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Dossie Cult Haroldo de Campos

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agosto/98 - CULT 1
43 Criaçªo
Seis poemas do escritor
Ruy Proença
36 Fortuna Crítica 2
No segundo ensaio da sØrie,
o crítico Ivan Teixeira analisa
o formalismo russo
03 Notas
04 Entrevista
O escritor Teixeira Coelho fala
de As fœrias da mente,
seu novo romance
14 Turismo LiterÆrio
A Sªo Petersburgo do
poeta Josif Bródski
REVISTA BRASILEIRA DE LITERATURA
Teixeira Coelho diante do prØdio do
MAC, museu do qual Ø diretor
10 Biblioteca ImaginÆria
Joªo Alexandre Barbosa
reflete sobre a obra do
escritor Italo Calvino
13 Na Ponta da Língua
O professor Pasquale flagra
um ato falho premonitório de
Dunga, o capitªo da seleçªo
18 Capa/Entrevista
Haroldo de Campos fala
sobre Crisantempo, livro e CD
lançados pela Perspectiva
28 Capa/Ensaio
O crítico J. Guinsburg
disseca a relaçªo de Haroldo
de Campos com o teatro
34 Leituras CULT
Confira os destaques
entre os lançamentos
do mercado editorial
35 Memória em Revista
Uma crônica de Gustavo
Barroso publicada em 1931
no livro Mulheres de Paris
40 História
Livros de viagem resgata
os relatos sobre o Brasil
do sØculo XIX
46 Literatura Francesa
Sai no Brasil a obra completa
de LautrØamont
48 Homenagem
Nelson de Oliveira escreve
sobre o escritor Campos de
Carvalho, morto este ano
53 DossiŒ
Biografia e livro de ensaios
literÆrios renova leitura da
obra de Albert Camus
O escritor argelino Albert Camus
Oswaldo JosØ dos Santos/AgŒncia USP
64 Do Leitor
O recado dos leitores
de CULT
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O poeta
Haroldo
de Campos
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CULT - agosto/982
Diretor
Paulo Lemos
Gerente-geral
Silvana De Angelo
Editor
Manuel da Costa Pinto
Editor de arte
Maurício Domingues
Redator
Bruno Zeni
Diagramaçªo e arte
Adriano Montanholi
RogØrio Richard
JosØ Henrique Fontelles
Fabiana Fernandes
Eduardo Martim do Nascimento
Produçªo editorial
Antonio Carlos De Angelo
Danielle Biancardini
Revisªo
Izabel Moraes Baio
Colunistas
ClÆudio Giordano
Joªo Alexandre Barbosa
Pasquale Cipro Neto
Colaboradores
Aurora Fornoni Bernardini
Claudia Cavalcanti
Ivan Teixeira
J. Guinsburg
Marcello Rollemberg
Nelson de Oliveira
Ruy Proença
Capa
Foto de Juan Esteves
Produçªo grÆfica
JosØ Vicente De Angelo
Fotolitos
Bureau Bandeirantes
Circulaçªo e assinaturas
MÆrcia Monteiro CordÆs
Dept. financeiro
Regiane Mandarino
Dept. comercial/Sªo Paulo
Idelcio D. Patricio (diretor)
Jorge Rangel
Exalta de Camargo Dias
Jefferson Motta Mendes
ValØria Silva
Elieuza P. Campos
Dept. comercial/Rio de Janeiro
Milla de Souza (Triunvirato Comunicaçªo,
rua MØxico, 31-D, Gr. 1403, tel. 021/533-3121)
Distribuiçªo em bancas
AREVISTA Distribuiçªo e ComØrcio Ltda. (r.
Dona Ester Nogueira, 283, Campinas, SP, CEP
13073-040, tel. e fax: 019/242-8342)
ISSN 1414-7076
Jornalista responsÆvel
Manuel da Costa Pinto – MTB 27445
CULT – Revista Brasileira de Literatura
Ø uma publicaçªo mensal da Lemos Editorial e
GrÆficos Ltda. – Rua Rui Barbosa, 70,
Bela Vista – Sªo Paulo, SP, CEP 01326-010
tel./fax: (011) 251-4300
e-mail: lemospl@netpoint.com.br
REVISTA BRASILEIRA DE LITERATURA
NÚMERO 13 - AGOSTO DE 1998
Poucos países tŒm o privilØgio de ter uma personalidade como
Haroldo de Campos. Escritor que renovou a poesia nos anos
50 (com o movimento concretista), ensaísta que modificou
o cânone tradicional da literatura brasileira (relendo, a
partir da poesia do presente, linhagens estØticas es-
quecidas no passado), tradutor com aguda consciŒn-
cia da consciŒncia lingüística da literatura (e que
por isso faz de cada texto traduzido uma recri-
açªo capilar dos recursos poØticos do original),
editor de uma reputada coleçªo (a sØrie Signos,
da Perspectiva) – enfim, Haroldo de Campos
Ø uma espØcie de intelectual e artista poliØ-
drico, cuja voragem criativa vai da prosa à
poesia, da reflexªo abstrata à presença fí-
sica que marca a vida cultural brasileira e
internacional com happenings, decla-
maçıes pœblicas e conferŒncias. Por isso,
a publicaçªo de um livro como Crisantem-
po vai bem alØm de mero evento edito-
rial. Trata-se, na verdade, de uma espØcie
de observatório sígnico que vai do lírico
ao teórico dentro do registro poØtico; que
registra reminiscŒncias pessoais, encon-
tros, experiŒncias de viagem, aprendi-
zados lingüísticos, leituras; que traduz dife-
rentes tradiçıes literÆrias propondo tØcni-
cas de recriaçªo e de reimaginaçªo – tudo
isso atualizado numa “concreçªo de lingua-
gem”, como Haroldo de Campos diz na
entrevista publicada nesta ediçªo da CULT. Em
Crisantempo, podemos entrever o próprio futuro
do livro, que assim nªo sucumbe à fragmentaçªo
das linguagens, mas unifica a superfície caótica
da realidade numa ordem superior – a ordem das
palavras. Em Crisantempo, enfim, estamos diante da-
quela multiplicidade que o escritor italiano Italo Cal-
vino, num dos textos de Seis propostas para o próximo
milŒnio, considerava como um dos valores literÆrios a serem
cultivados a partir do sØculo que se aproxima – sØculo que certa-
mente terÆ em Haroldo de Campos uma de suas referŒncias mÆximas.
AO L E I TOR
Manuel da Costa Pinto
agosto/98 - CULT 3
ASSINATURAS
DISQUE CULT 0800.177899
N
O
T
A
S
O escritor Guimarªes Rosa
Guimarªes Rosa
O Centro de Estudos Luso-afro-
brasileiros da PUC-Minas Gerais
promove entre os dias 24 e 28 de agosto o
SeminÆrio Internacional Guimarªes
Rosa. O evento reunirÆ estudiosos e
escritores que se dedicaram à obra do
autor de Sagarana – como os brasileiros
Benedito Nunes, Lígia Chiappini,
Kathrin Rosenfield e AdØlia Bezerra de
Menezes, os portugueses E.M. de Melo
e Castro e Eduardo Lourenço, o moçam-
bicano Mia Couto, o italiano Ettore
Finazzi-Agró e o francŒs Francis UtØza.
Estarªo presentes tambØm tradutores de
Guimarªes Rosa como Curt Meyer
Clason (Alemanha), Jacques ThiØriot
(França) e Luciana Stegagno Picchio
(ItÆlia). Paralelamente, o seminÆrio
promove a exibiçªo de filmes e vídeos,
representaçıes teatrais e de contadores
de estórias, alØm de minicursos sobre a
obra de Guimarªes Rosa. Informaçıes e
inscriçıes: Centro de Estudos Luso-
afro-brasileiros da PUC-MG, Av. D.
JosØ Gaspar, 500, prØdio 4, sala 103, Belo
Horizonte, MG, CEP 30535-610. tel.
031/319-1368, fax 319-1369, e-mail:
cespuc@pucminas.br
Bernanos
O escritor francŒs Georges Bernanos,
morto hÆ 50 anos, serÆ tema de um en-
contro promovido nos dias 21 e 22 de
agosto, no Rio de Janeiro, pelo Consulado
FrancŒs e pelo Fórum de CiŒncia e
Cultura da UFRJ. O colóquio “Bernanos
e o Brasil” reunirÆ estudiosos de França,
Alemanha e Brasil (onde o escritor morou
durante a Segunda Guerra), alØm de
amigos do autor de Sob o sol de Satª, como
o acadŒmico Geraldo de França Lima.
Católico e membro da Action Française
(movimento conservador liderado por
Charles Mauras), Bernanos viveu na
Espanha nos anos 30, onde testemunhou
as atrocidades do franquismo, insur-
gindo-se entªo contra a Igreja Católica e
escrevendo inflamados panfletos contra
o nazifascismo. Informaçıes sobre o
colóquio pelos telefones 021/210-1272
e 220-4128.
Feira do livro em Minas Gerais
A Câmara Mineira do Livro e a
ABDLC (Associaçªo Brasileira de Difu-
sªo do Livro e Coleçıes) promovem
entre 7 e 16 de agosto a 2“ Feira Paname-
ricana do Livro. O evento acontece no
Diamondmall (regiªo central de Belo
Horizonte) e reunirÆ cerca de 250 expo-
sitores, entre editoras, livrarias e distri-
buidores, com representaçıes de ItÆlia,
Portugal, França, Inglaterra, Argentina,
Peru, Bolívia e Cuba. Segundo os orga-
nizadores, a feira deverÆ criar melhores
canais de acesso das editoras ao mercado
mineiro, que hoje representa 17,2% do
consumo de livros do país. Informaçıes
pelo tel. 031/581-1206.
Literatura Comparada
Entre 18 e 22 de agosto,Florianópolis
sedia o VI Congresso da Abralic (Asso-
ciaçªo Brasileira de Literatura Compa-
rada). O evento terÆ conferŒncias, debates
e comunicaçıes sobre o tema “Literatura
comparada = Estudos culturais?”. Entre
os convidados estrangeiros estªo Marjo-
rie Perloff, Beatriz Sarlo, Peter Osborne
e Susan Buck-Morss. Do Brasil, parti-
cipam Roberto Schwarz, Joªo Adolfo
Hansen, Jeanne Marie-Gagnebin, MÆr-
cio Seligmann-Silva e Arthur Nestrovski,
entre outros. Informaçıes e inscriçıes no
Nœcleo de estudos literÆrios e culturais
(Nelic) – CCE, sala 253, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
SC, CEP 88040-000, tel. 048/331-6602,
fax 331-9988, e-mail: abralic@cce.ufsc.br
Concursos de conto e poesia
A Fundaçªo Cultural Cassiano Ricardo,
de Sªo JosØ dos Campos (SP), abriu ins-
criçıes para dois concursos literÆrios: a
XIII Antologia PoØtica HØlio Pinto Fer-
reira e a XI Antologia de Contos Alberto
Renart. O jœri de cada um selecionarÆ
trabalhos de no mÆximo 40 autores, que
serªo publicados em dois livros. Cada
concorrente pode inscrever atØ cinco
poemas de no mÆximo duas laudas ou trŒs
contos – todos inØditos. As inscriçıes vªo
atØ 15 de setembro. Informaçıes: tel.
012/324-7300, fax 341-8577.
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Reproduçªo
CULT - agosto/984
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agosto/98 - CULT 5
Um romance-ensaio sobre o mal-du-siŁcle.
