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_______________________________________________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de Patologia Disciplina de Patologia Geral - Profa. Maria Inês Meurer - 2007 PROCESSO INFLAMATÓRIO 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS Na unidade anterior, viu-se que vários estímulos exógenos ou endógenos podem causar lesão celular. Nos tecidos vascularizados, esses mesmos estímulos provocam também respostas do hospedeiro chamadas de inflamação. •INFLAMAÇÃO ? inflamare (latim) ? ação de acender, chama •FLOGOSE ? phlogos (grego) ? queimar, pegar fogo A inflamação é uma reação complexa dos tecidos vascularizados a vários agentes nocivos, que consiste de respostas vasculares, migração e ativação de leucócitos, e reações sistêmicas. A principal característica do processo inflamatório é a reação dos vasos sanguíneos, que leva ao acúmulo de fluido e leucócitos nos tecidos extravasculares. ? Onde há inflamação? A inflamação está sempre presente nos locais que sofreram alguma forma de agressão e que, portanto, perderam sua homeostase e morfostase. ? Para que há inflamação? Para destruir, diluir ou encerrar o agente lesivo e, tanto quanto possível, cicatrizar e reconstituir o tecido danificado. O processo de restituição da normalidade tecidual é concluído pela reparação, fenômeno inseparável da inflamação. Inflamação e reparação caminham juntas, mas, para efeito didático, serão abordados separadamente. O reparo começa nas fases iniciais da inflamação mas geralmente só é finalizado depois que a influência nociva foi neutralizada. Durante a fase de reparação, o tecido danificado é substituído por meio da regeneração de células parenquimatosas nativas, pelo preenchimento com tecido conjuntivo fibroso (cicatrização) ou, o que é mais comum, por uma combinação desses dois processos. A inflamação é fundamentalmente uma resposta PROTETORA, cujo objetivo final é: – livrar o organismo da causa inicial da lesão celular (microorganismos, toxinas) – e das conseqüências (células e tecidos necróticos) Sem a inflamação, as infecções se desenvolveriam descontroladamente, as feridas nunca cicatrizariam e o processo destrutivo dos órgãos atacados seria permanente. Entretanto, a inflamação e o reparo podem ser potencialmente prejudiciais. As reações inflamatórias são, por exemplo, o pilar de doenças crônicas como a artrite reumatóide, a aterosclerose e a fibrose pulmonar, assim como as reações de hipersenssibilidade potencialmente fatais a picadas de insetos, drogas e toxinas. O reparo pela fibrose pode causar cicatrizes deformadoras ou faixas fibrosas que causam obstrução intestinal ou limitam a mobilidade das articulações. Por essa razão, muitas vezes é necessário o uso de antiinflamatórios, que deveriam, na melhor das hipóteses, controlar as seqüelas danosas da inflamação sem interferir em seus efeitos benéficos. A resposta inflamatória consiste em dois componentes principais: uma reação vascular e uma reação celular. Muitos tecidos e células estão envolvidos nessas reações, incluindo o fluido e as proteínas do plasma, as células circulantes, os vasos sanguíneos e os componentes celulares e extracelulares do tecido conjuntivo. Células e matriz de tecido conjuntivo envolvidos na resposta inflamatória (COTRAN, 2000) 2. MARCOS HISTÓRICOS ? Características clínicas já citadas em papiros egípcios datados de 3000 a.C. ... ? Aulus Cornelius CELSUS, escritor romano do século I d.C., foi o primeiro a listar os quatro sinais cardinais da inflamação: CALOR, RUBOR, TUMOR e DOR. Esses sinais são tipicamente mais proeminentes na inflamação aguda que na crônica. ? Rudolf VIRCHOW (1821-1902), polonês considerado o pai da Patologia moderna, acrescentou um quinto sinal clínico: a PERDA DE FUNÇÃO (functio laesa). ? John HUNTER (1728-1793), cirurgião escocês: notou o que agora é considerado óbvio: “A inflamação não é uma doença, mas uma resposta inespecífica a uma agressão, e tem um efeito salutar sobre o seu hospedeiro”. ? Julius Cohnheim (1839-1884): foi o primeiro a usar o microscópio para observar vasos sanguíneos inflamados em membranas finas e transparentes, como no mesentério e língua de sapo, tendo observado as alterações do fluxo sanguíneo e o edema subseqüente causado pelo aumento da permeabilidade vascular, bem como a migração leucocitária característica do processo, publicando descrições sobre isso. ? Elie Metchnikoff (1845 - 1916), bacteriologista russo: Descobriu o processo da fagocitose observando ingestão de espinhos-de-roseta por amebócitos de larvas de estrela do mar (1882) e de bactérias por leucócitos de mamíferos (1884). Ele concluiu que a finalidade da inflamação era trazer as células fagocitárias para a área invadida para que pudessem tragar as bactérias invasoras contradizendo a teoria prevalente na época (teoria humoral, de Paul Ehrlich) que a finalidade da inflamação era trazer os fatores do soro. Ambas as teorias - celular e humoral - estavam certas, e Metchnikoff e