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Violência Sexual e Sistema Penal no Brasil

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Resenha 
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Violência Sexual e Sistema Penal: Proteção ou Duplicação da Vitimação Feminina? . Revista Sequência, Estudos Jurídicos e Políticos, Vol. 17, n.º 33, p. 87/114.
No presente artigo, a Autora aborda uma apresentação sobre a violência sexual contra a mulher e como ela é construída ou decodificada pelo sistema penal brasileiro.
Vera Regina Andrade inicia sua discussão alertando para uma violência sexual focalizando, basicamente, no estupro, por este ser o arquétipo deste tipo de violência, tratando da vitimação sexual feminina e, das complexas relações das mulheres com a lógica do sistema penal pátrio.
A autora, através de argumentos e abordagens empíricas propõe o debate sobre as duas vias que o movimento feminino se sustenta, bem como um dilema, “devemos buscar a igualdade ou devemos marcar, precisamente, a diferença em relação ao “masculino”?”
Andrade apresenta a afirmativa de que nos idos de 1960, o movimento feminista converge com o movimento de descriminalização de ofensas morais, tais como as sexuais e neste contexto abrangendo o adultério, a sedução, casas de prostituição, entre outros. Esse movimento de descriminalização penal ocorre como expressão do pensamento e da vontade das classes existentes à época.
Como argumenta a Autora, já nas décadas de 70 e 80, com o movimento de liberdade sexual, através de pensamentos dialéticos aos vigentes, além de fatores diversos contribuíram para que no cerne desses movimentos delimitassem novas atitudes e direcionamento, como por exemplo, o surgimento de instituições feministas de apoio. A autora apresenta como forma de corroborar seu pensamento, a criação de Centros de Acolhida para mulheres maltratadas, na Holanda e as Delegacias das Mulheres, no Brasil, com a finalidade precípua receber e investigar (no caso da Delegacia das Mulheres) as queixas de violência do gênero, demonstrando, desta feita, que os maus-tratos ocorriam com muito mais frequência do que se pensava, revelando a enorme margem de vitimação sexual que, até então, permanecia sob o véu da “normalidade”, conduzindo, assim, àquilo que a Autora denomina publicização-penalização do privado, em outras palavras, problemas que eram definidos como privados, como a violência no lar – no caso da Autora, mais especificamente o sexual – e também no trabalho, como por exemplo os assédios, transmutam-se, através de campanhas mobilizadoras, pelas mulheres, em problemas públicos, e em geral esses imbróglios, têm-se convertido em crimes, através de uma exigência social através da “(neo)criminalização.
Como argumento para a ideia acima, a Autora apresenta o exemplo da reforma penal espanhola de 1989 que pretendendo acatar e subsidiar algumas pretensões das mulheres incluiu no novo Códice Penal Espanhol os art. 425 e 487 que tratam, respectivamente, dos crimes de violência doméstica e inadimplemento de pensão pelo ex-marido. Reformulou ainda, as redações de normas já pacificadas pela jurisprudência daquele País, diminuindo ou neutralizando, conforme a Autora, o sexismo de crimes de gênero, dando como exemplo o estupro; bem como a reforma penal canadense.[1: A antiga redação do crime de estupro era “ei que vaciera com uma mujer..” altera para a expressão neutra “comete violación el que tuviere acceso carnal com otra persona...”]
Para Vera Regina, busca-se com a criminalização dessas condutas a discussão e a conscientização pública sobre sua nocividade, bem como a mudança da percepção pública a esse respeito.
Conforme argumenta a Autora, o movimento feminista europeu e norte-americano elaborou de forma perene a necessidade de buscar junto ao Direto Penal uma forma simbólica de utilização, significando que o Direito Penal deveria cumprir uma função de plasmar os valores da nova moral feminista,
No Brasil contemporâneo, quando da reforma da parte especial do Código Penal Pátrio, nota-se uma oscilação legislativa, uma vez que, ao tempo em que se discutia a descriminalização e despenalização condutas tipificadas no antigo Código como o adultério, sedução, prostituição, se discutia também a criminalização de condutas até então não tipificadas no Códice Penalista, tais como a violência doméstica e o assédio sexual, além de buscarem agravar as penas já existentes para os crimes de assassinato feminino e redefinindo os crimes sexuais com o objetivo de cessar o teor sexista da legislação.
Entretanto, na atualidade, quando aquela mesma reforma encontra-se finalizada, após uma década de discussões e alterações, com outro quadro social, a justificação neocriminalizadora, ao que parece, recai exclusivamente sobre a punição masculina, diferentemente daquelas concepções espanholas e canadense. Com essa função punitiva masculina, procura-se, como efeito, uma mudança de consciência e atitudes masculinizadas de violência contra a mulher.
 Para Andrade, permanece difusa a resposta sobre o sentido da proteção penal e sob que justificativa se harmonizam ente si a tendência para a minimização e desregulamentação penal e a tendência para a expansão e neoregulamentação penal associadas à neutralização de gênero? Qual é a lógica e a prática em se descriminalizar o adultério e criminalizar o assédio?
Conforme a Autora há movimentos feministas que buscam junto ao sistema Penalista, meios mais sintonizados com os objetivos feministas dos quais aquele encontra-se bastante absorto.
De acordo com a Autora, o sistema da justiça penal atual, além de ser ineficaz para a proteção das mulheres contra a violência sexual, também aumenta essa violência, dividindo as mulheres, como forma de estratégia de exclusão e não de inclusão como pretendem afirmar os legisladores e julgadores afetando a própria identidade do movimento feminista. O cerne consiste em que não adianta (re)construir ou (re)inventar um problema e ao redimensioná-lo como problema social convertê-lo em crime sob a justificativa de solucioná-lo ou respondê-lo. Ao revés, a elevação de um problema privado em público/social e deste em penal é um caminho extremamente sinuoso, pois em regra, submete-se aquele problema a um processo que desencadeia mais violência e problemas ao invés de resolvê-los.
Andrade, sustenta sua argumentação que apesar de não ser possível desenvolver uma argumentação diacrônica, desenvolve-a numa perspectiva sincrônica, afirmando que a justiça penal se trata de um (sub)sistema de controle social seletivo e desigual, sob a ótica de gênero, porque ela própria é um sistema de violência institucional exercendo seu poder e seu impacto também sobre as vítimas. 
Destarte, em se tratando de mulher o sistema penal se duplica ao invés de proteger da vitimação feminina; pois, além de sofrer com a violência sexual, a mulher torna-se vitima da violência institucional do sistema penal vigente reproduzindo a violência estrutural das relações sociais capitalistas e patriarcais de nossa sociedade e os estereótipos que elas criam. Em consequência, as tipificações de novas condutas sexuais trazem, superficialmente, a sensação de representação de um avanço do movimento feminista no Brasil ou, ainda, que esteja defendendo de forma mais eficiente os interesses femininos ou construindo sua cidadania.

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