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CENTRO DE ENSINO SÃO LUCAS FACULDADE SÃO LUCAS CURSO DE DIREITO KASSIA MOTTER PINHEIRO A BIGAMIA FRENTE AO ATUAL CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO Porto Velho – RO 2016 2 KASSIA MOTTER PINHEIRO A BIGAMIA FRENTE AO ATUAL CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO Artigo apresentado no Curso de graduação em Direito do Centro de Ensino São Lucas 2016, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel. Orientador: Prof. Me. Ângelo Luiz Santos de Carvalho. Porto Velho 2016 3 KASSIA MOTTER PINHEIRO A BIGAMIA FRENTE AO ATUAL CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO Artigo apresentado à Banca Examinadora da Centro de Ensino São Lucas, como requisito de aprovação para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Data: ______/_______/________ Resultado: __________________ BANCA EXAMINADORA ____________________________ Nome da Instituição Titulação e Nome ____________________________ Nome da Instituição Titulação e Nome ____________________________ Nome da Instituição Titulação e Nome 4 O CRIME DE BIGAMIA FRENTE AO ATUAL CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO1 Kássia Motter Pinheiro2 RESUMO: O trabalho em voga apresenta uma pesquisa no que diz respeito ao crime de bigamia e a ausência de punibilidade para os casos de pessoas que contraem casamento em outras modalidades existentes na sociedade atual que não o casamento civil, como cerimônia religiosa e a união estável, ferindo diretamente a Constituição Federal, bem como o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Busca ainda, trazer uma breve explanação quanto ao atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre o casamento e a família. Ainda, buscou-se a exposição do esvaziamento do presente tipo penal, quando confrontado com o Código Civil e a própria Constituição Federal vigente, principalmente se ao trazermos à baila princípios existentes na Carta Magna, tem-se que a utilização do Direito Penal deverá ser “ultima ratio” para a punição do delito. Por fim, conclui-se que para a bigamia, diante de diversas transformações sociais, culturais e jurídicas, surgiu a possibilidade de revogação do referido delito, assim como ocorreu no passado com o adultério. Palavras-Chave: Bigamia. Família. Casamento. Isonomia. Ultima Ratio. ABSTRACT: The work in vogue presents a research with regard to bigamy crime and the absence of criminal liability for cases of people who contract marriage in other existing arrangements in today's society than civil marriage as a religious ceremony and stable , wounding directly to the Federal Constitution, and the principle of equality and human dignity. Search also bring a brief explanation as to the current position of the doctrine and jurisprudence on marriage and family. Still, we sought to exposure emptying of this criminal offense, when faced with the Civil Code and the very current Federal Constitution, mainly by bringing into question existing principles in the Constitution, it follows that the use of criminal law should be "ultima ratio" for the punishment of crime. Finally, it is concluded that for bigamy in front of various social, cultural and legal changes, the possibility arose of the said offense revocation, as occurred in the past with adultery. Keywords: Bigamy. Family. Marriage. Equality. Ultima Ratio. INTRODUÇÃO O Estado Brasileiro, assim como outros países ocidentais, adotou o princípio da monogamia, isto porque, nossa sociedade pauta-se nas relações singulares, por entender que só poderá haver entre mútua no relacionamento neste tipo de relacionamento, não permitindo a existência simultânea de dois ou mais vínculos afetivos em concomitância. Segundo o direito brasileiro só restará ocorrida a bigamia quando uma pessoa casada sob os ditames da lei civil contrai novo casamento sob a submissão 1 1 Artigo apresentado no curso de graduação em Direito da Faculdade São Lucas como requisito parcial para conclusão do curso, sob orientação do professor. Me. Ângelo Luiz Santos de Carvalho E-mail als.carvalho@hotmail.com 2 Acadêmica do 9º período do curso de Direito, do Centro de Ensino São Lucas - TCC II – 2016.2. 5 dos trâmites do matrimônio anterior, sabendo ser o primeiro ainda válida, ou seja, só se considera praticado o crime de bigamia na hipótese de ambos os matrimônios contraídos forem válidos no mesmo lapso temporal. Tal compreensão faz-se necessária diante da falsa ideia de que basta o relacionamento em poligamia para que o indivíduo seja penalizado pela prática do crime de bigamia, entendimento errôneo e em contrariedade ao adotado pela doutrina e jurisprudência. Ademais, oportuno registrar que o casamento religioso ou a simples união estável não tem o poder de garantir a imputação do crime supracitado a um determinado indivíduo que mantem dois relacionamentos conjugais ao mesmo tempo. Analisando nosso contexto histórico, há de se apontar que o legislador de 1940, ano da elaboração do Código Penal Brasileiro, vislumbrava a proteção jurídica à família, preservando a aduzida instituição, impedindo que a referida sociedade conjugal falisse diante de fatos alheios, contribuindo imoralmente para o encerramento da união familiar. Todavia, não obstante a pretendida proteção do legislador, há de se registrar que diante das intensas mudanças ocorridas no mundo moderno, atualmente vivenciamos um forte desuso da punição do referido crime, isto porque, para muitos, sua proibição tem-se tornado incompatível com uma sociedade totalmente avessa a todo tipo de preconceitos, dentre os quais inclui-se a possibilidade de múltiplos relacionamento. É incontroversa que a formação cultural brasileira tem como um dos fundamentos a monogamia, diferente de outros países do oriente. Todavia, a nova realidade social vem demonstrando o aumento de famílias originadas de comportamentos de poligâmia, mesmo diante do convívio de olhares preconceituosos surgidos de alguns segmentos religiosos, não podemos deixar de entender que se trata de um novo momento social, logo, a fim de se adaptar à nova realidade, mesmo que muitos discordem do referido comportamento, adotado por parcela mínima da sociedade, há de se desprender de velhas tradições, mas sem ficar de olhos fechados para essa nova realidade. Ainda, não podemos esquecer que o preâmbulo da Constituição Federal defende uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. 6 Por fim, oportuno trazer à baila a contradição estabelecida em um Estado que defende uma união estável em concomitância com o casamento civil, com a efetivação dos direitos adquiridos com a concepção da nova família diversa daquela estabelecida com a reverência dos ditames legais, e ao mesmo tempo sustentar a bigamia como ilícito penal. Ao debruçarmos sobre o referido tema, analisaremos o seu objetivo, bem como o seu reflexo na sociedade brasileira, o posicionamento doutrinário a respeito e como a jurisprudência vem aplicando aos casos concretos. 