Buscar

NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO DISCURSO ORIENTALISTA

Prévia do material em texto

1 
 
NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO DISCURSO ORIENTALISTA: UMA CRÍTICA MARXISTA. 
Gabriel Huland 
 
SITE: http://litci.org/pt/teoria/nascimento-e-evolucao-do-discurso-orientalista-uma-critica-marxista/ 
acessado em 31/01/2016 
 
 Além de servir para interpretar o mundo, o discurso é uma ferramenta para transmitir 
ideologias. Serve também para legitimar e explicar as ações das classes sociais, que 
geralmente atuam em defesa de seus interesses. Quando se trata de relações de dominação, 
sejam elas entre classes, Estados, civilizações ou pessoas, o discurso de alguns cumpre o 
papel de apoiar e reforçar o status quo, enquanto o de outros é de luta contra a ordem. As 
guerras são também guerras de relatos, de discursos opostos que interatuam em disputa; os 
grandes enfrentamentos entre civilizações sempre estiveram acompanhados dos relatos em 
que se baseavam. 
 
Surgimento e expansão do Islã 
 
 As grandes religiões monoteístas se apoiam em relatos históricos, míticos e jurídicos 
que oferecem determinadas interpretações de mundo e normas de conduta humana. Algumas 
religiões têm um caráter expansionista e outras não. Dentre as religiões expansionistas 
monoteístas, o cristianismo e o islã são as mais importantes, sendo uma terceira, 
evidentemente, o judaísmo. 
 O islã surge no século VII d.C. e se expande formidavelmente, convertendo-se em algo 
mais que uma simples religião; antes, é uma visão de mundo igualitarista que busca unificar 
todas as tribos da península arábica sob um poder único. 
 “Porém, vendo ameaçado seu poder, os oligarcas da Meca estão preocupados. A 
mensagem igualitarista deste jovem Maomé e, sobretudo, sua irreverência antiaristocrática são 
capazes de socavar as bases de um mundo hierarquizado e não-igualitário.” (Chebel, 2011, 
p.18) 
 Tanto o islã como o cristianismo têm importantes pontos de contato, tanto é assim que 
de um ponto de vista sociológico se considera que existe um fio de continuidade entre ambos. 
Em muitos momentos, as duas religiões souberam conviver de maneira harmoniosa, em 
outros, no entanto, a harmonia não foi a regra. A expansão do islã causou assombro no mundo 
cristão. 
 “Primeiro a Pérsia, Síria e Egito, logo Turquia, depois o Norte da África; todas estas 
regiões foram caindo diante dos exércitos muçulmanos; nos século VIII e IX conquistaram a 
2 
 