Assim poderia ser definido o novo livro de
Teixeira Coelho, As fœrias da mente – Viagem
pelo horizonte negativo, que a editora
Iluminuras lança este mŒs. Ao longo de 162
pÆginas de escrita errÆtica, concŒntrica, seu
anônimo protagonista penetra nos labirintos
da depressªo – um distœrbio psicológico que
vem tomando proporçıes epidŒmicas a
ponto de ser comparado à histeria do sØculo
XIX. PorØm, ao contrÆrio desta outra
“doença cultural” (que esteve na base da teoria
psicanalítica de Freud), a depressªo nos leva
a perceber o cØrebro como uma “glândula” e
o comportamento como algo passível de
manipulaçªo por meio de remØdios. Daí sua
importância. Pois, para Teixeira Coelho, a
depressªo e sua terapia sªo a expressªo
paroxística do ideal da modernidade de
controle da natureza humana e da natureza
tout court. Romancista, ensaísta, professor
da ECA-USP e diretor do MAC (Museu de
Arte Contemporânea de Sªo Paulo), Teixeira
Coelho mantØm um olhar atento para todas
as manifestaçıes da pós-modernidade. Nesta
entrevista à CULT, ele fala de como estas
questıes impregnam sua obra ficcional.
Aurora F. Bernardini
Manuel da Costa Pinto
CULT - agosto/986
CULT As fœrias da mente Ø um romance sobre uma personagem
que cai em depressªo e, embora tenha uma herança intelectual
humanista, vive a experiŒncia de sair de um problema
psicológico por meio de remØdios. Qual o significado disso?
Teixeira Coelho Existe um tema que Ø um pilar de As
fœrias da mente: o conflito entre o homem cultural e o homem
natural. Na medida em que vocŒ nªo precisa mais recorrer a
uma entidade divina, ou a seu intermediÆrio na Terra (que Ø o
sacerdote), ou a seu intermediÆrio leigo (que Ø o psicanalista),
para resolver um problema de desequilíbrio, em outras
palavras, na medida em que vocΠpode recorrer a uma
medicaçªo e, com isso alterar, transformar seu estado
emocional interior, vocŒ jÆ pôs um pØ no território do homem
absolutamente cultural, o homem que se faz, o homem que
controla suas emoçıes (e quando eu escrevi isso nem estava
em pauta o Viagra...). A cada ano que passa, o gŒnio humano
lança no mercado algum novo instrumento de uso imediato,
prŒt-à-porter, para vocŒ modelar sua personalidade interior.
Isso coloca para mim com grande evidŒncia esse tema do
homem cultural, que vem desde o sØculo XVIII com o projeto
da modernidade, em que havia uma tendŒncia clara do homem
colocar a natureza sob seu controle, de avançar em termos de
progresso e desenvolvimento, custe o que custar – e
especialmente custe o que a natureza custar. Esse processo
tem expressªo paroxística na possibilidade que se abre agora
de vocΠconstruir sua natureza humana de maneira cultural
(seja por meio da clonagem, transplantes ou remØdios).
CULT Isso modifica certas noçıes e ideais. A idØia de
felicidade proporcionada pelo remØdio, por exemplo, Ø artifi-
cial se comparada à noçªo convencional.
T.C. Vira e mexe eu ouço alguØm dizer em debates sobre
tendŒncias filosóficas do sØculo XX que o homem cultural Ø
absurdo, que isso seria uma facilidade, que, recorrendo a
medicaçıes, o ser humano estaria desistindo de enfrentar suas
questıes filosoficamente. Eu nªo tenho resposta pronta. Essa
Ø a razªo, aliÆs, pela qual escrevo algo que estÆ na fronteira
entre a ficçªo e o ensaio – e nªo propriamente um livro
ensaístico. Mas aquela rejeiçªo me parece simplista,
passadista, fora de ocasiªo – pois ela vai acontecer. O livro Ø
flutuante, nªo passa uma posiçªo muito clara a favor de uma
coisa ou outra. Existe, sim, uma espØcie de adesªo da
personagem a essa possibilidade. Sair da depressªo pelo
remØdio Ø uma saída que, seja artificial ou nªo, ele vai assumir.
Talvez esclareça um pouco dizer que pensei inicialmente em
dar ao livro o título de O homem-glândula. Existe mais de uma
descriçªo científica do cØrebro como sendo uma glândula. A
gente tem uma idØia arcaica, clÆssica, de que o cØrebro Ø a
mente, ou o espírito ou quase uma massa divina colocada numa
caixa de ossos...
CULT A partir do momento em que vocΠsoluciona uma
decepçªo existencial por meio de uma pílula, o que acontece
com o diÆlogo com o outro?
T.C. A questªo Ø muito similar a uma que me foi colocada num
seminÆrio: a conquista da palavra Ø o nascimento da democracia,
pois a palavra permite diÆlogo. Minha intervençªo foi colocar
isso em dœvida. O aparecimento da palavra por si só nªo tem nada
a ver com diÆlogo. E nªo acho que o remØdio elimine o diÆlogo.
Ele dÆ condiçıes diferentes de iniciar o diÆlogo.
CULT Essa diferença elimina a hipótese do diÆlogo
psicanalítico?
T.C. O que me assusta tremendamente num tipo de diÆlogo
psicanalítico Ø que se trata de diÆlogo que nªo sai do mesmo
lugar, que se faz em cima de um remoimento do passado que
me parece destrutivo. Considero o diÆlogo proposto pela
agosto/98 - CULT 7
Évelson de Freitas/Folha Imagem
psicanÆlise muito entravante. Com o recurso do medicamento,
vocŒ teria condiçıes de se colocar disponível para o diÆlogo
num nível diferente de abertura para o outro. A tentativa de
abordar uma glândula, que Ø o cØrebro, atravØs da palavra, me
parece que coloca as pessoas numa situaçªo de constante
fechamento de cada um em si mesmo. Quando se trata de
remontar seu universo afetual, vocŒ pode exercer uma açªo
sobre o cØrebro que nªo aquela açªo imaterial, espiritual, a
que estamos acostumados com religiıes e com a psicanÆlise.
Nós vivemos muito pouco, nªo podemos ficar fazendo dez
anos de psicanÆlise para poder tocar o outro. Nossa vida mØdia
Ø de 70 anos, nos quais temos contato com o outro durante
cerca de 40 anos, sendo que a “vida œtil” desse contato Ø de 20
anos: portanto nªo dÆ para passar dez anos num diÆlogo
pantanoso e turvo. A psicanÆlise nªo Ø factível, justa, digna.
Ela me incomoda menos como discurso filosófico ou poØtico
sobre o mundo, embora a quantidade de objeçıes levantadas
sobre os mais variados aspectos (lingüístico, antropológico)
da obra de Freud deixe dœvidas sobre sua subsistŒncia depois
da vastíssima revisªo dos œltimos dez ou vinte anos. Ainda
assim a psicanÆlise, como poesia, me interessa. Como terapia,
porØm, ela surge como œltimo grito do movimento xamanista,
que Ø prØ-modernidade. A gente entrou na modernidade, em
que o homem controla a criaçªo de outros homens e apontapara a substituiçªo do homem natural por outro tipo de homem
possível. Por que isso seria tªo impossível ou desumano? É o
nosso projeto. Poderíamos ter ido em outra linha, mas fomos
nesta. É isso que me interessa acentuar, esse grande cenÆrio de
fundo que aponta para a possibilidade de o homem se controlar
inteiramente.
CULT VocΠescreveu como observador externo ou teve
processo depressivo?
OBRAS DE TEIXEIRA COELHO
Moderno pós moderno (Iluminuras)
Arte e utopia (Brasiliense)
Usos da cultura: políticas de açªo cultural (Paz e Terra)
Uma outra cena (Pólis)
Em cena, o sentido (Duas Cidades)
A construçªo do sentido na arquitetura (Perspectiva)
Artaud: posiçªo da carne (Brasiliense)
O sonho de Havana (Max Limonad)
DicionÆrio do brasileiro de bolso (Siciliano)
Semiótica, informaçªo, comunicaçªo (Perspectiva)
O que Ø indœstria cultural (Brasiliense)
O que Ø utopia (Brasiliense)
O que Ø açªo cultural (Brasiliense)
Fliperama sem creme (romance, Brasiliense)
Niemeyer, um romance (Geraçªo Editorial)
Os histØricos (com Jean Claude Bernardet; Cia. das Letras)
CØus derretidos (com Jean Claude Bernardet; AteliŒ Editorial)
DicionÆrio crítico de política cultural (Iluminuras)
CULT - agosto/988
Leia trechos de As fœrias da mente
Um dia, ao acordar pela manhª, num pulo ele se senta
à beira da cama e pela primeira vez admite: Isso nªo Ø
um estado de espírito, Ø um problema. Terrível, declarar-
se com um problema (ele nªo quer ainda declarar-se
doente). É uma sentença inapelÆvel. Quando Ø uma outra
pessoa que o diz, um mØdico por exemplo, Ø sempre
possível pensar num engano. Ou num logro. Um segundo
mØdico poderÆ oferecer diagnóstico diferente, e o
paciente escolherÆ em qual acreditar. É um problema,
nªo Ø, Ø uma doença, nªo Ø uma doença, Ø grave, nªo Ø
grave. O paciente escolhe. Nesse caso, nªo Ø só o
diagnóstico que vem de fora: o próprio mal Ø de algum
modo exterior ao paciente, estranho a ele, algo que se
infiltra nele contra sua vontade. Quando Ø vocŒ mesmo
que se reconhece doente, entre a doença e vocŒ constrói-
se uma identidade indissolœvel. O mal estÆ dentro de
vocŒ. A doença Ø vocŒ. Nªo hÆ engano algum. VocŒ sabe.
Levou tempo para ele declarar-se com um problema
(continua relutando em declarar-se doente; aceitaria
declarar-se dolorido: nªo deveria bastar?). Nªo foi uma
questªo de semanas, meses. Foram anos, desconfia,
atØ que a consciŒncia de que havia algo errado a corrigir,
de que havia um mal a enfrentar, como se diz, mostrou-
se incontornÆvel. Uma vida inteira, provavelmente. AtØ
que um dia, a sentença: estou em depressªo. De início,
“estar em depressªo” lhe parece expressar seu estado
com mais força do que dizer “estou deprimido”. Mais
exato ainda: “tenho depressªo”. Resiste à tentaçªo de
dizer “uma depressªo tem a mim” porque seria admitir
que a depressªo estÆ fora dele e se apossou dele. Nªo.
A depressªo estÆ nele, ele Ø a depressªo. (...)
•
À noite, assistindo televisªo no escuro, banhado pela
luminosidade azulada do aparelho que exibe um filme
antigo, sente-se num universo de fantasmas – e essa
nªo era uma sensaçªo agradÆvel. Agora, ele considera
a hipótese de que o cinema seja o mÆximo de movimento
possível, o mÆximo possível de modificaçªo de estados,
com o mÆximo de fixidez aceitÆvel. Isso poderia constituir
um antídoto para a depressªo, se Godard estivesse
certo. O deprimido que nªo se compraz na depressªo
quer sair, sair de si mesmo, sair de onde estÆ, mover-se
– e ao mesmo tempo permanecer, ter certeza de que
ainda Ø ele mesmo, que pode reconhecer-se. Esses dois
momentos contrÆrios, mas talvez nªo contraditórios,
podem significar a superaçªo da angœstia de sentir-se
imobil izado e ao mesmo tempo condenado ao
desaparecimento. A depressªo, claro, Ø a imaginaçªo
da morte. Mover-se e simultaneamente permanecer, ir
adiante mas nªo adiante demais, nªo irreversivelmente
adiante demais: esse seria o antidepressivo ideal. O
antidepressivo possível. As palavras, pelo contrÆrio,
abolem o tempo e, por esse viØs, eliminam o movimento.
