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,) ,,' (I) COLEÇÃO PSICOLOGIA E PEDAGOGIA - NOVASÉRIE Obras publicadas: Bowlby, J. - Apego e Perda, VaI. I - Apego Bowlby, J. - Apego e Perda, VaI. II - Separação Bowlby, J. - Apego e Perda, VaI. III - Perda Bowlby, J. - Cuidados Maternos e Saúde Mental Mannoni, M. - A Criança Retardada e a Mãe Dolto, F. -- Sexualidade Feminina B1os, P. - Adolescência Freinet, C. - Pedagogia do Bom Senso Redl, F. e Wineman, D. -A Criança Agressiva Redl, F. e Wineman, D. - O Tratamento da Criança Agressiva Bohoslavsky, R. - Orientação Vocacional Benjamin, A. - Entrevista de Ajuda Gesell, A. - A Criança dos O aos 5 Anos Piaget, J. - A Linguagem eo Pensamento da Criança Pichon-Riviêre, E. - Teoria do Vínculo Pichon-Riviêre, E. - O Processo Grupal Braier, E. - Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica Rogers, C. - Grupos de Encontro Rogers, C. - Psicoterapia e Consulta Psicológica Rogers, C. - Sobre o Poder Pessoal Rogers, C. - Tornar-se Pessoa Winnicott, D. W. - Privação e Delinqüência Bettelheim, B. - A Fortaleza Vazia B1eger, Jo _. Temas de Psicologia Spitz, R. A. - O Primeiro Ano de Vida Ocampo, Mo L. S. de e col. - O Processo Psicodiagnóstico e as Técnicas Projetivas Goldstein, L, Freud, A. e Solnit, A. J. - No Interesse da Criança? Gesell, Ao - A Criança dos 5 aos 10 Anos Gusdorf, G, - Professores Para Quê? Vygotsky, L. S. - Pensamento e Linguagem Vygotsky, L. S. - A Formação Social da Mente Fonseca, Vo da - Psicomotricidade Winnicott, D. Wo -- Os Bebês e Suas Mães Ortigues, E. e Ortigues, Mv-C, - Como se Decide uma Psicoterapia de Criança Winnicott, Do Wo - Tudo Começa em Casa PrÓ(iIDas publicações: Snyders, G. - Escola, Classe e Luta de Classes Winnicott, Do Wo - O Gesto Espontâneo Pichon-Riviêre, E. - Psiquiatria Psicologia e Pedagogia TUDOCOMECA- EM CASA D.W W/NN·/COTT !\ Martins Fontes ,,' VIVENDO DE MODO CRIATIVO Fusão de dois rascunhos de uma palestra preparada para a Progressive League, 1970 Definição de criatividade I~\-t. Seja qual for a definição a que cheguemos, ela deve incluir a idéia de que a vida vale a pena - ou não - ser vivida, a ponto de a criatividade ser - ou não - uma parte da experiência de vida de cada um. Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de existência, não na forma de uma percepção consciente, mas como uma posi- ção básica a partir da qual operar. ,- Em conseqüência, a criatividade é o fazer que, gerado a partir do ser,.. .. indica que aquele que é está vivo. Pode ser que o impulso esteja em repouso; mas, quando a palavra "fazer" pode ser usada com propriedade, já existe criatividade. c. __ É possível demonstrar que, em certas pessoas e em determinadas épo- cas, as atividades que indicam que uma pessoa está viva não passam de rea- ções a estímulos. Retire os estímulos e o indivíduo não tem vida. Mas, em caso tão extremo, a palavra "ser" não tem relevância. Para poder ser, e pa- ra ter o sentimento de que é, deve-se ter uma predominância do fazer-pelo- impulso sobre o fazer-reativo. . -&sas coisas não são apenas uma questão de vontade edo arranjo e rear- ranjo da vida. O processo de crescimento mental estabelece os padrões bási- cos, e nas épocas iniciais da vida humana se encontram os fatores de maior influência. Deve-se presumir que a maioria das pessoas esteja em algum ponto entre os dois extremos, e é nesse meio de caminho que temos a oportuni- dade de interferir em nossos padrões; é nessa ocasião que sentimos que a C-&À.CA.t V ~ ele...ck. ~,oV:: ~ dLv-.. ?-O +-c... ~ . l ç, é... c / ..L'-'-'\~ :..~ 32 SA ÚDE E DOENÇA ,~ discussão fica interessante e não é um mero exercício acadêmico (estamos considerando também aquilo que podemos fazer, na qualidade de pais e educadores). A criatividade é, portanto, a manutencão através da vida de algo que per- tence à experiência infantil: a capacidade de criar o mundo. Para o bebê, isso não é difícil; se a mãe10r- capaz de se adaptar às necessidades do bebê, ele não vai perceber o fato de que o mundo estava lá antes que ele tivesse sido concebido ou concebesse o mundo. O princípio da realidade é o fato da existência do mundo, independentemente de o bebê tê-Io criado ou não. O princípio da realidade é muito ruim, mas, com o passar do tempo, a criança é chamada a dizer "ta", grandes desenvolvimentos ocorrem e ela adquire mecanismos mentais geneticamente determinados para lidar com es- sa afronta. Pois o princípio da realidade é uma afronta. .~ . Estou preparado para descrever alguns desses mecanismos mentais. Ca- so tenham sido fornecidas condições ambientais satisfatórias, a criancinha (que se tornou eu e você) descobriu modos de <~bsoryer a afronta. A submis- são, por um lado, simplifica a relação com outra pessoa, que, é claro, tem suas próprias necessidades para atender, sua própria onipotência para cui- dar. No outro extremo, a criança conserva a onipotência, sob o pretexto de ser criativa e de ter uma visão pessoal de tudo. Ilustrando de modo simples: se uma mãe tem oito filhos, há oito mães. Isso não ocorre simplesmente porque a mãe teve atitudes diferentes em rela- ção a cada um dos oito. Se ela pudesse ter sido exatamente a mesma com cada um (e eu sei que isso é absurdo, porque ela não é uma máquina), cada criança poderia ter tido sua mãe distinta, vista sob olhos individuais. Através de um processo de crescimento extremamente complexo, gene- ticamente determinado, e da interação do crescimento individual com fato- res externos que tendem a ser positivamente facilitadores - ou então não- adaptadores e produtores de reação -, a criança torna-se você ou eu, descobrindo-se equipada com alguma capacidade para ver tudo de um modo novo, para ser criativa em todos os detalhes do viver. Eu poderia procurar em The Oxford English Dictionary o significado da palavra "criatividade"; poderia também pesquisar tudo o que já foi es- crito a respeito do assunto, em filosofia e psicologia; e então poderia ofere- cer tudo isso numa bandeja. Mesmo isso poderia ser arranjado de tal modo que vocês diriam: "Como é original!" Pessoalmente, sou incapaz de seguir . tal plano. Sinto necessidade de falar como se ninguém jamais tivesse exami- nado o assunto antes, e é natural que isso pode fazer com que minhas pala- vras pareçam ridículas. Mas eu acho que vocês podem ver nisso minha ne- cessidade de deixar claro que não estou soterrado pelo tema. Trabalhar em cima dos conceitos concordantes que existem a respeito da criatividade po- deria me matar. Evidentemente, preciso estar sempre lutando para me sentir criativo, com a desvantagem de que, se for o caso de descrever uma palavra simples, como "amor", preciso começar do zero (talvez esse seja o ponto~I VIVENDO DE MODO CRIA TIVO 33 :4) de onde se deve começar). Vou retomar a esse tema quando chegar àdistin- ção entre o viver criativo e a arte criativa. Fui olhar a palavra "criar" num dicionário e encontrei "trazer à -exis- tência". Uma criação pode ser "uma produção da mente humana". Não é exato que "criatividade" seja uma palavra de todo aceitável para o erudito. Por :'viver criativamente" não estou querendo dizer que alguém tenha que ficar sendo ~niquilado ou morto o tempo todo, seja por submissão, seja por reagir àquilo que o mundo impinge. Estou me referindo ao fato de alguém ver tudo çomo se fosse a primeira vez. Uso a palavra "apercepção", oposta a "percepção". Origens da criatividade Talvez eu tenha demonstrado aquilo que acredito ser a origem da criativida- de. Nesse ponto é necessária uma afirmação dupla. A criatividade é própria do estar vivo - de tal forma que, a não ser que a pessoa esteja em estado de repouso, ela está sempre tentando, de algum modo, alcançar algo, de ma- neira que, se houver um objeto no caminho, pode haver um relacionamento. Mas isso é apenas uma parte da história. A outra parte se refere à idéia de que alcançar, física ou mentalmente,não tem o menor significado, exceto para um ser que esteja lá para