Espanha, Sicília e partes da França; nos séculos XIII e XIV o islã chegou ao poder na Índia, 
Indonésia e China. E perante este assalto extraordinário, a Europa só pôde responder com 
medo, inclusive com uma espécie de terror. Os autores cristãos que testemunharam as 
conquistas islâmicas tinham escasso interesse em aprender a elevada cultura e a 
magnificência dos muçulmanos, que eram, como disse Gibbon, ‘contemporâneos ao período 
mais obscuro e indolente dos anais europeus’ (e completa, ainda que com alguma satisfação: 
‘desde que aumentou a produção de ciência no Ocidente, parece que o estudo no Oriente 
definhou e declinou’).” (Said, 2014, p.93) 
 A primeira grande resposta do mundo cristão à expansão do islã foram as cruzadas. A 
partir da Europa se organizaram exércitos para invadir as terras bíblicas, que naquele 
momento formavam parte dos territórios do Império Muçulmano, com o objetivo de tomar 
Jerusalém dos árabes. 
 Esta violenta reação dos católicos se deu em proporções exorbitantes, não somente 
pela ameaça militar representada pelo islã, mas também pela superioridade técnica e cultural 
que este império ascendente representava naquele momento em relação a uma Europa 
fragmentada e dividida sob o domínio de uma nobreza parasitária e uma Igreja Católica 
corrupta. 
 “Em princípios do século XIX, nos tempos em que reinava seu antepassado (de al-
Mustazhir) Harun AL-Rashid, o califado era o Estado mais rico e poderoso da Terra, e sua 
capital (Bagdá) era o centro da civilização mais avançada. Tinham mil médicos diplomados, 
um grande hospital gratuito, um serviço postal regular, vários bancos —alguns dos quais 
tinham sucursais na China —, uma excelente canalização de água, um sistema de descargas 
direto aos esgotos, bem como uma fábrica de papel: os ocidentais, que só passam a utilizar o 
pergaminho após sua chegada ao Oriente, aprenderam na Síria a arte de fabricar papel a 
partir da palha de trigo.” (Maalouf, 2012, p. 97) 
 O papado impulsionava as cruzadas não somente para retomar o Santo Sepulcro, mas 
também para livrar a humanidade de um culto que “exaltava a ignorância, a crueldade, a 
escravidão, o despotismo e era inimigo da civilização” (Gil Bar-dají, 2009). Não se tratava 
simplesmente de uma questão territorial, que sem dúvidas era parte do problema, mas de uma 
guerra de relatos, entre duas maneiras de sentir e perceber a realidade. 
 “(…) mas as cruzadas são o ponto de partida de todas as perseguições àqueles que 
não professam uma mesma fé, passando por este monumento à intolerância que foi a 
Inquisição, seguindo com as depredações e genocídios a cargo dos espanhóis, portugueses, 
ingleses, franceses e holandeses nas Américas, Ásia e África entre 1500-1900, e culminando 
com os holocaustos de Stalin e Hitler, Hiroshima e Vietnã – sem esquecermo-nos dos 
3 
 
massacres perpetrados contra o povo armênio (1915-1923) e argelino (1948-1960) –, que 
abalaram o nosso século XX.” (Elía, sem data, p. 12) 
 
O Renascimento, as Revoluções Burguesas e a Expansão Colonial 
 
 Com o Renascimento, a Expansão Marítima às Américas, as Revoluções Liberais 
(principalmente a Revolução Francesa), a Revolução Industrial e a formação dos Estados 
Nacionais na Europa, os impérios britânico e francês, no século XIX, viram-se imersos em um 
período de importantes avanços tecnológicos, econômicos, políticos e militares, iniciando uma 
grande expansão colonial, que teve como uma de suas consequências o domínio do comércio 
marítimo no Mediterrâneo e das rotas comerciais com a Índia. 
 “A França estendeu seu domínio sobre a Tunísia em 1881, a Grã-Bretanha ocupou o 
Egito em 1882, a Itália tomou a Líbia em 1911, e as potências europeias consentiram em 
relação a um protetorado espanhol-francês sobre o Marrocos (o único país do Norte da África 
a conseguir preservar sua independência do domínio otomano).” (Rogan, 2009, p. 134) 
 Todos estes acontecimentos marcam, durante um intervalo temporal de 3 ou 4 séculos, 
o período de consolidação do sistema capitalista na Europa e sua posterior expansão em 
busca de mercados, mão de obra e matérias-primas. Por falta de espaço, não podemos 
explicar em detalhes todos estes grandes acontecimentos da história humana, que marcam o 
início da decadência do mundo islâmico e o domínio europeu sobre o mundo. 
 A colonização do Norte da África avançou com força no século XIX, visto que nos 
séculos anteriores os principais impérios europeus estavam mais ocupados estabilizando os 
seus países, que vivenciaram diversas revoluções, e consolidando os avanços tecnológicos e 
econômicos representados pela revolução industrial. Espanha e Portugal, por sua vez, já 
possuíam domínios coloniais na América e viviam de usurpar o ouro e outras riquezas 
naturais. 
 “As colônias se estabeleciam por razões econômicas e estratégicas; esperava-se que 
proporcionassem produtos tropicais à metrópole e servissem de mercado para suas 
manufaturas, além de oferecer um lugar de assentamento para seus cidadãos e uma fonte de 
investimentos produtivos para sua burguesia. Por outro lado, considerava-se que os impérios 
tinham uma missão civilizadora que difundiria o cristianismo e elevaria a cultura nativa até os 
níveis europeus.” (Allen, 2013) 
 Para levar a cabo esse ambicioso projeto colonial eram necessários dois requisitos: em 
primeiro lugar, construir um discursoque legitimasse a colonização. Em segundo lugar, 
4 
 