Permanecem demais – e o que mais apavora na
depressªo Ø a permanŒncia. No limite, a eternidade.
•
De sœbito, aquilo que Camus havia denominado, em O mito
de Sísifo, de “o œnico verdadeiramente sØrio problema
filosófico”, o suicídio, nªo passava de um banal incidente
químico. Ruía por terra, para ele, toda uma filosofia.
Naquele instante, quase se convencia de que toda a filosofia
de todos os tempos, toda, havia desmoronado. A questªo
central em Camus, como em Sartre, era a opçªo, a
liberdade de escolha e a aceitaçªo da responsabilidade
que daí deriva. O suicídio, maior problema do homem atØ
ali, era uma opçªo intencional. O acidente de carro que
matou Camus foi visto como um modo deliberado de
suicídio: Camus nªo dirigia o carro mas sabia que o
motorista era fascinado pela velocidade. Camus fez uma
opçªo. Nem sequer correu um risco: simplesmente aceitou
o caminho previsível. Mas, se a questªo era de dosagem
de serotonina, Camus nªo escolhera nada, nªo fizera
opçªo alguma – e o maior problema filosófico, o œnico
verdadeiramente fundamental para o homem, era apenas
mais um problema de química orgânica, tªo equacionÆvel
e solucionÆvel quanto tantos outros.
agosto/98 - CULT 9
T.C. Ambas as coisas. Porque a obra Ø ficcional mas reflete de
alguma maneira uma experiŒncia pessoal. A minha obsessªo hÆ
algumas dØcadas Ø de me ver livre de um aparato bÆsico que me
conformou e sobre o qual nunca tive nenhum poder, um aparato
bÆsico de idØias e de sensibilidades que recebemos em bloco,
sem poder intervir, e que marca nossa vida, a menos que se faça
um esforço sobre-humano para descartÆ-lo.
CULT Essa preocupaçªo aparece em As fœrias da mente dentro
de uma reflexªo sobre a geraçªo de 68.
T.C. No caso da geraçªo de 68, para mim Ø claro que fomos
“formatados”. O livro do Gabeira, O que Ø isso companheiro?,
permanece bastante vÆlido no sentido específico de que um
militante nªo podia usar sunga, ir à praia, ter paixıes. Gabeira
tocou no nervo de muita gente. A turma de 68 foi formatada
para deixar de lado a sensibilidade em nome de um ideal
racionalmente construído – e com bases falsas. Fomos
formatados por uma família e um país; mas tambØm nos
deixamos formatar, aderimos à nossa formataçªo por um
conjunto cultural muito específico.
CULT Como isso entra na construçªo do livro?
T.C. EstÆ presente em filigranas. As fœrias da mente Ø um livro
sobre um fenômeno específico, um estado de depressªo muito
comum hoje em dia – e, no momento em que eu estava
escrevendo, as pessoas em depressªo ao meu redor eram em
quantidades imensas. Entªo hÆ vÆrias coisas em filigrana aqui.
Essa obsessªo com o desaprender, com o “desformatar”, Ø
uma das molas dessa personagem, que quer intervir no
sentimento dele, quer ver o mundo de outra forma. A depressªo
Ø um sintoma de outro mal-estar maior, com a vida e com o
mundo, que assume esse aspecto: eu estou em conflito com
minha formaçªo anterior. O livro Ø a reflexªo de alguØm que
estÆ em estado depressivo e tenta entender o que se passa,
localizar experiŒncia. Nªo chega em nenhum momento a
parar. É um processo errÆtico.
CULT A depressªo Ø para o sØculo XX o que a histeria
foi para o sØculo XIX. VocŒ Ø co-autor de um livro chamado
Os histØricos e agora escreve um livro sobre a depressªo. O
que representam a histeria e a depressªo para o mundo de
hoje?
T.C. Escrevi Os histØricos com Jean Claude Bernardet logo
depois do período Collor, com o fechamento das contas das
pessoas etc. A histeria estava no ar. Depois, apesar do real, do
FHC, veio a grande depressªo nacional que a gente sofre,
manifestamente ou nªo. Depressªo dos jovens, fartos da
universidade, sem perspectiva (quase a mesma do jovem em
68, diga-se de passagem). Outra razªo Ø que depressªo Ø
doença cultural desta Øpoca. Todo mundo estÆ em depressªo e
se tratando. Como diz a personagemde As fœrias da mente, vocŒ
encontra anœncios em revistas estrangeiras convocando vocŒ
a perceber que estÆ em estado de depressªo – o que Ø
apresentado de maneira positiva, na medida em que muita
gente nªo perceberia que este Ø um estado patológico e,
portanto, nªo reagiria. É uma doença cultural – e nªo quero
dizer com isso que Ø ilusória ou imaginÆria. Juntando as duas
coisas, eu diria que hÆ um grande estado depressivo na cultura
nacional, que a cultura brasileira Ø muito marcada pela idØia
de morte (coisa que nªo vejo claramente em outras culturas),
e acho que em determinados momentos, como este que estamos
vivendo, esse sentimento aparece. Talvez nªo seja uma idØia
ousada, se pensarmos na cultura portuguesa que herdamos e
que Ø tremendamente marcada pela idØia de morte. Tendo a
encarar essa história da alegria do brasileiro mais como
representaçªo ideológica do que como constataçªo objetiva
inegÆvel.
CULT - agosto/981 0
Joªo Alexandre Barbosa
A publicaçªo, em 1995, dos Saggi de
Italo Calvino, reunidos em dois extensos
volumes de mais de trŒs mil pÆginas, sob
os cuidados de Mario Barenghi, com
anotaçıes preciosas e editados pela
Mondadori na coleçªo “I Meridiani”,
incluindo textos escritos entre 1945 e
1985, ano da morte do escritor, mostra,
para o leitor interessado, a variedade e a
continuidade da intensa reflexªo de
Calvino sobre temas literÆrios e tudo
aquilo que converge para a apreensªo de
uma mente e de uma sensibilidade com-
prometidas com a literatura.
Os dois volumes foram organizados
em quatro partes: a primeira inclui os trŒs
livros de ensaios quase completos do
autor (e o quase refere-se ao œltimo,
póstumo) e que sªo Una pietra sopra,
Collezione di sabbia e Lezioni americane; a
segunda inclui Narratori, Poeti e Saggisti,
que Ø subdividida em “Classici”, “Con-
temporanei italiani” e “Contemporanei
stranieri”, Altri discorsi di letteratura e
società, compreendendo “Per una lette-
ratura dell’impegno”, “Sul romanzo”,
“Sulla fiaba”, “Territori limitrofi: il
fantastico, il patetico, l’ironia”, “Editoria
e dintorni”, “Leggere, scrivere, tra-
durre”, e Immagini e teorie que inclui “Sul
cinema”, “Intorno alle arti figurative” e
“Letture di scienza e antropologia”; a
terceira Ø dividida em duas seçıes, Scritti
di politica e costume, onde estªo “Da Gente
nel tempo (1946)”, “Ritratti, cronache,
interventi”, “Le armi e gli amori (1955-
1956)”, “Cronache planetarie. Cronache
italiene”, e Descrizioni e reportages em que
se encontram “Liguria”, “Tacuino di
viaggio nell’Unione Sovietica (1952)”,
“Corrispondenze degli Stati Uniti
(1960-1961)” e “Altre descrizioni”;
finalmente, a quarta parte Ø intitulada
Pagine autobiografiche. Acrescente-se
ainda que, no segundo volume, em Note e
notizie sui testi, encontram-se preciosos
elementos editoriais, alØm de uma
bibliografia da crítica e índices remis-
sivos de nomes e de periódicos.
Como se pode ver, trata-se da mais
completa e exaustiva reuniªo dos textos
ensaísticos de Italo Calvino, revelando,
para quem o conhecia de modo frag-
mentÆrio atravØs da dispersªo de seus
ensaios pelos livros que editou ou que
foram editados postumamente, uma figura
completa de intelectual para quem a
curiosidade nªo apenas se detØm nas artes,
mas se expande para alØm, envolvendo as
ciŒncias de nosso tempo, os aconte-
cimentos políticos e sociais, as trivia-
lidades da crônica cotidiana, a contem-
poraneidade da literatura ou a herança
clÆssica europØia e mesmo as conver-
gŒncias de culturas mais diversas.
Nªo obstante a diversidade dos as-
suntos e das ocasiıes em que foram escritos
os vÆrios ensaios, hÆ, entretanto, uma
recorrŒncia fundamental em todos eles: a
maneira de articular, pela escrita, uma
convergŒncia fundamental entre o conhe-
cimento, atØ mesmo a erudiçªo em certos
casos, e a sensibilidade para o detalhe que,
seja na obra literÆria, seja nos acon-
tecimentos lidos pelo autor, Ø elevado à
categoria do elemento deflagrador do
movimento ensaístico.
Desta maneira, o ensaio, quer o que
tem por tema a literatura ou as artes, quer
o que registra a impressªo de acon-
tecimentos políticos e sociais, ou o que
traduz, contextualizando, o cotidiano de
uma experiŒncia, Ø quase sempre a ex-
pansªo muito controlada, por uma lin-
guagem de precisªo e clareza, de um
primeiro momento de sœbita apreensªo de
singularidade. É o caso, por exemplo, de
um dos textos que escreveu sobre Ariosto,
intitulado “Ariosto: la struttura dell’
Orlando furioso”, em que o início do ensaio
Ø jÆ a afirmativa daquilo que, depois, se
expande como anÆlise da singularidade do
poema: a sua recorrente incompletude.
Diz Calvino:
“O Orlando furioso Ø um poema que se
recusa a começar e se recusa a acabar.
Recusa-se a começar porque se apresenta
como a continuaçªo de um outro poema,
o Orlando enamorado, de Matteo Maria
Boiardo, que ficou inacabado com a morte
O escritor italiano Italo Calvino
de Italo Calvino
As passagens obrigatórias
agosto/98 - CULT 1 1
Xi
lo
gr
av
ur
a 
de
 
Jo
ªo
 
Le
iteA obra de um escritor tªo inquieto quanto
Calvino Ø marcada pela retomada de
nœcleos obsessivos, que sªo encontrÆveis
desde os seus primeiros textos e que
retornam com a releitura do conjunto
de seus contos e ensaios
do autor. E recusa-se a terminar porque
Ariosto nunca deixa de trabalhar nele (...).
Esta dilataçªo interna, fazendo proliferar
episódios a partir de episódios, criando
novas simetrias e novos contrastes, parece-
me explicar bem o mØtodo de construçªo
de Ariosto e Ø para ele, na verdade, um
modo de alargar este poema de estrutura
policŒntrica e sincrônica, cujas histórias
se espalham por todas as direçıes em
contínua intersecçªo e bifurcaçªo.” [Saggi
(1945-1985), primeiro tomo, pÆg. 759]
Sendo assim, aquilo que Ø percebido
como um movimento entre o começo e o
tØrmino do poema – envolvendo, por um
lado, a questªo da tradiçªo literÆria,
representada pelo poema de Boiardo, e, por
outro, o próprio modo de composiçªo
obsessivo de Ariosto – Ø, por assim dizer, o
elemento deflagrador para o conhecimento
da estrutura do poema. E, na verdade, todas
as minuciosas observaçıes que sªo feitas
em seguida sobre o poema conservam,
ecoando, por uma mÆgica prodigiosa de
estilo, aquela primeira percepçªo.
