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1201 A EDUCAÇÃO PRIMÁRIA FEMININA NOS DISCURSOS DOS PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DE SERGIPE Elia Barbosa de Andrade Universidade Federal de Sergipe RESUMO O presente estudo tem como objetivo analisar o discurso dos governantes da Província de Sergipe a partir do Ato Adicional de agosto de 1834 ao final do Segundo Reinado em relação ao ensino primário feminino. Para realização do trabalho me apropriei dos relatórios de Presidentes da Província na perspectiva de Jacques Le Goff, ao tratá-los como Documento/Monumento, indispensáveis para o estudo desse objeto. Além dos relatórios fiz uso de jornais publicados no decorrer do Segundo Império, momento importante para a educação feminina na Província. Foram utilizadas também fontes bibliográficas que deram suporte teórico-metodológico à pesquisa. O trabalho é fruto da pesquisa que venho desenvolvendo como aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe, sob a orientação do professor Dr. Jorge Carvalho do Nascimento, na qual trato da implantação da co-educação em Sergipe no século XIX. A pesquisa aponta alguns indícios nos quais pude perceber que a Instrução Pública feminina nas primeiras décadas do Segundo Império se apresentava de forma incipiente. Questões de ordem moral, religiosa faziam com que as meninas não freqüentassem as aulas públicas a elas destinadas. Os preceitos de moralidade fundamentado nos princípios da religião católica inibia a busca pelo ensino público na Província. Além desse fator foi possível também evidenciar que as elites daquele período contratavam professores particulares para educarem suas filhas no espaço privado, onde o papel social destinado às mulheres era o âmbito do lar. Nas classes não elitizadas e para as quais estava voltada a Instrução Pública, além das necessidades de cunho econômico havia um outro fator bastante significativo que dificultava o ingresso das meninas nos espaços escolares que, diz respeito à distância entre as residências e os locais onde eram ministradas as aulas. Cosntatei também que naquele período as Escolas Públicas Primárias funcionavam nas residências dos professores em péssimas condições físicas e pedagógicas, o que segundo alguns governantes não despertava nenhum interesse nos pais de colocarem suas filhas em tais locais. Através das fontes pude perceber que a Instrução Primária era considerada por aqueles dirigentes como a base da educação institucionalizada. E foi utilizada como instrumento para submeter às camadas ao ensino formal sistematizado. O discurso em prol da mulher como professora da infância, bem como a defesa da criação do Curso Normal para prepará-las, se faz presente de forma acentuada no decorrer das décadas de 60 e 70 do século XIX. Tanto os presidentes quanto os Diretores de Instrução viam nessas medidas a possibilidade de melhorar o nível intelectual dos sergipanos. Nesse sentido pude constatar que no início da década de 70 há um aumento significativo no número de escolas destinadas ao ensino primário feminino. Pois enquanto em 1858 havia 22 deles, em 1869 foi registrada 36 dessas instituições espalhadas por toda Província. Ainda nesse decênio começou a surgir algo novo no cenário educacional sergipano, refiro-me ao Modelo Pedagógico da Co- educação ou do Ensino Misto como ficou conhecido. A princípio a defesa do referido modelo se apresentou nos discursos de forma discreta, no decorrer da década de 70, se faz mais constante e, com a implantação oficial, desse modelo pela Lei Leôncio de Carvalho de 1879, sua defesa é feita de forma clara porém ambígua. Todavia a prática co-educativa é alvo de críticas das diferentes esferas da sociedade sergipana, especialmente nos anos 1881 a 1882, período que abrange a administração do presidente da província Marcos Herculano Inglês de Souza, defensor ardoroso do Ensino Misto. As escolas Mistas são apresentadas nos discursos como medida favorável para o avanço do ensino feminino por representar uma conquista contra o conservadorismo daquela sociedade, e por oferecer ao sexo feminino a possibilidade de ter acesso ao mesmo currículo do 1202 sexo aposto, conquista significativa, que vai repercutir no papel social da mulher nas décadas seguintes. TRABALHO COMPLETO O presente estudo tem a pretensão de