Buscar

Apostila de Direito das Famílias

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 150 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 150 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 150 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

DIREITO CIVIL – FAMÍLIA
Prof. MSc. Maria Cremilda Silva Fernandes
Apostila de Direito das Famílias
Abordagem didática
Prof. MSc. Maria Cremilda Silva Fernandes | Direito civil - Família| janeiro / 2020
Evolução do direito e o conceito de família
Por Fernanda de Freitas*
Em meados do século XIX, com base numa sociedade patriarcal, somente a família decorrente do vínculo matrimonial formal - casamento - era considerada legítima, as demais uniões eram consideradas ilegítimas.
Cumpre esclarecer, primeiramente, que este trabalho não teve o escopo de se aprofundar em cada fase decorrida pelo nosso Direito de Família, mas, tão somente, estabelecer de forma simples e cronológica toda a evolução por nós vivida nos últimos anos.
Começarei falando sobre o conceito de família, partindo do CC/1916, ou seja, do início do século XX. Esse Código, apesar de editado no início do século XX, fora forjado em estudos e projetos de meados do século XIX, com base numa sociedade patriarcal, patrimonialista, agrária e extremamente conservadora.
Nesse período, somente a família decorrente do vínculo matrimonial formal - casamento - era considerada legítima, as demais uniões eram consideradas ilegítimas e imorais, ficando totalmente desprovidas de proteção jurídica e de reconhecimento social. Nessa época, o conceito de família era o da "instituição-fim em si mesmo", ou seja, o indivíduo que deveria servir à família.
Com o Código Eleitoral de 1932 surgiu um significativo avanço nos direitos da mulher, esse Código permitiu o voto feminino a partir de 21 anos de idade, tendo a CF/34 reduzido essa idade para 18 anos.
Foi somente ao final dos anos 1940 que se observou uma tendência nos tribunais da Capital Federal e de São Paulo ao reconhecimento do direito da mulher a ser beneficiada com pensões relativas a seus companheiros, com os quais tivessem formado família e mantido longa convivência marital.
Dessa forma, o instituto da união estável entre homem e mulher passou por quatro fases: 
a) 1ª fase - negação dos direitos decorrentes da união estável; 
b) 2ª fase - companheira fazia jus somente aos direitos previdenciários; 
c) 3ª fase - equiparação à sociedade de fato, edição das Súmulas 380 e 382, ambas do STF; 
d) 4ª fase - reconhecimento como entidade familiar.
Em 1962 foi promulgada a lei 4.121 (Estatuto da Mulher Casada), que devolveu à mulher casada a plena capacidade, dispensou a necessidade da autorização marital para o trabalho e instituiu o bem reservado. Esse bem reservado era aquele conquistado pela mulher casada, fruto do seu trabalho, que, por sua vez, não respondia pelas dívidas do marido. Ressalte-se que o bem reservado, previsto no Estatuto da Mulher Casada, não foi recepcionado pela CF/88.
Mais adiante no tempo, no ano de 1964, foram editadas duas Súmulas, a 380 e a 382, ambas do STF, quando já era aceita a união estável entre homem e mulher. De acordo com as supracitadas Súmulas, a união estável foi elevada à esfera do Direito Obrigacional, criando, na jurisprudência, a teoria da sociedade de fato e da proibição do enriquecimento sem causa.
Nessa esteira, comparava-se a união estável às sociedades de fato do Direito Comercial, valendo-se do seguinte raciocínio: a sociedade que não realiza o seu registro funciona de fato e não de direito, da mesma forma a união estável entre homem e mulher que não se formalizava pelo casamento. Erroneamente, confundia-se affectio societatis com affectio maritalis.
Além disso, as questões levadas ao Judiciário acerca dessas uniões eram direcionadas para as Varas Cíveis.
E, para dificultar ainda mais a posição da companheira, os juízes aplicavam, de acordo com o entendimento de cada um, a teoria da contribuição direta ou indireta.
Em 1977 foi editada a EC 9/77 - instituindo o divórcio no Brasil, que causou na ocasião imensa polêmica e discussão. A CF teve de ser alterada para que a lei 6.515/77 fosse promulgada.
Com o advento da lei 6.515/77, há a substituição da palavra "desquite" (que quer dizer "não quites", em débito para com a sociedade - que rompia a sociedade conjugal, mas não dissolvia o casamento) pela expressão "separação judicial"; a adoção do patronímico do marido passou a ser facultativa, estendeu-se ao marido o direito a alimentos, e o regime da comunhão parcial de bens passou a ser a regra geral.