Entre a recusa de começar e a de
terminar, estÆ toda a tensªo que dissemina e
recolhe os significados do poema. Como
se, por entre os galhos frondosos da
erudiçªo – e ela Ø vasta por entre história
circunstancial e literÆria que vªo sendo
rastreadas para singularizar o texto de
Ariosto –, o leitor sentisse uma certa leveza
na companhia daquela primeira afirmativa
que o acompanha durante toda a leitura do
ensaio. Mais tarde, o próprio Calvino vai
elaborar, numa de suas “liçıes americanas”,
o conceito de leveza: um certo modo de
nªo pesar a mªo, mesmo tratando de temas
graves, e deixando o texto correr solto, como
se caminhasse à revelia do autor.
É, sem dœvida, o que parece buscar o
ensaio nas mªos de Italo Calvino e Ø,
pensando bem, a marca do próprio gŒnero.
Mas foi um gŒnero que, segundo o seu
próprio testemunho, ele aprendeu com o
poeta Leopardi e sua Operette morali. De
fato, numa carta mencionada por Anselmo
Pessoa Neto numa certa altura de Italo
Calvino. As passagens obrigatórias (Editora
da Universidade Federal de Goiânia), estÆ
dito explicitamente: “as Operette morali
sªo o livro do qual deriva tudo o que
escrevo”.
Por outro lado, a escolha do ensaio
parece ter uma razªo mais profunda: a de
que, por seu intermØdio, Ø tambØm
possível, como ocorre na preferŒncia pelo
conto, ultrapassar as distinçıes entre
poesia e prosa, como estÆ dito naquele
trecho de uma outra “liçªo americana”,
aquela sobre rapidez, e que tambØm Ø
transcrita pelo autor desse livro:
“Estou convencido de que escrever
prosa nªo deveria ser diferente de escrever
poesia; em ambos os casoshÆ a busca da
expressªo necessÆria, œnica, densa, con-
cisa, memorÆvel. É difícil manter este tipo
de tensªo em obras muito longas: por isso
meu temperamento faz com que eu me
realize melhor em textos breves.”
É precisamente a partir dessas pre-
ferŒncias de Italo Calvino que Anselmo
Pessoa Neto arma o seu modelo de
apreensªo da obra do escritor italiano.
Na verdade, o ensaio e o conto sªo, como
ele os chama, “passagens obrigatórias” para
a leitura do escritor, e mesmo o seu primeiro
livro, o romance Il sentiero dei nidi di ragno,
pode ser, em sua estrutura mais profunda,
sentido como uma coleçªo de fragmentos
narrativos que buscam se organizar a partir
do ponto de vista do menino personagem,
meio perdido por entre os adultos das lutas
guerrilheiras. Mas, como observa, com
razªo, Anselmo Pessoa Neto, este primeiro
livro tem uma funçªo mais larga na obra de
Calvino: a de uma espØcie de acerto de
contas com as possibilidades e os limites da
representaçªo de uma experiŒncia muito
pessoal do escritor que, por assim dizer,
passa a limpo o seu aprendizado político e
social numa Øpoca turbulenta, contraditória
e, talvez por isso mesmo, muito rica para a
experimentaçªo dos valores da literatura.
Ao mesmo tempo, no entanto, em que
o livro inicial parece dialogar com a
narrativa neo-realista de Vittorini ou
Pavese, Italo Calvino ia acumulando
outros conhecimentos que vinham de
outras leituras obsessivas como as do
mencionado Leopardi ou mesmo de
Ariosto, que serªo autores iluminadores
para a compreensªo do escritor poste-
rior: o primeiro, ensinando aquela
rapidez e leveza, que jÆ foram men-
cionadas, e o segundo, incitando ao
gosto pela fÆbula que serÆ uma constante
em tudo o que, depois, escreveu e pensou
na literatura. Nada disso passa desa-
percebido ao autor deste livro: logo de
início as marcas da leitura feita por Italo
Calvino sªo rastreadas por indicaçıes,
às vezes, Ø verdade, bastante sumÆrias,
mas que sªo importantes como de-
marcaçıes de um território de criaçªo
original.
CULT - agosto/981 2
Joªo Alexandre Barbosa Ø um dos
maiores críticos literÆrios do país,
autor de A metÆfora crítica, A
imitaçªo da forma, As ilusıes da
modernidade (pela Perspectiva),
Opus 60 (Livraria Duas Cidades) e
A leitura do intervalo (Iluminuras).
Professor titular de teoria literÆria
e literatura comparada, foi diretor
da Faculdade de Filosofia, Letras
e CiŒncias Humanas da USP,
presidente da Edusp e Pró-reitor de
Cultura da mesma universidade.
Joªo Alexandre assina mensal-
mente esta seçªo da CULT, cujo
nome foi inspirado no título de seu
mais recente livro, A biblioteca
imaginÆria (AteliŒ Editorial). Ainda
este ano, o crítico lançarÆ a
coletânea de ensaios Entre livros,
tambØm pela AteliŒ.
Clóvis Ferreira/AE
O livro de Anselmo
Pessoa Neto aponta para
a relaçªo indissolœvel
entre o conto e o ensaio
e para a rasura das
diferenças entre poesia e
prosa que percorrem a
obra de Calvino
Nesse sentido, o que parece fazer o
autor deste livro Ø oferecer ao possível
leitor um material que sinaliza um
caminho para a leitura de Italo Calvino:
seja a relaçªo indissolœvel entre o conto e
o ensaio que aponta, por sua vez, para
aquela busca de rasura das diferenças en-
tre poesia e prosa, sejam as primeiras
repercussıes da obra do escritor, quer em
si mesmo, quer em outros leitores, seja a
releitura de prefÆcios atualizadores do
próprio Calvino para os seus primeiros
livros, seja, enfim, a traduçªo de uma longa
entrevista concedida pelo escritor a Guido
Almansi, com que fecha o trabalho.
Deste modo, Anselmo Pessoa Neto
trabalha com um Italo Calvino que
apenas se preparava para a realizaçªo de
sua obra. Seu primeiro romance, seu
primeiro livro de contos, sua primeira
coletânea de ensaios que parecem ao
autor deste livro “passagens obrigatórias”
para a leitura posterior que se vier a fazer
quer do Calvino de I nostri antenati: Il
visconte dimezzato, Il barone rampante e Il
cavaliere inesistente, de Sotto il sole giaguaro
ou das Lezioni americane – Sei proposte per
il prossimo millenio. Mas jÆ entre Ultimo
viene il corvo e Una pietra sopra, isto Ø,
entre o conto e o ensaio, Ø possível
perceber vinculaçıes mais intrínsecas e
que apontam para aquilo que, a meu ver,
serÆ fundamental na poØtica de Calvino.
Para ficar apenas com uma, eu men-
cionaria uma espØcie de difícil controle
das passagens entre realidade e ima-
ginaçªo conseguido por força daquilo
que jÆ me referi, no caso do ensaio sobre
Ariosto, como expansªo do detalhe
percebido por um ato de sœbita ilu-
minaçªo – o que, a meu ver, Ø tambØm
responsÆvel para que, muito posterior-
mente, Italo Calvino venha a se entregar
seja aos experimentos do O.L.I.P.O., seja
ao aberto fantÆstico de Le cosmicomiche,
sem esquecer, todavia, a crítica da leitura
e mesmo da cultura que estÆ num livro
como Se una notte d’inverno un viaggiatore.
Certamente, a compreensªo de um
escritor tªo inquieto quanto Calvino nªo
pode prescindir do estabelecimento de tais
vinculaçıes: a sua obra Ø quase toda a
retomada de nœcleos obsessivos que sªo
encontrÆveis desde os seus primeiros
textos e, muitas vezes, aquilo que se julgara
ultrapassado por uma obra posterior,
numa espØcie de perigosa leitura evolutiva,
retorna de sœbito numa releitura.
Dou um exemplo: fazendo agora a
releitura do primeiro dos contos de Ul-
timo viene il corvo, movido pelo exame deste
livro de Anselmo Pessoa Neto, encontrei
traços de composiçªo que, de imediato,
me fizeram pensar em um dos contos
reunidos em Sotto il sole giaguaro.
Ali estÆ, por exemplo, o mesmo cui-
dado em deixar com que os elementos de
uma possível relaçªo amorosa apareçam
nªo atravØs de palavras ou de grandes
declaraçıes, mas por intermØdio de
gestos ou açıes que traduzem modos de
participar da própria relaçªo. Nªo sªo,
por assim dizer, palavras ou gestos
isolados, que funcionam como meca-
nismos de aproximaçªo ou de distan-
ciamento: a nomeaçªo dos gestos e das
açıes Ø transformada em nœcleos de
significado que assumem os valores da
linguagem usual das declaraçıes ou
recusas amorosas.
No caso do conto do primeiro livro, Ø
a escolha das coisas, animadas ou inani-
madas, que, uma vez oferecidas à mulher,
pudessem dizer de um sentimento jamais
expresso pelo personagem; no caso do
conto da obra póstuma, Ø o elenco de
comidas mexicanas e mesmo a açªo de
comer (ecoando todo um movimento
antropofÆgico que Ø bÆsico na estrutura
ficcional do conto e na reflexªo cultural
que ele desencadeia) que responde pela
intensidade da recusa ou da retomada
amorosa.
Deste modo, lidos simultaneamente
por artes da memória da leitura a que a
gente chama de releitura, os contos
distanciados no tempo terminam por
anular absolutas diacronias e se instauram
como momentos atualizados pela sensi-
bilidade.
É, a meu ver, o grande mØrito desse livro
de Anselmo Pessoa Neto: lembrar ao pos-
sível leitor de Italo Calvino, mais do que as
“passagens”, as “paradas” obrigatórias.
agosto/98 - CULT 1 3
“A cama sªo umas palhas”, escreveu
mestre Camilo Castelo Branco. Por
mais que as gramÆticas expliquem essa
concordância – que eu tambØm ex-
plicarei –, Ø inegÆvel que ela causa um
certo desconforto. NinguØm espera o
verbo no plural depois de um substantivo
no singular. Soa um pouco como “A
galera vibram”, “A turma foram”.
O fato, porØm, Ø que, quando se
estudam as regras de concordância
verbal, verifica-se que hÆ uma divisªo
clara: os casos genØricos e os par-
ticulares. Entre os particulares, estªo os
verbos haver, fazer e ser. Qualquer
gramÆtica traz um item em que se trata
da “concordância especial do verbo ser”.
E o que ocorre com o verbo ser no
caso? No exemplo de Camilo, o verbo
estÆ ligando coisa e coisa, ou seja,
“cama” e “palhas”, substantivos comuns,
de nœmero diferente – um no singular,
outro no plural. As gramÆticas ensinam
que, quando isso ocorre,a tendŒncia Ø
que o verbo ser vÆ para o plural. Foi o
que fez Camilo. Apesar de o sujeito ser
“cama”, o verbo (“sªo”) concorda com
o predicativo (“palhas”). E o coloca em
evidŒncia, ou seja, enfatiza-o.
Apesar da regra – se nªo chega a ser
regra, Ø, sem dœvida, a tendŒncia do-
minante –, nªo faltam nos bons autores
exemplos contrÆrios. As gramÆticas
ensinam que isso ocorre quando se quer
enfatizar o que estÆ no singular. Foi o
que fez Saramago, em Que farei com este
livro? Nessa obra, lŒ-se: “Terei de
explicar-te que, na matØria que estamos
a discutir, o ramo Ø os princípios e o
vinho a prÆtica?”