analisar o discurso dos governantes da Província de Sergipe a partir do Ato Adicional de agosto de 1834, no que concerne ao ensino primário feminino. Pretende-se também, registrar algumas conquistas alcançadas na Instrução Pública sergipana no século XIX, especialmente nas últimas décadas do Império quando a busca pela modernidade no espaço escolar tornou-se mais evidente. A Instrução Pública no Brasil bem como em Sergipe obteve significativas conquistas a partir da Lei de 15 de janeiro de 1827, que prescrevia a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos mais habitados para a população livre. A referida Lei representou um grande avanço para a educação feminina, pois com ela a mulher ganhou o direito legal à educação Pública. A criação de escolas de primeiras letras para meninas possibilitou às filhas dos pobres à inserção no ensino público do país. A partir da Lei Imperial de 1827, as escolas primárias femininas foram paulatinamente sendo criadas nas Províncias. Em Sergipe, as escolas para meninas só foram abertas em 1831, quatro anos após a publicação da Lei. As cidades privilegiadas foram São Cristóvão, Estância, Laranjeiras e Propriá1, consideradas naquele período, centros econômicos e culturais da Província. Cada uma das localidades recebeu somente uma escola destinada ao sexo feminino. O que demonstra que, apesar da conquista, o ensino primário público ainda era no início da década de 1830, privilégio de poucos, pois as demais localidades ficaram desprovidas do direito que lhes foi garantido pela lei . As dificuldades de ordem política e econômicas somadas à concepção que aquela sociedade tinha em relação ao papel da mulher dificultavam o avanço do ensino feminino na Província. O Ato Adicional de 1834 que descentralizou o ensino trouxe maiores dificuldades para Instrução Pública na Província. Com a responsabilidade de promover o ensino primário e secundário, os administradores pouco podiam fazer, diante da falta de estrutura encontrada no campo educacional sergipano. Mas apesar das dificuldades, O Presidente Dr. Manuel Ribeiro da Silva Lisboa procurou organizar a educação em Sergipe promulgando em 5 de março de 1835 a Carta da Lei, que segundo Thétis Nunes, foi a primeira lei orgânica de instrução no espaço sergipano2. Após a Carta Lei de 1835, a educação sergipana passou a ter regulamento próprio, o que possibilitou várias tentativas no sentido de organizá-la. A luta pelo aprimoramento no ensino público primário é evidente nos documentos daquele período. Os Relatórios da Instrução Pública tratados nesse trabalho na perspectiva de Jacques Le Goff como Documento/Monumento, possibilitaram-me a percepção de que, apesar do ensino feminino representar um desafio para os governantes houve empenho para colocá-lo em evidência. Durante a análise dos documentos, fez-se necessário desenvolver um olhar atento, pois os mesmos não são inofensivos. Eles apresentaram uma variedade de acontecimentos decorrentes do contexto no qual foram produzidos, podendo os mesmos terem sido manipulados de acordo com os interesses de quem os produziu. Por esse motivo, procurei no decorrer da pesquisa, fazer algumas confrontações das fontes que estiveram ao meu alcance, para que delas, pudesse extrair possíveis verdades históricas relacionadas ao ensino público feminino. Os Relatórios de Instrução Pública tidos como monumento “têm como características ligar- se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedadeshistóricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos, que só numa parcela mínima são testemunhas escritas” (Le Goff, 1984:95). Ao apropriar-me das memórias contidas nos documentos escritos, tentei construir alguns fragmentos que, certamente contribuirão com a história da educação feminina em Sergipe. 