1. A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO “Família! Família! Papai, mamãe, titia. Família! Família! Almoça junto todo dia. Nunca perde essa mania”. Estes são os versos da canção “Família”, de autoria dos compositores brasileiros Arnaldo Antunes e Tony Bellotto,trazendo a ideia tradicional do que vem a ser família, ou seja, aquela constituída por pai, mãe, filhos e outros indivíduos que se agregam a ela. Entre os gregos, família era fundamentalmente (1) um grupo de pessoas que se reunia pela manhã e ao cair da tarde em um lar para a realização do culto aos sues deuses e (2) os cônjuges e seus descendentes. Arnoldo Wald3, no livro “O novo direito de família” observa que, em Roma, o conceito de família, independia da consanguinidade, pois se tratava a família de uma unidade econômica, política, religiosa e jurisdicional. Posteriormente, a expressão “família” também passou a designar: a) o grupo de pessoas ligadas entre si por consanguinidade; e b) o núcleo constituído pelo casamento, do qual não resultou prole. Como se observa nos parágrafos anteriores, o conceito de família não pode ser definido unicamente pela ideia do núcleo constituído pelo casamento. Em verdade, a referida ideia foi constituída pelo direito canônico ao buscar vincular o conceito de família ao de casamento, este entendido como um indissolúvel sacramento. No direito brasileiro atual, a expressão “família”, na acepção jurídica da palavra, não se limita à noção religiosa, isto porque, a referida instituição, segundo a lei, é aquela entidade constituída: a) pelo casamento civil entre o homem e a mulher; 3 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. São Paulo: Saraiva, 2000. 7 b) pela união estável entre o homem e a mulher; e c) pela relação monoparental entre o ascendente e qualquer de seus descendentes. A família do século 20, advinda do conceito estabelecido no Código Civil de 1916 era uma família onde a regra de “até que a morte nos separe” dominava, admitindo-se, inclusive, o sacrifício até mesmo da felicidade em prol dos seus membros, objetivando assim a manutenção do vínculo matrimonial. Aqui vislumbra- se claramente uma família patriarcal, heteroparental, hierarquizada, biológica, mas ainda com as raízes estabelecida em tempos anteriores de ser a família uma unidade de produção, com fortes laços patrimoniais, ou seja, os indivíduos formavam sua própria família com forte objetivo de constituir patrimônio e o posterior repasse aos herdeiros, não sendo de grande relevância os laços afetivos, razão pela qual a dificuldade em dissolver tal sociedade, uma vez que esta representaria a divisão do próprio patrimônio. Após a vigência da Constituição de 1988, fundamentada em valores sociais e humanizados, em especial a dignidade da pessoa humana, bem como as mudanças introduzidas com o advento do Código Civil de 2002, a família ganhou nova estrutura, passando a ser plural, igualitária substancialmente, democrática, hetero ou homoparental, sócio-afetiva ou biológica. Importante evolução desse conceito de família está na decisão emanada do Supremo Tribunal Federal pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, acompanhando o voto do relator ministro Ayres Britto, julgando procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4477 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, também convertida em ADI, estendendo o conceito de “família” às relações homoafetivas estáveis. Pelas ideias até agora expostas, denota-se que a partir da Constituição Federal de 1988, a instituição família passou a ser analisada sob um nova ótica, admitindo-se a pluralização da entidade familiar e não mais somente um ambiente formado pelos preceitos estabelecidos na legislação. O meio utilizado para a constituição da família, agora, é assunto de natureza pessoal, resguardando o direito do indivíduo dispor de si mesmo, todavia, o casamento, por sua vez, é algo umbilicalmente ligado às formalidades da legislação civil. 2. DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA 8 Em seu art. 226, a Constituição Federal de 1988 garantiu à família especial proteção do Estado, em virtude de ser considerada como base da sociedade, independentemente de sua origem. Segundo, Jaques de Camargo Penteado, tratam-na como bem jurídico com perfil nitidamente comunitário e imprescindível ao desenvolvimento humano4. Ainda, o mesmo autor continua: A elevada valoração da família justifica que os principais elementos de sua composição e dinâmica mereçam proteção jurídico-penal e, assim, os bens e interesses tratados pelos direitos dos povos e agasalhados nas suas constituições recebem tratamento criminal com o fito de, empregada a sanção punitiva, estimular-se o comportamento humano compatível com o respeito daqueles valores5. O alcance do texto constitucional supracitado faz com que os demais ramos do Direito não fiquem alheios a tal determinados, dentre o qual inclui-se o Direito Penal, fazendo com que o referido ramo jurídico, com normas incriminadoras e não incriminadoras, auxilie na preservação das famílias, matrimonial e extramatrimonial. A partir deste momento do estudo, será realizada uma explanação sobre os crimes contra a família, especificamente quanto ao crime de bigamia, diante deste ser o principal foco de discussão do presente artigo. 2.1. Do Crime de Bigamia De Plácido e Silva6 apresenta a bigamia como sendo a derivação “do latim bigamus, por sua vez originado do grego gamos, anteposto de bi (repetição), que significa o estado da pessoa que se casou duas vezes”. Na história brasileira, o reconhecimento da bigamia como crime vem desde as ordenações Filipinas, especificamente em seu Livro V, Título XIX, ao determinar que: "Todo homem que sendo casado e recebido uma mulher, e não sendo o matrimônio julgado por inválido per juízo da Igreja, se com outra casar, morra por isso, dando em seguida, igual tratamento ao ato praticado por mulher". O Código Penal do Império em 1830, o Código Penal Republicano de 1890 também normatizaram o crime de bigamia, todavia denominando-o de polygmia, sendo o crime configurado se o indivíduo contrair casamento mais de uma vez sem 4 PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pag. 31. 5 PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pag. 32. 6 Silva, De Plácido e (1892-1964), Vocabulário Jurídico Conciso. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 106. 