perguntar ao candidato quais são os seus 
pontos fortes ou fracos”, afirma R&S1; e em R&S3, “a nossa entrevista, 
principalmente quando estamos avaliando as competências, se dá por meio de 
um assunto técnico, que é a experiência dele. Saber como e onde ele fez e 
qual o resultado alcançado é uma maneira de fazê-lo sentir-se à vontade para 
relatar questões ligadas à história acadêmica e profissional”. 
 
Neste trecho final, percebe-se a maneira pela qual o saber ser, atitudes e 
comportamentos é avaliado. O candidato, historiando sua vida acadêmica e 
profissional, saber formal e experencial, o faz por meio da capacidade de 
verbalização, de comunicação - saberes relacionais - um dos itens que compõe 
o perfil dos trabalhadores na atualidade. 
 
Por meio de testes e inventários as empresas selecionadoras buscam mapear 
as competências dos candidatos, procurando comprovar se as capacidades 
exigidas pela organização são preenchidas pelo candidato. “Aplicamos um 
questionário com várias perguntas que a pessoa responde. E aí você tem como 
dimensionar as competências. Os inventários também ajudam a levantar essas 
características profissionais” afirma R&S1. Para R&S2 “Existem sistemas 
informatizados que filtram os candidatos indicando seu perfil de competência. 
Tem testes pela WEB que você faz um perfil das competências”. Esse recurso 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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é também apontado por R&S4 no tocante ao levantamento docoeficiente 
intelectual, inteligência emocional, contida em dezesseis tipos diferentes de 
competência. 
 
Aparentemente, na análise dos discursos levantados nesta pesquisa, se 
confirma a tendência teórica na qual o entendimento e o uso social da noção 
de competência no recrutamento e seleção de pessoas como algo que pode 
ser medido, mapeado e relacionado a desempenho. (FLEURY & FLEURY, 
2004). 
 
Conclusão 
 
Muito embora a pesquisa se encontre ainda em andamento e conte com uma 
amostra de investigação reduzida, percebe-se a presença da lógica 
competência nos discursos e práticas presentes nos serviços de recrutamento 
e seleção estudados. Percebidos por meio da utilização de estudos de casos 
como forma de avaliar os candidatos e as suas competências, baseados, na 
idéia da incerteza e mobilização de saberes. 
 
Registre-se, contudo, que a presença dessa lógica se faz sem que haja o 
desaparecimento de práticas clássicas do modelo da qualificação, tais como os 
testes e inventários. Ou seja, as empresas selecionadoras buscam, 
quantitativamente, mapear as competências dos candidatos e comprovar se as 
capacidades exigidas pela organização são preenchidas por ele. 
 
Além disso, se no modelo taylorista-fordista o foco no posto de trabalho era a 
tônica, na atualidade, o olhar dos selecionadores sobre as vagas 
disponibilizadas pelas organizações, não abandonaram de todo essa lógica, 
uma vez que a visita por parte deles no ambiente de trabalho tem como 
objetivo conhecer o espaço de atuação do trabalhador e a cultura da empresa, 
tendo em vista a melhor adequação do profissional ao cargo a ser 
desempenhado. 
Por outro lado, a função tornou-se mais fluida, abrindo espaço para que o 
saber ser – atitudes e comportamentos – fossem então considerados e 
explicitados nos processos de seleção. 
 
Os princípios que norteiam as ações dos serviços de recrutamento e seleção 
na busca de trabalhadores na atualidade têm, em certa medida, conexão com 
os postulados teóricos dos pesquisadores da área, traduzidos na ênfase posta 
pelos entrevistados no saber escolarizado, na história de vida, tanto 
profissional quanto pessoal e do saber-ser, contextualizados, postos em ação. 
 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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No discurso dos recrutadores “não adianta dizer que você é competente, que 
detém conhecimentos e experiências” é preciso, como preconiza a lógica 
competência, comprovar pelo olhar do outro a competência. Contudo, um rol de 
competências mapeadas, sistematizadas e utilizadas como orientadoras de um 
processo seletivo, parece não mostrar aquilo que distingue um trabalhador do 
outro – a sua subjetividade. 
 
Referências 
 
DADOY, Mirelle. As noções de competência e competências à luz das 
transformações na gestão da mão-de-obra. In: TOMASI, Antonio (org). Da 
qualificação à competência: pensando o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 
2004 – (Prática Pedagógica). 
 
FLEURY,A.;FLEURY, M.T.L. Estratégias empresariais e formação de 
competências. Um quebra–cabeça caleidoscópio da indústria brasileira,3a. Ed. 
São Paulo, Editora Atlas S.A, 2004. 
 
ROPÉ, F.; TANGUY, L Saberes e competências – O uso de tais noções na 
escola e na empresa 3ª. Ed., Campinas, Papirus Editora, 2002. 
 
RUAS, R. L. Gestão por competências: uma contribuição às estratégias das 
organizações. In: ANTONELLO, C. S.; BOFF, L.H. (Orgs.) et al Os novos 
horizontes da gestão: aprendizagem organizacional e competências. Porto 
Alegre: Bookman, 2005. 
 
STROOBANTS, M. A visibilidade das competências. In: ROPÉ, F.; TANGUY, L. 
Saberes e competências, 3ª. Ed., Campinas, Papirus, Editora, 2002. 
 
ZARIFIAN, P.Objetivo competência:Por uma nova lógica; tradução Trylinski. 
SP, Atlas, 2001. 
 
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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL 
 
Maria de Lourdes Teixeira – Universidade do Estado de Minas Gerais 
Sidnei Huebert dos Santos – Universidade do Estado de Minas Gerais 
 
Resumo: 
Este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa realizada junto a uma 
entidade filantrópica sediada em Belo Horizonte/MG, que seleciona, treina, 
forma e insere jovens no mercado de trabalho. O critério de escolha foi 
baseado no reconhecimento e na relevância dessa entidade pela sociedade 
belo-horizontina e pelo mercado de trabalho. O objetivo é analisar as práticas 
pedagógicas adotadas pela entidade, que norteiam as ações da entidade nos 
seus processos formativos, diante das novas demandas impostas pelo capital 
ao trabalhador e às novas demandas do mercado de trabalho, onde o 
trabalhador passa a exercer um novo papel, sendo requeridos dele saberes, 
habilidades e competências, antes não valorizadas pelas empresas. Esta 
investigação, de caráter qualitativo, utiliza como instrumentos de pesquisa a 
entrevista aberta, análise documental e observação. Foi entrevistada uma 
professora que atua na instituição lecionando Língua Portuguesa. Analisados 
documentos institucionais como informativos, materiais didáticos e outros, e 
observadas as práticas pedagógicas durante as aulas. A pesquisa se ampara 
teoricamente, dentre outros, nos trabalhos de Zabala, Gómez, Sacristán, Freire 
e Santomé. Os resultados demonstram que a entidade realiza seu processo de 
formação profissional sem um direcionamento claro, cuja concepção de 
educação que se destaca é aquela do tipo conformadora, cujas práticas são 
fundamentadas pela concepção tradicional de ensino-aprendizagem. Assim, 
observa-se que suas práticas são permeadas por atividades de reforço e 
memorização, que não valorizam ou incentivam a criatividade, o trabalho em 
equipe, o desenvolvimento de saberes, habilidades e competências requeridas 
pelo mercado de trabalho. A ausência de uma proposta de trabalho 
fundamentada em uma concepção de ensino-aprendizagem baseada no 
construtivismo ou no sócio-interacionismo, é um entrave importante que 
destacamos na pesquisa. 
Palavras-chave: práticas pedagógicas; formação profissional; concepções de 
ensino-aprendizagem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
10 
Introdução 
 