1203 Como já foi citado, A Carta da Lei de Instrução de 1835, regulamentou o ensino na Província, não pretendo afirmar com isso, que os problemas educacionais foram solucionados, muito pelo contrário, eles coexistiram à lei. A falta de espaços adequados e o despreparo dos professores foram de início, motivo de preocupação dos governantes que em seus discursos reclamavam da situação precária em que se encontrava o ensino Público sergipano. Em 1836, o vice-presidente da Província, Manuel Joaquim Fernandes de Barros3, em discurso à Assembléia Legislativa Provincial chamava atenção para a necessidade de criar mais Escolas Primárias para o sexo feminino visto que: (...) As mulheres nos ajudam reciprocamente nos trabalhos, e são aquelas que mais proveito tiramos nos nossos ternos anos, e com quem andamos ligados;elllas nos infundem as primeiras ideas salutares da moral, bom costumes e Religião, que tanto se gravão em nossa memória, e de sua boa ou má aplicação, e direcção depende a nossa felicidade e prosperidade do Império (Relatório da Instrução Pública, 29/01/1836). Ao defender o ensino feminino, o administrador desejava melhorar intelectualmente os sergipanos, visto que, à mulher como mãe “instruída” caberia a responsabilidade de educar seus filhos dentro dos padrões da época. O discurso apesar de defender o conhecimento como algo que seria utilizado no espaço restrito do lar, representou um avanço para a educação feminina, uma vez que defendia o direito da mulher de receber instrução. Pois, naquele período somente as filhas das classes mais abastadas tinham oportunidade de aprender os conhecimentos da leitura e da escrita. As filhas das elites geralmente recebiam os ensinamentos no espaço restrito do lar. Onde professoras contratadas4, ou pessoas da família, ensinavam-lhes o essencial para desempenharem o papel a elas destinados na sociedade, o de mãe, esposa e boa dona de casa, ou seja, ao âmbito do lar. O patriarcalismo e o preconceito ainda eram características marcantes daquela sociedade agrária que, arraigada de valores morais e religiosos não permitiam que suas filhas se deslocassem para receberem instrução em outros locais onde supunham que houvesse promiscuidade, já que não estariam sob a vigilância familiar. A falta de preparo dos professores foi motivo de queixa do presidente da Província José Eloy Pessoa que em 11 de janeiro de 1838, mostra a necessidade de se criar uma Escola Normal que, para ele era “indispensável para que haja homogeneidade de doutrinas” (Relatório da Instrução Pública, 11/01/1838). Para colocar em prática a criação da Escola, convidou-se o padre Antônio de Basto, que recebeu adiantada a quantia de “hum conto e duzentos mil reis” (Relatório de Instrução Pública, 11/01/1839). O valor pago ao padre era para que o mesmo fosse a Província do Rio de Janeiro onde já havia sido criada uma Escola Normal, a fim de aprender o necessário para que ao retornar a Sergipe se encarregasse de organizar a escola da Província sergipana. O religioso alegando motivo de saúde, não retornou a Sergipe, fracassando assim a primeira tentativa de criar a Escola Normal para preparar os professores para o ensino primário, grau de ensino alvo de queixas constantes dos administradores. (...) faltam-me as expressões para descrever a inércia, o desleixo, a incúria e a indolência, que se ostenta no primário com pouquíssimas acepções entre as quais honrosamente figura a professora de Primeiras Letras d’esta cidade (Relatório da Instrução Pública, 21/04/1843:10). Após oito anos da Carta da Lei de 1835, o ensino primário público ainda se mostrava incipiente e atrasado. A mulher é citada no discurso do presidente como boa mestra, mas não foi mencionado o nome da professora, o que provavelmente denota um certo preconceito em relação ao 1204 reconhecimento do bom trabalho executado pela mesma, pois quando se tratava de professores não era ocultado o nome do elogiado, ou talvez a moralidade da época inibia a exposição do nome das senhoras em discursos públicos. A educação feminina foi pouco citada no decorrer da primeira metade do século XIX, salvo algumas exceções, nas quais se registrava apenas a importância da educação feminina, para que posteriormente educassem melhor os filhos. Em 1º de março de 1850 contava a Província com apenas 13 escolas de primeiras letras para o sexo feminino5, freqüentadas por 360 alunas apenas 5 a mais, das existentes em 1835. O dado comprova que apesar de pequeno, houve um crescimento no número de escolas. No final da década de 50, já não havia tanto receio em citar o nome de professores bem conceituados no meio educacional. Nos discursos de administradores e até na Imprensa da Província elogiava-se as profissionais que desempenhavam um bom trabalho na Instrução Pública de Sergipe. O Inspetor Geral de aulas Pedro Autran ao se referir às aulas primárias