AlØm de ter preferido nªo seguir a
recomendaçªo gramatical quanto à
pontuaçªo – faltou vírgula depois de
“vinho” para marcar a omissªo do verbo
(o vinho Ø a prÆtica), o que Ø praxe no
mestre –, Saramago optou pelo verbo
ser no singular, certamente para en-
fatizar “ramo”, e nªo “princípios”.
Onde entra Dunga na história?
Depois do jogo do Brasil contra a
Noruega – vitória norueguesa, lembra?
–, houve uma reuniªo entre jogadores e
comissªo tØcnica, para que cada um
dissesse o que quisesse, ou seja, para que
ocorresse a famosa lavagem de roupa
suja.
Depois da reuniªo, o capitªo da
seleçªo disse que nªo adiantava ficar
falando, falando. “Nosso negócio nªo Ø
falar, Ø jogar. Nossa língua Ø os pØs”,
disse Dunga.
Pois bem. Por incrível que pareça, o
ato falho de Dunga deu a dimensªo do
que ocorreria com o time de Zagallo.
Ao empregar o verbo ser no singular,
conscientemente ou nªo o capitªo
colocou em evidŒncia algo que ele
mesmo dizia nªo ser o forte dele e dos
demais jogadores: a língua.
Ledo e ivo engano, como diria outro
mestre – Carlos Heitor Cony. Talvez
premonitória, a declaraçªo de Dunga –
por meio da concordância verbal –
sintonizava-se com o pífio futebol que a
seleçªo exibiu na Copa, principalmente
na final. Apesar de ser tarde, convØm
corrigir, sobretudo para estabelecer o
nexo entre a gramÆtica e o que Dunga
pretendia afirmar, ou seja, adequar a
frase à verdadeira intençªo do falante –
enfatizar os pØs, base literal de seu ofício:
“Nossa língua sªo os pØs”.
Pasquale Cipro Neto
professor do Sistema Anglo de Ensino, idealizador e
apresentador do programa Nossa língua portuguesa, da TV
Cultura, autor da coluna Ao pØ da letra, do DiÆrio do Grande
ABC e de O Globo, consultor e colunista da Folha de S.Paulo.
A PREMONI˙ˆO DE DUNGA
Pasquale Cipro Neto
CULT - agosto/981 4
– Mas Petersburgo Ø um estado de
espírito, quase uma nacionalidade –,
explicava Helena, a mulher do famoso
mitólogo EleÆzar Meletínski, quando a
visitei em Moscou em 1992. – É diferente
disso que estÆ aqui, Ø a œnica grande cidade
que, bem ou mal, conseguiu resistir. Ao
quŒ, nªo perguntei. Imagino que seja à
total dissoluçªo de valores em que, por
exemplo, mergulhou Moscou, depois da
perestróika falida. Nªo tive, porØm,
coragem de ir atØ lÆ. Preferi ficar com a
recordaçªo do que vi nas viagens de estudo
que repeti entre 77 e 83, e que se fundiu
com as leituras de Pœchkin, de Gógol, de
DostoiØvski, com a mœsica de Tchai-
kóvski, de Glinka, de Mussórgski, com a
arquitetura ampla e dourada pelo sol de
junho de suas praças, com as visitas aos
tesouros do Hermitage ou do PalÆcio de
Verªo e... com as noites brancas: uma
cidade feØrica, onde a realidade e a
imaginaçªo dificilmente resistem ao
convite de se unirem. Minhas lembranças
tambØm se unem às de outros entusiastas
de Peter (Ø assim que os russos sempre
chamaram a cidade que hoje tem uma
populaçªo de quase 5 milhıes de
habitantes) e, como se trata de uma
rememoraçªo principalmente geogrÆfica,
nada melhor do que se deixar guiar pelas
do petersburguense Josif Bródski (mais
A cidade russa ergue-se sobre um pântano,
criando uma atmosfera de irrealidade pelo
contraste entre a onipresença da Ægua e o
equilíbrio dos conjuntos arquitetônicos, igrejas
e telhados orlados de ouro de seus palÆcios –
cujo estilo clÆssico, segundo Josif Bródski, Ø “tªo
abstrato e perfeito a ponto de se tornar absurdo”
Aurora F. Bernardini
Sªo Petersburgo,
sob o signo do classicismo
agosto/98 - CULT 1 5
sua grande maioria estªo agora unidas ao
continente. Fundamentalmente, o rio
Nieva e seus afluentes locais dividem o
centro da cidade em quatro setores
principais: a ilha Vassilievski, a oeste,
Petrogrado e Viborg, ao norte, e o
Almirantado, a sudeste, em cuja parte
ocidental nos deteremos. Em meados de
dezembro, a Ægua dos rios congela e isso
vai atØ o começo da primavera, em abril.
Mas este Ø um panorama completamente
diferente: nossa viagem se dÆ no mŒs de
junho, quando a temperatura gira por
volta dos 18 graus centígrados e, durante
o mŒs inteiro, o sol desaparece do cØu
por umas duas horas apenas e “os
palÆcios, despidos de suas sombras e com
os telhados orlados de ouro, tomam o
aspecto de um delicado serviço de
porcelana”.
A maior concentraçªo das riquezas
artísticas e culturais da cidade estÆ
justamente no Almirantado, setor que
tem o nome do famoso prØdio “cuja
agulha de ouro tenta, como um raio
invertido, anestesiar as nuvens”, e que Ø
tambØm o nœcleo da cidade original de
Pedro I. Mas deixemos a palavra a
Bródski: “Muito apropriadamente,
alguns quilômetros rio abaixo, na
margem do rio oposta [à da Estaçªo
Finlândia, onde atØ a morte de Bródski
existia a estÆtua de LŒnin], ergue-se um
monumento ao homem cujo nome a
cidade usou desde sua fundaçªo: Pedro,
o Grande. (...) É um monumento
imponente [universalmente conhecido
como “O cavaleiro de bronze”], com
cerca de seis metros de altura, a melhor
obra de Étienne-Maurice Falconet
[1782], que foi recomendado por
Voltaire e Diderot à grande Catarina, que
encomendou a obra. Pedro, o Grande
[1672-1725], paira do alto da rocha
gigantesca de granito [vermelho]
arrastada atØ aqui do istmo da CarØlia,
contendo com a mªo esquerda o cavalo
rampante, simbolizando a Rœssia, e com
a direita indicando o caminho do norte.”
A inscriçªo gravada no lœcido bloco
de granito do pedestal diz em latim, uma
língua incisiva tanto quanto o russo,
PETRO PRIMO – CATARINA
SECUNDA.
Foi este monumento que inspirou a
Pœchkin o poema longo mais famoso da
Rœssia, “O cavaleiro de bronze”, a
história – relata Bródski – de “um obscuro
funcionÆrio que após ter perdido sua
amada numa inundaçªo [nªo se esqueça
de que a cidade foi construída prati-
camente sobre um pântano] acusa a
estÆtua eqüestre do imperador de negli-
gŒncia (nªo cuidou das barragens) e
tarde, na AmØrica, Joseph Brodsky), o
poeta laureado com o Nobel de 87, que
morreu hÆ pouco e que sempre achou que
o espaço (o olhar) Ø o essencial: a
disciplina das colunatas, a luz pÆlida
difusa, “onde olho e memória operam
com acuidade desusada”, a onipresença
da Ægua, “forma adensada do Tempo”. A
Sªo Petersburgo, Bródski dedicou um
ensaio em 86, o “Guia a uma cidade que
mudou de nome” (existe traduçªo para o
portuguŒs em Menos que um, pela Com-
panhia das Letras), que tem como
epígrafe uma frase de On photography de
Susan Sontag: “Possuir o mundo sob
forma de imagens Ø tornar a experimentar
a irrealidade e o afastamento do real”, mas
em toda sua obra, em prosa e em verso “a
evocaçªo da cidade Ø uma categoria do
espírito”, como faz questªo de acentuar.
De fato, Sªo Petersburgo Ø uma cidade
que mudou de nome: do original Sankt
Peterburg, que lhe foi dado por Pedro I,
seu fundador, em 1703, a Petrogrado em
1914, a Leningrado, de 1924 atØ a queda
do impØrio soviØtico, quando voltou a
chamar-se por seu primeiro nome, para
nós, Sªo Petersburgo. A Ægua onipresente
Ø a do rio Nieva, que desemboca no golfo
da Finlândia, e seus numerosos afluentes:
a cidade se espraia sobre as 42 ilhas (101,
segundo Bródski) de seu delta, mas em
“O cavaleiro de bronze”, estÆtua eqüestre
em homenagem a Pedro, o Grande,
fundador de Sªo Petersburgo;
na pÆgina à esquerda,
o domo dourado do Hermitage
CULT- agosto/981 6
enlouquece ao ver Pedro soltar-se do
pedestal e ir atrÆs dele enfurecido para
pisoteÆ-lo sob os cascos de seu cavalo e
fazŒ-lo desaparecer no ventre da terra.”
Os versos, em pentâmetro jâmbico,
espØcie de medida mØtrica-espiritual tªo
familiar na Rœssia como o tetrâmetro na
Inglaterra, sªo – conclui Bródski – “os
mais belos que tenham sido escritos em
louvor a essa cidade, nªo sendo os de
Ossip Mandelchtam, que tambØm foi
tragado pelo impØrio um sØculo depois
de Pœchkin ter sido morto em duelo”.
Mas continuemos nossa viagem.
À direita do “cavaleiro de bronze” hÆ
“uma instituiçªo militar – o Almirantado.
À sua esquerda, porØm, fica o Senado,
hoje sede do Arquivo Histórico do
Estado e a mªo indica, alØm do rio, a
Universidade construída por Pedro em
pessoa e onde o homem do carro blindado
[LŒnin] recebeu parte de sua educaçªo.”
A vasta praça do Senado, mais tarde
chamada “Dos Decembristas” em
homenagem à revolta de 1825 de alguns
jovens da nobreza contra o czar, todos eles
sentenciados (Pœchkin escapou por
pouco), abriga edifícios majestosos cujas
fachadas datam de 1830 e representam a
œltima grande obra de Carlo Rossi, um
dos artistas italianos que embelezaram a
cidade. “Aquelas magníficas fachadas
cheias de marcas atrÆs das quais – por
entre pianos vetustos, tapetes puídos,
quadros empoeirados dentro de pesadas
molduras de bronze, sobras de móveis
(quase inexistentes as cadeiras) devoradas
pelas estufas de ferro, durante o sítio –
uma tŒnue vida começava a tremeluzir. E
lembro que, ao passar diante daquelas
fachadas para ir à escola, perdia-me
imaginando o que poderia acontecer
dentro daqueles quartos com as velhas
tapeçarias infladas e flutuantes. Devo
dizer que daquelas fachadas e daqueles
pórticos – clÆssicos, modernos, eclØticos,
com suas colunas e pilastras e cabeças de
animais míticos ou personagens escul-
pidas em gesso –, de seus ornamentos e
cariÆtides que sustentavam os balcıes, dos
torsos à espreita nos nichos dos Ætrios,
aprendi mais coisas sobre a história de
nosso mundo do que de qualquer livro
que vim a ler mais tarde.”