Ehrlich ganharam o Premio Nobel de 1908. ? Thomas Lewis (1881-1945): estabeleceu o conceito de que substâncias químicas induzidas localmente pela agressão medeiam as alterações vasculares da inflamação (base da descoberta dos mediadores químicos e do uso de agentes antiinflamatórios). _______________________________________________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de Patologia Disciplina de Patologia Geral - Profa. Maria Inês Meurer - 2007 • Calor: perceptível nas superfícies corporais, decorre da hiperemia e do aumento do metabolismo local. • Rubor: hiperemia / reflexo axônico (diminuição de impulsos vasoconstrictores). • "Tumor": decorre do aumento da permeabilidade vascular (edema), pode determinar aumento do volume hídrico local em até 5 ou 7 vezes. • Dor: causada pela irritação química nas terminações nervosas e pela compressão mecânica (edema). 3. TIPOS DE INFLAMAÇÃO 3.1. Inflamação Aguda • Inicia rapidamente. • Duração relativamente curta (minutos, várias horas ou alguns dias). • Características principais: – exsudação de líquidos e proteínas plasmáticas (edema); – migração de leucócitos, predominantemente neutrófilos. A inflamação aguda é uma resposta rápida a um agente nocivo, encarregada de levar mediadores da defesa do hospedeiro - leucócitos e proteínas plasmáticas - ao local da lesão. A inflamação aguda possui três componentes principais: (1) alterações no calibre vascular, que levam a um aumento no fluxo sanguíneo, (2) alterações estruturais na microcirculação, que permitem que proteínas plasmáticas e leucócitos deixem a circulação e (3) emigração dos leucócitos da microcirculação, seu acúmulo no foco de lesão e sua ativação para eliminar o agente nocivo. As reações inflamatórias agudas são desencadeadas por vários estímulos: - infecções (bacterianas, virais, parasitárias) e toxinas microbianas; - trauma (contuso ou penetrante); - agentes físicos e químicos (lesões térmicas como queimadura ou congelamento, radiação, algumas substâncias químicas ambientais); - necrose tecidual (de qualquer origem); - corpos estranhos (farpas, terra, suturas); - reações imunológicas (também chamadas de reações de hipersensibilidade). Cada um desses estímulos pode induzir reações com algumas características distintas, mas todas as reações inflamatórias apresentam características em comum. _______________________________________________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de Patologia Disciplina de Patologia Geral - Profa. Maria Inês Meurer - 2007 _______________________________________________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de PatologiaDisciplina de Patologia Geral - Profa. Maria Inês Meurer - 2007 3.2. Inflamação Crônica • Duração mais longa (semanas ou meses) • Associada histologicamente a: – infiltrado de células mononucleares, incluindo macrófagos, linfócitos e plasmócitos; – destruição tecidual induzida pela persistência do agente nocivo ou pelas células inflamatórias; – tentativas de cicatrização pela substituição do tecido danificado por tecido conjuntivo, efetuado através da proliferação de pequenos vasos sanguíneos (angiogênese) e, em particular, fibrose. Apesar de poder ser a continuação de uma inflamação aguda, a inflamação crônica freqüentemente começa de maneira insidiosa como uma reação pouco intensa, geralmente assintomática. Este último tipo de inflamação crônica pe a causa de dano tecidual em algumas doenças humanas mais comuns e debilitantes, como a artrite reumatóide, a aterosclerose, a tuberculose e as doenças pulmonares crônicas. A inflamação crônica surge nas seguintes situações: - Infecções persistentes por determinados microorganismos, como o Mycobaterium tuberculosis (bacilo da tuberculose), o Treponema pallidum (agente causador da sífilis), e determinados vírus, fungos e parasitas. Esses organismos possuem baixa toxicidade, evocando uma reação imunológica chamada de hipersensibilidade tardia. - Exposição prolongada a agentes potencialmente tóxicos, exógenos ou endógenos. Um exemplo de agente exógeno é a sílica (silicose). A aterosclerose é considerada uma doença inflamatória crônica da parede arterial induzida, pelo menos em parte, por componentes endógenos lipídicos do plasma. - Auto-imunidade: sob determinadas condições, as reações imunológicas se desenvolvem contra os tecidos do próprio indivíduo, causando as doenças auto-imunes. Nessas doenças, os auto-antígenos desencadeiam uma reação imunológica que se autoperpetua, causando lesão tecidual e inflamação crônicas. As reações imunológicas desempenham um papel importante em várias doenças inflamatórias crônicas, como a artrite reumatóide e o lúpus eritematoso. Bibliografia utilizada e sugerida: KUMAR, V., ABBAS, A.K., FAUSTO, N. Inflamação Aguda e Crônica. In: _______________. Robbins e Cotran - Patologia - Bases Patológicas das Doenças. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005. BRASILEIRO-FILHO, G. Bogliolo - Patologia Geral. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.