o fez de forma entusiasmada enaltecendo o nome de algumas mestras que dignamente desempenhavam suas funções. O ensino primário do sexo feminino é administrado em geral por professores habilitados e zelosos pelo bom desempenho de suas funções, merecendo honrosas menção as Sras. D. Possidônia Maria da Santa Cruz Bragança, Josefa Maria da Trindade, Roza Angélica de Pina e Leopoldina Joaquina Ferreira da Rocha (Relatório de Instrução Pública, 27 de abril de 1859). A distância entre as escolas e as residências foi também outro fator que serviu de entrave para que o ensino feminino se expandisse. As moradias em locais longínquos impossibilitavam a ida das meninas à escola e muitas aulas foram fechadas por apresentarem baixa freqüência. Através dos documentos, constatou-se que havia oscilações em relação ao número de escolas na Província, o que denotou uma certa instabilidade no ensino, foram constantes as transferências e supressões de escolas por falta de professores ou por questões políticas e econômicas. Em 1852, o presidente da Província Dr. José Antônio Oliveira Silva defende a equiparação do número de escolas femininas às masculinas eram naquele ano 30 escolas para meninos e 15 para meninas. Ao defender o equilíbrio entre umas e outras escolas, ele propõe que a instrução seja dada por igual pois... (...) “não há um só exemplo de que sabendo ler e escrever os pais, os filhos ignorem esses rudimentos da siencia, ao contrario muitas vezes se observa o respeito dos pais (...) instruir o sexo feminino é abrir uma escola no centro de cada família” (Relatório da Instrução Pública, 8 de março de 1852). A educação feminina foi defendida mais uma vez como meio para equiparar a educação da sociedade. Pois de posse dos conhecimentos rudimentares do ensino e da escrita a mãe passaria tais ensinamentos aos filhos. O discurso em relação à mulher como a mais recomendada para o ensino das primeiras letras tornou-se mais evidente no final da década de 50 e decorrer das décadas seguintes. A necessidade de uma Escola Normal para formar professores que, de posse dos conhecimentos pedagógicos educassem as crianças sergipanas, foi sempre motivo de discursos tanto dos Presidentes da Província quanto dos Diretores de Instrução Pública. Todavia, a Escola Normal só foi criada definitivamente em 1870, mesmo assim, sem sede própria, funcionava em anexo ao Ateneu Sergipense e era destinada a formar homens para o magistério. A Escola Normal Feminina só foi criada em 1877,funcionou de início no Asilo Nossa 1205 Senhora da Pureza, e era vista pelo presidente João Ferreira d’Araújo Pinheiro como “um viveiro de professores, ali se transmite a instrução, se põe à prova a vocação, do que se destina ao magistério a eschola Normal é uma fonte de conhecimento theóricos e práticos” (Relatórios da Instrução Pública, 10/01/1877:29). A partir de 1870, com a criação da Escola Normal esperavam os administradores que o ensino primário avançasse, pois a Instrução Pública passaria a ter maior número de professores formados nos princípios pedagógicos, de que tanto carecia o ensino6. Nessa década, os discursos em defesa da educação feminina e da mulher para ocupar o cargo de professora primária tornaram-se freqüentes. Ao inverso do homem, a mulher é que está no elemento próprio, quando rege a eschola primária. (...) A mulher têm para as crianças o dom da insinuação natural, e consegue transmitir muito melhor do que o homem, quanto sobe. É hoje facto demonstrado nós Estados-Unidos que uma eschola de meninas regida por mestra, recebe a instrução em menos tempo e com muito mais proveito, do que regida por homem. As qualidades essenciais da clareza, solicitude, doçura, paciência, imaginação que formam a essência pedagógica, reúnem-se com maior força na mulher”7.