9 que haja a dissolução do anterior por quaisquer das hipóteses estabelecidas pela legislação civil à época ou mesmo a morte de um dos cônjuges. Por último, o atual Código Penal, resolveu estabelecer o crime de bigamia em seu art. 235. Vejamos: Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime. Conforme já exposto em linhas pretéritas do referido artigo, o crime de bigamia só restará caracterizado na hipótese de o indivíduo casado segundo os ditames da legislação civil, com as devidas habilitações prévias, contrai um novo matrimônio nos mesmos moldes do anterior, mesmo ciente do impedimento que lhe acomete, diante da validade do casamento anterior sem que houvesse qualquer dissolução deste. O entendimento supramencionado torna-se importando na medida em que procura demonstrar que para a consumação do crime de bigamia faz-se necessário um efetivo dano ao matrimônio, não sendo considerado que o indivíduocom relacionamento poligâmico também pratica o mesmo crime, tese inadmissível no atual ordenamento jurídico. Oportuno assentir que, conforme já exposto alhures, o casamento religioso e a união estável não são suficientes para a caracterização do crime de bigamia, isto porque, não obstante a existência de diversas relações nessas condições, inclusive com efeitos na órbita civil, o mesmo não se pode falar para a configuração do crime em comento, isto porque aquelas não têm valor legal para incriminar um agente que mantém várias relações de forma concomitante. 2.2. Classificação Doutrinária do Crime de Bigamia Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2010:205), “o bem jurídico protegido é o interesse do Estado em proteger a organização jurídica matrimonial, consistente no princípio monogâmico, que é adotado, como regra, nos países ocidentais”. Logo, 10 segundo o ilustre doutrinador, o principal ofendido do crime em epígrafe é a própria família e a ordem jurídica matrimonial. Inclusive, em seu art. 1.521, VI, o Código Civil de 2002 previu a impossibilidade de contrair casamento civil as pessoas que já forem casadas, razão pela qual, o Código Penal tipificou como crime a conduta do indivíduo que, mesmo na condição de casado, contrai novo casamento, objetivando em primazia a proteção à instituição do casamento e a família dele decorrente. Não há o que se falar em proteção à fidelidade conjugal, mas a própria instituição familiar, até mesmo porque, após a revogação do art. 240 do Código Penal, por meio da Lei 11.106/2004, ao abolir do nosso ordenamento jurídico o crime de adultério, o Estado deixou de conceder tal proteção à fidelidade. Vejamos: CÓDIGO PENAL Adultério (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) Art. 240 - Cometer adultério: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) Pena - detenção, de quinze dias a seis meses. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) § 1º - Incorre na mesma pena o co-réu. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) § 2º - A ação penal somente pode ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de 1 (um) mês após o conhecimento do fato. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) § 3º - A ação penal não pode ser intentada: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) I - pelo cônjuge desquitado; (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) II - pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente.(Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) § 4º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) I - se havia cessado a vida em comum dos cônjuges;(Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) II - se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no art. 317 do Código Civil. (Vide Lei nº 3.071, de 1916) (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005. Art. 5º. Ficam revogados os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222, o inciso III do caput do art. 226, o § 3o do art. 231 e o art. 240 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Como se observa dos textos legais supracitados, a própria legislação, adaptando-se ao atual contexto social já vem buscando abolir aqueles delitos que 11 podem ser resolvidos por outras esferas do direito e o mesmo caminho há o de ser percorrido quanto ao crime de bigamia. A previsão do art. 235 do Código Penal expõe que a conduta típica do crime abordado é o “contrair matrimônio” já sendo o indivíduo casado, mesmo ciente da total vigência do casamento anterior. Ressalte-se que para a comprovação da ausência de impedimento para o matrimônio não basta a presunção da morte ou de possível anulação do casamento anterior, faz-se necessário que tais declarações estejam munidas das respectivas provas, principalmente diante do declarado estado de solteiro por ocasião do segundo casamento. Comportamento contrário a esse estaria configurada a inequívoca conduta dolosa do agente. Assim, bata a vigência de um casamento civil, não sendo discutido a sua validade, para possibilitar a imputação do crime de bigamia ao indivíduo, não havendo o que se falar na sua aplicação quando o casamento anterior não existe no mundo jurídico o até mesmo quando a declaração de sua existência foi realizada por autoridade incompetente. Ainda, não há crime quando declarado anulado ou nulo o casamento anterior ou posterior, por razões diversas da bigamia, conforme inteligência do art. 235, §2º do Código Penal. O sujeito ativo do crime de bigamia é a pessoa que mesmo casada, contrai novo matrimônio, ou, ainda que solteira, divorciada ou viúva, contrai casamento com o pessoa que sabe ser casada. Segundo o entendimento de Luiz Régis Prado7, as testemunhas que afirmam a existência de impedimento, sabendo que um dos nubentes é pessoa já casada, respondem como partícipes. Em sentido contrário, Mirabete lembra a seguinte jurisprudência: “Não havendo colaboração das testemunhas para a realização do tipo penal, em uma execução tal como a contida na descrição legal, não há falar em responsabilidade criminal pelo delito de bigamia. Nessa hipótese haveria colaboração nos atos preparatórios, sendo possível reconhecer apenas um crime de falsidade ideológica (RT 352/61, 526/334). Esse fundamento, todavia, é improcedente; quem participa conscientemente do ato preparatório responde pelo crime afinal tentado ou consumado (arts. 13, 29 e 30).” O sujeito passivo primeiro é o Estado e de forma secundária, o nubente do casamento válido, bem como o contraente do segundo, desde este o contraia de boa-fé. Há de se assentir que a teor do art. 235, §1º do Código Penal, a pessoa 7 Curso de direito penal brasileiro: parte especial, p. 437. 12 solteira, viúva, divorciada que mesmo ciente da condição de casada de determinada pessoa com este contrai matrimônio, tem a pena mais leve, diante da figura especial prevista pelo legislador. Vejamos: Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos. § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos. (g.n.) § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime. No que diz respeito ao tipo subjetivo do crime em apreço, tem-se inequivocadamente a existência do dolo, direito ou eventual, configurado na vontade livre e consciente de contrair novo matrimônio, mesmo ciente da existência do impedimento ocasionado em virtude de casamento anterior válido, o que o impossibilitaria a realizar tal feito. Registre-se a necessidade da ciência do indivíduo do referido impedimento, isto porque, do contrário, haveria erro de tipo, excluindo o dolo e via de consequência o próprio crime. A consumação do crime ocorre no momento da celebração do novo matrimônio, conforme regra estabelecida no art. 1.514 do Código Civil. Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. A mera tentativa de celebração do casamento também é punível, todavia, há de se assentir que em relação a esta (tentativa), a doutrina diverge, isto porque, de um lado, parcela dos estudiosos entendem que os atos praticados para o advento da ocasião da declaração de vontade são preparatórios, ou seja, não podendo ser considerados atos de execução, pois começa e acaba com a declaração da vontade e não se inicia sem esta. De outro lado da doutrina,até a consumação do delito, todos os atos praticados são executivos ou preparatórios, iniciando-se com o ato da celebração, não se admitindo a mera prática dos atos de celebração. Romão Côrtes Lacerda, mencionado por Fernando Capez, sustenta: “Os atos praticados para o advento da ocasião dessa declaração de vontade são preparatórios, não podem ser tomados como atos de execução, pois esta começa e acaba com a declaração de vontade, e não começa sem a declaração. Se, no momento em que o agente vai responder sim ou não a pergunta do celebrante, surge alguém e o denuncia, não se pode dizer que a execução se haja interrompido independentemente da vontade do agente, que tanto poderia ter respondido sim ou não, e posto que no sim estaria a execução”. 13 Outro ponto importante a ser registrado é na hipótese de um brasileiro casar- se pela segunda vez em um país o qual a poligamia é admitida, a exemplo dos países árabes, não há o que se falar em prática do crime de bigamia, todavia, o segundo casamento não terá validade no Brasil. O mesmo pensamento não pode ser aplicado há hipótese do agente que se casa pela segunda vez em um país onde a bigamia é proibida, sendo plenamente cabível a punição no Brasil. É a jurisprudência. “Configura o crime de bigamia o fato de brasileiro, já casado no Brasil, contrai novo matrimônio no Paraguai, pois ambos os países punem a bigamia, o que preenche o requisito da extraterritorialidade do Código Penal” (TJSP, RT 516/287, 523/374) Pelo até aqui exposto, denota-se que a criminalização da bigamia foi uma das formas de proteger o casamento, bem como toda a instituição denominada família. Todavia, diante do reconhecimento da união estável nos últimos anos, acabou por empurrar a figura do casamento para uma verdadeira contradição, isto porque, na prática, não há distinção entre o casamento e a união estável. A afirmação acima é visível quando a Constituição Federal, em seu art. 226, §3º narra que: § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Objetivando a mesma proteção, são os arts. 1723 a 1727 do Código Civil. Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. 14 Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. A união estável pode ser compreendida como um fato jurídico, constituído por pessoas (homem e mulher solteiros, viúvos, divorciados, separados judicialmente ou de fato, ou mesmo pessoas do mesmo sexo) que vivem juntas, como se casadas fossem, ocasionando como consequência efeitos patrimoniais. O art. 5º da Lei n. 9.278/1996 que regulamenta o § 3° do art. 226 da Constituição Federal, estabelece que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Pelo texto supracitado, conclui-se que ao compararmos o art. 1.566 (deveres dos cônjuges) e o art. 1.724 (deveres dos companheiros) os deveres e obrigações postos a um também o foi ao outro, razão pela qual torna-se incoerente a aplicação do crime de bigamia unicamente aqueles que contraiu casamento, sem estender o mesmo delito à união estável. Considerando que o objeto tutelado é a família, com interesse direto do Estado em sua proteção, tem-se que a ação é pública incondicionada, ou seja, independe de representação da vítima ou de representante com poderes para tanto. Ainda, mesmo que os envolvidos nos fatos concordem com a bigamia, a ação penal poderá ser instaurada, diante do inequívoco e já alegado interesse do Estado. 2.3. O Crime de Bigamia segundo a Jurisprudência Sem o receio de parecer repetitiva, conforme já exposto alhures, o elemento subjetivo do tipo penal do crime de bigamia é o dolo, a vontade de contrair casamento, mesmo ciente do impedimento ocasionado pela vigência de casamento válido anteriormente contraído. Para a consumação do crime de bigamia previsto no art. 235 do Código Penal faz-se necessário que o indivíduo declare, em documento público, ser solteiro, divorciado ou viúvo, ou seja, registra a ausência de impedimento ao matrimônio. 15 Caso o agente casado, contraia três ou mais matrimônios há concurso material de delitos, e a testemunha que o declarou apto ao casamento mesmo sabendo do impedimento que o acometia é partícipe do delito de bigamia. Há de se assentir que para a configuração do crime de bigamia faz-se necessária a precedente de falsidade ideológica. Em outras palavras, para dar início ao processo de habilitação para o casamento faz-se necessário que o agente declare ao cartório responsável pela realização do matrimônio civil a ausência de impedimentos. Assim, denota-se que a bigamia (crime fim) absorve a falsidade ideológica (crime meio), que constitui tão somente etapa de sua realização, razão pela qual não há o que se falar em concurso de crime de bigamia com o delito de falsidade, uma vez que este é um simples meio para a prática daquele. Sobre o tema é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exposta em seu Informativo de n. 235: FALSIDADE IDEOLÓGICA. ABSORÇÃO. CRIME DE BIGAMIA. O delito de bigamia exige a falsidade precedente - que se declare em documento público ser solteiro, viúvo ou divorciado. Assim declarada a atipicidade da conduta do crime de bigamia pelo Tribunal a quo, não pode subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica em razão do princípio da consunção. A bigamia (crime-fim) absorve o crime de falsidade ideológica (crime-meio). Com esses esclarecimentos, a Turma concedeu a ordem para determinar a extensão dos efeitos do trancamento da ação penal do crime de bigamia ao crime de falsidade ideológica. HC 39.583-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 8/3/2005. HABEAS CORPUS – DIREITO PENAL – CRIME DE BIGAMIA E FALSIDADE IDEOLÓGICA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO DELITO DE BIGAMIA DETERMINADO PELO TRIBUNAL A QUO POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – IMPOSSIBILIDADE DE SEGUIMENTO DO PROCESSO – CRIME QUANTO À FIGURA DO CRIME DE FALSIDADE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. 1. O delito de bigamia exige para se consumar a precedente falsidade, isto é: a declaração falsa, no processo preliminar de habilitação do segundo casamento, de que inexiste impedimento legal. 2. Constituindo-se a falsidade ideológica (crime–meio) etapa da realização da prática do crime de bigamia (crime-fim), não há concurso do crime entre estes delitos. 3. Assim, declarada anteriormente a atipicidade da conduta do crime de bigamia pela Corte de origem, não há como,na espécie, subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica, em razão do principio da consumação. 