estudar e codificar as sociedades que teriam que dominar. É neste contexto que aparece o 
discurso orientalista. 
 “O período em que se produziu o grande progresso das instituições e do conteúdo do 
orientalismo coincidiu exatamente com o período de maior expansão europeia; desde 1815 a 
1914 o domínio colonial europeu direto se ampliou de mais ou menos 35% da superfície da 
Terra para 85%. Todos os continentes foram afetados, mas sobretudo a África e a Ásia. Os 
dois grandes impérios eram o britânico e o francês, aliados e sócios em alguns momentos e 
rivais hostis em outros. No Oriente, desde as costas orientais do Mediterrâneo até a Indochina 
e a Malásia, suas possessões coloniais e áreas de influência imperial eram adjacentes, com 
frequência faziam fronteira e, reiteradamente, haviam sido objeto de suas disputas. Mas foi no 
Oriente Médio, nas terras do Oriente Médio árabe em que supostamente o islã define suas 
características culturais e étnicas, onde britânicos e franceses se enfrentaram entre si e com o 
‘Oriente’ de uma maneira mais intensa, familiar e complexa.” (Said, 2014, p.7) 
 O orientalismo está, de acordo com este raciocínio, ligado às estruturas do poder 
econômico e político das elites europeias que, por sua vez, necessitavam construir da maneira 
mais “científica” e objetiva possível, pelo menos na aparência, um relato que identificasse os 
inimigos da civilização que lideravam e que queriam expandir. 
 Esta expansão europeia se insere na etapa de formação dos Estados nacionais e da 
construção das identidades nacionais europeias. O êxito de tal projeto passava em grande 
medida pela caracterização do “outro”, do “estranho” e do “bárbaro”, já que, ao fim e ao cabo, 
tão importante quanto saber quem somos é saber quem não somos. 
 O orientalismo se apoia desde o princípio em generalizações abstratas sobre um 
suposto caráter oriental, contraposto ao ocidental. Por ser uma representação mental, a ideia 
de Oriente, este espaço geográfico e cultural a-histórico, é estática; ao contrário do Ocidente, 
que é, por sua vez, dinâmico, cambiante, histórico e diverso. 
 No entanto, os “acadêmicos” orientalistas não estavam preocupados em analisar a 
realidade, mas em buscar os aspectos desta realidade que se ajustassem às suas teorias e 
preconceitos, ainda que os aspectos que se ajustassem fossem totalmente minoritários e 
pouco representativos das sociedades em questão. 
 O objetivo dos orientalistas era “salvar o oriental dos orientais”, que nada mais eram que 
seres bárbaros e incapazes de se autogovernar, mediante a exaltação de um remoto passado 
greco-romano presente no Oriente. Estas supostas raízes greco-romanas, isto é, a existência 
de alguns pontos de contato entre Oriente e Ocidente, era o que permitia a estas civilizações 
atrasadas orientais ter esperança no futuro. 
5 
 
 “Segundo Said, o orientalismo é antes de tudo um discurso acadêmico criado e 
desenvolvido por antropólogos, sociólogos, historiadores, filólogos, etc. De um modo mais 
geral, orientalismo é também o estilo de pensamento que se baseia na distinção ontológica e 
epistemológica que se estabelece entre Oriente e Ocidente, ou seja, a forma de pensar o 
Oriente desenvolvida tanto por poetas, romancistas e filósofos, como por políticos, 
economistas e administradores do Império. 
 Finalmente, a partir do século XVIII, o orientalismo é ‘a instituição coletiva que se 
relaciona com o Oriente, relação que consiste em fazer declarações sobre ele, adotar posturas 
em relação a ele, descrevê-lo, ensiná-lo, colonizá-lo e decidir sobre ele; em resumo, um estilo 
ocidental que pretende dominar, reestruturar e exercer autoridade sobre o Oriente’ (Said, 
2014, p.81).” (Gil Bardají, 2009) 
 Os estudos do orientalismo têm como referência teórica Edward Said, palestino 
radicado nos EUA e catedrático de literatura inglesa e comparada da Universidade de 
Columbia (Nova York), que, em 1978, publicou sua obra mais importante: Orientalismo. 
 Não obstante, existe uma série de autores contemporâneos que criticam alguns 
aspectos da obra de Said e buscam atualizá-la à luz dos novos acontecimentos do Norte da 
África e do Oriente Médio conhecidos como “Primavera Árabe”. 
 Das muitas definições de orientalismo esboçadas anteriormente, interessa-nos 
especialmente a última, que afirma se tratar de um discurso acadêmico utilizado com 
finalidades específicas por determinadas classes sociais: as burguesias industriais europeias, 
centralmente a francesa e a inglesa. 
 O orientalismo como discurso se converteu em uma das ferramentas mais poderosas 
para submeter uma parte dos países do mundo à empresa colonial europeia em um primeiro 
momento e à dominação econômica norte-americana nos dias atuais. 
 