Mudanças substantivas têm ocorrido na dinâmica do capitalismo internacional 
que transcendem os fenômenos econômicos, invadindo as dimensões políticas, 
sociais e culturais. Novos conceitos de produção e formas de organização do 
trabalho suscitam crescentes exigências quanto às qualificações profissionais 
que se traduzem em novas necessidades relativas à educação dos 
trabalhadores. (HARVEY, 1994). 
 
A sociedade Industrial, tipicamente marcada pela gerência, pelo controle e pela 
produção em massa, baseada no binômio fordismo/taylorismo – caracterizada 
pela produção maquinizada, produção em massa rotinizada, economia de 
escala, incorporação volumosa de trabalhadores pouco qualificados, e pela 
intensa divisão do trabalho – vigorou plenamente até meados da década de 
1970, quando então se viu o colapso do sistema vigente de acumulação 
capitalista (Harvey, 1994; Machado, 1998). 
 
Como resposta a esta crise, surge o processo de “acumulação flexível”, 
apoiado nas transformações tecnológicas e na globalização, que nos apresenta 
uma sociedade de tipo tecnizada, de caráter flexível, informacional, cuja base 
técnica é a da microeletrônica, onde a produção se torna diversificada e 
personalizada (Harvey, 1994).Naquele contexto, à educação cumpria efetivar uma formação profissional que 
privilegiava a memorização e a repetição, através do treinamento e 
adestramento, onde se privilegiava a racionalidade técnica por meio da 
transmissão de conhecimento sem compreensão, reforçando o respeito à 
autoridade e à hierarquia. (SANTOMÉ, 1994). 
 
Na contemporaneidade, período marcado pela sociedade do conhecimento, 
torna-se necessária uma formação de trabalhadores onde ocorram construção 
e reconstrução de saberes, através de uma aprendizagem contextualizada e 
significativa. Assim, a concepção de educação do trabalhador se volta para a 
construção do conhecimento e de compreensão de todo o processo produtivo, 
com a necessidade da aquisição de habilidades e de capacidades não somente 
técnicas ou instrumentais, mas, sobretudo, cognitivas, organizacionais e 
comunicacionais, superando a racionalidade técnica por meio da racionalidade 
crítica, quando o sujeito poderá analisar e superar a própria ação. 
 
Então, entendendo que a formação profissional inicia-se na educação geral e 
básica, e estende-se pela vida; e que tal formação pode é oferecida em 
diferentes e diversos contextos; que ocorre de forma sistematizada em escolas 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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e em outros espaços de formação (Manfredi, 2002); e, principalmente, é 
mediada por um professor ou um instrutor, que adota uma prática pedagógica 
em seu processo formativo; torna-se importante discutir sobre tais práticas, 
especialmente na formação profissional. 
 
Assim, foi realizada uma pesquisa em uma entidade filantrópica de Belo Horizonte que 
atua na formação profissional e na inserção de jovens, que precisam atender os 
seguintes pré-requisitos: idade entre 15 e 18 anos; estar cursando, no mínimo, a 
7ª série do Ensino Fundamental e renda familiar compatível. 
 
A entidade, seleciona, treina e forma seus jovens através de programas de 
formação diversos, sempre relacionando à permanência no emprego ao 
rendimento escolar e participação nos cursos oferecidos ao longo do período 
em que estão sob a tutela da instituição. 
 
Ora, se surgem novas demandas para a formação do trabalhador, emergem 
também a necessidade de serem adotadas práticas pedagógicas que dêem 
conta dessas novas demandas e que superem a formação profissional 
baseada na racionalidade técnica e instrumental. Portanto, o objetivo do 
trabalho é analisar as práticas pedagógicas adotadas pela entidade nos seus 
processos formativos. 
 
Algumas concepções de práticas pedagógicas 
 
Para o início da discussão, convém abordar algumas questões relativas à 
prática pedagógica como prática profissional, no nosso caso exercida por um 
professor e/ou um instrutor. Primeiramente, compreendemos que a prática 
pedagógica não se restringe à realidade escolar e extrapola o âmbito 
metodológico o espaço formativo (SACRISTÁN, 1999). 
 
Ainda, para efeito desta pesquisa, entendemos a prática como uma atividade 
manifestada no momento do trabalho que visa o alcance de objetivos definidos. 
A prática caracteriza-se pela "transformação real, objetiva, do mundo natural ou 
social para satisfazer determinada necessidade humana" (VÁSQUEZ, 1997, p. 
194). Portanto, podemos dizer que a prática pedagógica é uma ação 
desenvolvida pelo sujeito que ensina que visa alcançar uma transformação no 
sujeito que aprende, que para tanto lança mão de instrumentos e meios 
diversos para alcançar seus objetivos. 
 
Entretanto, a prática pedagógica do professor não se resume à simples 
execução de métodos e de técnicas. Conforme Gómez: 
 
ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO 
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
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O problema fundamental que se coloca para a perspectiva técnica de 
intervenção na aula é sua incapacidade para enfrentar a natureza dos 
fenômenos educativos. A realidade social, ao contrário da realidade 
física, resiste a ser enquadrada em esquemad fixos preestabelecidos, 
resiste às classificações taxionômicas, às generalizações 
universalmente válidas para todo tempo e contexto, aos 
procedimentos algorítmicos, nos quais os passos se encadeiam 
mecanicamente, conduzindo sempre aos mesmos resultados. A 
realidade social e, concretamente, a realidade da aula é sempre 
complexa, incerta, mutante, singular e carregada de opções de valor. 
(GÓMEZ, 1998, p. 83, in: SACRISTÁN & GÓMEZ, 1998). Grifos do 
autor. 
 
Desta forma, não podemos pensar a prática dissociada da diversidade e da 
complexidade da realidade social. Assim, seus problemas “não podem ser 
reduzidos a questões meramente instrumentais” (Idem). 
 