ser. Um bebê que tenha nascido quase que sem cérebro pode alcançar um objeto e usá-Io, mas sem a experiência de um viver criativo. O bebê normal, da mesma forma, precisa crescer em comple- xidade e tornar-se um "existente" estabelecido, para que possa experimentar ã procura e o encontro de um objeto como um ato criativo. - E então eu volto à máxima: Ser, antes de Fazer. O Ser tem que se desen- volver antes do Fazer. E, então', finalmente, a criança domina até mesmo os instintos, sem perda de identidade do selj. A origem, portanto, é aten- dência geneticamente determinada do indivíduo para estar e permanecer vi- vo e para se relacionar com os objetos que lhe surgem no caminho durante os momentos de obter algo, mesmo que seja da lua. Mantendo a criatividade O indivíduo que não tenha sido demasiado distorcido por uma introdução no mundo defeituosa dispõe de muitas oportunidades para fomentar esse atributo tão desejável. Com toda certeza vocês vão me dizer que muita coisa na vida é rotineira. Alguém tem que dar conta do trabalho cotidiano. Não é fácil discutir esse aspecto, pois há quem veja utilidade nas ocupações roti- . neiras. Talvez o fato de que não é preciso muita inteligência para limpar um chão proiicie o aparecimento de uma área cindida da experiência imaginati- va. Mas há também a questão das identificações cruzadas, que abordarei pos- Is t'1, l !. r : /'I I I i 11 li i ii' I I, I i I \~ ~ ~ 34 SAÚDE E DOENÇA '=j) teriormente. Pode ser que uma mulher limpe o chão sem se aborrecer porque sente prazer em fazer uma lameira, através de uma identificação com sua terrível criança que, em momentos de vida criativa, faz lama no jardim e fica pulando nela. A criança supõe que as mães adoram limpar tudo quanto é . chão, e esta é sua força, apropriada para essa idade terrível. (As pessoas se referem a isso como sendo próprio da idade. I$sO faz com que soe bastante bem, acho!) Ou um homem pode estar tão entediado quanto é possível a um ser hu- mano que trabalha numa linha de montagem; mas, quando ele pensa no di- nheiro, também pensa nas melhorias que espera fazer na pia da cozinha, ou talvez ele já esteja vendo como foi a surpreendente derrota do Manchester City frente ao Southampton em sua TV, ainda não totalmente paga. O fato é que as pessoas não deveriam assumir trabalhos que sejam sufo- cantes - ou, se não podem evitá-Io, precisam organizar seus fins de semana de modo a alimentar sua imaginaç~o, mesmo nos momentos de rotina ente- diante. Já se disse que é mais fácil manter a vida imaginativa dentro de uma rotina realmente tediosa do que numa área de trabalho relativamente inte- ressante. Deve-se lembrar, também, que o trabalho pode ser muito interes- sante para alguém que o utiliza para um viver criativo, mas que não permite que ninguém mais use o discernimento pessoal. Em algum lugar do esquema de coisas pode haver espaço para que9.!~ g;':lé~.Y,b~ªç~i~tivamente. I~so envolve preservar algo de pesso~ talvez algo de secreto, que é inconfundivelmente você mesmo. Tente respirar pelo me- nos - é alg~ que ninguém pode fazer por você. Ou talvez você seja você mesmo quando escreve para um amigo, ou manda cartas para o The Times ou o New Society, presumivelmente para serem lidas por alguém antes de ,serem jogadas no lixo. Viver criativo e criação artística -~ Ao mencionar o ato de escrever cartas, estou me aproximando de outro 'as- sunto que não posso ignorar. Devo deixar clara a difere-nça entre o viver cria- tivo e o ser artisticamente criativo. No viver criativo, tanto você como eu descobrimos que tudo aquilo que 'fazenios fortalece o sentimento de que estamos vivos, de que somos nós mes- mos. Uma pessoa pode olhar para uma árvore (não precisa ser necessaria- mente um quadro) e fazê-Io criativamente. Se você alguma vez teve uma fase depressiva do tipo esquizóide (e muitos já tiveram), já conheceu isso pelo la- do negativo. Muitas vezes já me disseram: "Há um laburno em minha jane- la, o sol brilha, e intelectualmente sei que isso é Uma paisagem incrível para aqueles que podem apreciá-Ia. Mas para mim esta manhã (segunda-feira) não tem o menor significado. Não consigo senti-Ia. Me faz ver claramente que não me sinto real." 1 l VIVENDO DE MODO CRIATIVO 35 ~ Ainda que aliadas ao viver criativo, as' criações artísticas dos escritores de cartas, escritores, poetas, artistas, escultores, arquitetos, músicos, sãodi- ferentes. Vocês concordarão que, se alguém está engajado numa criação ar- tística, espera-se que tenha algum talento especial. Mas Rara uma existência criativa não precisamos de nenhum talento especial: Trata-se de uma neces- ~jdade universal, de uma experiência universal,e- mesmo os esquizofrênicos retraídos e aprisionados ao leito podem estar vivendo criativamente uma ati- vidade mental secreta, e, portanto, em certo sentido, feliz. Infelizes somos você e eu que, em certa fase, estamos conscientes da falta daquilo que é es- sencial ao ser humano, que é muito mais importante do que comer ou do que a sobrevivência física. Se tivéssemos tempo, poderíamos tratar aqui da ansiedade, impulso que subjaz ao tipo artístico de criatividade. o viver criativo no casamento Parece haver uma necessidade de discutir o fato de que em um ou em ambos os parceiros de um casamento há um sentimento freqüente de declínio de ini- ciativa. Uma experiência comum aparece aqui, ainda que haja uma grande diferença em termos de grau na importância desse sentimento em relação a todas as outras coisas da vida que poderiam ser ditas. No momento, tenho que partir do postulado de~ue nem todos os casais sentem que podem ser criativos e permanecer caS1LcWS,Ou um ou o outro integrante do par se en- contra envolvid<!_!!um_Jl~~~e_!!.s.º,_9:l!.e.P..9...M~.~'!..!e._~ID!!1ª,!:.P~~I1,~º...9..u.~.@ realmente criado pelo outro. Nesse extremo, isso seria muito desconfortável, mas pensô-'CIu'énã~'~eãtinge tal extremo na maioria dos casos, ainda que ele esteja sempre latente e às vezes apareça de forma aguda. Por exemplo: o problema pode ficar escondido durante um par de décadas em que se criam os filhos, e emergir como crise na meia-idade. ---P Caso se parta da superfície, eis aí um modo bem simples de conversar sobre o problema. Conheço duas pessoas que estiveram casadas por muito tempo e tiveram uma família bem grande. Nas primeiras férias de verão de seu casamento, após terem ficado uma semana juntos, o marido disse: "Vou passar a semana que vem fora, velejando." Respondeu-lhe a esposa: "Bom, eu gosto de viajar. Vou fazer minhas malas." A previsão dos amigos: "Esse casamento não tem futuro!" No entanto, os dois tiveram um casamento muito bem-sucedido - as previsões é que eram sombrias demais. Uma das coisas mais importantes a respeito desse casamento foi que o homem passou uma semana velejando, quando teve ocasião de aperfeiçoar sua habilidade e des- frutar seu divertimento favorito, e a esposa viajou com sua mala por toda a Europa. Eles tiveram muito para conversar nos quinze dias restantes e des- cobriram que o fato de terem ficado longe um do outro durante metade das férias ajudou-os muito na relação conjugal. 