4. Ordem concedida para determinar a extensão dos efeitos quanto ao trancamento da ação penal do crime de bigamia, anteriormente deferido pelo Tribunal a quo, a figura delitiva precedente da falsidade ideológica. (STJ–HC 2004/0161507-1 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJ 11.04.2005). Nessa linha de raciocínio esclarece Luiz Regis Prado: “Frise-se que a prática do delito previsto no art. 235 do Código Penal supõe que o agente declare, em documento público, ser solteiro, viúvo ou divorciado, incorrendo no delito insculpido no art. 299 do mesmo 16 diploma. Haveria, portanto, concurso material de delitos? Embora parte da doutrina se manifeste nesse sentido, urge reconhecer que o delito de bigamia exige a precedente falsidade, isto é, o processo preliminar de habilitação para o segundo casamento importa necessariamente declaração falsa por parte do agente. Destarte, em se admitindo o concurso material de crimes, o sujeito ativo responderia sempre pelo delito de falsidade. Nesse contexto, é indicada a solução do conflito pelo critério da consunção. Com efeito, o delito de falsidade ideológica (norma consumida) é fase de realização do crime de bigamia (norma consuntiva) ou é uma regular forma de transição para este último (delito progressivo). O crime-fim (bigamia) absorve, portanto, o crime-meio (falsidade ideológica), que constitui etapa de sua realização (major absorbet minerem). Advirta-se, porém, que a aplicação desse critério pode trazer incoerência: a bigamia tentada, que absorveria a falsidade, seria sancionada menos severamente do que esta: todavia, se não caracterizado o início da execução, a falsidade ideológica consumada (ato preparatório) seria punível como delito autônomo”. No que diz respeito à prescrição do crime de bigamia, o seu prazo inicia a partir da noticia criminis do delito. Por fim, como se observa dos julgados supramencionados, o casamento que é apenas uma das formas de constituir a família, acaba sendo o principal elemento na formação do crime de bigamia, levando à conclusão de uma diferenciação no tratamento com as diversas formas de se constituir a família, isto porque, o casamento, embora seja a forma historicamente mais tradicional de constituí-la, não é a única, e como no direito penal não se admite a analogia in malan partem, pode- se afirmar que este tratamento diferenciado ao casamento em relação às demais formas de constituição da família fere diretamente o princípio da isonomia. O princípio da isonomia é ferido quando trata de forma desigual as demais uniões utilizadas para a constituição das famílias ao punir apenas aquele que constitui mais de um casamento civil, não realizando igual tratamento a quem realizada outras formas de união concomitantemente. Oportuno trazer à baila que o próprio Poder Judiciário deste Estado reconheceu a união estável de duas mulheres com um homem. No caso levado à juízo, buscou a parte Autora o reconhecimento da união estável post mortem com seu companheiro, ficando constatado durante a marcha processual que o de cujus mantinha duas famílias e assim permaneceu por mais de 29 anos, com o conhecimento de todos, tolerando-se mutuamente e consentindo a respeito da relação dúplice sem qualquer oposição, razão pela qual foi a união reconhecida. Ademais, restou demonstrado que a familiar que o falecido mantinha com a autora era absolutamente igual à relação mantida com a esposa. 17 Ao final, foi a ação julgada procedente, garantindo à parte Autora a participação no inventário do falecido. Vejamos: M.L.P., devidamente qualificada nos autos, propôs ação declaratória de união estável em face de F.D.A.S., A. A. S.,E.;A.S., E.A.S.F. e E.P.A., todos também devidamente qualificados. Alega a autora que conviveu com E. A. S. desde o ano de 1979, até a data de seu falecimento. Que com E.A.S. teve três filhos, E. , E.Jr. e E. Alega que E. faleceu deixando bens, e que desde que passou a viver com o falecido foi sua dependente econômica. Pede o reconhecimento da união estável que manteve com o falecido e a divisão dos bens deixados por E. A. S.. Regularmente citados somente os réus F. D. A. S. e A.A.S. contestaram o pedido. Alegam a inépcia da inicial em preliminar e no mérito alegam que a autora agiu de má-fé, pois E.A. S., pais dos réus, foi casado com S.A.S., mãe dos réus, até o dia 27 de setembro de 2006, data do falecimento da mesma. Alegam que não pode ser reconhecida a pretensão da autora pois o réu sempre foi casado, que nosso sistema positivo é monogâmico, que não permite concurso de entidades familiares, traz julgados a respeito de sua tese e ao final pede a improcedência do pedido com a condenação da autora por litigância de má-fé. A preliminar foi rejeitada quando do saneador de fls. 70. Na instrução do processo foram ouvidas três testemunhas e os debates orais foram substituídos por memoriais. A autora em seus memoriais reitera que viveu com E.A. S. de 1979 até a data de seu falecimento, que S.A.S., esposa do falecido, sabia de sua relação com E., que inclusive a autora acompanhou E. em viagens para tratamento de saúde fora do Estado, teve três filhos com E., que compartilhou um esforço comum com E. na formação do patrimônio do casal e que a autora e seus filhos sempre foram dependentes economicamente de E.S.A.. Ao final pede a procedência do pedido. Os réus D.A.S. e A. A.S. em seus memoriais finais alegam que falta a autora dois requisitos para o reconhecimento de seu pleito, um que nunca foi vontade de E. que a autora fosse reconhecida como sua esposa e que existe proibição legal a tal pretensão. Alegam que em se tratando de concubinato impuro não existe direito à herança. Pedem ao final a improcedência do pedido. É o relatório. Tratam os autos de ação declaratória de união estável, post mortem, que M.L.P. move em face de F.D. A.S., A.A. S., E. A. S., E.A.S.Fº. e E.P.A., filhos e herdeiros de E.A. S.. Somente os dois primeiros réus, filhos do casamento do falecido com S. A.S. apresentaram resistência ao pedido. Os outros três filhos do extinto com a autora não contestaram o pedido. Para entender os fatos. A autora alega que vivia em união estável com o extinto desde 1979 até a data do falecimento do mesmo, não obstante o falecido ter sido casado com S.A.S. no mesmo período em que manteve a união com a autora. Às fls. 17 veio aos autos certidão de óbito de E.A.S.. Veio também a certidão de óbito de S.A.S. às fls. 46. Às fls. 45 veio a certidão de casamento de E.A.S. e de S.A.S., ocorrido em agosto de 1963, no Município de Gurupí, antigo Estado de Goias, hoje Estado do Tocantins. Ainda veio aos autos às fls. 14/16 certidões comprovando que E.A.S. Fº., E.P.A. e E. A.S. são filhos do extinto com a autora. DJE. N. 216/2008 - Terça-feira, 18 de novembro de 2008 Tribunal de Justiça - RO 38 Este diário foi assinado digitalmente consoante a Lei 11.419/06. O documento eletrônico pode ser encontrado no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, endereço: http://www.tj.ro.gov.br/autenticacao/valida Diario.html sob o número 216 Ano 2008 