Neste contexto, entendendo a prática pedagógica como práxis, sua ação 
redunda numa transformação, ou nos dizeres de Freire (1996, p. 98), “como 
experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção 
no mundo”. Assim, dado seu caráter intencional, pode-se optar por uma prática 
pedagógica emancipadora e dialógica, onde se entende que, conforme Freire 
(1996, p. 15), "formar é muito mais do que puramente treinar o educando no 
desempenho de destrezas", por um lado, ou se adotar uma postura 
conformadora, de cunho tradicionalista, por outro. 
Uma prática pedagógica tradicionalista se apóia no domínio da técnica e da 
racionalidade, que propõe 
[...] como modelo, a produção de objetos e a organização 
empresarial. Ainda que a complexidade do comportamento humano 
dificulte a produção do conhecimento científico necessário e suas 
derivações tecnológicas, assume-se o problema como uma 
dificuldade temporária. Pouco a pouco vai se incrementando o corpo 
de conhecimentos científicos sobre os processos de ensino-
aprendizagem e, no momento oportuno, a intervenção docente será 
tão previsível e algorítmica como os procedimentos para produzir 
máquinas ou curar doenças. (GÓMEZ, 1998, p. 82, in: SACRISTÁN & 
GÓMEZ, 1998). 
 
Já uma prática emancipadora pressupõe a adoção de uma prática reflexiva 
(Perrenoud, 1999) por parte do professor, que entende que 
A vida da sala de aula deve ser interpretada como uma rede viva de 
troca, criação e transformação de significados. Os processos de 
aprendizagem são, enfim, processos de criação e transformação de 
significados. A intervenção docente na aula encaminha-se para 
orientar e preparar as trocas entre os aluno/as e o conhecimento, de 
modo que os sistemas de significados compartilhados que os 
estudantes vão elaborando sejam enriquecidos e estimulados. 
 
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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
13 
(GÓMEZ, 1998, p. 85, in: SACRISTÁN & GÓMEZ, 1998). Grifos do 
autor. 
 
Baseando-nos em estudos de Silva (2007, p. 73), apresentamos ao final do 
texto um quadro comparativo entre as duas proposições. 
 
Relações entre práticas pedagógicas e concepções de ensino-
aprendizagem 
 
Uma discussão sobre práticas pedagógicas pode levar-nos a outras análises 
que giram em torno da Didática e das Teorias Pedagógicas, objetos de estudo 
desde o Século XVII, começando por Comênio passando por Herbart no 
Século XVIII e Dewey no Século XX, dentre outros estudiosos. No Brasil, tal 
discussão tem em José Carlos Libâneo, Vera Maria Candau, Maria Rita N. 
Sales de Oliveira, Ilma Passos, Luiz Carlos Freitas, Demerval Saviani entre 
outros, seus principais expoentes. 
 
Valemo-nos da definição apresentada por Zabala (1998), que afirma que as 
práticas pedagógicas podem ser representadas pelas ações de ensinoe 
aprendizagem que são realizadas no processo educacional e formativo, que 
visam a transformação dos sujeitos envolvidos no ato educativo. 
 
As práticas pedagógicas evidenciam os métodos, os instrumentos, os tempos, 
espaços e os recursos elaborados e/ou utilizados pelos educadores com o 
objetivo de mediar a construção do conhecimento por parte do estudante. 
Representam, portanto, as ações intencionais do educador que possibilitam – 
ou facilitam – a aprendizagem. (ZABALA, 1998). 
 
Desta forma, devido ao seu caráter intencional, as práticas pedagógicas 
levadas a cabo pelos educadores, revelam suas concepções de conhecimento, 
de mundo, de homem, educação, mesmo que estas não lhes sejam 
conscientes e que haja incoerência entre os seus discursos e suas atuações, 
pois as práticas pedagógicas são também práticas sociais complexas. 
(TARDIF, 2000). 
 
Entre os instrumentos e métodos adotados pelo professor/instrutor em numa 
relação pedagógica, evidenciamos os materiais, técnicas e os recursos 
didáticos utilizados, como livros, vídeos, textos, músicas, apostilas, 
experiências; a organização do espaço físico e a disposição dos alunos na sala 
de aula/local de formação; aulas expositivas; seminários; trabalho em grupo; 
pesquisas; a escolha dos conteúdos que serão trabalhados; a relação (ou não) 
 
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14 
desses com o mundo do trabalho e com a realidade do aluno, dentre outros. 
(ZABALA, 1998). 
 
Consideramos que a prática adotada por cada um dos seus agentes não se 
sustenta por si só, ou seja, que o sujeito de sua ação carrega em si 
concepções de mundo, de homem e de sociedade dentre outras, como dito 
anteriormente, e que, portanto, é ideológica e não é neutra, sendo que as 
principais correntes que fundamentam algumas das principais práticas 
pedagógicas adotadas por professores e instrutores nos diversos processos 
formativos são as concepções empirista, ou tradicional, a construtivista e sócio-
interacionista. 
 
Ao longo da história, buscou-se explicar como os sujeitos conseguem chegar 
ao conhecimento. Há concepções que fundamentam a teoria e a prática 
pedagógica que servem de subsídio para se discutir, também, a formação 
profissional, pois nessa se reflete certa concepção do processo de ensino-
aprendizagem que é resultante do papel atribuído ao sujeito (o aluno e, em 
alguns, casos o professor) e ao objeto do conhecimento (os conteúdos). 
Análise dos dados 
 
O objetivo da coleta de dados realizada através das entrevistas realizadas com 
com os educadores responsáveis diretamente com o desenvolvimento dos 
cursos oferecidos, no caso de Português foi o de obter informações sobre o 
perfil, características, concepções, e idéias sobre a entidade sobre cursos 
ofertados, bem como do mercado de trabalho. 
 
Durante o período de observação das aulas – durante o mês de dezembro de 
2008, observamos o contexto de sala de aula, objetivando analisar as práticas 
pedagógicas desenvolvidas. Convém salientar que as entrevistas ocorreram no 
mesmo período. 
 
Na análise documental, obtivemos acesso aos seguintes documentos: 
• Sistemática do projeto de apoio psicopedagógico. 
• Relatório de atividades desenvolvidas pelo setor. 
• Exemplares de seus jornais internos, cuja publicação é mensal. 
• Quadro de cursos oferecidos em dez/08 
• Proposta sócio-educativa. 
• Apostila do Curso de Português. 
• Apostila do Curso de Excelência no Atendimento ao Cliente. 
• Apostila do Curso de Telefonia. 
• Apostila do Curso de Matemática Básica. 
 
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• Apostila do Curso de Secretariado. 
 
As visitas realizadas às salas de aula ocorreram sem problemas, inclusive sem 
despertar o interesse dos alunos que praticamente desconsideraram a 
presença do observador. O mesmo não pode ser dito sobre a professora na 
medida em que a mesma sempre reforçava a presença do observador. 
 