AlØm do “Manejo” (1804-07), que
fica próximo do prØdio do Senado, abre-
se outra praça que abriga a famosa
Catedral de Santo Isaac com sua cœpula
de mais de cem quilos de puro ouro,
construída em estilo clÆssico por Auguste
Montferrand (1818-58). O estilo
clÆssico, “tªo abstrato e perfeito a ponto
de se tornar absurdo”, Ø – no dizer de
Bródski – o signo de Sªo Petersburgo.
“Toda crítica (...) pressupıe no crítico a
consciŒncia de um plano de observaçªo
superior, de uma ordem mais
conveniente. A história da estØtica russa
fazia com que os conjuntos arquite-
tônicos, igrejas inclusive, fossem
percebidos – e ainda o sªo – como a
melhor encarnaçªo possível desta ordem.
De qualquer modo, uma pessoa que tenha
vivido o suficiente nesta cidade Ø levada a
associar a virtude com a proporçªo. Trata-
se de uma velha idØia grega que porØm,
uma vez transferida para sob o cØu do
norte, adquire a autoridade particular de
um espírito de cruzada e confere ao artista
uma aguda consciŒncia da forma. Este
tipo de influŒncia Ø sobretudo claro no
caso da poesia russa, ou melhor (...)
petersburguesa. Por dois sØculos e meio
esta escola, de Lomossov e DerjÆvin a
Pœchkin e sua plŒiade (...) atØ os acmeístas
– Achmatova e Mandelchtam, neste
sØculo – viveu sob o mesmo signo que a
concebeu: o signo do classicismo.”
Do Almirantado e de suas praças
irradiam trŒs grandes avenidas, entre as
quais a mais importante Ø a avenida
NiØvski, imortalizada pelo conto de
Gógol do mesmo nome (sem falar de O
capote, do mesmo Gógol, e de Crime e
castigo, de DostoiØvski, entre outros), que
se estende por cinco quilômetros
À esquerda, vista
panorâmica
de Sªo Petersburgo.
Na pÆgina oposta,
a colunata da catedral
de Kazan e o poeta
Josif Bródski
agosto/98 - CULT 1 7
praticamente em linha reta atØ a abadia
de Alexandre NiØvski, cortando um
meandro do Nieva de parte a parte e
cruzando, no caminho, dois rios menores,
o Moika, numa ponte das mais
sugestivas, sobre a qual campeiam as
estÆtuas de quatro cavalos, e o Fontanka.
As margens do Fontanka, semeadas de
casarıes, hospedam tambØm uma das
instituiçıes mais tradicionais do povo
russo, os bania ou casas de banho,
descritas magistralmente por Pasternak
em um de seus poemas. Sªo construçıes
que tŒm, internamente, um tipo especial
de tijolo capaz de produzir, quando
aquecido e molhado, um denso vapor
d’Ægua. Os banhistas esfregam seus
corpos com ramalhetes de capim seco
chamados matchÆlka, que eram vendidos
na porta por velhinhas, e despejam jatos
de Ægua fria uns nos outros. JÆ as
construçıes do NiØvski Prospect (Ø este o
nome russo da famosa avenida) sªo
palÆcios da antiga nobreza (os Stroganov,
os Chuvalov e Anichkov), igrejas
conhecidas por seus ícones e esculturas
(como a mais importante delas, a catedral
de Kazan, de 1801-11), o Teatro Pœchkin
e o Gostinni Dvor, hoje centro comercial,
uma construçªo que forma uma praça
irregular que dÆ para quatro ruas e que
remonta a 1761, quando foi projetada por
Jean-Baptiste Vallin de la Mothe. AlØm
da praça da abadia de Alexandre NiØvski
(herói da história russa a quem Prokófiev
dedicou uma ópera com o mesmo nome
que tem um dos coros mais impres-
sionantes jamais compostos), abre-se um
curioso conjunto arquitetônico: dos lados
esquerdo e direito, respectivamente, o
cemitØrio de LÆzaro, com esculturas em
mÆrmore e granito do sØculo XVIII, e o
de Tikhvin, do sØculo seguinte, que
acolhe, por entre arbustos e flores
campestres, os tœmulos de DostoiØvski,
Mussórgski e Tchaikóvski. De lÆ se vŒem
as cœpulas da Igreja da Anunciaçªo,
projetada em 1720 por Domenico
Trezzini, e a Catedral da Santíssima
Trindade, desenhada entre 1778-90 por
Ivan Starov.
“Nas Øpocas sucessivas à de Pedro nªo
se construíram mais edifícios œnicos,
isolados, mas inteiros conjuntos arqui-
tetônicos, ou melhor, paisagens arqui-
tetônicas. Intocada atØ entªo pelos estilos
da arquitetura europØia, a Rœssia levantou
suas barragens, e o barroco e o classicismo
jorraram inundando as ruas e as margens
de Sªo Petersburgo. Feito imensos órgªos
de igreja, florestas de colunas ergueram-
se para o cØu e se alinharam ao longo das
majestosas fachadas, ad infinitum, num
quilomØtrico triunfo euclidiano. Durante
a segunda metade do sØc. XVIII e
primeiro quartel do seguinte, esta cidade
tornou-se um verdadeiro safari para os
melhores arquitetos, escultores e
decoradores italianos e franceses. Ao
adquirir seu aspecto imperial, a cidade
levou seu escrœpulo atØ o menor detalhe:
as chapas de granito que revestem rios e
canais, o elaborado desenho de cada
caracol de suas grades de ferro fundido
sªo exemplo disso. (...) No entanto,
qualquer que fosse o modelo em que os
arquitetos se inspiravam em seu trabalho
– Versailles, Fontainebleu etc. –, o
resultado era sempre inconfundivelmente
russo. Isso porque o que ditava ao
construtor a distribuiçªo das vÆrias partes
de um edifício e o estilo a ser adotado a
cada vez nªo era tanto a vontade
caprichosa do cliente (...) quanto a
abundância exorbitante de espaço. Quem
observar o panorama do Nieva da fortaleza
de Pedro e Paulo, ou entªo a Grande
Cascata junto ao golfo da Finlândia, tem a
estranha sensaçªo de que nªo Ø a Rœssia
que procura alcançar a civilizaçªo
europØia, mas que esta, como que de
dentro de uma lanterna mÆgica, Ø projetada
com seus detalhes ampliados, sobre um
enorme vídeo de espaço e de Ægua.”
Aurora F. Bernardini
professora de pós-graduaçªo em literatura russa na USP
CULT - agosto/9818 E
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JosØ Guilherme Rodrigues Ferreira
e Manuel da Costa Pinto
Fotos de Juan Esteves
Haroldo de
Campos fala de
seu novo livro,
Crisantempo, que
viaja num
território poØtico
sem fronteiras,
registrando
experiŒncias
de viagem,
homenageandoamigos,
traduzindo desde
Catulo atØ poetas
israelenses, e
atualizando cada
ocasiªo numa
“concreçªo de
linguagem” que
ultrapassa o
rótulo redutor do
concretismo e
revela as dicçıes
variadas desse
poeta da
“agoridade”
agosto/98 - CULT 19
Em visita à multicultural JerusalØm,
Haroldo de Campos se emocionou ao ver
de perto a rocha-plataforma de onde,
segundo a tradiçªo islâmica, MaomØ
ascendeu aos cØus num burrico alado,
guiado pelo arcanjo Gabriel. Em
Medellin, na Colômbia, muito alØm da
propalada guerra do trÆfico, se inebriou
com os sons da siberiana Sainkho Nam-
tchylak, uma “rapsoda xamânica”, parti-
cipante como ele de um democrÆtico
festival internacional de poesia. Depois
de conhecer vÆrios templos no Japªo,
Haroldo tomou chÆ e descansou como
um zen-budista no sofÆ que pertenceu a
Fenollosa. Encontros e momentos epifâ-
nicos como esses foram ponto de partida
para muitos dos poemas que compıem e
dªo o tom a Crisantempo, o novo livro do
poeta, tradutor e ensaísta Haroldo de
Campos – que estÆ sendo lançado pela
editora Perspectiva e que Ø acompanhado
por um CD no qual o autor lŒ uma seleçªo
de seus trabalhos.
Na poesia da “agoridade”, “pós-
utópica”, empreendida por ele, o exer-
cício de rotina tem sido “atualizar cada
ocasiªo numa concreçªo de linguagem”,
viajando num território poØtico sem
fronteiras que pode incluir a Nova York
dos “rasga-cØus” ou a esquina mais
próxima, com seu semÆforo de “olho
vermelho”, “raio polifŒmico” a perscrutar
a escuridªo da noite.
A poesia da “presentidade” estÆ tam-
bØm na sØrie onde homenageia amigos
pintores, amigos escritores e amigos
felinos. Nem mesmo a tØrmita voraz, nada
amiga, quase invisível, no ritual silencioso
da destruiçªo de livros (e estes estªo por
toda parte no sobrado da Rua Monte
Alegre, no bairro paulistano de Perdizes),
escapou a um “elogio”.
A “ocasiªo” pode ser tambØm de outra
natureza. Política, por exemplo, ou
mesmo ecológica. O anjo esquerdo da
história, dedicado aos sem-terra mas-
sacrados no ParÆ, foi construído após o
choque despertado pela fotografia do
funeral das vítimas, estampada na Folha
de S. Paulo. Haroldo se entusiasma
quando fala desse poema, enfrenta os
ataques que apontam a peça como mera
açªo panfletÆria, e defende seu rigor
formal, lembrando as liçıes de Maia-
kóvski: “Sem forma revolucionÆria nªo
hÆ arte revolucionÆria”. AtØ a poluída
Cubatªo ganhou palavras tensas do poeta.
Haroldo deixou temporariamente de lado
os infernos metafísicos para descrever a
imensidªo de um inferno factual, da
cidade com “cØu-enfermiço”, “cØu-de-
fel”, “dossel bilioso”.
Crisantempo Ø, a seu modo, mais um
golpe duro na ladainha que hÆ anos
persegue Haroldo e nªo cansa de entoÆ-
lo como poeta concretista. Concretista ele
confessadamente jÆ nªo Ø, pelo menos
desde as proliferaçıes barroquizantes de
suas GalÆxias, no início dos anos 60. O
poeta reage bem ao lenga-lenga, diz que
Ø mesmo difícil se livrar dos rótulos. E
mais uma vez mostra que Ø capaz de
manter qualidade e inventividade poØtica
com dicçıes variadas. Para isso reclama,
como num dos poemas, as doses certas
de paciŒncia, ciŒncia, demŒncia, obsessªo,
certeza, incerteza.
O novo livro tambØm Ø oportunidade
para a celebraçªo de mais traduçıes.
Haroldo, que jÆ estudou o hebraico para
“transcriar” textos bíblicos, usa essa
ferramenta agora para apresentar os
maiores poetas israelenses contem-
porâneos. Na outra ponta, mostra uma
sØrie de poemas de Catulo, que estavam
na gaveta, prontos para a revelaçªo. Em
Crisantempo ecoam ainda as vozes de
HorÆcio, Ovídio, PØrsio, ParmŒnides,
Safo, Alcman, Mimnermo, Alceu,
KavÆfis…
O tradutor nunca deu mesmo trØgua
ao poeta. E vice-versa. No final dos anos
50, início dos 60, a produçªo pessoal
dialogava principalmente com as tradu-
çıes inspiradas nos modelos e no pai-
deuma de Ezra Pound. Havia entªo um
quŒ programÆtico no ar, resquício ainda
das inquietaçıes levantadas pelo movi-
mento da poesia concreta. Mas o leque
de interesses foi se ampliando, entraram
o Barroco, a poesia russa... Quarenta anos
depois, tradutor e poeta confundem-se
numa relaçªo cada vez mais visceral. JÆ
nªo hÆ diferença possível entre esses
papØis (se Ø que algum dia houve), aos
quais se soma o do ensaísta tªo acurado
quanto curioso. Afinal, para ele, “a
literatura Ø feita de literatura”.