(Relatório da Instrução Pública, 1872). O discurso enaltece as mulheres doces, pacientes, semelhantes a anjos, que, com suavidade conduz as crianças a uma rápida aprendizagem. Apesar de eloqüente, o mesmo demonstra um certo avanço em relação aos anteriores, a mulher não representa apenas a mãe, mas a profissional que chega a superar o homem na missão de ensinar às crianças os conhecimentos rudimentares. Outro ponto que chama à atenção no documento é a referência à professora nos Estados-Unidos, o que denota a influência norte-americana na educação brasileira daquele período. A influência norte-americana na educação brasileira, tornou-se mais evidente no decorrer da década de 70 e 80, quando foi implantado oficialmente no ensino público do país o Modelo Pedagógico da Co-educação que consiste em colocar no mesmo espaço escolar ambos os sexos. O modelo foi implantado em caráter oficial pela Reforma Imperial Leôncio de Carvalho de 1879. Em Sergipe, mesmo antes da sua oficialidade a prática co-educativa já se fazia presente nas escolas públicas primárias, especialmente nos lugarejos mais distantes. Em 1874, o Regulamento da Instrução Pública determinava que fossem admitidos, “nas escolas femininas, meninos de idade até 8 anos, principalmente, se fossem irmãos, tios, primos ou sobrinhos de algumas das alunas” (Jornal do Aracaju, 03/10/1874:2). Essa medida tinha caráter experimental, mas no decorrer dos anos seguintes, fez-se presente de forma acentuada no ensino primário. E causou debates fervorosos nos meios sociais da Província. O modelo da co-educação era visto pela sociedade como algo imoral e revoltante, pois juntava meninos e meninas no mesmo espaço escolar. Todavia, foi sendo implantado discretamente para não chocar a sociedade que, arraigada aos seus preceitos morais e religiosos, não via com bons olhos tal prática. Ao investigar como era tratada a co-educação nos Relatórios da Instrução, percebe-se que esta questão foi tratada de forma discreta e ambígua, pois em alguns deles não são citadas as Escolas Mistas8, noutros aparece a referência e até a quantidade existente na Província. “Actualmente conta a província 145 escolas, mais 34 que no ano anterior sendo 62 do sexo masculino, 66 do sexo feminino e 17 de ensino misto” (Relatório da Instrução Pública, 04/03/1881:12). Apesar de defenderem sua implantação, implantou-as em locais longínqüos da capital. O desejo de adotar métodos que possibilitassem a melhora da educação, foi um dos motivos que levou estudiosos e políticos a defenderem esse modelo. Mas, as questões econômicas foram 1206 sem dúvida o fator decisivo pra que fosse de fato implantado no ensino público sergipano, pois “onde funcionão mal e separadamente duas escolas, poderia prosperar uma única para ambos os sexos será de um só passo acrescentar na instrução pública e diminuir na verba orçamentária correspondente” (Relatório de Instrução Pública, 04/03/1881:12). O preconceito contra o modelo co-educativo em Sergipe foi demonstrado de forma mais acentuada, em 1881, quando o Presidente Provincial Herculano Marcos Inglês de Souza ousou criar uma Escola Normal Mista. Tal medida aflorou o patriarcalismo daquela sociedade, que via na instituição um perigo para a masculinidade dos seus filhos e a honra de suas filhas9. O presidente foi duramente criticado por sua ousadia, pois desafiou uma tradição secular na prática educativa sergipana. Com a saída do citado presidente do cargo, a escola Normal Mista voltou a ser masculina, posteriormente foi fechada por falta de alunos. Já a do sexo feminino apresentava futuro promissor na educação sergipana10. A prática da co-educação foi alvo de debates no decorrer do final do século XIX e na primeira década do século XX , não só em Sergipe, mas em todo território nacional. E representou um grande avanço para educação feminina, pois as mulheres passaram a ter acesso ao currículo do sexo oposto que foi possível graças aos avanços da Ciência que comprovou a capacidade cognitiva do chamado sexo frágil em aprender os mesmos conteúdos do sexo masculino. Tal conquista repercutiu no papel social da mulher especialmente nos anos novecentos, quando ela passou a ocupar cargos de destaque na sociedade. Em relação ao número de escolas femininas na Província a cada década registrava-se um aumento acentuado, especialmente durante a década de 50. Quando foram registradas em 1858, 22 escolas femininas11, onze anos depois em 1869 havia 36 delas12. Com a criação das escolas mistas, os números oscilavam porque eram constantes as mudanças das escolas de ambos os sexos para mistas. Em 1884, a Província contava com 62 escolas masculinas, 61 femininas e 57 destinadas a ambos os sexos13. O dado comprova o progresso da educação sergipana a partir da segunda metade do século XIX. Após a implantação da co-educação, os discursos em prol da educação feminina