Assim, somente foi possível discutir sobre as práticas pedagógicas dos cursos 
oferecidos diretamente pela entidade. Sobre os mesmos, em seus documentos, 
a entidade afirma que eles têm “como finalidade diminuir as dificuldades dos 
alunos tanto na área de linguagem escrita/falada como na matemática, para 
melhor desenvolvimento na área profissional, pessoal e social”. (SISTEMÁTICA 
DO PROJETO DE APOIO PSICOPEDAGÓGICO, ASSPROM, mimeo). 
 
A princípio, os cursos se assemelham aos processos de intervenção 
pedagógica de reforço escolar, já que “detectamos um alto índice de 
adolescentes com déficit relacionado ao baixo nível da capacidade intelectual 
que envolve as dificuldades aritméticas, na leitura, na escrita, na linguagem 
expressiva, na interpretação e compreensão”. (IDEM). 
 
A Professora de Língua Portuguesa, durante sua entrevista, demonstra certo 
desalento e desânimo, pois “os alunos só querem saber de coisas práticas, que 
irão usar no serviço, como se falar e escrever corretamente também não façam 
parte do trabalho”. 
 
Nas práticas de leitura, a professora utiliza obras que são indicados para os 
exames de pré-vestibular, no segundo semestre, e no primeiro semestre utiliza 
o material do ENEM, numa clara visão utilitarista da educação. 
 
Em sua prática pedagógica durante suas aulas, utiliza jogos, filmes, músicas e 
leva os alunos ao laboratório de informática. Entretanto, suas atividades são 
baseadas na memorização e na repetição, através do treinamento para 
responder somente ao o que propõe o exercício, que como tido anteriormente, 
são testes de vestibulares e do ENEM. 
 
Questionada sobre a possibilidade de adotar uma prática pedagógica 
diferenciada, a professora afirmou que 
“Eu não tenho apoio e nem conhecimento, os alunos somente se 
interessam pelo o que vai cair em provas e concursos e só fazem o 
que é obrigatório. Os concursos que proponho quase não tem 
público, são sempre os mesmos. Teatro então...” 
 
 
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Toda sua prática é construída solitária e intuitivamente, por não dizer, 
mecanicamente, portanto, sem reflexão. Sua apostila relembra os velhos 
manuais do antigo MOBRAL. Contem apenas questões objetivas de tipos 
variados e nem uma atividade que seja desafiante ou tenha significado para o 
aluno. 
 
Conclusão 
 
Para a sociedade do conhecimento, torna-se necessária uma formação de 
trabalhadores que possibilite a construção e reconstrução de saberes, de 
competências pessoais e técnicas, de valores e de atitudes em consonância 
com as atuais demandas da sociedade, ainda mais quando falamos de 
propostas de formação e de inserção profissional de jovens oriundos de 
classes baixas no mercado de trabalho. Esta formação, de desenvolve através 
de uma aprendizagem contextualizada e significativa, onde são adotadas 
práticas pedagógicas emancipadoras que dariam conta dessas demandas. 
 
Ao analisarmos as práticas pedagógicas da entidade de nosso estudo, 
verificamos a ausência de uma organização didático-pedagógica e 
constatamos a presença de uma forte estrutura burocrática-administrativa. Não 
há, sequer, um planejamento das disciplinas, cuja preparação fica por conta e 
risco de cada professor ou profissional responsável pelos cursos. 
 
A pressão do mercado de trabalho por trabalhadores “qualificados” é muito 
grande. Uma formação profissional que atenda tais demandas necessita de 
uma 
[...]sólida base de educação geral, exigindo-se a superação da 
ruptura historicamente determinada entre uma escola que ensine a 
pensar através do domínio teórico-metodológico do conhecimento 
socialmente produzido e acumulado, e uma escola que ensine a 
fazer, através da memorização de procedimentos e do 
desenvolvimento de habilidades psico-físicas; em decorrência, a 
acumulação flexível demanda a superação de um paradigma dual, 
que polariza técnicas e humanidades, apontando a educação 
tecnológica como uma síntese possível entre ciência e trabalho. 
(KUENZER, Educação & Sociedade, n. 70, 2000) 
 
Verifica-se, através dos cursos que são oferecidos pela entidade aos seus 
empregados, que as competências que são desenvolvidas, não ultrapassam as 
exigidas pelo emprego de nível subalterno, isto é, os jovens dificilmente 
conseguirão ascensão profissional. Os cursos oferecidos pela entidade, 
possibilitam aos jovens trabalharem em diversas empresas, ocupando várias 
funções e substituírem outros trabalhadores em caso de necessidade ou da 
falta do titular. 
 
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Referências 
 
FREIRE, Paulo Freire. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática 
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 
 
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4ª ed. São Paulo. Loyola, 1994. 
 
GÓMEZ, Pérez. Ensino para a compreensão. In: SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ 
GÓMEZ, J. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 
1998. 
 
KUENZER, Acácia Z. O Ensino Médio agora é para a vida: entre o 
pretendido, o dito e o feito. Educ. Soc., abr. 2000, vol.21, no.70, p.15-39. 
ISSN 0101-7330. 
 
MACHADO, Lucília Regina de Souza. Educação Básica, Empregabilidade e 
Competência. In: Trabalho & Educação - Revista do NETE. Belo Horizonte, nº 
3, jan/jul, 1998. 
 
MANFREDI, Silva Maria. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 
2002. 
 
PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em 
mudança: prática reflexiva e participação crítica. In: REVISTA BRASILEIRA DE 
EDUCAÇÃO. São Paulo, Set/Out/Nov/Dez 1999, n º 12 
 
TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos 
universitários – elementos para uma epistemologia da prática profissional dos 
professores e suas consequências em relação à formação para o magistério. 
Revista Brasileira de Educação. São Paulo, jan/fev/mar/abr, p. 5-24, 2000. 
 
SACRISTÁN, J. G. Consciência e acção sobre a prática como libertação 
profissional dos professores. In: NÓVOA, A. Profissão professor. Portugal: 
Porto, 1999. p. 13-34. 
 
SANTOMÉ, Jurjo. Globalización e interdisciplinaridade: el curriculum integrado. 
Madrid: Ediciones Morata, 1994. 
 
SILVA, Andréa de Carvalho Silva. Formação continuada em serviço e prática 
pedagógica. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Brasília, 
Faculdade de Educação, 2007. 
 
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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 
 
18 
 
VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 
 
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 
1998. 
 
 
Quadro I - Características da prática tradicionalista e da prática 
emancipadora 
Prática tradicionalista Prática emancipadora 
Separa a teoria da prática Teoria e prática formam uma unidade 
indissociável. 
O conhecimento é considerado 
imutável, produto acabado, não 
recebe influências decorrentes do 
processo prático 
O conhecimento se ajusta às 
exigências sociais e às mudanças 
decorrentes do processo prático. 
Não se inventa o modo de fazer. 
Fazer é repetir outra ação. 
Cria-se o modo de fazer, dando 
margem ao improvável e ao 
imprevisível. 
Não transforma criadoramente, mas 
contribui para multiplicar 
quantitativamente uma mudança 
qualitativa já produzida. É 
mantenedora do status quo. 
 