O que sªo Os Lusíadas?, pergunta
Haroldo. E ele mesmo responde, com
uma aula: “No sentido lato da palavra,
Os Lusíadas sªo uma traduçªo da Eneida
de Virgílio, que por sua vez Ø a conti-
nuaçªo e a traduçªo da Ilíada de Homero.
A poesia de Homero tinha força e
intensidade garantida pela beleza sonora
da língua grega. Virgílio era um poeta
recrutador, que fez Eneida para celebrar
a glória de Roma. Versos inteiros foram
transpostos e transformados em versos
latinos. Dentro da estØtica entªo neces-
sÆria da imitaçªo, Camıes, ao traduzir
Virgílio, traduziu Homero.”
Na entrevista à CULT publicada a
seguir, Haroldo fala de Crisantempo, de
todas as literaturas nele contidas e da
importância dessa cadeia de traduçªo e
tradiçªo. Explica o conceito de “reima-
ginaçªo”, passa pela anÆlise da crise das
vanguardas, rememora com carinho dos
amigos de ofício, e revela que nªo desistiu
da idØia de organizar uma antologia da
poesia brasileira de invençªo, nos moldes
daquela esboçada no seu livro A arte no
horizonte do provÆvel.
Para que o nosso encontro pudesse
acontecer, Haroldo teve de interromper a
sessªo diÆria de “homeroterapia” a que tem
se entregado para enfrentar, com extrema
dignidade, alguns problemas de saœde. “Sem
poder sair de casa, comecei a trabalhar como
um louco na traduçªo da Ilíada”, diz. JÆ
traduziu mais de quatro mil versos. É
preciso estar factivo para se manter vivo,
nªo cansa de receitar Haroldo. O “cacha-
lote com barbas de Netuno”, como carinho-
samente a ele se referia seu amigo CortÆzar,
ainda tem muitos mares “nunca d’antes
navegados” a singrar.
Crisantempo, de Haroldo de Campos, incluindo CD
com leitura de poemas pelo autor, serÆ lançado atØ o final
deste mŒs pela editora Perspectiva (tel. 011/885-8388)
CULT - agosto/9820
CULT Crisantempo reœne, a um só
tempo, trabalhos que revelam diversas
prÆticas de invençªo, desde as “Trans-
luminuras”, traduçıes de gregos e latinos,
atØ poemas como o dedicado aos sem-
terra. HÆ tambØm uma sØrie que funcio-
na como uma memória nada conven-
cional das suas viagens. VocΠpoderia falar
sobre algo que unificasse ou atØ fosse a
negaçªo da unidade entre esses poemas?
HAROLDO DE CAMPOS De
fato, hÆ uma unidade nessa variedade. O
livro abarca os œltimos 12 anos de minha
produçªo poØtica, com algumas coisas
mais antigas, que tinham ficado meio
marginais. É o caso do conjunto de
traduçıes do Catulo. Crisantempo se
caracteriza exatamente por aquela pro-
posta que formulei no ensaio Poesia e
modernidade, onde falo do poema pós-
utópico. Esse ensaio foi apresentado num
encontro por ocasiªo dos 70 anos do
Octavio Paz, no MØxico, foi depois
publicado na Folha e, mais recentemente,
no livro O arco-íris branco. Nesse ensaio
eu falo de uma poesia pós-utópica, ou seja,
de uma poesia da agoridade, da presen-
tidade… Crisantempo representa esse
momento específico do meu trabalho, em
que cada poema Ø uma ocasiªo textual
atualizada. Eu jÆ nªo faço poesia concreta,
nos moldes daquela estØtica específica do
Plano Piloto, ou pelo menos nªo faço
poesia concretista, strictu sensu, desde
meados da dØcada de 60. Em 63, eu jÆ
comecei as GalÆxias, que, embora tenham
na microestrutura elementos de concre-
çªo, jogos de linguagem que corres-
pondem aos poemas concretos, Ø uma
experiŒncia completamente no outro
sentido, da proliferaçªo. Embora eu nªo
esteja mais fazendo poesia concretista,
nos termos daquela estØtica de culmi-
naçªo (culminaçªo nªo no sentido de
valorizaçªo axiológica, mas sim no
sentido de radicalizaçªode toda uma
poesia do Ocidente que viria desde
MallarmØ), continuo fazendo uma poesia
concreta no sentido lato. Trabalho com a
materialidade da linguagem, numa gran-
de diversidade de opçıes estilísticas,
ocasiıes concretas de linguagem atua-
lizadas em dicçıes diferentes. Daí por
que, por exemplo, se em determinado
momento a situaçªo sobre a qual o poema
incide Ø uma situaçªo lírica, eu trabalho
com uma dicçªo lírica.
CULT Em que medida as cele-
braçıes, evocaçıes de Crisantempo, sªo o
paideuma de Haroldo de Campos?
H.C. Crisantempo tem um paideuma
embutido que serve quase como uma
rosÆcea de referŒncias. HÆ nele linhas de
formaçªo do poeta que se traduzem em
algumas escolhas. É claro que eu tenho
uma influŒncia muito definida, nesse
particular, do Pound. Mas hÆ tambØm
diferenças, algumas vezes atØ bastante
grandes. E nªo estou falando do lado
político, que isso Ø evidente. Falo do lado
estØtico. Pound nunca compreendeu o
barroco. Ele criticava Gôngora, nªo
aceitava Milton, que pode ser consi-
derado um maneirista, de certa maneira
um barroco tambØm. Pound tinha outras
escolhas na literatura inglesa, valorizava
muito os tradutores de Homero. Eu dou
imensa importância ao barroco, mas nªo
tenho, em relaçªo ao Pound, a postura de
um Harold Bloom. Bloom privilegia
justamente a tradiçªo contra a qual Pound
se insurgiu, que era a tradiçªo de Milton.
Pound nªo aceitava Milton porque, dizia,
“escreve um inglŒs como se fosse latim”,
fazendo aquelas inversıes. A tradiçªo de
Bloom Ø a do grande romantismo, Mil-
ton, Blake, Keats, depois Yeats, Wallace
Stevens, Elizabeth Bishop, que exclui toda
linha Pound-Eliot, que privilegiou os
poetas metafísicos. Meu dissídio com
Pound, no barroco, nªo implica aceitar
as propostas de Bloom, muito interes-
sante nas formulaçıes críticas, na meta-
linguagem, mas tradicional e reacionÆrio
nas escolhas. É bom lembrar que ele Ø
tradicional no sentido sublime. Nªo se
pode confundir o seu tradicionalismo
com o das revistas literÆrias americanas.
CULT Qual a relaçªo entre esse
tradicionalismo e aquele que chega ao
pœblico por meio das revistas literÆrias?
H.C. VocŒ nªo vŒ a vanguarda poØtica
americana nas revistas normais, nem nas
mais sofisticadas, tipo New York Review of
Books. Elas publicam poemas sempre dentro
dessa tradiçªo neo-romântica, que significa
conservadorismo em termos poØticos. Seria
como se as revistas e jornais brasileiros
privilegiassem uma produçªo romântica
tipo Augusto Frederico Schmidt. É como
se, de repente, o tom da literatura brasileira
fosse dado por esse poeta. Na Øpoca da
revista Clima, o tom era Frederico Augusto
Schmidt. Basta ver a coleçªo. A revista o
elogiava como “o” poeta, apesar do fato de
ser um poeta reacionÆrio, um homem de
direita. Nªo vou fazer esse juízo moralista
agosto/98 - CULT 21
poema qohelØtico 2: elogio
da tØrmita
os cupins se apoderaram da biblioteca
ouço o seu Æfono rumor
o canto zero das tØrmitas
os homens desertaram a biblioteca
palavras transformadas em papel
os cupins ocupam o lugar dos homens
gulosos de papel peritos em celulose
o orgulho dos homens se abate madeira roída
tudo Ø vªo
a lepra dos cupins corrói o papel os livros
o gorgulho mina o orgulho
assim ficaremos cadÆveres verminosos
escrevo este elogio da tØrmita
(Nota do autor: QohØlet, “O-que-sabe”, Ø o nome hebraico do
autor anônimo do livro bíblico conhecido como Eclesiastes)
Extraído de Crisantempo
Nesse trecho da entrevista, Haroldo de
Campos explica seu projeto de uma antologia
da poesia de invençªo.
•
Eu nunca deixei morrer a idØia de
fazer uma antologia da poesia brasileira
de invençªo, esboçada no livro A arte no
horizonte do provÆvel. Com a colaboraçªo
do NØlson Ascher e da tradutora Regina
Alfarano, jÆ estou preparando uma pri-
meira versªo abreviada dessa antologia.
Seria a tentativa de ver a diacronia da
poesia brasileira do ponto de vista
sincrônico, ou seja, a poesia do passado
vista com olhos do presente, mas nªo sem
considerar o contexto do passado.
Haveria uma dimensªo histórica, em que
o toque de escolha seria dado pela
pervivŒncia dos poemas. Um poeta como
o alemªo Klopstock, que fez O Messias,
nªo tem pervivŒncia, embora tenha im-
portância. Agora Goethe tem impor-
tância e pervivŒncia. O Fausto Ø o Finnegans
wake da Øpoca de Goethe, considerado
ininteligível. Eu faria uma antologia em
que leria todo o passado desde Anchieta
(que tem coisas interessantes entre o
mundo medieval e prØ-barroco, o uso de
vÆrias línguas, tupi, latim, espanhol,
portuguŒs, algumas coisas com sabor de
Gil Vicente). Passaria tambØm por todos
os demais, o barroco, os Ærcades. Cartas
chilenas, por exemplo, seria obrigatório.
Botelho de Oliveira, que Ø muito menos
considerado que Gregório, tem de entrar.
Ele era mesmo um artesªo, como obser-
vava MÆrio Faustino. Os poetas entrariam
dentro dessa escolha sincrônica e, em
anexo, teríamos as pedras de toque: em
vez de um poema inteiro, que na sua in-
teireza Ø chato, vocŒ escolhe as pedras de
toque, recorta determinados versos para
mostrar a incidŒncia da modernidade
mesmo onde aquele poeta desenvolve
uma dicçªo tradicional. AlØm disso, darei
lugar, em pØ de igualdade, aos tradutores.
O Gonçalves Dias tem uma traduçªo do
Heine que Ø desprezada. Numa antolo-
gia de Gonçalves Dias, poderia nªo
colocar alguns daqueles famosos poemas
indianistas. A “Cançªo do exílio” nªo me
diz nada, foi corroída pelo tempo. Mas
Gonçalves Dias tem uma outra parte da
obra muito interessante, aliÆs muito bem
salientada por Antonio Candido, que faz
uma boa abordagem do seu legado, apon-
tando inclusive o pesado lastro da prosa
alemª. Eu jÆ fiz tambØm uma leitura
extensa do Fagundes Varela e jÆ tenho idØia
de como escolher Castro Alves. O Castro
Alves Ø muito visto sob aquela coisa
retórica da poesia abolicionista. Acho, por
exemplo, que, como poesia abolicionista,
a de Castro Alves nªo Ø a mais interessante.