A lei 6.515/77 concedeu a possibilidade de um novo casamento, mas somente por uma vez, sendo que essa determinação foi abolida pela lei 7.841/89, possibilitando os divórcios sucessivos.
A CF/88, conhecida também como Carta Cidadã, provocou uma profunda mudança de paradigma no Direito de Família. A instituição casamento cede espaço ao afeto. O princípio da afetividade passa a figurar como pilar de todas as relações familiares, ao lado dos princípios da dignidade da pessoa humana e da personalidade.
A CF fez com que passássemos de um modelo único e hierárquico de família para um modelo plural e democrático.
Por seu turno, abandonou-se o conceito de família enquanto "instituição-fim em si mesmo" e se passou a adotar outro modelo, o conceito de "família instrumental ou funcional, ou seja, como um instrumento (provavelmente o principal) para o desenvolvimento dos indivíduos e para a realização de seus projetos existenciais. Não é mais o indivíduo que deve servir à família, mas a família que deve servir ao indivíduo."
Além disso, a nossa Magna Carta estabeleceu a igualdade entre homem e mulher (inciso I, do art. 5º, §5º do art. 226, inc. IV do art. 2º), e a igualdade entre os filhos (§6º, do art. 227, arts. 1.596 e 1.834, ambos do CC), ampliando o conceito de família, que passou, como dito anteriormente, de um modelo único e hierárquico para um modelo plural e aberto.
Em dezembro de 1994 foi editada a lei 8.971, de 29/12/94, conferindo ao companheiro ou à companheira, o direito a alimentos e à sucessão; no entanto, estabeleceu no seu art. 1º a necessidade de comprovação de 5 anos de união ou da existência de prole da aludida união, devendo o outro companheiro comprovar o estado civil de desquitado, solteiro, separado, divorciado ou viúvo.
Em maio de 1996 foi publicada a lei 9.278, que estabeleceu o fim do prazo de 5 anos para comprovação da união estável, o fim da obrigatoriedade de comprovação do estado civil do companheiro (ser solteiro, desquitado, separado, divorciado ou viúvo), criou o direito real de habitação para o companheiro ou para a companheira sobrevivente, determinou a competência da Vara de Família para dirimir questões atinentes à união estável, bem como estabeleceu a presunção legal de comunicação dos aquestos, em relação aos bens adquiridos de forma onerosa, durante a união estável (ou seja, pôs fim à discussão da teoria da contribuição direta e da indireta).
Vale lembrar que no ano de 2001, o INSS expediu a IN 50, concedendo ao companheiro ou à companheira homossexual a concessão da pensão por morte e o auxílio-reclusão.
No ano de 2002 nos deparamos com o NCC, que, a meu ver, provocou um enorme retrocesso em relação aos direitos dos companheiros, ao não incluir o companheiro no rol dos herdeiros necessários, limitando e diferenciando o direito sucessório, além de não conferir o direito real de habitação aos companheiros. Entretanto, essa distorção foi corrigida pelos diversos precedentes jurisprudenciais, REsp 1118937/DF, rel. ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 24/2/15, DJe 4/3/15; REsp 1124859/MG, rel ministro Luis Felipe Salomão, rel. p/ Acórdão ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 26/11/14, DJe 27/2/15; AgRg nos EDcl no REsp 1095588/MG (decisão monocrática) rel. ministro Raul Araújo julgado 7/10/15 DJe 9/11/15. (Vide Informativo de Jurisprudência 556) e do Enunciado 117 da CJF. 
Na contramão desse retrocesso, mais uma vez a Justiça brasileira, por meio de uma corajosa decisão proferida pelo então juiz da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões, atualmente Desembargador da 25ª Câmara Cível do TJ/RJ, Luiz Felipe Francisco, homologou acordo inédito ao conceder à ex-companheira da cantora Cássia Eller, Maria EugêniaVieira, a tutela definitiva do menor Chicão, que estava sendo disputada pelo avô paterno, Altair Eller. No entanto, o fundamento daquele acordo, para que a tutela fosse concedida à ex-companheira da cantora Cássia Eller, foi a aplicação do princípio do melhor interesse do menor, apesar de já ter sido introduzido no nosso mundo jurídico, de forma ainda incipiente, desde o ano de 1992, o reconhecimento da filiação socioafetiva, que, a meu ver, aplicar-se-ia de maneira muito mais consentânea àquela situação. 