Transforma a realidade humana e 
social. 
Repete o processo prático para 
obtenção de produtos análogos, 
sempre e quando desejar. 
Cada processo prático e o seu 
produto têm caráter único. 
A atividade profissional é 
instrumental, com aplicação rigorosa 
de teorias e técnicas científicas. 
 
O êxito do profissional depende da 
sua capacidade para considerar a 
complexidade e resolver problemas 
práticos, por meio da integração 
inteligente e criativa do conhecimento 
e da técnica 
Fonte: Silva (2007, p. 73). 
 
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Sala de aula: espaço de construção do Ser cidadão ou de sua negação. 
 
Marilza de Oliveira Santos – Universidade do Minho/Centro 
Universitário Newton Paiva 
 
RESUMO: 
Esse artigo visa demonstrar a importância do discurso de uma professora de 
língua portuguesa, em processo de alfabetização/literacia, no espaço de sala 
de aula, para a construção da identidade e da cidadania dos (as) alunos(as) 
negros(as), considerando que as escolhas discursivas tanto podem servir para 
a construção do Ser cidadão/cidadã negro(a) como para sua negação, nosso 
trabalho se sustenta na Abordagem Crítica da Análise do Discurso e em Estudo 
etnográfico fundamentado nos conceitos de Linguagem, Identidade, Cidadania, 
bem como articulado com a teoria de sujeitos participantes do ato de 
linguagem. Tomamos os estudos de psicólogos interessados em explicar como 
a pessoa e a identidade se constrói biopsicologicamente e se realiza em nível 
individual e coletivo. A identidade social surge do processo de identificação do 
indivíduo com aqueles considerados importantes em sua socialização. Logo, a 
identidade social se inter-relaciona com a possibilidade de construção de uma 
identidade pessoal desvinculada da identidade social. Assim, o indivíduo 
constrói a sua identidade através dos vários grupos dos quais faz parte, como a 
família, os amigos ou a escola, desempenhando papéis diversificados. Neste 
jogo de relações, ele se torna consciente de sua singularidade. Para tentar 
mostrar como as práticas discursivas podem ser facilitadoras da construção do 
Ser cidadão/ cidadã, ou de negação dessa cidadania, utilizamos para análise 
alguns eventos discursivos retirados de um corpus, que foi gravado em uma 
sala de aula de uma escola pública de Belo Horizonte, no Estado de Minas 
Gerais, no ano de 2004. Tomamos como análise os quatro Princípios do 
Contrato de Comunicação de Patrick Charaudeau quer sejam, o Princípio de 
Alteridade, o Princípio de Influência, O Princípio de Pertinência e o Princípio de 
Regulação. 
Palavras-chave: discurso, identidade , cidadania. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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1. INTRODUÇÃO 
 
Muitas pesquisas no campo educacional têm demonstrado em âmbito 
nacional que o fracasso escolar e as dificuldades de domínio das habilidades 
de leitura e escrita por parte dos (as) alunos (as), continuam a existir nas 
diversas instituições públicas de ensino. Também podemos observar a 
existência de muitas crianças que mesmo, permanecendo na escola por vários 
anos, ainda não dominam essas habilidades que são fundamentais no contexto 
social. 
O Brasil ainda enfrenta insistentemente o problema do analfabetismo, 
tanto de crianças que saem da escola quanto de outras que não tiveram aoportunidade de se apropriarem do saber da leitura e escrita. É sabido também 
que ele ainda possui um número significativo de indivíduos que não adquiriram 
o saber necessário para atender às exigências de uma sociedade letrada, 
sendo considerados como analfabetos funcionais. 
De acordo com informações (MEC/INEP, 2001) cerca de 980.000 
crianças na 4ª série do ensino fundamental não sabem ler, e mais de 1.600 são 
capazes de ler apenas frases. 
A leitura é uma prática social e permite à criança e a todos nós a 
interação com os outros, com o diferente, com a diversidade, a 
multiculturalidade, Também possibilita a participação, discussão, comunicação 
e expressão em todos os acontecimentos sociais. Enfim, é uma forma de agir 
no mundo social por meio da linguagem. 
Ao falar da comunicação humana, devemos ter em mente em primeiro 
lugar o problema da identidade do sujeito falante, enquanto ser comunicante 
para em seguida poder falar de seu direito de comunicar. O que precisa ficar 
claro é que para todo sujeito que quer se exprimir pela fala, coloca-se a 
questão de saber se tal sujeito tem bases para fazê-lo porque se não as 
possui, ele não vai existir enquanto sujeito falante. Será que todas as pessoas 
realmente podem falar? Como as escolhas discursivas das professoras em 
sala de aula podem contribuir para que esse direito de comunicação dos (as) 
alunos(as) efetivamente aconteça? 
 
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
 
No contexto da produção teórica que discute a relação entre Educação e 
Cidadania, Discurso e Identidade, vários pesquisadores têm contribuído com 
suas reflexões para as várias dimensões do fenômeno educativo, mas parece 
que pouco tem se refletido sobre as práticas discursivas dentro de salas de 
aula, principalmente na interação das/dos professoras(es) com alunos(as) 
negros(as). 
 
