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1 AULA 05 DE LITERATURA BRASILEIRA I – TELA 05 Segundo José Veríssimo, poemas como Prosopopeia eram frequentes na bibliografia da época. Em outras palavras, a poesia que elogiava os nobres e suas famílias concedia ao poeta um status diferenciado, pois, como menciona Veríssimo: “(...) tais poetas e literatos faziam até parte da domesticidade da corte ou das grandes casas fidalgas e ricas, que os aposentavam e pensionavam, em troca dos poemas e escrituras com que infalivelmente celebravam a família em cada um dos seus sucessos domésticos, nascimentos, casamentos, mortes, façanhas guerreiras, vantagens sociais obtidas, aniversários. Como havia destes poetas efetivos, privados, caseiros, os havia também ocasionais, mas não menos prontos ao louvor hiperbólico, à lisonja enfática, à bajulação rasteira, em câmbio da proteção solicitada ou em paga de alguma graça obtida.” “Na sociedade de então o homem de letras, ainda sem público que o pudesse manter, e até forçado e apenas muito limitadamente exercer a sua atividade, quase só dos principais pelo poderio e riqueza, que acaso lhes estimassem as prendas sem os estimar a eles, podia viver. Frequentemente eram estes que lhe mandavam imprimir as obras, que sem tais patronos dificilmente achariam editores.” (Veríssimo, José. História da Literatura Brasileira.) Fonte: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/histlitbras.pdf) 2 AULA 05 DE LITERATURA BRASILEIRA I – TELA 07 Em dois momentos, a presença da paisagem brasileira assoma o poema, na referência à cidade de Olinda e na “Descrição do Recife de Pernambuco”, configurando o olhar sobre a nossa terra − talvez a primeira semente do nativismo. Vemos a seguir uma estrofe ilustrativa: “XVIII É este porto tal, por estar posta Uma cinta de pedra, inculta e viva, Ao longo da soberba e larga costa, Onde quebra Netuno a fúria esquiva. Entre a praia e pedra descomposta, O estanhado elemento se deriva Com tanta mansidão, que uma fateixa Basta ter à fatal Argos aneixa. XIX Em o meio desta obra alpestre e dura, Uma boca rompeu o Mar inchado, Que, na língua dos bárbaros escura, Pernambuco de todos é chamado. de Para’na, que é Mar; Puca, rotura, Feita com fúria desse Mar salgado, Que, sem no derivar cometer míngua, Cova do Mar se chama em nossa língua.” Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000056.pdf No trecho, leia-se a explicação do nome Pernambuco, fazendo referência à origem indígena e a etimologia da palavra. 3 “XXVI Vejo (diz o bom velho) que, na mente, O tempo de Saturno renovado, E a opulenta Olinda florescente Chegar ao cume do supremo estado. Será de fera e belicosa gente O seu largo distrito povoado; Por nome terá Nova Lusitânia, Das Leis isenta da fatal insânia.” 4 AULA 05 DE LITERATURA BRASILEIRA I – TELA 08 Um aspecto notável em sua obra é a erudição de que se reveste a linguagem em suas apresentações. No entanto, vale ressaltar que as obras que nos chegaram foram depuradas pelo próprio autor quando já idoso e que foram reescritas muitas delas. Como observa e cita Afrânio Coutinho: “Não era outra sua disposição quando, instado a organizar suas obras, ponderava a um correspondente: ‘Vm.ce, pela mercê que faz aos meus borrões, me insta a que os dê à estampa, o que não pode ser sem os alimpar primeiro; e, com a joeira não ser muito fina, tudo se me vai com as alimpaduras.’ Pelo visto, os sermões que Vieira pregou, sobretudo a auditórios heterogêneos, onde se misturavam o reinol, o mazombo, o índio e o negro, não vieram enfim até nós tal como foram proferidos, e sim através de uma linguagem literária depurada com o máximo rigor.” (Coutinho, A. A literatura no Brasil. p. 83) 5 AULA 05 DE LITERATURA BRASILEIRA I – TELA 09 Como podemos acompanhar neste trecho do Sermão da Sexagésima: “Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear: Exiit, qui seminat, seminare. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na Arquitetura tudo se faz por regra, na Aritmética tudo se faz por conta, na Geometria tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte caia onde cair. Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. «Caía o trigo nos espinhos e nascia» Aliud cecidit inter spinas, et simul exortae spinae «Caía o trigo nas pedras e nascia»: Aliud cecidit super petram, et ortum. «Caía o trigo na terra boa e nascia»: Aliud cecidit in terram bonam, et natum. Ia o trigo caindo e ia nascendo. Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas, hão de nascer; tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nascendo. Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa! Ver vir os tristes passos da Escritura, como quem vem ao martírio; uns vêm acarretados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm torcidos, outros vêm despedaçados; só atados não vêm! Há tal tirania? Então no meio disto, que bem levantado está aquilo! Não está a coisa no levantar, está no cair: Cecidit. Notai uma alegoria própria da nossa língua. O trigo do semeador, ainda que caiu quatro vezes, só de três nasceu; para o sermão vir nascendo, há de ter três modos de cair: há de cair coisas, a cadência para as palavras, o caso para a disposição. A queda é para as coisas porque hão de vir bem trazidas e em seu lugar; hão de ter queda. A cadência é para as palavras, porque não hão de ser escabrosas nem dissonantes; hão de ter cadência. O caso é para a disposição, porque há de ser tão natural e tão desafetada que pareça caso e não estudo: Cecidit, cecidit, cecidit.” Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000034.pdf 6 AULA 05 DE LITERATURA BRASILEIRA I – TELA 10 Outro recurso bastante frequente na obra de Vieira é o uso de antônimos, criando antíteses com o objetivo de ampliar os sentidos do exposto e comover sua assistência. Como lemos neste trecho do Sermão do Mandato: “Estes são os poderes do tempo sobre o amor. Mas sobre qual amor? Sobre o amor humano, que é fraco; sobre o amor humano, que é inconstante; sobre o amor humano, que não se governa por razão, senão por apetite; sobre o amor humano, que, ainda quando parece mais fino, é grosseiro e imperfeito. O amor, a quem remediou e pôde curar o tempo, bem poderá ser que fosse doença, mas não é amor. O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem as eternidades o cansam...(...) Em todas as outras coisas o deixar de ser é sinal de que já foram; no amor o deixar de ser é sinal de nunca ter sido. Deixou de ser? Pois nunca foi. Deixastes de amar? Pois nunca amastes. O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi, porque se chegou a ter fim, nunca teve princípio. É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidade”. Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000018pdf.pdfOs termos em negrito indicam as antíteses, mas se observa em toda a construção do texto um permanente jogo de ideias que se constroem de forma progressiva, remetendo à gradação das emoções assim como dos argumentos. Afinal, em seus termos, se um amor acaba, comparado à eternidade, é porque não era amor. A expressão grandiosa e grandiloquente, comum em sua parenética, constitui traço constante em sua obra, acima do barroquismo de seu tempo, perene na história de nossa literatura.
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