36 SA ÚDE E DOENÇA -::::; Há muitos que não gostariam disso. Não há regra universal para os se- res humanos. Mas o exemplo poderia ilustrar que, <)..uªndoduas pessoas não ficam com medo de se deixar uma à outra, têm muito a ganhar. Se elas têm receiode fazê-Ia, podem acabar se entediando mutuamente. O tédio resulta . -----,--do tampollamento da vida criat.iva, que provém do indivíduo, e não da par- ceQa, ainda que um parceiro possa inspirar criatividade. Se observarmos praticamente qualquer família em atividade, encontra- remos um equivalente do arranjo que descrevi para o casal acima. A esposa toca violino e o marido passa uma noite por semana num pub tomandoshandy com amigos. Com os seres humanos, há uma variação infinita em termos de normalidade e de saúde. Se decidimos conversar sobre as d([iculdades, é certo que.acabaremos descrevendo padrões em que as pessoas acabam se l envolvendo e que acabam ficando tediosamente repetitivos, indicando quehá algo de errado em algum lugar. Existe um elemento compulsivo nisso tu- do, e em algum ponto remoto na história pregressa desse elemento há medo. Muitos são incapazes de ser criativos por serem vítimas de uma compulsãç que tem algo a ver com sua história. Acho que só para as pessoas relativa- mente felizes quanto a esse aspecto, ou seja, as não guiadas pelas cornpul- sões, eu poderia falar facilmente sobre o fato de estarem sendo tolhidas no casamento. Pode-se falar muito pouco para pessoas que se incomodam por- que uma relação parece sufocá-Ias. Não há conselho útil que se possa dar, e uma pessoa não pode ficar fazendo terapia em todo mundo. Entre os dois extremos -:- os que sentem poder permanecer criativos no casamento e os que sentem o casamento tolhendo a criatividade _. há, com certeza, um tipo fronteiriço; provavelmente a maioria de nÓS se encontra nessa fronteira. Somos suficientemente felizes e podemos ser criativos, mas perce- bemos que há inerentemente um tipo de choque entre o impulso pessoal e os compromissos concernentes a qualquer tipo de relação que tenha caracte- rísticas confiáveis. Em outras palavras: estam os falando. uma vez mais, do princípio da realidade, e, eventualmente, conforme penetramos no assunto, poderíamos encontrar algum aspecto da tentativa de o indivíduo aceitar a realidade externa sem perda excessiva do impulso pessoa!. Esse é um dos mui- tos problemas básicos peculiares à natureza humana, e é nas etapas mais pre- coces do desenvolvimento emocional de cada um que se estabelece a base de sua capacidade em relação a esse aspecto. Alguém poderia dizer que freqüentemente falamos de casamento bem- sucedido em termos de quantos filhos tiveram, ou em termos da amizade que os dois parceiros são capazes de construir. Podemos falar bastante a respeito desse assunto, e sei que vocês não esperam que eu permaneça no fácil e no superficial. Se falarmos sobre sexo, o qual afinal de contas deve ocupar um lugar central em qualquer discussão sobre casamento, poderemos encontrar um grau impressionante de sofrimento em toda parte. Sugiro um bom pos- tulado: não é comum encontrar pessoas casadas que sintam estar vivendo sua vida sexual de modo criativo. Muito já se escreveu sobre isso, e talvez -. ~ ';\ ~ VIVENDO DE MODO CRIA Tl.VO 37 \ o infortúnio do psicanalista seja conhecer, mais do que a maioria das pes- soas, essas dificuldades e o mal-estar que as acompanha. Para o psicanalista, não é possível manter a ilusão de que as pessoas se casam e depois disso vi- vem felizes para sempre; muito menos em sua vida sexual. Quando duas pes- soas são jovens e se amam, pode haver um tempo, até prolongado, em que o relacionamento sexual é uma .experiência criativa para ambos. Isso real- mente é saúde, e ficamos felizes quando pessoas jovens experimentam isso, de modo quase consciente, em primeira mão. Penso que é um grave erro fi- carmos apregoando aos jovens a idéia de que tal estado de coisas se prolonga por um período longo após o casamento. Alguém disse (receio que uni tanto jocosamente): "Há dois tipos de casamento: em um, a moça descobre que casou com o homem errado a caminho do altar; em outro, ela descobre isso durante o caminho de volta." Mas não há razão para rir. O problema é quan- do ficamos dando a idéia aos jovens de que o casamento é um caso de amor prolongado. Mas eu também odiaria fazer o oposto: vender desilusão aos jovens, fazer disso um negócio e cuidar que os jovens' saibam de tudo e não tenham ilusões. Se a pessoajáfoifeliz, pode suportar a dificuldade. É a mesma coisa quando dizemos que um bebê não pode ser desmamado a menos que tenha tido o seio, ou seu equivalente. Não há nenhuma desilusão (aceitação do princípio da realidade), exceto com base na ilusao. ASpeSsõassão possuí- das de um terrível sentido de frac~quando descobrem que algo tão im- portante como a experiência sexual está se tornando cada vez mais uma ex- periência criativa para apenas um dos integrantes do par. Às vezes isso pode funcionar bem, quando o sexo começa mal, e gradualmente as duas pessoas adquirem algum tipo de compromisso, ou dão e recebem, de tal modo que acaba ocorrendo alguma experiência criativa em ambos os lados. É necessário dizer que a sexualidade mútua é saudável e constitui uma grande ajuda, mas seria errado presumir que a única solução para os proble- mas da vida de uma pessoa é o sexo mútuo. Precisamos prestar atenção na- quilo que é latente, quando o sexo, além de ser um fenômeno enriquecedor, também é uma terapia que precisa sempre voltar a ser feita. Gostaria agora de lembrar a vocês os mecanismos mentais de projeção e introjes;ão: entendo com isso a função de alguém se identificar com os ou- tros e a de identificá-Ios consigo próprio~ Como vocês poderiam esperar, há os que não podem usar ésses mecanismos; há os que podem, caso queiram; e há os que o fazem de um modo tão compulsivo que tais mecanismos acon- tecem, a pessoa querendo ou não. Em termos coloquiais, estou me referindo ao fato de alguém ser capaz de calçar os sapatos de outra pessoa, e a ques- tões de simpatia e empatia. -- É'Óbvio q~e quando d~as pessoas vivem juntas, com um vínculo próxi- mo e anunciado publicamente como é o casamento, elas têm muita oportu- \ nidade de viver uma através da outra. Num estado que ainda é de saúde, de acordo com as circunstâncias, isso pode ser bem aproveitado, ou não. Só que alguns casais acabam se encontrando na incômoda situação de ficar pas- -li- li II ~~ ~ ~ 1 11 f ~ IH ~hI, ~ ~ 1\ l il iI f~ ~ 1Ij 1 j ri ~ I 8 ~ ~ 38 SA ÚDE E DOENÇA ! ift· !:! t:~ i I It_ '~; :1 l ~ ; '- VIVENDO DE MODO CRIA T1VO 39 1sando papéis um ao outro, enquanto outros casais conseguem fluidez e flexi-bilidade em todos os níveis. E claro que é conveniente que a mulher deixe que o homem desempenhe a parte masculina do ato físico do sexo, e vice- versa. No entanto, não existe apenas a ação; há também a imaginação, e, do ponto de vista da imaginação, com certeza não há parte da vida que não possa ser transferida ou assumida pelo outro. Com isso em mente, podemos observar o caso especial da criatividade. Não há muito de criatividade quando se examina a função sexual: quem é mais criativo, o pai ou a mãe? Não gostaria de ser eu a pessoa a dizer. Pode- ríamos deixar essa questão de lado. Mas nessa área de funcionamento real, deve-se lembrar que um bebê pode ser concebido de modo não-criativo - ou seja, sem ter sido concebido, sem que tivesse chegado a ser uma idéia na I mente. Por outro lado, um bebê pode começar no exato instante em que é querido pelos dois parceiros. Edward Albee, em Quem tem medo de Virgi- -1 nia WooJf?, estuda o destino de um bebê que é concebido, mas não toma forma carnal. Que estudo extraordinário, tanto na peça como no filme! No entanto, quero sair dessa questão de sexo real e bebês reais, pois tu- do o que fazemos pode, ou não, ser feito criativamente. Gostaria de retomar o tema a partir das origens da capacidade individual para viver criativamente .. Outros dados sobre as origens do viver criativo É aquela velha história. Aquiio que somos depende muito do ponto que atin- gimos em nosso desenvolvimento emocional, ou da extensão de nossas opor- tunidades naquela época do crescimento que tem a ver com os estágios ini- ciais da relação objetal - é sobre isso que quero falar. Sei que deveria estar dizendo aqui algo assim: feliz é aquele que está sendo criativo o tempo todo em sua vida pessoal e em sua vida com parceiros, fi- lhos, amigos, etc. Não há nada que esse territóriofilosófico não abranja. Posso olhar para um relógio e ver apenas a hora; pode ser que eu não veja nem isso, apenas note as formas no mostrador; pode ser que eu não ve- ja nada. Por outro lado, pode ser que eu veja relógios potencialmente, e en- tão permita-me alucinar um relógio, assim agindo por