Retornando ao nosso CC, o §1º, do art. 1.723, estabelece, de forma expressa e estreme de dúvidas, que a união estável poderá existir ainda que o companheiro seja casado. Impõe, todavia, que o mencionado companheiro esteja separado de fato.
Enfatize-se que o nosso direito rechaça veementemente as relações concomitantes.
Para tanto, basta compulsarmos a vasta jurisprudência do STJ, que, por sua vez, se fundamenta em julgado do STF, RE 397.762-8/BA, j. 3/6/08, que se baseou no art. 1.727, do nosso CC.
Por outro giro, o nosso Judiciário persistindo na tentativa de corrigir os retrocessos representados pela edição do CC/02, mormente em relação aos direitos sucessórios do companheiro, deverá, em breve, publicar o acórdão RE 878.694/MG, com o voto brilhante do nosso ministro Roberto Barroso. No referido voto, o ministro Roberto Barroso concedeu ao companheiro direitos sucessórios idênticos aos do cônjuge, previstos no art. 1.829, do CC/02.
Segundo o nosso ínclito ministro, o art. 1.790, do CC/02 "é incompatível com a CF. Além da afronta à igualdade de hierarquia entre entidades familiares extraída do art. 226 da Carta de 1988, violou três princípios constitucionais, (i) o da dignidade da pessoa humana, (ii) da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e (iii) o da vedação ao retrocesso."
Em relação ao divórcio e à separação, vale, igualmente, destacar a edição da lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007 (separação ou divórcio extrajudicial ou administrativo), que permitiu a realização desses atos pela via administrativa, desde que não haja interesse de menores ou de incapazes.
E, após a EC 66/10, tornou-se desnecessária a prévia separação judicial e o decurso do prazo de 2 anos para o divórcio direto (o novo CPC prevê expressamente a separação judicial - art. 693, pondo fim a discussão se a separação judicial havia ou não sido abolida do nosso sistema jurídico).
Outra importante evolução do nosso direito de família, desta vez, no entanto, não decorrente de uma lei, foi a decisão do STF de maio de 2011, que reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Vale dizer, que as uniões entre pessoas do mesmo sexo trilharam o mesmo caminho que a união estável entre homem e mulher. A princípio houve a negação de qualquer direito; passamos depois para uma segunda fase, em que somente eram reconhecidos os direitos previdenciários; em seguida, essas uniões eram tratadas pelo nosso Judiciário como sociedades de fato, a elas se aplicando o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, a Súmula 380, do STF e com as ações direcionadas às Varas Cíveis. Para finalmente, chegarmos à quarta e última fase que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A memorável decisão do STF, no julgamento da ADI 4.277 e na ADPC 132, baseou-se nos seguintes princípios e fundamentos para reconhecer as uniões entre pessoas do mesmo sexo, como união estável albergada pelo art. 226, da nossa CF.
a) proibição da discriminação (homem/mulher, orientação sexual);
b) direitos fundamentais do indivíduo, autonomia da vontade;
c) proibição do preconceito;
d) silêncio normativo - norma geral negativa - segundo o qual, o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido;
e) princípio da dignidade da pessoa humana (direito à busca da felicidade e direito à liberdade sexual);
f) interpretação não reducionista ou ortodoxa do conceito de família;
g) interpretação do art. 1.723, do CC, conforme a CF.
Logo após a memorável e histórica decisão do STF, no dia 27 de junho de 2011, em Jacareí, SP, foi prolatada a sentença que converteu a união estável em casamento, sendo este o primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil.
A mencionada sentença, proferida pelo douto Juiz da 2ª Vara de Família de Jacareí, Fernando Henrique Pinto, valeu-se do seguinte raciocínio, se o STF reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, como a união digna de proteção do Estado; se a CF determina no seu § 3º, do art. 226, que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, logo o casamento é consectário da união estável. O silogismo foi inevitável.
Sem dúvida esse casamento causou um enorme frisson e resistência por grande parte da nossa sociedade. Muitos se manifestaram: união estável tudo bem, casamento já é demais!
A consequência disso tudo foi que alguns registradores, juízes e promotores admitiam o casamento gay, outros não, gerando uma enorme insegurança no nosso sistema jurídico.