tornaram- se mais evidentes, provavelmente, influenciados pelos ideais cientificistas estudiosos e políticos defendiam com mais intensidade a importância de se instruir a mulher, e do papel importante que ela desempenha na educação da Província. (...) Sim a mulher liberta da tutela vergonhosa de um aviltante captivero (...) distinguida pela inteligência e pela virtude a sociedade acolheu-se reconhecendo n’ella os títulos de capacidade para dirigir a educação debaixo de todos os pontos de vista (Relatório de Instrução Pública, 03/03/1879:17). Apesar do discurso entusiasmado do Diretor de Instrução Gonçalo Aguiar de Menezes, é importante ressaltar que, a mulher para ocupar o cargo de professora necessitava da liberação de alguém sexo masculino para exercê-lo, seja do marido, do pai ou responsável. É importante ressaltar que, a decisão masculina era sempre obedecida, pois cabia ao homem determinar o que a mulher devia ou não fazer. E raros eram os casos de desobediência nesse sentido. Porque estavam arraigados naquela sociedade, princípios morais patriarcalistas. As conquistas obtidas no ensino primário da época são evidentes, mas o estado material das escolas ainda preocupava os governantes da Província. A esse respeito, o vice-presidente Pires Lima assim se pronunciou: O estado material das escolas primarias da Província não é ainda menos constritador - resentem-se ellas da falta absoluta de moveis e muitas funcionam em casas tão pequena e insalubres que se podem chamar verdadeiras espeluncas! Vem ainda [ ] d’esse triste 1207 quadro o estadode penúria a que estão reduzidas quasi todos os professores do interior que, há cinco e seis mezes se acham providos dos seus vencimentos (Relatório de Instrução Pública, 03/03/1879:21). As condições precárias das escolas que geralmente funcionavam nas casas dos professores, bem como o atraso no pagamento dos mestres, eram motivos de preocupação, principalmente, dos Diretores da Instrução Geral, que viam nesse problema um dos entraves para o progresso do ensino na Província. A precariedade apresentada pelas escolas na segunda metade dos oitocentos tornou-se mais evidente nos discursos dos administradores sergipanos que, influenciadas pelos ideais higienistas defendiam a construção de escolas em locais apropriados, onde os alunos pudessem aprender em condições higiênicas os conteúdos escolares, bem como as práticas de higiene e as transportassem para fora do ambiente escolar. A escola tornou-se assim ambiente de inculcação de hábitos necessários para que aquela sociedade aprimorasse os hábitos de higiene e civilização. No decorrer das décadas de 70 e 80, intensificaram-se os discursos em prol da mulher como mais adequada para o ensino primário e para as escolas mistas. Cabia a ela inculcar nas crianças os preceitos de higienização, moralidade e religiosidade defendidos por aquela sociedade. As constantes conversões das escolas masculinas em mistas, contribuíram para o predomínio da mulher como professora desse grau de instrução, visto que, era ela a mais indicada para ministrar a co- educação dos sexos. Diante dos fatos analisados é possível concluir que, apesar da educação feminina ser pouco citada nos Relatórios, houve por parte dos administradores, preocupação com a instrução da mulher, isso ficou comprovado pelo aumento no número de escolas destinadas a esse sexo. Também se pode evidenciar que os discursos sofreram influência dos ideais propagados naquele contexto e que a instrução feminina passou por significativos avanços, patrocinada pelo desenvolvimento da ciência e pelos ideais cientificistas que impregnaram a sociedade da segunda metade do século XIX. 1208 NOTAS 1 - NUNES, Maria Thétis. 1984. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Sergipe; UFS. 2 - NUNES, M. T. Op. cit.p.56. 3 - Alagoano que ocupou o cargo de vice-presidente de 6 de dezembro de 1835 a 3 de maio de 1836. 4 - Para entender o papel das professoras contratadas pelas elites, consultar ALBUQUERQUE, Samuel de Medeiros. 20005. Memórias de Dona Sinhá . Aracaju . Typografia Editorial/ Scortecci Editora. 5 - Relatório de Instrução Pública, 1º de março de 1850 do Presidente Dr. Amâncio João Pereira de Andrade. 