ter evidências de que um relógio de verdade está lá para ser visto, de modo que, quando percebo o relógio de verdade, já passei por um processo complicado que se originou em mim. Portanto, quando vejo o relógio, eu o crio, e quando vejo a hora tãffib[m crio a hora. Tenho minha experienciazinha de onipotência o tempo todo, antes de transferir essa função desconfortável para Deus. Há uma certa antilógica aqui. Em algum ponto da lógica, a antilógica toma forma. Isso é real - não posso evitá-lo. Gostaria de examinar esse assunto. O bebê torna-se preparado para encontrar um mundo de objetos e idéias, e, segundo seu crescimento. nesse aspecto, a mãe vai lhe apresentando o mun- ~ do. Dessa forma, em função de seu alto grau de adaptação durante esses tem- pos iniciais, essa mãe capacita o bebê a experimentar a onipotência: a encon- trar realmente aquilo que ele cria, e a criar e vincular isso com o que é real. Õ resultado prático é que cada bébê começa com uma nova criação do mun- .s!Q,. E no sétimo dia esperamos que ele se satisfaça e descanse. Isso quando as coisas correm razoavelmente bem, como geralmente acontece. No entan- to, se aquilo que está sendo criado precisa ser realizado concretamente, al- guém tem que estar lá. Se ninguém estiver lá para fazer isso, então, num ex- tremo, a criança é-autistjl - criativa no espaço - e tediosamente submissa em seus relacionamentos (esquizofrenia infantil). - É a partir daí que ;e pode ir introduzindo, gradualmente, o princípio da realidade, e a criança que conheceu a onipotência experimenta as limita- ções que o mundo impõe. No entanto, por essa época, ela é capaz de viver vicariamente, de usar os mecanismos de projeção e introjeção, de permitir que outra pessoa às vezes seja o chefe e de abandonar a onipotência. Final- mente, o ser humano individual desiste de ser o volante, ou até mesmo de ser a caixa de marchas inteira, e adota a posição mais confortável de ser uma peça na engrenagem. Alguém me ajudaria a escrever um hino humahista? O! to be a cog O! to stand collectively O! to work harmoniously with others O! to be married without losing the idea for being the creator of the worId. * O indivíduo humano que não começa a vida com a experiência de ser \ onipotente não tem chance de ser uma peça na engrenagem, mas precisa exa- cerbar a onipotência, a criatividade e o controle; algo assim como tentar vender ações indesejáveis de uma companhia inexistente . Em meus textos, tenho explorado bastante o conceito de objeto tmusi:- cional: algo a que a criança acabou de se ligar. Pode ser um pedaço de pano que já pertenceu ao véu do berço, um cobertor, ou ainda uma fita de cabelo da mãe. É um primeiro símbolo e representa a confiança na união do bebê e da mãe baseada na experiência de confiabilidade e ca acidade dessa mãe e saber o que o e e precIsa através de uma identificação com ele. Eu disse que o objeto foi criado pelo bebê; sabemos que jamais vamos contestar isso, ainda que também saibamos que ele estava lá antes de o bebê tê-Io criado (pode inclusive ter sido criado do mesmo modo que um irmão). É muito mais o caso de "Estenda a mão, e ele estará lá para você usá- 10, gastá-Io", do que "Peça e lhe será dado". Isso é o começo. Pode ser per- .... 6 ~~ 3...., ~ ~ • Ah! ser dente de uma roda Ah! fazer parte da engrenagem Ah! trabalhar em harmonia com outras pessoas Ah! ser casado sem perder a idéia de ser o criador do mundo. 40 SA ÚDE E DOENÇA -\f dido no processo de introdução do mundo factual, ao mundo do princípio da realidade, mas, no estado de saúde, conseguimos formas e maneiras de recapturar o sentimento de significado proveniente da vida criativa. ~o- ma de uma vida não-criativa é o sentimento de que nada tem significado, õ sentimento de futilidadZ de que nada importa. .Agora estamos em condições de observar o viver criativo e a partir daí utilizar uma teoria consistente. O assunto é em si mesmo complexo, e a teo- ria nos permite entender algumas das razões para que assim seja. Podemos observar a vida criativa tanto na generalidade como em seus aspectos parti- culares. Fica entendido que estou tentando atingir uma camada mais profunda, ainda que não exatamente mais fun~t~. Sei que uma forma de cozi- nhar salsichas é seguir as i~strüções de Mrs. Beeton (Clement Freud, aos Do- mingos). Outra forma é pegar as salsichas e cozinhá-Ias do jeito que for pos- sível. O resultado pode ser o mesmo, mas dá mais prazer conviver com a cozinha criativa, mesmo que às vezes ocorra um desastre, ou que o gosto fique esquisito, ou alguém suspeite do pior. O que estou tentando dizer é que, para o cozinheiro, as duas experiências diferem: o_escravo que obedec~ l!ada tira da exp~ncia, '! ~er o incremento.-d.a sensação de dep~a da autoridade, enquanto que a pessoa original se sente mais real e surpreen- de a si mesU;o em função daquilo que vai surgindo durante o ato de cozi- nhar. Quando surpreendemos a nós mesmos, estamos sendo criativos e des- cobrimos que podemos confiar em nossa inesperada originalidade. Não de- veríamos nos preocupar se aqueles que corriem as salsichas não percebem a coisa surpreendente que houve no ato de coiinhar, ou se demonstram não apreciá-Ias do ponto de vista gustativo. Acredito que não 'exista nada que não possa ser feito de modo criativo, caso 'a pessoa seja criativa, ou tenha essa capacidade. Mas, se alguém passa o tempo todo ameaçado pela extinção da criatividade, então tanto a aquies- cência entediante tem que se perpetuar, como também a originalidade tem que ser acumulada até que as salsichas fiquem parecendo algo do outro mundo ou tenham gosto de lata de lixo. Como já deixei indicado, acredito que seja verdadeiro o seguinte: mes- mo que o indivíduo tenha um equipamento criativo pobre, a experiência po- de ser criativa e pode ser sentida como excitante, no sentido de que sempre há algo de novo e inesperado no ar. É claro que se a pessoa for muito origi- nal e talentosa seu desenho pode valer 20 mil libras; mas, para aqueles que não são Picasso, seria uma imitação escravizante e não-criativa desenhar co- mo Picasso. Para desenhar como Picasso, a pessoa tem que ser Picasso - tudo o mais não será criativo. As pessoas que se aferram a modismos são por definição entediantes e submissas, exceto quando estavam à procura de algo e precisavam da coragem de um Picasso como apoio para serem originais. O fato é que aquilo que criamos já está lá, mas a criativídade reside no modo como conseguimos a percepção, através da concepção e da apercep-~ 'I ~ VIVENDO DE MODO CRIA TIVO ção. Assim, quando olho o relógio, como preciso fazer agora, por exemplo, crio um relógio, mas tenho o cuidado de não ficar vendo relógios a não ser quando já sei que existe um. Por favor, não deixe de lado este fragmento de ilógica absurda - em vez disso, examine-o e use-o. Para ajudar um pouco na discussão, eu diria que, se estiver ficando es- curo e se eu estiver muito cansado ou talvez um pouco esquizóide, pode ser que eu veja relógios onde não haja nenhum. Posso ver algo naquela parede e até mesmo ler as horas no mostrador. Vocês poderiam me dizer que é ape- nas a sombra da cabeça de alguém projetada na parede. Para certas pessoas, a possibilidade de serem chamados de doidos, de alucinados, faz com que se aferrem à sanidade; aferram-se a uma objetivida- de que se poderia denominar realidade compartilhada. Há também os que pretendem estar tão bem que tudo quanto imaginam é real e pode ser com- partilhado. Podemos permitir que conviva conosco todo tipo de pessoa do mundo, mas precisamos dos outrospara sermos objetivos, se for o caso de gozar e aproveitar nossa própria criatividade, assumir certos riscos e seguir nossos impulsos com as idéias que os acompanham. Algumas crianças são obrigadas a crescer numa atmosfera intensamente ~i> criativa, mas que pertence aos pais ou à babá, e não à criança. Isso as sufosa e elas param de ser. Ou desenvolvem alguma técnica de isolament~ A provisão