Em outubro de 2011, por ocasião do julgamento do REsp 1.183.378/RS, o STJ, por sua 4ª Turma, considerou juridicamente possível o casamento entre duas mulheres do Rio Grande do Sul que viviam em união estável há alguns anos.
Segundo o voto do ministro Relator do caso, Luis Felipe Salomão: "a igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito a auto afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença."
Não obstante, foi preciso que o CNJ interviesse, a meu ver, com a necessária mão de ferro, nessa grande confusão para uniformizar os entendimentos.
Nesse diapasão, o CNJ editou a Resolução 175, de 14 de maio de 2013, que diz o seguinte:
"Art. 1º - É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo."
Vale lembrarmos que não existe, até o presente momento, no Brasil, uma lei que permita o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse avanço foi uma conquista do Poder Judiciário.
Só que os avanços não param por aqui!
Em agosto de 2012, foi noticiado na 1ª página do Jornal "O Globo", que a Tabeliã de Tupã, Claudia Domingues, lavrou uma escritura pública de união poliafetiva, envolvendo um homem e duas mulheres.
Agora o frisson alcançava todos! Jovens, idosos, gays... Aí já é demais!
Por esse motivo, resolvi escrever um artigo sobre esse tema, com o intuito de ser solidária com a minha colega de Tupã, que, pelo que soube, estava sendo quase apedrejada!
O nome do artigo é União Poliafetiva. Por que não?
E eu lhes pergunto. Por que não? Já que estão presentes todos os fundamentos e princípios da lendária decisão do STF. Vocês se lembram dos fundamentos? Não é o AFETO o pilar do novo direito de família? O conceito de família não é plural e aberto?
Então o que falta à união poliafetiva para que seja reconhecida como um novo modelo de família? Já que ela ostenta todos os requisitos para que isso ocorra, tais como partes capazes, relação pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família e sem que haja qualquer impedimento legal, previsto no art. 1.521, do CC.
Entendo que o debate sobre a possibilidade ou não do reconhecimento da união poliafetiva como um novo modelo de família reside fundamentalmente na indagação se essas relações merecem o mesmo respeito e reconhecimento que a sociedade outorga às demais uniões.
Ou seja, se essas uniões cumprem o propósito da instituição social do casamento ou da união estável.
Melhor explicando, falta-lhes, nesse momento, RECONHECIMENTO SOCIAL.
Sem dúvida, nesse tipo de situação a questão moral e religiosa estará implícita inevitavelmente.
E, na minha visão, não podemos impor a nossa moral a quem quer que seja, mormente quando estamos na qualidade de um delegatário de um serviço público.
O delegatário de um serviço público deve se restringir a dar formalegal aos atos que lhes são submetidos, é o que determina o inciso II, do art. 6º, da lei 8.935/94.
Acredito que a grande dificuldade para que haja esse reconhecimento social é que vivemos numa sociedade em que tanto o dever de fidelidade presente no matrimônio (vide inciso I, do art. 1.566, do CC) quanto o dever de lealdade da união estável (vide art. 1.724, do CC) têm ligação direta com o princípio da monogamia.
Como já vimos anteriormente nesse trabalho, as uniões simultâneas são fortemente rechaçadas pelo nosso ordenamento jurídico e pelos tribunais.
Para muitos, a ruptura desses paradigmas é muito perigosa.
Outro ponto que entendo ser igualmente relevante para que essas uniões poliafetivas não tenham maior visibilidade é o desconforto e o constrangimento que, normalmente, as pessoas vivenciam quando assumem esse tipo de relacionamento.
Lamentavelmente, hoje ao ler o jornal "O Globo", deparei-me com o renomado jurista Luiz Edson Fachin tendo que se defender das acusações de que seria favorável à poligamia, perante o Senado, para que sua indicação a ministro fosse aceita pelo STF.
Em que espécie de país nós vivemos onde um cidadão não pode manifestar as suas ideias? Será que retornamos à época de Galileu Galilei? E caso ele seja realmente a favor da poligamia? Esse fato o desmerece de alguma forma?
Agora, vamos falar de outra questão que, a meu ver, representa um entrave ao reconhecimento da união poliafetiva, a questão financeira. Pois alguém acreditaria que o INSS, a Receita Federal ou os planos de saúde invocariam questões morais ou religiosas para negar o pagamento da pensão previdenciária; negar a dedução de mais de um companheiro na declaração de renda daquele contribuinte, que vive em regime de união poliafetiva ou acrescer um dependente no seu plano de saúde?