Durante a instrução do processo, fiquei absolutamente convencido que o falecido manteve um relacionamento dúplice com a esposa com quem era legalmente casado e a autora. Mais ainda, fiquei também convencido que este relacionamento dúplice não só era de conhecimento das duas mulheres como também era consentido por ambas as mulheres, que se conheciam, se toleravam e permitiam que o extinto mantivesse duas famílias de forma simultânea, dividindo a sua atenção entre as duas 18 entidades familiares. A testemunha Antônio Patrioça de Sá Chaves, ouvido às fls. 85, declarou que, in verbis: “Eu conheço a M.desde1969, a família dela é de Humaitá- AM,o E. eu conheci a uns 20 anos atrás aqui na cidade de Porto VelhoRO, também conheci a Dona S., nunca tive conhecimento que o E. fosse casado legalmente com a dona S., ele nunca me falou a respeito disso, eu conheço o D. e sei dizer que ele é filho do E. com a dona S., o A. eu não conhecia muito bem, eu vim a saber que ele é filho do E. na data do falecimento dele, no Hospital 09 de Julho, o Sr. E. e Dona M. compartilhavam a vida em uma casa aqui em Porto Velho, na Rua Caúla, eu esporadicamente freqüentava a residência do Sr. E. lá na fazenda, não tenho conhecimento que a Dona M. convivesse com o E. lá na fazenda, a Dona S. vivia com o E. e morava com ele na casa da Fazenda Araguaia, não sei dizer se a Dona S. viveu na casa da fazenda até a data de seu falecimento no ano de 2006, eu tomei conhecimento do falecimento da Dona S. por um conhecido, eu tenho conhecimento de que o E. Fº e o E. freqüentava a casa da fazenda................... ............................com certeza pode se afirmar que a dona S. sabia da existência do E., do E..Fº. e da E”. De igual modo relatou a testemunha Célio Nogueira, às fls. 87, que, verbis: “eu conheço a dona S. há mais de 35 anos, eu também conheci o E. há 35 anos, Há muitos anos atrás eu conheci a M., tenho conhecimento que a Dona M. e o E. teve um relacionamento e tiveram filhos, também conheço o E., o E. F. e a E., tenho conhecimento que nesse período que o E. tinha um relacionamento com a Dona M. ele tinha uma residência na cidade em que vivia com a Dona M., nesse período a S.vivia com ele na fazenda e eles também tinham uma residência aqui na cidade na Rua Pinheiro Machado, eu freqüentava a casa lá na fazenda, várias vezes eu vi a E., o E.e o E. Fº. na fazenda”. Não há qualquer resquício de dúvida de que a autora e a falecida esposa do extinto sabiam de suas existência e da duplicidade da relação que E.A. mantinha com ambas. O falecido E. teve três filhos com a autora, seus filhos freqüentavam a fazenda em que o extinto vivia com a falecida esposa S.E.A. mantinha dois imóveis residenciais na cidade, um para moradia da autora e outro para morada de S. , quando esta não estava na fazenda. A autora e S. tinham mútuo conhecimento de suas existências, se toleravam e permitiam que E. A.S. dividisse seu tempo e sua atenção com as duas mulheres, mantendo com as mesmas um relacionamento duradouro e estável. O que fazer o julgador diante de tal realidade? Como se colocar diante do que se confunde como justo e injusto, como certo e errado, como o direito e o avesso? Diante de uma situação fática em que devidamente comprovado que com a concordância de ambas as mulheres, o extinto manteve por vinte e nove anos uma relação dúplice, deve o julgador ater-se tão somente ao hermetismo dos textos legais e das disposições positivadas em nossos códigos de lei? Aquela mulher que viveu com um homem, que não obstante fosse casado, por vinte e nove anos, não tem direito a nada? É sabido que nossa legislação baseia-se no relacionamento monogâmico caracterizado pela comunhão de vidas, tanto no sentido material como imaterial. Da mesma forma é sabido que a relação paralela de uma mulher com homem legalmente casado e impedido de contrair novo casamento é classificado de concubinato impuro ou adulterino, sem gerar qualquer direito para efeito de proteção familiar fornecida pelo Estado. É o que dispõe o inciso VI, do artigo 1521 combinado com o § 1º do artigo 1723 ambos do Código Civil brasileiro. Todavia, a relação que a autora teve com o extinto não pode ser classificada simplesmente como dispõe o artigo 1727 do Código Civil brasileiro. A relação da autora com o falecido, não obstante fosse o mesmo legalmente casado e não separado de fato, não foi eventual a ponto de nos satisfazermos com a singela afirmação de que esta relação de vinte e nove anos somente foi um concubinato impuro ou adulterino, incapaz de gerar qualquer efeito jurídico no mundo dos fatos. Segundo Maria Berenice Dias, “a doutrina ainda distingue modalidades de ligações livres, eventuais, transitórias e adulterinas, com o fim de afastar a identificação da união como estável e, 19 assim, negar quaisquer direitos a seus protagonistas. São consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica. Os concubinos chamados de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, concubinagem e etc, são alvo do repúdio social. Nem por isso deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são considerados pela Justiça só privilegia o bígamo. Situações de fato existem que justifica considerar que alguém possua duas famílias constituídas . São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas”.( in Manual de Direito das Famílias, Livraria do Advogado, 2005, p.179) Não se pode desconhecer a realidade do comportamento social no que diz respeito aos relacionamentos afetivos paralelos, que acabam por mitigar aquele deve legal de fidelidade previsto no inciso I , do artigo 1556 do Código Civil brasileiro. Ainda segundo o ensinamento de Maria Berenice Dias, “negar a existência de uniões paralelas, quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis, é simplesmente não ver a realidade. A justiça não pode chancelar essas injustiças. Mas, é como vem se inclinando a doutrina. O concubinato adulterino importa, sim, para o Direito. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros, convivem, às vezes tem filhos, e há construção patrimonial em comum. Destratar mencionada relação, não lhe outorgando qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes”. ( in obra citada, p. 181) É o que a psicologia atualmente denomina de poliamorismo. Em excelente artigo publicado no site jurídico jus navigandi , o magistrado e professor Pablo Stolze Gagliano trata do direito da amante na teoria e na prática dos tribunais Conforme o eminente articulista, “o poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinarse para o Direito, admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. Segundo a psicóloga NOELY MONTES MORAES, professora da PUC-SP, a etologia(estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante das espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo”. ( in htpp: //jus2.uol.com.br/doutrina ) Alguns tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, já tem reconhecido o direito da concubina na relação dúplice, a partilhar o recebimento de pensão em caso de falecimento do companheiro ou homem casado que mantinha duas relações familiares. Nesse sentido a jurisprudência, verbis: “PENSÃO PREVIDENCIÁRIA – PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA – COEXISTÊNCIA DE VINCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA – CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em Juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados . Recurso especial não conhecido” ( STJ – REsp 742.685- RJ – 5ª Turma – Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca – Publ. em 05.09.2005) “PENSÃO – ESPOSA E CONCUBINA – DIVISÃO EQUANIME. Agiu bem a autoridade administrativa ao dividir a pensão vitalícia por morte de servidor que em vida manteve concomitantemente duas famílias, entre a esposa legítima e a concubina. Inexiste direito líquido e certo da esposa àexclusividade do recebimento da pensão, se provado está que a concubina vivia sob a dependência econômica do de cujus. Ato administrativo que se manifesta sem qualquer vício ou ilegalidade. Ordem denegada.”