de oportunidades para que as crianças vivam suas próprias I vidas, tanto em casa como na escola, é uma questão muito ampla, e é umaxioma o fato de que as crianças que não têm difiCUl.dade para sentir queexistem são justamente as que são fáceis de lidar. São as que não sen-tem que o princípio da realidade as agride de todas as formas. Caso estejamos ligados formalmente a parceiros, podemos nos permitir toda e qualquer qualidade e toda e qualquer quantidade (como eu já disse) de projeções e introjeções; uma mulher pode divertir-se com as brincadeiras de seu marido a respeito do trabalho, ou um marido pode divertir-se com as experiências de sua esposa com a frigideira. Dessa forma o casamento - a união formal - amplia nosso campo para um viver criativo. Você pode ser criativo por procuração enquanto está fazendo uma tarefa rotineira, que se faz mais rapidamente quando se está seguindo as instruções assinaladas no rótulo da garrafa. Gostaria de saber como vocês estão digerindo essas idéias que escrevi e acabei de ler. O primeiro ponto é que eu não posso fazer com que vocês fiquem criativos apenas porque falo com vocês. Seria melhor que eu os ou- visse. Caso vocês não tenham possuído ou tenham perdido a capacidade de se surpreender em suas experiências na vida, não vai ser falando que vou po- der ajudá-Ias em alguma coisa, e também seria difícil ajudá-los através de psicoterapia. Mas é importante que saibamos de outras pessoas (especialmente crianças que estejam sob nossa responsabilidade) que e.5verimentar o viver ~ativo é sempre maisJ!Eportante do que "se sair bem". ~l! l ! ! 41 \ \ 10 I 42 SA ÚDE E DOENÇA Quero esclarecer que uma dúvida filosófica está envolvida até o último detalhe da experiência do viver criativo - isso porque, quando estam os em gozo de nossa sanidade, realmente só criamos aquilo que descobrimos. Até mesmo nas artes não podemos ser criativos no vácuo, a menos que sejamos solistas num hospício ou no asilo de nosso próprio autismo. Ser criativo em arte ou em filosofia depende muito do estudo de tudo o que já existe, e o estudo do ambiente é uma chave para se entender e apreciar qualquer artista. Só que a abordagem criativa faz com que o artista se sinta real e significati- vo, mesmo quando o que ele fez seja um fracasso do ponto de vista do públi- co, ainda que o público continue sendo uma parte necessária de seu equipa- mento, tanto quanto seus talentos, seu treinamento e suas ferramentas. Portanto, pode-se afirmar que, até o ponto em que estejamos razoavel- mente saudáveis do ponto de vista pessoal, não temos que viver num mundo ---P criado por nosso parceiro de casamento, e nosso parceiro de casamento não tem que viver em nosso mundo. Cada um de nós tem seu próprio mundo pri- vado, e, além disso, aprendemos a compartilhar experiências através do uso de todos os graus de identificações cruzadas. Quando estamos criando filhos criativos num mundo de fatos reais, temos que ser não-criativos, aquiescentes e adaptativos; mas, no todo, contornamos o problema e descobrimos que isso não nos mata em função de nossa identificação com essas pessoinhas novas que precisam de nós, se também elas tiverem que adquirir um viver criativo. '! ,I III ri I I I í i i t ! !, ! l í í I ~ ~~-.' SlJM: EU SOU* Palestra proferida na Association of Teachers of Mathematics, durante sua Conferência de Páscoa em Whitelands, Putney, Londres, 17 de abril de 1968 Seria melhor, sem dúvida, que eu ficasse aqui restrito à minha área, ou seja, a psiquiatria infantil e à teoria do desenvolvimento emocional da crian- ça, que é derivada da psicanálise, e portanto, em última análise, de Freud. Conheço alguma coisa de meu ofício; dele tenho prática e experiência acu- mulada. Na área da matemática e do ensino, sou muito ignorante. O aluno mais novo de vocês sabe mais do que eu. Se não fosse pelo fato de o sr. Tahta, desde a primeira carta que me enviou, ter demonstrado estar ciente de que pertenço a uma especialidade alienígena à de vocês e que de mim ele só poderia esperar um comentário sobre a ecologia do jardim específico que cultivo, eu não teria aceitado o convite que ele e vocês me formularam. Até mesmo o título, "Sum: eu sou", me atemoriza. Pode-se interpretá-Io como indicativo de que eu seja um acadêmico versado nos clássicosou um mestre em etimologia, pois, meses atrás, instado a fornecer um título, pensei: "Bom, como vou falar sobre o estágio do eu sou durante o desenvolvimento do indiví- duo, então poderia ser proveitoso vincular isso com a palavra latina sum." Per- cebem o trocadilho? (Isso é Calverley, mas não pensem que eu seja um erudito.) Meu ofício consiste em ser eu mesmo. Que pedaço de mim mesmo pos- so dar a vocês, e como posso lhes dar um pedaço sem parecer que perco a totalidade? Preciso assumir que vocês possam~inha totalidade e também um certo grau daquela forma de maturação que denominamos jn~ * 511111, verbo ser em latim; em inglês soma, síntese, resumo, total. (N. R.) 44 SA ÚDE E DOENÇA tegração, e eu preciso escolher apenas um ou dois dos elementos que vão cons- truir a unidade que sou EU. Já me sinto encorajado, pois sei que essas questões que são objeto do estudioso da personalidade humana também são objeto do matemático; a rigor, a matemática é uma versão descorporificada da personalidade humana. . Resumindo, quando digo que ~ aspecto central do desenvolvimento hu- mano é a chegada e a manutenção segura do estágio do EU SOU, sei que isso também é uma afirmação do fato central da aritmética, ou, como pode- ria dizer, das operações de soma. Vocês já devem ter percebido que, por natureza, treinamento e prática, ---11 Isou uma pessoa que pensa de modoJks.emr.obtimental. Quando vejo um me- nino ou uma menina numa carteira escolar, somando ou subtraindo, e lu- tando com a tabuada de multiplicação, vejo uma pessoa que já tem uma lon- ga história em termos de processo desenvolvimental, e sei que pode haver deficiências, distorções no desenvolvimento ou ~i§.19IçõeLQrgalJiUidél~Pª_@. lidar com deficiê~~i~s. gue têm de_~~r.ac~it~s, ou que deve haver uma certa precariedade no que tange ao desenvolvimento que parece ter sido consegui- do. V~jo o desenvolvimento como indo em direção à independência e a sig- lJ.ificados sempre novos Rar~_~nc::ei~0~~_5_~t~~~~~e, gue pode ou nã()-se tornar um fato no futuro daquela criança, caso ela esteja e continue viva. Também tenho plena -~~nsciência-(Io -(ú1a-ntose depende do meio ambiente, e do modo como esse meio, inicialmente importantíssimo, continua a ter sig- nificado e vai ter significado mesmo quando o indivíduo atinge a indepen- dência, por meio de uma identificação com característica ambientais, como quando uma criança cresce, se casa e cria uma nova geração de filhos, ou começa a participar da vida social e da manutenção da estrutura social. Esta é uma característica minha que vocês talvez possam usar, pois, se nos ativermos aos nossos respectivos campos, não se espera que vocês es- tejam preocupados com processos desenvolvimentais como eu preciso es- tar, caso queira levar a cabo meu trabalho - ainda mais se for fazê-lo de modo eficaz. Há algo sempre difícil de ser lembrado: quão moderno é o conceito de indivíduo humano. Talvez a luta para alcançar esse conceito se reflita no pri- meiro nome hebraico para Deus. O monoteísmo parece estar muito vincula- do à expressão EU SOU. Sou o que sou. (Cogito, ergo sum é diferente: o sum aqui significa que tenho um sentido deexistência enquanto pessoa, que sinto em meu juízo que minha existência foi provada. Mas aqui estamos preo- cupados com um estado não-autoconsciente de ser, para além de exercícios intelectuais de autoconsciência.) Será que esse nome conferido a Deus (EU SOU) reflete o perigo que o indivíduo sente de estar alcançando o estado de um ser individual? Se eu sou, então o caso é que consegui agrupar isto e aquilo ~ reivl!1..iligueique-isto sou eu, e que repudiei todo o resto; ao repudiar o não- eu, insultei o mundo, por assim -(j[zer:e"possõ' agu'ãidar um ataque. Então, quando as pesoas chegaram pela primeira vez ao conceito de individualida- y p ::s:. " vJ. ..,-- ~)J --1-- Q....;. o---...", • SUM: EU SOU 45 J de, rapidamente colocaram-no no céu e lhe deram uma voz que só um Moi- sés conseguiria escutar. !s~.2...