O orientalismo moderno 
 
 A figura do “especialista em mundo árabe”, muito comum nas universidades, governos e 
grandes meios de comunicação, caracteriza um “especialista” (em geral não árabe) em 
sociedades que fizeram parte dos impérios árabe e otomano. 
 Na maioria das instituições que analisam o “mundo árabe”, o número de vozes árabes é 
bastante minoritário em relação às não árabes, o que confirma uma das grandes premissas do 
discurso orientalista: que os árabes são incapazes de representar a si mesmos. 
 “O ‘especialista em mundo árabe’ é a pessoa que pelo simples fato de ter dedicado uma 
grande parte de sua carreira a estudar árabe se considera no direito de fazer análises acerca 
6 
 
da sociedade árabe, da política árabe, da história árabe ou da ‘mente árabe’.” (Gil Bardají, 
2009) 
 O debate sobre o orientalismo, presente nos discursos dos grandes meios de 
comunicação na Europa e nos EUA, mantém toda a sua atualidade porque, ainda que a 
humanidade tenha vivido na segunda metade do século XX fortes processos de 
descolonização, segue existindo uma dependência econômica e política dos ditos países em 
desenvolvimento (semicoloniais) em relação aos países considerados desenvolvidos 
(imperialistas). 
 O orientalismo forjado nos EUA a partir da segunda metade do século XX se distingue 
do europeu no sentido de que o orientalista de hoje é “um especialista regional, que se coloca 
a serviço do governo, do mundo dos negócios, ou de ambos” (Said, 2014, p.376). 
 Não se trata de um mero especialista em literatura, mas de um sociólogo especializado 
em uma determinada região do planeta. O Oriente Médio se converteu em uma região 
estratégica do ponto de vista político e econômico, deixando de ser um mero rival do ponto de 
vista religioso, como era o caso anteriormente. 
 “Em 1973, durante os angustiantes dias da guerra árabe-israelense, o New York Times 
Magazine solicitou dois artigos, um que representava o lado israelense do conflito e outro o 
árabe. O primeiro foi delegado a um jurista israelense, e o segundo a um ex-embaixador 
americano em um país árabe que não tinha nenhuma formação em estudos orientais.” (Said, 
2014, p. 387) 
 
Israel e a necessidade de converter o árabe em antissemita 
 
 Assim, a criação do Estado de Israel veio acompanhada da necessidade de converter o 
árabe em antissemita. Segundo um estudo sobre como os árabes são retratados em livros 
didáticos norte-americanos, “o laço mais forte é a hostilidade dos árabes — seu ódio — aos 
judeus e ao Estado de Israel” (The Arabs in American Textbooks citado por Said, 2014). O 
árabe se converte então em antissemita, fornecedor de petróleo e jihadista. 
 Por outro lado, o discurso orientalista, ao estar associado às relações de poder entre 
Ocidente e Oriente, assume distintas formas segundo as necessidades de cada momento. Se 
antes era necessário caracterizar o oriental como um ser atrasado,misterioso e exótico, as 
relações econômicas atuais exigem a descrição do árabe como um ser perigoso, um terrorista 
irracional em potencial, um ser intolerante e extremista. Esta visão se fez abundante na grande 
mídia, sobretudo a partir da eclosão dos conflitos árabe-israelenses. 
7 
 