( TJ-DF – MS 6648/96 – Acórdão COAD 84999 – Rel. Dês. Pedro de Farias – Publ. em 19.08.1998) “SERVIDOR PÚBLICO – FALECIMENTO – ESPOSA – CONCUBINA –PENSÃO – DIREITO. Comprovada a existência de concubinato, inclusive com reconhecimento de paternidade por escritura pública, devida é a pensão por morte à concubina, que passa a concorrer 20 com a esposa legítima.” ( TRF – 1ª Região – AP.Civ. 1997.01.00.057552- 8/AM – Rel Juiz Lindoval Marques de Brito – publ. em 31.05.1999) Também deve caber tal reconhecimento para fins de divisão do patrimônio amealhado pelos três durante a relação dúplice. Ainda mais quando sobejamente comprovado que a autora, que Serafina e que Electo mantinham uma relação de poliamor, em que todos sabiam, se toleravam e consentiam a respeito da relação dúplice mantida sem qualquer oposição. Não se pode deixar de reconhecer os efeitos jurídicos desta relação. Contrário senso, seria admitir a absoluta falta de qualquer conseqüência pela irresponsabilidade do extinto em manter duas famílias, de quem foi duplamente infiel e de quem na última das ponderações, ao final das contas, não respeitou nem a esposa nem a companheira. Sem falar no locupletamento ilegal e ilícito daqueles que formaram patrimônio, que também teve a colaboração da autora em sua aquisição. DJE. N. 216/2008 - Terça-feira, 18 de novembro de 2008 Tribunal de Justiça - RO 39 Este diário foi assinado digitalmente consoante a Lei 11.419/06. O documento eletrônico pode ser encontrado no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, endereço: http://www.tj.ro.gov.br/autenticacao/valida Diario.html sob o número 216 Ano 2008 Como diz Maria Berenice Dias, a Justiça não pode favorecer e incentivar a infidelidade e o adultério. Não obstante o § 3º do artigo 226 da CF/88, reconhecer a união estável como entidade familiar e dispor que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento, sendo consectário lógico que para contrair matrimônio os contraentes não podem apresentar impedimentos e devem observar os seus deveres, de outro norte negar direito a autora no caso em julgamento constitui atentado ao princípio da dignidade da pessoa humana, tanto da autora como de seus filhos. O inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, erigiu a dignidade da pessoa humana em valor supremo da República Federativa do Brasil. Consoante a lição de José Afonso da Silva, “não é apenas um princípio de ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Dai sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional”.( in Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 2005, p. 38) Também ao se negar a autora qualquer direito no caso em julgamento, importaria em afronta ao princípio constitucional da igualdade, expresso no caput do artigo 5º da Constituição Federal que dispõe serem todos iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. A relação familiar que o falecido mantinha com a autora era absolutamente igual à relação mantida com a esposa Serafina. Foram duas situações de fato absolutamente idênticas, duas entidades familiares mantidas ao mesmo tempo, que obrigatoriamente devem ser tratadas da mesma maneira. Doutrina e jurisprudência já vem admitindo a possibilidade da divisão em três partes do patrimônio formado em relações dúplices, é o que se chama de “triação”, ou seja, a meação transmudada em divisão de três partes iguais do patrimônio, um terço para o de cujus, um terço para a esposa e um terço para a companheira. De acordo com o magistério de Maria Berenice Dias, “somente na hipótese de não se conseguir definir a prevalência de uma relação sobre a outra é que cabe a divisão do acervo patrimonial amealhado durante o período de convívio em três partes iguais, restando um terço para o varão e um terço para cada uma das mulheres”.( in obra citada, p. 181) Portanto, após o ano de 1979, todo o patrimônio adquirido deve ser dividido em três partes, pois as relações foram concomitantes. Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL – UNIÃO DÚPLICE – POSSIBILIDADE – PARTILHA DE BENS – MEAÇÃO – TRIAÇÃO – ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. 21 Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em triação, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verifica em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável.” ( TJRS – ApCível n.º 70022775605/08 – Rel Dês. Rui Portanova, julgado em 07.08.2008) “APELAÇÃO – UNIÃO DÚPLICE – UNIÃO ESTÁVEL – POSSIBILIDADE. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de “papel”. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em triação, pela duplicidade de uniões” ( TJRS – ApCível 70019387455-07 – Rev. e Red. Dês. Rui Portanova , vencido o relator Dês. Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 24.05.2007) Portanto, de tudo que foi exposto, é possível o reconhecimento da união dúplice, quando a autora, o extinto e sua falecida esposa mantiveram uma relação de poliamor, consentida e tolerada, advindo daí efeitos legais como a divisão dos bens adquiridos neste período. Procedente o pedido da autora, não há que se falar em litigância de má-fé. Isto posto, julgo procedente o pedido para declarar que M.L.P. manteve união estável com o extinto E.A.S., concomitantemente ao casamento do falecido, do ano de 1979 até a morte deste em 17 de dezembro de 2007, devendo o patrimônio adquirido pelo de cujus, por sua falecida esposa e pela autora neste período ser dividido em três partes iguais, mediante comprovação nos autos do inventário em tramite neste Juízo sob o n.º .......... Custas e honorários, estes em 20% do valor dado á causa, pelos réus. P.R.I.C. Porto Velho, 13 de novembro de 2008.Adolfo Theodoro Naujorks Neto Juiz de Direito. Como se observa, em que pese o reconhecimento da bigamia como crime, a jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de união concomitante, quando haja a aceitação de todos os envolvidos na relação conjugal, garantindo aos envolvidos o direito decorrentes da referida união. 