~lli_º.emQÇ!o_p!..~.ci~~_~._~~s.~~~a-º=eil1<!f.t!_nt(!à ÇJ]{!gélQª_cleJº-Qº_s(!r humano aQ_~~tªgi.Q__EJLS9U. Vocês podem ver isso naquele jogo do qual 'pariTCípã";~m na praia, "Eu sou o rei do castelo." Imediatamente vem uma defesa contra um ataque esperado: "Você é um sujeitinho nojento", ou en- tão, "Desce daí, seu sujeitinho nojento". Horácio tinha uma versão desse jogo infantil: Rex erit qui recte faciet; Qui non faciet, non erit.' Isso constitui, sem dúvida, uma versão sofisticada do estágio do EU SOU, sendo que só se permite o EU SOU ao rei. Poder-se-ia tentar saber como é que se fazia uma soma antes do adven- to do monoteísmo. O que quero dizer é que a palavra "unidade" não tem o menor significado a não ser na medida em que o ser humano seja uma unidade. Em outro contexto poderíamos estar discutindo o uso do pronome pessoal "eu", o qual, tenho a impressão, é o primeiro pronome do discurso da criança. No entanto, esse assunto não fica aqui muito claro, pois as pala- vras verbalizadas podem vir muito depois do entendimento da linguagem, e processos mentais extremamente complexos dizem respeito a um período que precede a verbalização. Vocês perceberão com facilidade onde estou querendo chegar: à idéia de que a aritmética começa com o conceito de um, e que isso deriva~' neces- sariamente - do seU:unitário de toda criança errl desen·yolvimento.Esse· es-.•..-....-..-~~-'<..••""'"'•.•.,.••.,..-••..•._-...._.~.='"-.--_ ..'"_.._._---"' ..".,..~.,_.""_...,~'-._"""-' ....".' ,- _._, tado representa algo que se conseguiu durante o crescimento, embora haja a possibilidade de ele nunca ser alcançado. Neste momento preciso fazer uma interrupção para lidar com uma com- plicação imensa. O que fazer com o processo intelectual que foi cindido? A matemática superior pode funcionar aqui separada das realizações ou não- realizações do indivíduo em termos do estado de unidade. Reconhece-se o mesmo problema em outros campos. Considerem, por exemplo, o caso de um juiz frente a uma homologação de partilha de alguém que morreu sem ter feito (talvez por não poder fazê-lo) um testamento; ou o filósofo que não sabe a data, ou o dia da semana; ou o físico de grande fama, como o faleci- do mestre de Trinity, Cambridge, que podia ser visto andando pelas ruas co- locando um pé na calçada e o outro na sarjeta (daí a necessidade de se ter um Hobson's Brook entre a calçada e a rua na rua Trumpington - pelo me- nos eu, quando estudava no colégio The Leys, acreditava piamente nisso). Permitam-me examinar isso em termos do desenvolvimento individual. (A propósito: já falei sobre isso de modo mais detalhado, e acho difícil dis- I. De The Oxford Dictionary of Nursery Rhymes, editado por lona e Peter Opie, Oxford University Press, 1951. · ~.~ </Iv ~f.Q \, 'U ç\o..(O "l- 00 vA o '-'0 ~.'J ;.--J ~ j";Z H ,0 lJ .q i+- 't; 0- ?:i ,j >,~ ::;i ;,) 46 SA ÚDE E DOENÇA .cutir O assunto abreviadamente, a menos que o caricaturize.) Temos um be- bê ficando com fome e desejando comer algo. Se o alimento chega, tudo bem. Mas, se o alimento demora mais do que x minutos, quando ele chega, não terá mais significado para o bebê. E agora surge a questão: após quanto tempo o alimento não tem mais significado algum? Temos agora dois bebês: um deles é dotado de um equipamento intelec- tual que, testado, eventualmente lhe conferiria um QI elevado, e o outro foi dotado abaixo da média. O bebê bem-dotado logo aprende, a partir de cer- tos ruídos específicos, que algum alimento está sendo preparado. Sem verbalizar nada, o bebê diz para si mesmo: "Esse barulho me permite prever \ r • que vem aí comida; portanto, espere um pouco!" As chances são de que tu-* \ do corra bem. O bebê pouco dotado fica mais à mercê da capacidade de adap- tação da mãe e tem uma cifra mais precisa para o símbolo x. Será que vocês podem perceber, a partir daí, que o intelecto ajuda a to- lerar a frustração? A partir daí pode-se prosseguir até ver que uma mãe pode explorar as funções intelectuais do bebê a fim de se libertar do vínculo pro- veniente da dependência do bebê. Tudo isso é muito normal, mas se você fornece à criança um equipamento intelectual acima da média o bebê e a mãe podem se conluiar na exploração do intelecto, que se torna cindido - ou seja, cinde ª-J>..§.iqueda =exist~ll,ç.iaJ:>~ic.º~s_ºm,~Jj~8~iU!Q,J'jy~!:- Acrescente-se a isso um elemento de dificuldade no campo psicossomá- tico, pois o bebê começa a desenvolver, na mente cindida, um falso self em termos de vida, sendo verdadeiro o self psicossomático, que fica escondido e talvez perdido. Então, enquanto a matemática superior ganha impulso, a criança fracassa em saber o que fazer' com um centavo. ( Uma paciente que ajudou a me ensinar isso havia aprendido O flautista ! de Hamelin com muita facilidade, aos cinco ou seis anos. No entanto, elaI foi ficando cada vez mais insegura de si mesma, de tal modo que finalmente veio para tratamento a fim de perder sua capacidade intelectual cindida (essa capacidade dava grande orgulho aos pais) e encontrar seu verdadeiro self. Na idade de seis ou sete anos, ditou à sua babá, para a revista da família, a história de uma criança, obviamente ela mesma, que estava indo muito bem na escola e que foi gradualmerite se tornando deficiente mental. Tinha mais de cinqüenta anos quando se libertou, no decorrer de sua análise. Vocês vão perceber que eu encaro o intelecto como uma coisa boa, mas em meu trabalho posso ver de que modo ele é explorado, e num relato des- critivo da personalidade tenho que levar em consideração as incríveis con- -iI I quistas do intelecto cindido, sem perder de vista a existência psicossomática individual. Antigamente - há um século - as pessoas falavam de mente e cor- po. Para sair do domínio do intelecto cindido, tiveram que postular uma alma. Agora é possível começar com a psique do psique-soma e, a par- tir dessa base, avançar para a estrutura da personalidade e atingir o concei- to do intelecto cindido, que, num caso extremo, e numa pessoa muito dota- SUM: EU SOU 47 ,; da intelectualmente, em termos de massa cinzenta, pode funcionar de mo- do brilhante sem muita referência ao ser humano. Mas é o ser humano que, pela acumulação de experiências assimiladas de modo nebuloso, pode ad- quirir sabedoria. A única coisa que o intelecto pode fazer é falar sobre a sabedoria. Poder-se-ia citar: "Como pode tornar-se sábio quem fala sobre bois?" (Eclesiástico 38:25).- Assim, segundo o ponto de vista que estou adotando aqui, segue-se que no intelecto cindido não há limites para a adição e a subtração, para a divi- são e a multiplicação, exceto aquilo que pode ser determinado pelo compu- tador, que aqui é o cérebro humano, sem dúvida muito parecido com os com- putadores que vocês inventam e usam como parte de sua especialidade. Mas há um limite para as somas com as quais um ·indivíduo pode se identificar, e tal limite diz respeito ao estágio do desenvolvimento da personalidade que o indivíduo alcançou e pode manter. (Começamos com um tema abrangentedemais. O problema é que eu não sei onde parar. Há muito a ser dito.) Vamos enfocar a divisão. A divisão não apresenta a menor dificuldade para o intelecto cindido, Na verdade, não há dificuldades nessa área, exceto em termos de computa- dores e programação. Isso não é vida, isso é cisão de vida. Mas vamosconsi- derar como é que o indivíduo chega à divisão? Oestadode unidade é a con- q~~~,~_,~A~!~<l_p_~r_a_ª_~ª-~g,~!!g,<!.ei~~Y2I~Igi~~t_~jlriQ.êJQ~~[~:e_I~4~j~rhl!.~~~ no. Com base nesse estado, a personalidade unitária pode se permitir a iden- tificação com unidades lTIa!L'!,!!!.l?lªi= __digAI110~L~_fªmf!iª,-º_JaI.