Lembrem-se de que a Receita Federal somente admitiu a inclusão de dependentes homoafetivos em 2010, por meio do Parecer PGFN 1.503.
Nessas três hipóteses, a questão, no meu entendimento, é puramente financeira.
Prova disso é que, no ano de 2014, no apagar das luzes, foi publicada a nefasta MP 664, de 30/12/14, convertida na lei 13.135/15, que, na minha ótica, ao arrepio da lei e representando inegável retrocesso, determinou que o benefício da pensão por morte somente poderia ser conferido após comprovação de 2 anos de casamento ou de união estável.
Apenas a título de ilustração, entendo, também, pertinente trazer à baila a discussão que existe atualmente nos Estados Unidos da América do Norte, sobre o reconhecimento ou não de determinados tipos de relações, que fogem do modelo tradicional.
Nesse intuito, o analista político Michael Kinsley traz como solução para essas tormentosas questões, que a ver dele trata-se de um conflito sem perspectiva de solução, a ideia da "desestatização do casamento", deixando, portanto, de ser uma instituição sancionada pelo Estado.
Melhor explicando, o Estado não reconheceria nenhum tipo de casamento ou união estável, deixando esse papel para as associações privadas.
Ainda segundo Kinsley, "se o casamento fosse uma questão apenas privada" "todas as discussões sobre o casamento gay seriam irrelevantes".
Entretanto, tanto os conservadores como os liberais não apoiaram a proposta da "desestatização do casamento" de Kinsley, e, pela última notícia que tivemos, apenas dois deputados do Congresso americano apoiam essa ideia.
Agora, vamos enfrentar outra questão. O tabelião poderá lavrar uma escritura de união poliafetiva? A minha resposta é: claro que sim! Por que não poderia?
A escritura pública é um ato praticado perante o tabelião, que contém a manifestação de vontade das partes em realizar um negócio jurídico ou declarar uma situação juridicamente relevante.
Para que eu possa lavrar uma escritura, tenho que observar a "Escada Ponteana", ou seja, os requisitos de existência e validade, previstos no art. 104, do nosso CC.
Quanto à eficácia, o ato poderá ou não produzir efeitos. Isso quer dizer que, uma vez lavrada a escritura de união poliafetiva, esta poderá produzir ou não os efeitos pretendidos nos órgãos competentes. Resumindo, o ato existe, é válido, porém ineficaz.
Aliás, o ato poderá ser ineficaz neste momento e não mais sê-lo num futuro próximo. Nós, tabeliães, praticamos inúmeros atos ineficazes no decorrer da nossa vida profissional, como, por exemplo, o testamento, a venda de um bem penhorado, a cessão de direitos hereditários, entre outros.
E, por fim, entendo e reitero que eu, na qualidade de delegatária de um serviço público, tenho obrigação de atender ao público nas suas demandas, observando-se única e exclusivamente a legalidade do ato a ser praticado.
Como diriam os administrativistas, eu tenho um poder-dever!
E quais os benefícios e a importância da realização dessa escritura neste momento?
Entendo que os benefícios seriam os seguintes:
Sendo o notário dotado de fé pública, ele conferirá àquela escritura, a condição de prova pré-constituída e todo o seu conteúdo é acatado como verdadeiro, conferindo às partes maior segurança jurídica.
Além disso, podemos nessa escritura:
a) estabelecer direitos patrimoniais, estipulando o regime de bens, se for o caso;
b) determinar a data do início da relação, posto que, se futuramente, esse tipo de relação for reconhecida, inúmeros direitos já estariam naquele documento assegurados:
c) facilitar ao juiz, diante do caso concreto, o julgamento de eventual lide;
d) pleitear pensão previdenciária;
e) pleitear admissão no plano de saúde;
f) pleitear que se faça declaração do IR conjunta junto à Receita Federal.
Agora, gostaria que ficasse bem claro que a escritura pública de união poliafetiva não tem o condão de transformar aquela união poliafetiva em união estável, merecedora de proteção do Estado, nos moldes do art. 226, da CF e do art. 1.723, do CC.