 “Após a guerra de 1973 entre palestinos e israelenses, os árabes começam a se 
desenhar como uma ameaça. Eram ‘semitas’, tinham todos os traços de uma caricatura, e 
também eram ‘a causa’ dos problemas que acometiam o Ocidente — a falta de petróleo. O 
antissemitismo foi se transferindo assim do judeu ao árabe. Considera-se o ‘árabe’ como um 
perturbador dos planos ocidentais e um obstáculo à criação do Estado de Israel em 1948. (…) 
O protótipo do judeu anterior ao nazismo — nos diz Said — se desdobrou. Por um lado 
aparece o herói judeu colonizador, que assume o papel de orientalista pioneiro, tal qual Burton 
ou Lane1. Por outro lado nos aparece a sua sombra terrível na forma do árabe oriental. (…) O 
árabe é agora um antissionista fornecedor de petróleo.” (Said, 2014, citado por Cabrera, 1997) 
 
Orientalismo nos meios de comunicação de massas 
 
 O discurso orientalista penetrou com força nos meios de comunicação, seja por meio do 
cinema, do rádio, da TV ou da imprensa escrita. O discurso acadêmico serviu de base teórica 
para a construção de discursos utilizados pelos grandes meios de comunicação de massa 
para descrever os árabes e convencer a opinião pública de um conjunto de estereótipos que 
pouco tem a ver com a realidade. 
 Os grandes jornais são parte, em sua maioria, de mega corporações midiáticas 
produtoras de discursos legitimadores de uma ordem social e defensoras de interesses 
políticos e econômicos específicos: o sistema capitalista em sua atual forma decadente e 
parasitária. 
 O documentário Reel Bad Arabs: How Hollywood Vilifies a People (Filmes ruins, árabes 
malvados: como Holywood vilificou um povo; na versão em português), de Jack Shaheen, 
explora mais de cem anos de criação de imagens degradantes e estereotipadas sobre os 
árabes por parte dos grandes estúdios cinematográficos norte-americanos. 
 A persistência em difundir tais preconceitos (o documentarista analisou mais de mil 
filmes) contribuiu imensamente para a naturalização de preconceitos e percepções totalmente 
distorcidas sobre os diferentes povos árabes. Trata-se de uma grande demonstração de como 
o discurso orientalista se apoderou da opinião pública contemporânea. 
 
 
 
 
 
 
8 
 
Crítica ao Orientalismo 
 
 Para analisar o orientalismo, Said utiliza os conceitos de discurso e poder de Foucault 
(Gil Bardají, 2009). Os estudos realizados pelo escritor palestino se baseiam 
fundamentalmente no âmbito da análise literária e do discurso, mediante exame das bases 
ideológicas do discurso orientalista. 
Ao longo das décadas posteriores ao lançamento de sua obra-prima (Orientalismo), um 
importante número de estudos críticos à sua obra foram publicados. A crítica mais importante 
aceita por Said é a de que ele não propõe categorias distintas das que censura, ou seja, em 
que pese a crítica bem fundamentada da separação artificial entre Ocidente e Oriente, Said 
acaba por assimilar estas duas categorias indiretamente ao não propor nenhuma outra que 
possa ser utilizada para analisar a Europa (Ocidente) e o mundo árabe (Oriente). 
 Outra importante crítica se refere ao fato de Said estar por demais “ocidentalizado”, por 
sua formação fortemente britânica, na Palestina e no Egito, e a decisão de seguir sua carreira 
acadêmica nos EUA. Por outro lado, a bibliografia utilizada em Orientalismo é majoritariamente 
europeia: são poucos os autores árabes citados por Said. 
 Gilbert Achcar não apenas afirma que Said sofreu demasiadas influências das 
academias britânica e norte-americana como utiliza pouco o vasto arsenal cultural da filosofia 
ocidental. 
 “Por outro lado, com exceção de uma pequena referência a Weber e os inúmeros 
rechaços a Marx por ser Orientalista, há pouca discussão no livro de Said sobre o vasto corpus 
da filosofia e da teoria social ocidental.” (Achcar, 2013, p. 1375) 
 De acordo com o professor da School of Oriental and African Studies (University of 
London), o Orientalismose assenta no idealismo metodológico-filosófico essencialista europeu, 
ao assumir a ideia de que o destino de uma civilização está fortemente ancorado na cultura, 
principalmente na religião, que permeia e explica todos os aspectos da civilização. Para 
Achcar, o estudo da religião nasce do enfrentamento entre o relativismo pluralista burguês e o 
monopólio ideológico do cristianismo (Achcar, 2013). Falta por parte de Said uma leitura que 
abarque o conjunto das relações sociais de classe existentes em uma sociedade, limitando-se 
a um debate meramente cultural no plano das ideias. 
 As críticas, em grande medida justas, não reduzem a importância de Orientalismo para 
o mundo político, cultural e acadêmico. Trata-se de uma das grandes obras do século XX. 
Para alguns, o autor é o fundador do que viria a ser o discurso pós-colonial. 
 “O livro de Said cumpriu um papel muito importante e não foi certamente por se tratar 
simplesmente de uma peça acadêmica. Mas pelo contrário: foi exatamente a enorme polêmica 
9 
 