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Ao falar de práticas discursivas recorremos aos quatros princípios do 
contrato de comunicação da teoria de Charaudeau (1993), onde temos: 
A) Um princípio de alteridade: que define o ato de comunicação como um 
fenômeno de troca entre dois parceiros que se encontram. 
B) Um princípio de pertinência, que exige duas coisas: 
- por um lado, que o interlocutor (ou o destinatário) possa supor que 
o locutor tem uma determinada intenção, um projeto de palavra, que dará ao 
ato de linguagem sua motivação, sua razão de ser. 
- por outro lado, que os parceiros do ato de linguagem possuam em 
comum um mínimo de dados constituintes desse ato, sem o que eles não 
poderiam efetuar as trocas de linguagem. 
C) Um princípio de influência que coloca que aquilo que motiva a 
intenção do sujeito falante, inscreve-se numa finalidade actionnelle (e 
psicológica) e leva esse sujeito a se perguntar: “Como devo falar para agir/ ter 
influência sobre o outro? Responder a tal pergunta o levará a utilizar 
determinadas estratégias de fala. 
D) Um princípio de regulação que determina, ao mesmo tempo, as 
condições por meio das quais os parceiros da comunicação entram em contato 
e se reconhecem como parceiros legitimados e as condições para que se 
prossiga e aconteça a troca comunicativa, já que o princípio de influência 
coloca os parceiros numa relação de luta discursiva que faz com que, cada 
vez, um deles ceda o terreno, perca um pouco de sua identidade e, às vezes, 
até desapareça completamente. 
 Esses quatro princípios são inseparáveis uns dos outros e 
constroem o contrato de comunicação. Esse liga os parceiros numa espécie 
de aliança que lhes permite co-construir o sentido, se auto-legitimando. Se não 
há a possibilidade de se reconhecer um tal contrato, o ato de comunicação não 
tem pertinência e os parceiros não têm direito à palavra. 
 Ensinar a ler e escrever são tarefas não apenas da professora de língua 
portuguesa, mas também de todos os outros professores das diversas 
disciplinas, já que o domínio dessas habilidades são condições básicas para o 
desenvolvimento da capacidade de aprender e constituem competências 
fundamentais para a formação de todo estudante. Embora em um primeiro 
momento Ler e Escrever seja alfabetizar, levar o (a) estudante ao domínio do 
código escrito, não podemos nos esquecer o que as pesquisas atuais, como 
por exemplo a de Soares (2003) que nos apontam que 
o letramento é um fenômeno de cunho social. Salienta que ele é, portanto o 
resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota 
estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado 
de ter-se dominado o sistema de grafia. Soares também exemplifica a prática 
de letramento quando nos mostra que um adulto pode até ser analfabeto, 
contudo, pode ser letrado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever, todavia, 
 
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utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo 
alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto 
que dita o seu texto, logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da 
língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas 
particularidades. (2003:47). 
 Portanto, ensinar é dar condições ao aluno(a) para que se aproprie do 
conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como 
produtor(a) e autor(a) de conhecimentos. E, como o conhecimento acumulado 
está em grande parte escrito em livros, arquivos, etc., é preciso não só ensinar 
a Ler, mas também ensinar a Escrever e inscreVer-se no mundo enquanto Ser 
de linguagem que cada um é. 
Tomando a linguagem como discurso, como interação social, 
percebemos que qualquer palavra existe para o sujeito falante em três 
aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como 
palavra alheia dos outros, cheia de ecos e de outros enunciadores, e, por fim, 
como palavra de cada um, porque, uma vez que o sujeito opera com ela em 
uma situação determinada com uma intenção discursiva, ela já está 
compenetrada da expressão de cada sujeito. Portanto, a linguagem, enquanto 
discurso, não constitui um universo de signos que serve apenas como 
instrumento de comunicação ou de pensamento, mas é, como já dissemos, 
interação, é um modo de produção social, é lugar de conflito ideológico e seu 
estudo não pode estar desvinculado de suas condições de produção, de prática 
social que constitui os sujeitos. 
Todavia, para entendermos a constituição da identidade dos sujeitos 
sociais culturais em uma dada sociedade não podemos desconsiderar o estudo 
da cultura através de tecnologias de poder, pois como nos diz Foucault “ele 
não só reprime, mas também cria” (1982, pág. 78). Neste sentido, conhecer a 
estrutura da linguagem e seu funcionamento, implica prioritariamente saber 
mover-se dentro dela, utilizá-la nos diversos contextos sociais, visto que somos 
seres de linguagem, efeitos dos discursos. E como somos efeitos dos 
discursos, constituímos a nossa identidade na interação com as diversas 
pessoas. 
 A identidade tem relação direta com a alteridade, que significa distinção: 
o outro que é distinto, diferente.”Alteridade do latim alter, que significa o outro 
ou antes alteres, do verbo alterar” ( SILVA, 2000:92). 
 Em uma perspectiva antropológica, Erickson (1987) nos ajuda a 
relacionar a organização social ao desenvolvimento do indivíduo e mostra a 
construção do sujeito, como resultado de um processo de reflexão em que o 
homem avalia a si e aqueles que o rodeiam. 
 Existe, portanto uma demarcação de fronteiras que separa o que 
permanece e o que fica de fora. Nestesentido, o mundo social se divide em os 
cidadãos e os não cidadãos, os alfabetizados e os analfabetos, etc. Não 
 
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podemos deixar de nos indignar quando ainda em pleno século XXI, ainda 
vemos pessoas sujarem seu dedo polegar para se fazerem nomeadas em um 
documento, registro, etc. Não é a educação um direito de todos? Como vemos 
essa cidadania ainda não “chegou” para todos(as). 
Para nós a educação deve capacitar todas as pessoas a participar 
efetivamente de uma sociedade livre. Ela é uma condição sine qua non para o 
exercício da cidadania, pois é ela que vai permitir além do exercício a conquista 
do conjunto de direitos da cidadania que se ampliam cada dia mais, ante às 
necessidades da nossa humanidade. A cidadania é aprendida e, neste sentido, 
nenhum de nós nasce cidadão/cidadã, mas tornamo-nos um cidadão, uma 
cidadã. 
 
3. METODOLOGIA 
 
A partir dos estudos sociolinguísticos e etnográficos consideramos que 
as identidades dos sujeitos e a cidadania são construídas na interação com as 
diversas pessoas e de modo privilegiado no contexto escolar, no espaço de 
sala de aula. Acreditamos que o contexto da processo ensino - aprendizagem é 
um contexto em que as interpretações socioculturais podem ser produzidas de 
forma nova e criativa nas interações, caso as escolhas discursivas das (os) 
professoras(es) possibilitem isso. 
Para tentar mostrar como as práticas discursivas podem ser facilitadoras 
da construção do Ser cidadão/ cidadã, ou de negação dessa cidadania, 
utilizamos para análise alguns eventos discursivos retirados de um corpus, que 
foi gravado em uma sala de aula de uma escola pública de Belo Horizonte, no 
Estado de Minas Gerais, no ano de 2004, em nossa coleta de dados para a 
pesquisa de mestrado em Educação. Foram feitas 30 gravações de aulas de 
língua portuguesa, com duração de 4h/a, sendo 10 aulas de cada professora, 
bem como entrevistas com as três educadoras. A turma da aula que vamos 
analisar tinha 28 crianças, sendo 27 negras. Nesse trabalho, nossa análise 
centra-se em uma aula do dia 06 de abril de 2003. Essa aula foi escolhida, 
porque foi nela em que a questão da etnia negra foi colocada em pauta e a 
questão da identidade não foi trabalhada. 
 Tomamos como referência para nossa análise a abordagem da análise 
de discurso que nos possibilita com suas ferramentas, focalizar os efeitos 
socais que os diferentes tipos de discurso têm na construção e constituição de 
entidades sociais (por exemplo: letramento/cidadania), e nas relações (por 
exemplo de professoras (es) e alunas(os), alfabetizados e analfabetos, negros 
e brancos), etc. Vamos buscar identificar nessa análise as funções ideológicas, 
as práticas discursivas e a hegemonia que tendem promover o apagamento da 
identidade dos sujeitos, em nosso caso, os sujeitos negros. Utilizaremos para 
professora o código (P) e nomearemos os alunos(as) por nomes fictícios. 
 