2.3. O Crime de Bigamia e a Constituição Federal A Constituição Federal, em seu art. 226 garantiu à família, como base da sociedade, especial proteção do Estado. Apesar de sermos um país que adotou a monogamia, constata-se nos últimos tempos uma inconsciente lesão à Carta Magna, por boa parte dos cidadãos, visto que diante do casos que se tornou a compreensão do que vem a ser um casamento, o crime de bigamia acabou por entrar em desuso, assim como o foi o de adultério. Ademais, diante da facilidade de obtenção das informações, dificilmente um cidadão conseguira casar-se mais de uma vez com outra pessoa sem que o outro soubesse de eventual relacionamento anterior, o que ao contrario ocorre às vastas vistas nos dias de hoje nos casos das demais modalidades de casamento. 22 A ocorrência desenfreada de casos de pessoas que contraem um novo casamentoem outras formas ou modalidades de casamento nos dias atuais se continuar sem a tutela estatal, sem a devida proteção da lei, acabará por tornar-se rotineira, como se fosse um costume do povo, como se a monogamia já não fosse mais adotada pelo Brasil e sim a poligamia. O que em um futuro não tão distante passara a não ser mais crime também no casamento cível, visto que virara costume da sociedade. 3. O CRIME DE BIGAMIA E O PRINCÍPIO DA ÚLTIMA RATIO Ao Estado é tutelado, por meio do Direito Penal, a capacidade de demonstrar a sua força coercitiva, objetivando sempre a proteção do interesse social e a coletividade. Todavia, tal poder coercitivo não pode ser exercido pelo Estado a seu bel prazer, sem nenhuma limitação. O Estado de Direito está limitado, no exercício dos seus poderes, aos limites estabelecidos pela própria lei, partindo da gênese de que esse controle deve ser pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da necessidade. Pois bem. A função primordial do Direito Penal é proteger subsidiariamente os bens jurídicos essenciais à sociedade, todavia, na qualidade de “ultima ratio”, ou seja, não havendo nenhum outro meio jurídico a solucionar a problemática, ou mesmo diante do fracasso dos utilizados é que o Direito Penal passará a atuar, tutelando a proteção dos bens jurídicos mais relevantes. Isso significa dizer que, havendo a possibilidade de obstar determinadas condutas e proteger, consequentemente, bens substanciais ao ser humano, por outros ramos do direito, a exemplo do direito civil, administrativo, trabalhista etc, ao Estado caberá lançar mão do Direito Penal para o exercício do referido mister. Diante do atual contexto social, o que se observa é que diante do desuso do crime de bigamia, o provável caminho a ser utilizado será o da exclusão do referido crime, punindo o indivíduo de outras formas, utilizando outras medidas existentes em ramos do direito diversos do penal. 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 23 A pesquisa fora realizada por meio de análise em posicionamentos jurisprudenciais nos diversos Tribunais Brasileiros, principalmente àqueles julgados do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justuça, bem como o que diz a doutrina e pesquisas sobre o tema. O método de pesquisa utilizado fora o qualitativo, procurando entender o comportamento dos indivíduos, a partir de características pessoais. Constituiu-se pela busca de casos concretos para o entendimento prático daquilo que ocorre de fato em relação ao tema. Foram realizadas pesquisas em sites jurídicos, jurisprudências, leis, doutrinas. 5. CONCLUSÃO De todo o exposto, conclui-se que não obstante a sua existência no Código Penal Brasileiro, em razão da atual realidade social o crime de bigamia encontra-se ultrapassado, da mesma forma ocorrida com o crime de adultério, não cabendo a sua tutela pelo direito penal, o qual caberia aos outros ramos do direito. Todavia, isso não significa a ausência de proteção e punição ao indivíduo que pratica tal conduta, até mesmo porque, como exposto, a prática do delito precede de uma declaração falsa, denominado crime de falsidade ideológica, absorvido pelo crime de bigamia. Ainda, conforme mencionado alhures, o princípio da “ultima ratio” deve ser devidamente efetivado, aplicando o Direito Penal unicamente na hipótese de outros ramos do Direito não serem capazes de solucionar o ilícito. Assim, podendo o crime de bigamia ser resolvido por outros ramos do direito, desnecessária a atuação do Direito Penal. Diante de uma sociedade atual que faz questão de se aparecer, com a necessidade de ser vista por todos, permitindo a exposição, muitas vezes exagerada, de sua intimidade, recusando a interferência do Estado em tais comportamentos, denota-se a perda de espaço para aplicação do crime de Bigamia, especialmente quando o mesmo fere diretamente o princípio da isonomia, ao aplica- lo unicamente ao casamento e não às demais formas de constituição da família, a exemplo da união estável. Pelo exposto, conclui-se que com o advento da Constituição Federal de 1988, responsável pela modificação, pluralização, democratização e humanização 24 da família, o crime de bigamia começou a passar por um processo de esvazimento e contradição ao conflitar com outros princípios existente da Carta Magna, a exemplo da Dignidade da Isonomia e da Pessoa Humana. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 4 – parte especial. 4. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2010. CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 23. CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Concubinato e união estável. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. SILVA, De Plácido e (1892-1964), Vocabulário Jurídico Conciso. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012. WALD, Arnoldo. O novo direito de família. São Paulo: Saraiva, 2000. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal; parte especial 3 .11 ed. São Paulo, Saraiva, 2013. CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal comentado. 2. ed. Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2008. GONÇALVES,Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. 6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil. Coord. De Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 11. http://jus.com.br/artigos/22830/uniao-estavel-poliafetiva-breves-consideracoes- acerca-de-sua-constitucionalidade#ixzz3VWH0WMzn. http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/100131335/artigo-uniao-estavel-poliafetiva- breves-consideracoes-acerca-de-sua-constitucionalidade-por-paulo-roberto-iotti- vecchiatti. http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,breves-consideracoes-sobre-o-livro-v-das- ordenacoes-filipinas-e-a-legislacao-penal-patria-contemporanea,29482.html. Acessado em 14/10/2016. 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Acessado em 15/10/2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acessado em 15/10/2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessado em 15/10/2016. http://www.tjro.jus.br. Acessado em 18/11/2016.
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