º]l_ª __ç(isA~ Agora, a personalidade unitária é parte de um conceito de totalidade mais amplo. E logo vai se tornar parte de uma vida social cada vez mais ampla, incluindo as questões políticas; e (no caso de algumas pessoas) de algo que pode ser chamado de cidadania no mundo. A base de tal divisibilidade é o selfunitário, talvez transferido (por me- do de ataque) para Deus. E aí retomamos ao monoteísmo e à aquisição de um significado para um, solitário, Vnico; como é veloz a quebra de um em três, a trindade! Três, o número da família mais simples possível. Quando vocês ensinam a operação de adição, devem se defrontar com crianças do jeito que elas vêm, e certamente reconhecerão três tipos: 1. Aquelas que começam com facilidade com o um. 2. Aquelas que não conseguiram o estado de unidade; para elas, o um não significa nada. 3. Aquelas que manipulam conceitos restritos a considerações banais de libras, xelins e cents. " Vocês vão se sentir como se iniciassem essas últimas crianças direto na I régua de cálculo ou no cálculo diferencial. Por que não pedir-Ihes que adivi-'Y, nhem, em vez de calcular, utilizando assim seus computadores internos? Nãovejo por que, em aritmética, haja tanta ênfase na resposta exata. Que acham i do prazer de adivinhar? Que acham de brincar com métodos engenhosos? r i~ 48 SA ÚDE E DOENÇA Suponho que vocês já examinaram todas essas questões, quando pensaram em seus métodos didáticos. Acho que vocês não deveriam esperar que uma criança que não alcan- çou o estado de unidade possa apreciar pedaços. Eles são aterradores Q?-ra__ a criança e representam o caos. E o que vocês podem fazer? Em tais casos, .de.ixemçle lado a aritmética e tentem propiciar um ambiente estável, que pos- sibilite (ainda que tardia e tediosamente) que algum grau de integração pes- soal s~ instale na criança imatura. Pode ser que essa criança seja devotada r a um ratinho. Isso é boa matemática, ainda que um tanto malcheirosa. Em 'i termos do ratinho, a criança pode atingir a totalidade que não está podendo I · ser obtida no self. Além disso, o rato pode morrer. Isso é muito importante. :Não há morte, exceto considerando-se uma totalidade. Revertendo o racio-'~ \Ii., cínio, o sentido de totalidade da integração j)~soa!EE_~.Esi~~possibili- , dade e realmente a certeza da morte; e com a aceitação da morte advém um I ,! ~rande alívio, alívio do medo das alternativas, tais como a desinteg@Ção ou i i .os f~E~!!!!!.s - ou seja, a sobrevivência de fenômenos espíritas, para depois i I, da morte da metade somática da parceria psicossomática. Eu diria que crian- ças saudáveis encaram a morte muito melhor do que os adultos. Talvez seja útil eu me referir a mais um item que diz respeito ao desen- volvimento. Trata-se da interação entre processos pessoais e provisão am- bienta!. Às vezes isso é consideradocomo um equilíbrio entre natureza e cria- . Ção. Ao pensar ~~~~~probi~;:;;a-específicó-, a'maiõriãCiãs'pess-õas tende--ato-:<l _..- --... -, . . . -- -- .- -_.--- ---- -- --.--.--,---.-.-.----,-,- -'y mar partido, embora não haja necessidade disso. . -'Um-bêhezinhoque vem ao mundõ-'herdá-tendências ao crescimento e ao desenvolvimento, incluindo os aspectos qualitativos do desenvolvimento. Pode-se dizer que, quando tiver um ano de idade, o bebê saberá três pala- vras; aos dezesseis me~es provavelmente vai começar a andar; e aos dois anos estará falando. São esses os nós desenvolvi mentais (Greenacre), sendo muito conveniente que uma criança chegue em cada estágio do desenvolvimento den- tro do tempo natural e o percorra no intervalo de tempo do nó. Isso é fácil de dizer, mas deixa de lado o importante fato da dependên- cia. A dependência em relação à provisão ambiental é, no começo, quase que absoluta; rapidamente ela se torna relativa, e a tendência geral é caminhar em direção à independência. A palavra-chave no que tange ao lado ambien- tal (correspondendo à palavra "dependência") é "confiabilidade" - con- fiabilidade humana e não mecânica. - O estudo da adaptação da mãe às necessidades do bebê é fascinante e demonstra que ela começa com uma grande capacidade para conhecer as ne- cessidades do bebê, através de sua capacidade de se identificar com ele. De modo gradual, ela se desadapta e logo luta para se livrar de seu confinamen- to, ou seja, da preocupação com um bebê e com as necessidades dele. Sem essa provisão ambiental humana, o bebê não faz as gradações desenvolvi- mentais que são herdadas como tendência. Vocês podem traduzir isso, que diz respeito aos bebês, para uma linguagem que se aplique 'à idade escolar. o :? :, -..I . ~ <:::<, SUM: EU SOU 49 iê • u: Fora desse campo altamente complexo de estudo, surge uma questão que é concernente à coisa básica: o conceito de unidade. ~ra o behê, a primeira unidade que surg~jnc!ui _~ª-e. 'Se tudo corre ,\ bem, o bebê chega a perceber a mãe e todos os outros objetos e os vê como I não-eu, de tal modo que agora há o eu e o não-eu. (O eu pode incorporare' conter elementos não-eu, etc.) Esse estágio dos primórdios do EU SOU só se instala realmente no self do bebê na medida em que o comportamento da figura materna é suficientemente bom - no que diz respeito à adaptação e ãdesadaptação. Assim, a mãe é, no início, umdelíriõ-qúe o bebê Precisa SefCãPaz de desàutorizar, e aí precisa ser substituída pela desconfortável uni- dade EU SOU, que envolve a perda da segura fusão unitária original "mãe- bebê". O ego do bebê é forte se houver um sUQort~~~go materno para fazê-Ia forte; do contrário, ele é fraco. \ ._---- ---_.--'- Como os distúrbios nessa área afetam o aorendizado e o ensino da arit- ~ mética? Sem dúvida eles podem afetar a relação' professor-aluno. Todo e qual- quer professor precisa saber quando está lidando não com seu assunto espe- cífico, mas com psicoterapia, ou seja, complementando tarefas incompletas que representam falha parental relativa ou absoluta. A tarefa a que me refi- ro é fornecer um suporte_ao egQ_QI1de"ek é necessário. Q ºP.9sto -~ rlI_slos frac_ássos clflcriança, especialmente quando eles representam o medo de: se-.- -, -- .•... __ ._..--_ .•._._._- ,. -- ..__ . - - ..~.•.- .. guir _~<iiante, Acho que é bem conhecida a importância vital da relação professor- aluno. É assim que os psiquiatras começam, quando se referem a proble- ~. mas de ensino. A não-confiabilidade do professor faz com que quase toda ...., çrians-ª~º-~irit~Kr.e. Quando uma criança relata sua dificuldade em fazer somas (ou em História, ou em lnglês), a primeira coisa que se pensa é: tal- vez esse professor não sirva. Não poucas crianças tiveram obstruído o de- senvolvimento de sua aprendizagem em função do sarcasmo do professor. Noentantoveu não censl~Iº_9_pr9fes.~9r tão facilmente. Freqüentemente. acriança é insegura ou hipersensível, e, não importa quãocauteloso o pro- fessor seja, a criança fica' iõ~~adáp~là-cksc9n.Uãnçã':-cãdá-caso merece exame acurado, pois não há duas crianças idênticas, mesmo quando a dificuldade das duas é Matemática. Gostaria de iniciar agora um exame da teoria pedagógica, em termos da teoria do desenvolvimento do indivíduo, mas tenho que deixar isso de lado. Mesmo assim direi que deve ser fascinante ver como, no ensino da Matemática, a pessoa pode captar o i~1Jf2.!!lsogig,tivo;talvez seja o gesto lúdico de uma criança, e então a pessoa pode usar isso e o ato de a criança tentar alcançar, fornecendo tudo o que a criança puder aprender, através do ensino, até que ela atinja, com o passar do tempo, o impulso criativo. Às vezes, tal trabalho pode ser mais bem feito com uma assistência indivi- dual, especialmente se for o caso de fazer algum conserto, por motivo de a criança ter tido experiências infelizes, ou mesmo a experiência de uma pe- dagogia ruim, que é uma forma de doutrinação. ;j, a.. <") lq: J' § '.!.J..: 48 SA ÚDE E DOENÇA Suponho que vocês já examinaram todas essas questões, quando pensaram em seus métodos didáticos. Acho que vocês não deveriam esperar que uma criança que não alcan- çou o estado de unidade possa apreciar pedaços. Eles são aterradores 2~ra _.. a criança e representam o caos. E o que vocês podem fazer? Em tais casos, .dejxem cie lado a aritmética e tentem propiciar um ambiente estável, que pos- sibilite (ainda gue tardia e tediosamente) que algum grau de integração pes- ~º,al se instale na criança imatura. Pode ser que essa criança seja devotada'Ia um ratinho. Isso é boa matemática, ainda que um tanto malcheirosa. Em ('I termos do ratinho, a criança pode atingir a totalidade que não está podendo .l ser obtida no self. Além disso, o rato pode morrer. Isso é muito importante. ! Não há morte, exceto considerando-se uma totalidade. Revertendo o racio- .