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4. ANÁLISE DOS DADOS 
 
4.1 Contexto do início da interação da aula de português 
 
 A professora encerra a atividade prazerosa que a turma estava fazendo (o 
colorido de um desenho do coelho da páscoa) da aula de artes e ao enunciar 
a pergunta: “vamos ver quem aprendeu a fazer o nome?”, manda que todos 
parem a tarefa de sala. 
A professora inicia a aula de língua portuguesa após uma aula de artes em 
que os alunos estavam construindo um desenho (sobre a Páscoa) e demarca o 
fim do trabalho anterior que todos estavam executando com prazer e em 
interação uns com os outros e orienta para o início da tarefa de português. Ela 
ignora a fala da maioria das crianças que ainda estavam a executar a tarefa e 
argumenta estar com pressa. No cotidiano da escola, a fragmentação entre as 
disciplinas, compartimentadas, sem vínculo, bem como a “pressa” de terminar 
um determinado conteúdo, faz com que cada professora esteja preocupada 
apenas com sua disciplina, perdendo oportunidades de integração entre as 
atividades propostas. 
Na aula observada a interação entre a professora e os (as) alunos (as) é 
demarcada por uma inexistência do contrato de comunicação entre os 
participantes, como já vimos na teoria de Charaudeau, além do que a 
sequência discursiva não segue uma estrutura típica de sala de aula, em que 
há uma Iniciação-Respota-Avaliação. 
Apesar de ter havido uma tentativa da professora de orientar o trabalho, 
percebe - se uma contra resistência dos participantes em executar o que foi 
solicitado. A tarefa pedida implicava o domínio da habilidade de escrita que 
ainda não tinham adquirido. É interessante notar que as crianças denunciam 
em sequência discursiva que essa aprendizagem ainda não foi adquirida: “eu 
não, eu também não sei”. Mas, como poderiam já tê-la adquirida, se o que 
faziam todos os dias e por muito tempo era copiar a ficha dos seus próprios 
nomes? 
A “indisciplina” e tumulto gerados que levam a professora a perder a 
paciência são a nosso ver, devidos às escolhas discursivas que ela mesma 
utilizou ao exigir e interromper de forma autoritária a atividade anterior que 
estavam fazendo, bem como a uma falta de atenção, de escuta e, não 
reconhecimento da palavra de cada participante do grupo, que repetidas vezes 
afirma sua dificuldade em escrever o próprio nome. Ao desconsiderar essas 
dificuldades e continuar a sequência das tarefas, a professora não contribui 
para que a habilidade da escrita seja desenvolvida. 
Lembramos ainda que a escrita do nome de cada pessoa é a marca 
primeira de sua identidade social. Porém, ignorar essa dificuldade das crianças 
 
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negras em sala de aula coincide com a circunscrição enunciativa da professora 
em um discurso de fracasso dos alunos negros na escola pública, quando ela 
apresenta sua visão de sociedade, em entrevista com a pesquisadora, 
revelando elementos de seu imaginário sócio-discursivo: 
“Se você olhar uma sala da escola pública, quais são os maiores 
fracassados da escola: os pardos e os negros. Os brancos 
fracassam, apesar de serem excluídos por serem pobres; mas eles 
fracassam menos na escola do que os negros”. (entrevista com Lia, 
2004) 
 
As práticas de silenciamento de temáticas tanto da cultura negra quanto 
da violência, que deveriam ser trabalhadas no processo de aprendizagem, nos 
parece corresponder a um imaginário sócio-discursivo das educadoras dessa 
escola, de que as crianças pobres e negras sempre fracassam na escola; e 
isso foi confirmado pela fala de várias professoras dessa escola, quando em 
uma conversa coletiva, no horário de projeto, diziam uma às outras: “essas 
crianças não têm jeito, se garantirmos pelo menos a escrita do nome e as 
operações básicas, está bom”. 
Causa-nos uma enorme indignação quando ainda vemos, em pleno 
século XXI, pessoas que ainda “sujam o dedo polegar em carimbos” para 
marcar sua identidade em algum documento ou outro papel, porque ainda não 
sabem escrever o próprio nome. Não adquiriram as habilidades básicas de 
leitura e escrita que são um direito de toda pessoa. 
 
4.2. Reações dos participantes ante as escolhas discursivas da 
professora 
 
A sala de aula está organizada em filas, e entre elas a professora anda 
para ver as atividades dos alunos e alunas. O fato dessa e de outras atividades 
seremfeitas de forma individualizada inviabiliza a interação entre os membros 
da sala e faz com que cada um “fique em seu lugar”. Sequencialmente a 
professora continua a não responder aos participantes, o que culmina com um 
aluno no chão a imitar um gato e outros a fazer o que seria denominado por 
muitas professoras e professores alheios à situação como “bagunça e 
indisciplina” e que nós identificamos como uma expressão de fala, como uma 
atuação, que demarca a insatisfação do grupo que está ali para aprender. 
Que já denunciou suas dificuldades e que espera ajuda da professora para 
para conseguir superá-las. Mas, como a ajuda não vem sentem-se 
incompetentes, impotentes ante aquela situação, ao ponto de um aluno dizer 
em nome de todo o grupo que a tarefa que estão a fazer serve só: “para 
mostrar nossa burrice.” 
 A professora procura utilizar estratégias de interação com as crianças, 
porém, acontece, na maioria das vezes, uma quebra do contrato de 
 
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comunicação, no sentido da legitimidade do seu papel de professora pelos 
alunos(as). Ela tem dificuldades de organizar as falas, no sentido de que seja 
possível o diálogo e a troca de conhecimentos. Sendo assim, o que ocorre, na 
maior parte de suas aulas, são discussões que impossibilitam a aprendizagem. 
Assim, para tentar manter sua autoridade, utiliza o tempo inteiro as mais 
variadas estratégias discursivas: ameaça, promessa, sedução, etc. sendo as 
estratégias de regulação as mais utilizadas, para tentar controlar o 
comportamento dos alunos que, constantemente, rompem o contrato das 
normas básicas para que aconteça o diálogo. É preciso que haja palavra e 
escuta dessa palavra para que a intercomunicação ocorra, pois, quando todos 
falam ao mesmo tempo ou não respeitam o(a) enunciador(a) e vice-versa, não 
há contrato. E quando ela não consegue regular a atenção das crianças, 
convoca outras autoridades em seu discurso, como a mãe do aluno e a 
coordenadora da escola. Todos esses atos de linguagem demonstram que há 
uma constante quebra do contrato entre a professora e as crianças negras e 
isso interfere no processo de aprendizagem e no desenvolvimento de suas 
habilidades para a leitura, a escrita e outros conhecimentos. 
Essas tentativas de vigilância e punição, no entanto, foram fadadas ao 
fracasso, pois embora em um primeiro momento os membros parecessem 
aceitar, em seguida desconsideravam a ordem dada, ou o pedido feito. Como 
nos diz Foucault (1987 ) essas práticas rotineiras têm que ser objeto de nossa 
atenção e deconfiança no contexto de sala de aula, à medida em que são 
utilizadas como instrumentos naturais de controle de comportamento. E no 
caso desta sala muito mais, visto que a ordem discursiva não dá conta de 
ajudar a criar um ambiente que favoreça a aprendizagem dos membros do 
grupo. 
E, é neste contexto confuso que a professora convoca os membros da 
sala para arrumar as carteiras e “ resolve” contar uma história intitulada: 
Menina bonita, do laço de fita, que uma criança da sala lhe deu para contar 
para a turma. 
 