A união existe independentemente da escritura - a escritura tem efeito meramente declaratório, não constitutivo -, trata-se de uma situação de fato preexistente que será ratificada em um documento público. Quem dirá se esse tipo de relação merece ou não o status de união estável digna de respeito, de reconhecimento e de proteção jurídica, será a própria sociedade.
Poderá o tabelião lavrar escritura de instituição de bem de família, com fundamento no art. 1.711, do CC?
Nessa hipótese, entendo que não será possível, posto que, como explanei anteriormente, na escritura declaratória, o tabelião simplesmente ratificará por meio do instrumento público uma situação de fato preexistente, não garantindo a eficácia do ato nos órgãos competentes.
Já, no caso da escritura de instituição de bem de família, o tabelião teria que reconhecer a união entre três pessoas como entidade familiar, outorgando-lhe eficácia, que, na minha ótica, escaparia da sua competência.
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO INDEPENDENTEMENTE DE AÇÃO JUDICIAL. REGISTRO HOMOPARENTAL E MULTIPARENTAL.
Outra importante evolução do nosso direito de família diz respeito ao reconhecimento da filiação socioafetiva.
Vale destacar que a filiação socioafetiva é modalidade de parentesco recentemente introduzida no nosso ordenamento e nossa jurisprudência, pelo jurista e atualmente ministro do STF, Luiz Edson Fachin, no ano de 1992.
A sua base jurídica está prevista no art. 1.593, do CC (ver também Enunciado 103 da CJF), que assim determina: "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem."
Para Maria Berenice Dias, "o ponto essencial da relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não".
O certo é que o reconhecimento da filiação socioafetiva e a sua consequente equiparação ou mesmo superação em relação à filiação biológica está ganhando cada dia mais adeptos nos nossos tribunais. Parece-me que esse entendimento é um caminho irreversível.
Corroborando esse entendimento, o STJ fixou no julgamento do Resp 1059214, sendo relator foi o ministro Luis Felipe Salomão, o entendimento de que o êxito em açãonegatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetiva e edificado na convivência familiar.
Nesse sentido, a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.
Mas o que vamos discutir hoje é se é possível o reconhecimento da filiação socioafetiva, independentemente de se recorrer à via judicial.
A resposta é sim!
Quanto aos filhos havidos na constância do casamento, presume-se a filiação, art. 1.597, do CC.
Para os filhos havidos fora do casamento, basta a declaração do pai perante o registrador, para que seja averbada a paternidade no assento de nascimento.
Ou seja, a lei não exige nenhuma outra prova, a não ser a declaração do pai, para o reconhecimento da paternidade (§ 3º, do art. 2º, da lei 8.560/92).
Vale lembrar que a lei 8.560/92 trata do reconhecimento de filhos fora do casamento, sem discriminar o tipo de filiação: biológica ou socioafetiva.
Consequentemente, impedir o reconhecimento da filiação socioafetiva na via administrativa seria uma inegável violação ao preceito constitucional previsto no § 6º, do art. 227, da CF.
Os estados do Ceará, do Maranhão, de Pernambuco, de Santa Catarina e Amazonas por meio das suas Corregedorias, editaram Provimentos (9, 21 e 15, todos de 2013, e 11 e 234 de 2014) autorizando o reconhecimento da filiação socioafetiva diretamente no Registro Civil competente.
Esses supracitados Provimentos se fundamentaram, basicamente, nos seguintes argumentos:
a) CF ampliou o conceito de família, princípio da igualdade de filiação, princípio da afetividade;
b) Instituto da paternidade socioafetiva tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar;
c) Ausência de hierarquia entre filiação biológica e socioafetiva;
d) Reconhecimento voluntário de paternidade deve ser estendido às hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, princípio da igualdade jurídica (lei 8.560/92);
e) A facilitação prevista no Provimento 12, que instituiu o "Programa Pai Presente", e os demais Provimentos de 16 e 26, do CNJ para o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicados no que forem compatíveis ao reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva;
f) Art. 10, inciso II, do CC, registro público;
g) Enunciado Programático IBDFAM 06/13, segundo o qual "do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental";
h) A existência de grande número de crianças e de adultos sem paternidade registral estabelecida, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada;
No entanto, de acordo com os Provimentos mencionados acima, para que se possa pleitear a averbação no registro de nascimento da filiação socioafetiva, a mencionada certidão deverá ostentar somente o nome da mãe.