6 - A Escola Normal em Sergipe a princípio atendia somente o sexo masculino, posteriormente, passou a receber o sexo feminino. Para entender melhor a criação e desenvolvimento do ensino Normal em Sergipe, consultar. FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. 2003. Vestidos de Azul e Branco: Um estudo sobre as representações de ex-normalistas (1920-19500). São Cristóvão. Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação/ NPGED. (Coleção Educação é História,3). 7 - O discurso foi proferido pelo Diretor da Instrução Pública Manoel Azevedo de Araújo, defensor do ensino feminino e da co-educação nas escolas primárias femininas. 8 - É necessário esclarecer que nem todas as escolas mistas praticavam a co-educação, pois onde havia resistência por parte dos pais, os professores ofereciam as aulas em dois expedientes, um para o sexo masculino, outro para o sexo feminino. Paulatinamente, todas passaram a adotar o modelo, especialmente aquelas onde as famílias não demonstravam resistência quanto às questões práticas. 9 - A esse respeito, consultar ANDRADE, Elia Barbosa de.2005. O Ensino Misto e Inglês de Souza. Conflitos e Polêmicas. In Anais do II Encontro Regional de Educação. São Cristóvão. 30 de maio a 03 de junho de 2005. São Cristóvão. UFS. 10 - consultar, FREITAS, A.G.B. Op. cit 11 - Relatório da Instrução Pública, 05/04/1958. 12 - Relatório da Instrução Pública, 1º/03/1869. 13 - Relatório da Instrução Pública, (02/03/1884:9) REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS ANDRADE, Elia Barbosa de. O Ensino Misto e Inglês de Souza: Conflitos e Polêmicas. In Anais do II Encontro Regional de Educação. São Cristóvão. 30 de maio a 03 de junho. São Cristóvão 1209 UFS. ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. 2004. As Memórias de Dona Sinhá. Aracaju. Typografia Editorial/ Scortecci Editora. FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno. NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do. NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. 2002. Pernambuco, Sergipe, São Paulo: Os caminhos do Colégio Inglês na educação feminina. Horizontes. Bragança Paulista. p. 1 – 8 jan/dez.’ FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. 2003. Vestidas de Azul e Branco: um estudo sobre as representações de ex-normalistas (1920-1950). São Cristóvão: Grupo de estudos e pesquisas em História da Educação/NPGRG. (Coleção: Educação é História). LE GOFF, Jaques. 1984. Documento/Monumento. In Enciclopédia Einaudi. VI. Memória- História. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda. P. 95-106. NUNES, Maria Thétis. 1984. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Sergipe; UFS. FONTES JORNAIS Jornal do Aracaju:1872, 1874, 1875. Jornal de Aracaju: 1873, 1874. RELATÓRIOS SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Melo Pereira. 12 de janeiro de 1834. SERGIPE, Província. Relatórios do Presidente Manoel Joaquim Fernandes de Barros, 29 de janeiro de 1836. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Almeida Botto. 11 de janeiro de 1839. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. Anselmo Francisco Perretti. 21 de abril de 1843, p. 10. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. Amâncio João Percira de Andrade 1º de março de 1850. p. 11. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. José Antônio de Oliveira Silva. 08 de março de 1852. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. João Dabney Da’Vellar Barreto. 10 de outubro de 1858. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. João Dabney Da’Vellar Botero. 07 de março de 1859. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. Manuel da Cunha Galvão. 27 de abril de 1859. p. 2. SERGIPE, Província. Presidente Dr. Evaristo Ferreira de Veiga. 1º de março de 1869. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Luis Álvares Azevedo Macedo. 04 de março de 1872. p. 18. SERGIPE, Província. Relatório do vice-presidente João Ferreira d’ Araújo Pinho. 10 de janeiro de 1877. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Pires Lima. 03 de março de 1879. p. 17. SERGIPE, Província. Relatório do Presidente Dr. Luiz Alves Leite de Oliveira Bello. 4 de março de 1881. p. 12. SERGIPE, Província. Relatórios do Presidente Francisco Cunha Barreto.02 de março de 1884. SERGIOPE, Província. Relatório do Presidente Dr: Olimpio dos Santos Vital. 03 de abril de 1888.
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