~ 1\ I!. cínio, o sentido de totalidade -da integração pessoaL~~~~.~ ....~possibili- , dade e realmente a certeza da morte; e com a aceitação da morte advém um Il i grande alívio, alívio do medo. das aJtemãtivãS:TaTscomo a desinteg@Ç,ª-o0IL ./.os f.@ta.!i!!l'!.s- ou seja, a sobrevivência de fenômenos espíritas, para depois I I; da morte da metade somática da parceria psicossomática. Eu diria que crian- ças saudáveis encaram a morte muito melhor do que os adultos. Talvez seja útil eu me referir a mais um item que diz respeito ao desen- volvimento. Trata-se da interação entre processos pessoais e provisão amO' .pjental. Às vezes.i~.~Q..~c()nsideradocomo um equilíbrio entre natureza e cria- ção. Ao pensar nesse p-;:-o-blemã""~s'peCífico,a'maIõriã da's 'pessôãs tende 'ato- ~ __ o ._ "". - •• .',. _. • • • ._ ••••.• __ •••• _ --'y mar partido, embora não haja necessidade disso. ...._..Úm'-bebezin'hoqüe vem ao mundo herda-tendências ao crescimento e ao desenvolvimento, incluindo os aspectos qualitativos do desenvolvimento. Pode-se dizer que, quando tiver um ano de idade, o bebê saberá três pala- vras; aos dezesseis meses provavelmente vai começar a andar; e aos dois anos estará falando. São esses os nós desenvolvimentais (Greenacre), sendo muito conveniente que uma criança chegue em cada estágio do desenvolvimento den- tro do tempo natural e o percorra no intervalo de tempo do nó. Isso é fácil de dizer, mas deixa de lado o importante fato da dependên- cia. A dependência em relação à provisão ambiental é, no começo, quase que absoluta; rapidamente ela se torna relativa, e a tendência geral é caminhar em direção à independência. A palavra-chave no que tange ao lado ambien- tal (correspondendo à palavra "dependência") é "confiabilidade" - con- fiabilidade humana e não mecânica. - O estudo da adaptação da mãe às necessidades do bebê é fascinante e demonstra que ela começa com uma grande capacidade para conhecer as ne- cessidades do bebê, através de sua capacidade de se identificar com ele. De modo gradual, ela se desadapta e logo luta para se livrar de seu confinamen- to, ou seja, da preocupação com um bebê e com as necessidades dele. Sem essa provisão ambiental humana, o bebê não faz as gradações desenvolvi- mentais que são herdadas como tendência. Vocês podem traduzir isso, que diz respeito aos bebês, para uma linguagem que se aplique à idade escolar. o:z. ::. ..j . r c <, SUM: EU SOU 49 " ~ Fora desse campo altamente complexo de estudo, surge uma questão que é concernente à coisa básica: o conceito de unidade. tgra o behê, a primeira unidade qu!,!surg~)nclui a miie. 'Se tudo corre . \ bem, o bebê chega a perceber a mãe e todos os outros objetos e os vê como \ não-eu, de tal modo que agora há o eu e o não-eu. (O eu pode incorporar e' conter elementos não-eu, etc.) Esse estágio dos primórdios do EU SOU só se instala realmente no self do bebê na medida em que o comportamento da figura materna é suficientemente bom - no que diz respeito à adaptação e ãdesadaptação. Assim, a mãe é, no início, üm delíríõ"êiu'eobebê precisa SêrCãPaz de desàutorizar, e aí precisa ser substituída pela desconfortável uni- dade EU SOU, que envolve a perda da segura fusão unitária original "mãe- bebê". O ego do bebê é forte se hou'yer~~~l2.Q!:~.Q~go materno para fazê-lo forte; do contrário, ele é fraco . \ ---- ._ ..-.., Como os distúrbios nessa área afetam o aorendizado e o ensino da arit- ~ mética? Sem dúvida eles podem afetar a relação' professor-aluno. Todo e qual- quer professor precisa saber quando está lidando não com seu assunto espe- cifico, mas com psicoterapia, ou seja, complementando tarefas incompletas que representam falha parental relativa ou absoluta. A tarefa a que me refi- ro é fornecer um suporte ao egQ.9Jló.e..ele é necessário. Q ºP"Q.sjg-~ I.:!i....cl.Qs frac,issos clª criança, esp~~i.§llm~!l!e_guango_eles representam o medo d,!,!se- guir __adiante, Acho que é bem conhecida a importância vital da relação professor- aluno. É assim que os psiquiatras começam, quando se referem a proble- j.f mas de ensino. A não-confiabilidade do professor faz com que quase toda -., criançª~~~i.ri.t~sxe. Quando uma criança relata sua dificuldade em fazer somas (ou em História, ou em Inglês), a primeira coisa que se pensa é: tal- vez esse professor não sirva. Não poucas crianças tiveram obstruído o de- senvolvimento de sua apren.clizagem em função do sarcasmo do professor. Noentanto , eu não G.t:!nslIJ.QOprofesSOJ tão facilmente. Freqüentemente, acriança é insegura ()':! ~iJ~~~.~~_f!s!:'.~11~_11~()_~P.2~~_~1~~!?cauteloso o pro- fessor seja, a criarlÇa fica to~ada pela d_~~c().!1Dança.Cada caso merece exame acurado, pois não há duas crianças idênticas, mesmo quando a dificuldade das duas é Matemática. Gostaria de iniciar agora um exame da teoria pedagógica, em termos da teoria do desenvolvimento do indivíduo, mas tenho que deixar isso de lado. Mesmo assim direi que deve ser fascinante ver como, no ensino da Matemática, a pessoa pode captar o i'!JJ!.l:!.lsocriativo; talvez seja o gesto lúdico de uma criança, e então a pessoa pode usar isso e o ato de a criança tentar alcançar, fornecendo tudo o que a criança puder aprender, através do ensino, até que ela atinja, com o passar do tempo, o impulso criativo. Às vezes, tal trabalho pode ser mais bem feito com uma assistência indivi- dual, especialmente se for o caso de fazer algum conserto, por motivo de a criança ter tido experiências infelizes, ou mesmo a experiência de uma pe- dagogia ruim, que é uma forma de doutrinação, :;i c,. () {~ ,J' .$ '.lJ..t 1:. I li 'i II 1* II Ih'.p1~•I I ~ I ~ ~ I t% I~ ,I~I.rtp•, I ~II II~ I~ I -v 50 SA ÚDE E DOfNÇA A criatividade é inerente ao brincar, e talvez não seja encontrá/el em nenhuma outra parte. O 6'irncai'd-e"i:úTia criança pode ser um leve movi- mento de sua cabeça, de tal maneira que no jogo da cortina contra uma linha, na parede externa, a linha seja num certo momento um, e logo de- pois, dois. Isso pode ocupar uma criança (ou um adulto) por horas. Será que vocês podem me dizer se um bebê alimentado em dois seios sabe dos dois, ou será que isso, no início, é uma duplicação de um? Talvez vocês consigam captar essas atividades lúdicas, mas não sei como. Aposto que vocês sabem as respostas para esses problemas. Quanto a mim, sinto que preciso voltar ao meu objetivo, que é apenas o tratamento de crianças doentesdo ponto de vista psiquiátrico, e a construção de uma teoria do desenvolvi- mentoemocional do ser humano - melhor, mais exata e mais útil. Para finalizar, eu perguntaria: por que será que a Matemática é o me- lhor exemplo de um assunto que só pode ser ensinado caso haja continui- dade? Caso se perca um estágio, o resto fica sem sentido. Acho que a cata- pora é responsável por muitos casos de colapso matemático (durante o pe- ríodo letivo da primavera); se vocês tiverem tempo, podem dar uma assis- tência individual à criança naquilo que ela perdeu enquanto estava em ca- sa, de quarentena. Pode ser que isso lhes pareça um atoleiro. Mas eu me contento sim- plesmente em tomar parte de um exercício de fertilização cruzada. Quem sabe que ser híbrido pode resultar da mistura? I 1
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