4.3. Relação entre a história lida e a identidade negra 
 
A professora resolveu contar essa história sobre a questão da raça 
negra porque, segundo ela, em sua sala havia um aluno que acreditava que 
uma criança é preta porque vem do carvão É interessante notar que na história 
lida a menina não sabe sobre sua identidade e sobre sua cor de pele. Também 
não se reconhece como preta e às vezes até mente sobre o porquê de sua cor 
de pele, até que sua mãe lhe conta de onde essa cor vem. Porém, após contar 
a história, ao invés da professora fazer um trabalho de questionamento e 
análise sobre a questão da identidade negra, que ajudaria na construção e 
reconhecimento das identidades negras daquelas crianças, o que ela faz é 
 
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apenas interrogar os alunos e alunas a respeito das características físicas da 
personagem da história, como vimos na sequência discursiva acima. Nos 
discursos das crianças aparece a negação da cor negra própria de 99% da 
turma, e um ideal de ego da cor branca como a cor bonita, macia, 
caracterizada na fala da criança branca que diz que a pele branca é maciinha. 
É interesante que a história lida fala de um coelho branco e é esse coelho que 
diz da menina preta, querendo uma filha igual à ela. Ora, um coelho é um 
animal e não uma pessoa, portanto não é uma pessoa branca que deseja ter 
uma filha negra. Embora reconheçamos que se trata de uma história, devemos 
lembrar sempre que nenhuma história é neutra e traz em si toda uma tessitura 
ideológica. Percebe-se também um desconhecimento das crianças sobre a 
cultura negra, sobre suas próprias histórias, embora desde 9 de janeiro de 
2003, no Brasil já existe uma alteração da lei 10639/2003, que integra de forma 
obrigatória essa discussão nos contéudos escolares Além do mais a professora 
naturaliza a questão da escravidão em tempos passados, sem promover 
qualquer questionamento em relação à essa questão. Não há conflitos de 
vozes na sala de aula. Não se trabalha com a questão das diferenças de cada 
um, do reconhecimento de Ser ele/ela mesmo(a), da aceitação de si, da cor de 
sua pele, de suas características físicas sem querer Ser um Outro, mas sim, de 
SER a partir da alteridade pois como aponta Maria Lúcia Montes o processo 
de identificação só pode se dar no reconhecimento da alteridade e não é 
possível falar da alteridade sem pensar em processo de identificação. Ela 
afirma: 
…se todo processo de criação de identidade é um processo de 
reconhecimento da alteridade, em relação à qual vou constituir e 
afirmar minha própria identidade- um eu outro, ou um outro eu- é 
preciso pensar que diferentes contextos e situações vão configurar 
alteridades distintas… a identidade não existe senão contextualizada, 
como um processo de construção, e pressupõe o reconhecimento da 
alteridade para sua afirmação ( 1996, p.57). 
 
Ao mesmo tempo em que, em sua entrevista com a pesquisadora, a 
professora relata o desejo de trabalhar atividades referentes à questão da 
cultura negra, ela justifica-se afirmando que a escola não trabalha esse 
assunto: 
“Tem muita coisa que eu gostaria de estar desenvolvendo... eu quero 
começar a trabalhar com as questões do continente africano, mas aí 
tem que estudar bastante, né (ri) e tem muita coisa que a gente 
desconhece porque a escola nunca trabalha isso com a gente”. 
(entrevista com a professora Lia, 2004). 
 
Embora a professora tenha prometido aos alunos e alunas uma 
pesquisa para descobrirem sobre a cultura negra, ela não realizou esse 
trabalho. Ao final da aula deste dia diz para a pesquisadora: 
 
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 “A mãe da Julia é mais morena do que ele, ele diz que ela é branca. 
É muito interessante como a aceitação é nada. O pai é negro, mas a 
mãe é branca. A outra também, tenho que fazer um trabalho muito 
insistente com eles, porque a questão da aceitação da raça é muito 
difícil, da raça não, da etnia. Muito difícil, você aceitar que sua pele é 
negra numa sociedade desta em que vivemos, minha filha, dói” ( 
Professora Lia, 2004). 
 
5. CONCLUSÃO 
 
 Procuramos no percurso desse trabalho mostrar a importância das 
escolhas discursivas da professora, em interação com as crianças em sala de 
aula,para a construção da identidade e da cidadania das crianças negras. 
Como já demonstramos anteriormente, as identidades sociais são construídas 
nas interações com as pesoas, porém o que se percebeu na interação dessa 
professora com seus alunos e alunas é que as diferenças são naturalizadas e 
as identidades sociais são vistas como inerente às pessoas e não emergentes 
de práticas discursivas que constroem a realidade em contextos sócio-
históricos. 
 Perceber o discurso como construção social faz com que as pessoas 
sejam participantes dos processos de construção do significado na sociedade e 
assim possibilita com que tenham posições de resistência em relação a 
discursos hegemônicos que privilegiam uma determinada classe social, ou a 
ideologia da classe dominante em detrimento de outras que se tornam ao longo 
da história as minorias sociais. 
 A sala de aula, e prioritariamente a aula de português, deve ser o 
espaço, por excelência, para que os alunos e alunas negros e negras 
descubram que o poder não é monolítico e que as identidades sociais não são 
fixas. Essa aprendizagem permitirá com que eles e elas, no processo ensino-
aprendizagem, possam dialogar, confrontar suas idéias e descobrirem de forma 
crítica que suas identidades são marcadas pela cultura, pela instituição, pela 
história, e portanto não são naturais, como muitas vezes as escolhas 
discursivas da professora pode levá-los a crer. 
 Analisando esses discursos reafirmamos nossa crença de que, para 
que uma educadora seja bem sucedida, deve buscar entender a complexidade 
do processo ensino-aprendizagem e utilizar este conhecimento de modo a 
capacitar seus aprendizes (interlocutores do seu ato de comunicação) na e 
para além da situação de sala de aula. 
 
 
 
 
 
 
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