causada por Orientalismo que fez dele um marco na história das ideias.” (Achcar, 2013, 
p.1276) 
 Por último, sintetizamos as características que nos parecem ser as mais importantes do 
discurso orientalista. 
Características mais importantes do discurso orientalista 
 O Oriente é tratado como um espaço geográfico e cultural a-histórico. 
 Subestima o desenvolvimento cultural dos povos da região do Oriente Médio e Norte da África. 
 Utiliza os valores das democracias liberais europeias modernas para avaliar os regimes 
políticos da região chamada de Oriente. 
 Os árabes são incapazes de se autogovernar. 
 Outorga aos EUA e às potências europeias o papel de promotor da democracia na região. 
 Caracteriza a maioria dos árabes como seres extremistas, jihadistas, fornecedores de petróleo 
e antissemitas. 
 Os Estados nacionais árabes nascidos da era colonial são inviáveis, pois são uma panela de 
pressão de etnias, religiões e seitas distintas. 
 Os meios de comunicação que exprimem um discurso orientalista costumam fazê-lo por meio 
dos “especialistas em mundo árabe” e não de analistas de procedência árabe que vivam no 
país analisado. Isto não quer dizer que pessoas de origem árabe não possam também 
expressar elementos orientalistas em seu discurso, ou, ao contrário, que pessoas não árabes 
não possam praticar um discurso não orientalista. 
 
Nota: 
1. Dois dos primeiros orientalistas. Citados por Said. 
Trabalhos citados 
Achcar, G. (2013). Marxism, Orientalism, Cosmopolitanism. London: Saqi Books. 
Allen, R. C. (2013). Historia económica mundial: una breve introducción. Madrid: Alianza 
Editorial. 
Almarcegui, P. (2014). Orientalismo e pós-orientalismo. Dez anos sem Edward Said. Quaderns 
del mediterrani (20-21), 231-234. 
Cabrera, H. (15 de março de 1997). Web Islam. Recuperado em 17 de junho de 2015, 
de Orientalismo: En torno al discurso de Edward 
Said: http://www.webislam.com/articulos/18026-
orientalismo_en_torno_al_discurso_de_edward_said.html 
Chebel, M. (2011). El islam – Historia y modernidad. Madrid: Paidós Contexto. 
10 
 
Elía, R. S. (Sem data). La civilización del islam. Pequeña enciclopedia de la cultura, las artes, 
las ciencias, el pensamiento y la fe de los pueblos musulmanes. Buenos Aires, Argentina. 
Gil Bardají, A. (2009). Orientalismo, treinta años después. La Torre del Virrey, revista de 
Estudios Culturales(7), 61-66. 
Maalouf,A. (2012). Las cruzadas vistas por los árabes (7a ed.). Madrid: Alianza Editorial. 
Said, E. W. (2014). Orientalismo (6a ed.). Barcelona: Debolsillo. 
Rogan, E. (2009). The Arabs. A History. London: Penguin Books. 
 
Tradução: Arthur Gibson

Continue navegando