E sim a de um poeta negro, Luís Gama,
que fez a famosa sÆtira “A bodarrada”,
uma das coisas mais violentas jÆ escritas,
na qual ele arrasa com a prosÆpia dos
nobres, dos brancos, fazendo uma coisa
corrosiva, diretamente influenciada por
Gregório de Matos. Na antologia, eu
colocaria “A bodarrada” na íntegra.
“A poesia do passado vista com olhos do presente”
agosto/98 - CULT 21
CULT - agosto/9822
e ideológico, porque se ele fosse reacionÆrio
e um bom poeta… Mas era um mau poeta.
Chegavam a pôr poeta com pŒ maiœsculo,
que Ø o que fazem quando nªo sabem
explicar por que o poeta Ø bom. A revista
Clima Ø uma legenda nªo decodificada, as
pessoas a aceitam em bloco. Nunca nin-
guØm foi ver o que estÆ escrito lÆ, os artigos,
as posiçıes tomadas, os poetas que eles
publicavam. É só ver… A revista Clima
chegou a celebrar um poetaço, o Rossini
Camargo Guarnieri, tratado como um
futuro Drummond, nªo vou dizer nem por
quem. E Ø uma revista da dØcada de 40.
Se fosse uma revista do romantismo
alemªo! Eu jÆ comprei vÆrios exemplares
em sebo e tenho toda a revista xero-
copiada, porque estou interessado em
discutir esses assuntos, mas sem respeito
reverencial. Nªo sou movido por respeito
reverencial, sou movido por amore, amor
à poesia. À poesia e ao fato. Dife-
rentemente das publicaçıes quase oficiais
desse romantismo de diluiçªo. E o
Bloom Ø hoje o grande responsÆvel por
isso, no foro universitÆrio. Ao privilegiar
o grande romantismo e excluir a outra
linha, ele acaba oferecendo os funda-
mentos ao alicerce dessa gente medíocre.
O Bloom Ø um crítico de formulaçıes
brilhantes, mas nªo Ø um analista de texto.
Ele trabalha com temas que muitas vezes
conforma às suas teorias. Num certo
sentido, para ser polŒmico e fazer uma
brincadeira, ele Ø o exemplo de mau
crítico, do ponto de vista do Pound, que Ø
aquele que chama atençªo antes para suas
idØias do que para os textos que analisa.Isso Ø uma pequena digressªo…
CULT Voltemos às suas escolhas
pessoais, de certo modo refletidas em
Crisantempo…
H.C. O barroco Ø algo fundamental
para mim, com suas vÆrias literaturas, Sor
Juana InØs de la Cruz, Gregório de Matos
e a herança fantÆstica hispanoamericana.
Eu tenho outras leituras de interesse que
Pound nªo teve. A poesia hebraica, por
exemplo, que estudei por seis anos.
TambØm entrei por uma vanguarda alemª
que nunca interessou especificamente ao
Pound. Ele tinha as preferŒncias dele, os
provençais, Dante, aquela linha de língua
inglesa que estÆ no ABC da literatura, os
gregos e latinos, sobretudo Catulo e
HorÆcio, PropØrcio e a linha coloquial,
irônica, do simbolismo francŒs. Esse Ø o
grande contorno. Nªo apreciava Petrarca,
nªo apreciava Virgílio, apreciava Ovídio.
Embora, nesse particular, me considere
um aluno desse paideuma poundiano, eu
me interessei por poesia russa, que nªo
esteve no endereço do Pound. Entªo eu
posso dizer que tenho um paideuma meu,
instigado, inspirado na idØia de paideuma
que Pound veicula, que corresponde mais
ou menos àquela idØia da Bildung [for-
maçªo] que vem desde Goethe. A edu-
caçªo dos sentidos Ø a finalidade da história
universal. Quanto mais mœsica uma pessoa
ouve, mais ela pode apreciar mœsica. Se
vocŒ Ø ouvinte de Bach, vocŒ entende
melhor Schoenberg do que uma pessoa que
nunca ouviu Bach. Se vocΠconhece os
œltimos quartetos de Beethoven, terÆ uma
sensibilidade para a mœsica atonal que nªo
teria se nªo tivesse contato com essa
tradiçªo.
CULT Como se deu a aproximaçªo
com a poesia russa, tªo cara aos poetas
concretos?
H.C. Houve uma sØrie de conjunçıes
favorÆveis a isso. Nós nªo chegamos ao
formalismo russo atravØs dos franceses. No
Brasil havia fermentos para esse interesse.
Um deles era o fato do Mattoso Câmara
ter sido aluno de Jakobson, na Øpoca em
que esteve em Nova York. Entªo nós
tínhamos aqui o principal lingüista e
fonólogo brasileiro, discípulo de Jakobson,
difundindo a existŒncia da Escola de Praga.
Tivemos tambØm a felicidade de termos
uma pessoa como o Boris Schnaiderman,
que escrevia sobre mØtodo formal no
“Suplemento LiterÆrio” do jornal O Estado
de S. Paulo. Conheço o Boris atravØs disso e
ficamos amigos para a vida inteira. Isso foi
na dØcada de 60. Eu estava traduzindo
Maiakóvski com imenso sacrifício. Fazia
um curso na Uniªo Cultural Brasil-Rœssia,
onde a professora nªo sabia nada de
literatura, só de conversaçªo. E eu nªo estava
interessado exatamente nisso. Quando
procurei o Boris, minha traduçªo do poema
sobre IessiŒnin estava quase pronta, e ele
ficou espantado com o trabalho que eu jÆ
vinha fazendo, me ajudou a resolver algumas
estrofes e me ofereceu aulas de russo por
quase dois anos. Entªo todos esses fatores
existiam, mais o ideológico. “Sem forma
revolucionÆria nªo hÆ arte revolucionÆria.”
Nas propostas do formalismo russo, a
semântica existia, só que era pensada numa
dialØtica de forma e conteœdo. Mais tarde
pude conhecer pessoalmente o Jakobson,
nos Estados Unidos. Depois ele fez uma
memorÆvel visita ao Brasil.
agosto/98 - CULT 23
o poeta ezra pound
desce aos infernos
nªo para o limbo
dos que jamais foram vivos
nem mesmo
para o purgatório dos que esperam
mas para o inferno
dos que perseveram no erro
apesar de alguma contriçªo
tardia e da silente senectude
– diretamente com retitude –
o velho ez
jÆ fantasma de si mesmo
e em tanta danaçªo
quanto fulgor de paraíso
Extraído de Crisantempo
agosto/98 - CULT 23
Haroldo de Campos nega que o moder-
nismo tenha se esgotado e afirma que uma nova
vanguarda pode brotar do atual contexto pós-
utópico.
•
Eu nªo aceito o termo pós-moderno.
Acho que nós ainda estamos na moder-
nidade, a nªo ser que se entenda que Mal-
larmØ jÆ Ø pós-moderno em relaçªo a
Baudelaire. Nós estamos numa fase espe-
cífica, que eu chamo de pós-utópica, que
poderÆ ser modificada numa outra cir-
cunstância, como na Rœssia ou na China.
Eu nªo vejo, no momento, nenhuma van-
guarda possível na poesia do Ocidente.
Mas vejo outras possibilidades. A Uniªo
SoviØtica ficou privada da tradiçªo de
vanguarda durante anos e anos por causa
da incidŒncia do stalinismo e daquelas
prÆticas repressivas. Agora, na Rœssia que
emergiu da queda do regime, os poetas
estªo fermentando. Nada obsta que
amanhª um movimento de vanguarda
surja lÆ. Porque lÆ a ocasiªo estÆ propícia,
“Nós ainda estamos na modernidade”
existe um horizonte coletivo que pode
mobilizar. Outro lugar onde acho que
pode estar acontecendo coisas interes-
santes Ø na China, que tem uma literatura
poØtica muito curiosa. O país teve uma
revoluçªo poØtica praticamente contem-
porânea ao Imagismo e influenciada por
um discípulo de Ezra Pound. Um poeta
chinŒs chamado Hu Shi, que foi aluno de
universidades americanas no período em
que estava sendo publicado o manifesto
dos imagistas, voltou para a China,
tornou-se professor de literatura e lançou
em 1919 um manifesto de oito pontos,
sendo que num deles defendia o uso da
linguagem cotidiana.
Foi uma reversªo: os princípios do
Pound, derivados da estØtica de concisªo
chinesa e japonesa, estavam voltando à
China atravØs desse discípulo. Foi a partir
daí que começaram a aparecer poetas dos
mais diferentes matizes, um deles famoso
tradutor de poemas de Rilke. Mas, com
a revoluçªo comunista, o leque de opçıes
foi cortado, com os poetas levados a fazer
realismo socialista, poesia proletÆria,
aquela coisa de homenagem ao líder. E
os poetas que queriam fazer experiŒncias
foram calados.
De repente, surge esse grupo que foi
reprimido na Praça da Paz. Uns os
chamavam de poetas hermØticos, obscu-
ros. Os adversÆrios os chamavam de
poetas obscurantistas, porque nªo faziam
aquela poesia de louvaçªo e sim uma
poesia cheia de dramas metafísicos,
inquietaçıes, aquela coisa niilista. Para
nós, no Ocidente, nªo hÆ novidade
nenhuma, mas para eles era uma coisa
extraordinariamente nova. Daqui a uns
dez anos, esses poetas todos, que hoje
estªo nos Estados Unidos e na Europa,
estarªo de volta. Nªo se trata de uma
diÆspora em que a pessoa vai ficar no
exílio, na escolha do exílio, como Pound
e Joyce. Na primeira oportunidade eles
estarªo de volta e, de repente, podem fazer
uma nova vanguarda.
CULT - agosto/9824
CULT Quando foi isso?
H.C. Foi em 68. Ele adorou. Gostou
mais de Sªo Paulo do que de qualquer
outro lugar. Era um homem muito
urbano, tinha muita experiŒncia em
grandes capitais, era uma espØcie de judeu
errante. Aqui ele reviu o Mattoso Câ-
mara. Uma das conferŒncias dele ia ser
na Biblioteca Municipal, mas o pœblico
nªo cabia na sala. Entªo Jakobson foi da
Biblioteca atØ a Aliança Francesa a pØ
[onde se deu a conferŒncia]. Foi uma
verdadeira passeata com o Jakobson à
frente – e em pleno 68!
CULT Uma coisa interessante ob-
servada a partir de Crisantempo Ø que vocŒ
estÆ sempre agregando novos nomes,
como no caso dos poetas israelenses.
H.C. Nesse meu livro, eu ponho
algumas traduçıes numa seçªo que eu
chamo de “Transluminuras”, que vem
desde o meu livro anterior, A educaçªo dos
cinco sentidos. Sªo traduçıes que nªo
cabem especificamente em nenhum livro,
algumas delas marcadamente para-
frÆsicas. HÆ aquela traduçªo de HorÆcio
[“Ad Pyrrham”] em que faço toda uma
modificaçªo estrófica, onde uso um falso
latim, duplex, latex, “a rosicama do teu
duplex”… HÆ tambØm algumas tradu-
çıes de poesia japonesa, inclusive de um
poeta meu amigo, Gozo Yoshimasu.
Finalmente, na seçªo “Israel”, mostro
alguns poemas sobre cidades e templos
daquele país e algumas traduçıes, as
primeiras que fiz de poetas israelenses
modernos. Estive com todos eles, à
exceçªo de Amir Guilboa, que jÆ faleceu.
Dentre esses poetas, Guilboa tem a minha
preferŒncia pela sua radicalidade. Um
poema dessa sØrie Ø dedicado a IehudÆ
Amihai, que Ø considerado o maior de
todos eles. O mais interessante Ø que a
maioria

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