FORMAS DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA PERANTE O TABELIÃO
Entendo que o reconhecimento da filiação socioafetiva poderá se efetivar de duas formas: a) escritura declaratória de reconhecimento de filiação socioafetiva; b) testamento (inc. III, do art. 1.609, do CC). Nas duas situações o reconhecimento será irrevogável, vide art. 1.610, do CC.
DO REGISTRO DE NASCIMENTO HOMOPARENTAL SEM INTERVENÇÃO JUDICIAL
Só que, mais uma vez, os avanços não param por aí.
Em julho de 2014, o Estado do MG, de forma pioneira, por meio da sua Corregedoria Geral de Justiça, publicou o Provimento 54, que possibilitou o registro de nascimento homoparental, sem a necessidade da intervenção judicial.
Logo após, em São Paulo, ainda no ano de 2014, a CGJ paulista, por meio do Parecer 321/14-E, de 22 de outubro de 2014, da lavra do ilustre juiz assessor Gustavo Henrique Bretas Marzagão, igualmente permitiu o registro da filiação homoparental perante o Registrador Civil diretamente, sem ter que se recorrer à via judicial.
Em seguida, no mês de novembro, o Estado da Bahia, publicou o Provimento Conjunto CGJ/CCI 008/14, autorizando, também, o registro homoparental diretamente no Registro Civil.
A discussão sobre a possibilidade de registro homoparental teve fim com a publicação do Provimento 52 do CNJ, de 14 de março de 2016.
DO REGISTRO HOMOPARENTAL E DOS FILHOS HAVIDOS POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA SEM INTERVENÇÃO JUDICIAL - PROVIMENTO CNJ 52/16
O CNJ, recentemente, em março de 2016, publicou o Provimento 52, que regulamenta a emissão de certidão de nascimento dos filhos, cujos pais optaram pela fertilização in vitro ou pela gestação por substituição, popularmente conhecida como barriga de aluguel, tornando mais simples o registro de crianças geradas por técnicas de reprodução assistida.
Até então, esse registro só era efetivado por meio de decisão judicial, com exceção dos Estados do Mato Grosso, São Paulo e Bahia (no que tange ao registro homoparental), já que não havia regras específicas para esses tipos de casos.
Vale ressaltar, que o CNJ além de uniformizar as regras para a efetivação do registro homoparental e da reprodução assistida, advertiu os oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN), que, caso viessem a recusar esses pedidos seriam submetidos a processo disciplinar perante a Corregedoria dos Tribunais de Justiça nos estados.
Merece destaque, ainda, a Resolução 2.013/13, do CFM - Conselho Federal de Medicina, segundo a qual a cessão temporária do útero não deve ter finalidade lucrativa ou comercial e, ainda, que as doadoras temporárias devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau, respeitando-se a idade limite de até 50 anos.
A MULTIPARENTALIDADE OU PLURIPARENTALIDADE
Conforme podemos verificar, a coexistência da filiação biológica e da socioafetiva é uma realidade, já exarada em diversas decisões judiciais, em que foram realizados registros de nascimento apresentando duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe.
Sendo que o primeiro reconhecimento multiparental se deu no ano de 2012, em Rondônia.
Aproveito para reproduzir os dizeres da juíza Alda Maria Holanda Leite, da 3ª Vara de Infância e Juventude de Fortaleza, que assim se manifestou diante de um pedido de registro de nascimento multiparental:
"Não se trata evidentemente de criar situações jurídicas inovadoras, fora da abrangência dos princípios constitucionais e legais. Trata-se de um fenômeno de nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famílias reconstituídas, o que precisa ser enfrentado, cedo ou tarde, também pelo Direito."
Em junho de 2016, o juiz Márcio Quintes Gonçalves, da 4ª Vara de Família do TJ/RJ, homologou o acordo feito por duas mulheres e um homem em Ação de Divórcio Consensual cumulada com Declaratória de Multiparentalidade. As mulheres estavam separadas de fato desde fevereiro de 2015 e buscavam formalizar o divórcio e regularizar o registro de nascimento do filho, que possui uma família formada por duas mães e um pai. No acordo, foi reconhecida a filiação socioafetiva e confirmada a guarda compartilhada.
O juiz afirmou que "sendo omisso o ordenamento jurídico, deve o juiz decidir recorrendo à aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito" e destacou na sentença, a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, diretores do Instituto Brasileiro de Direito de Família, segundo a qual, "os valores do Direito não são criados abstratamente, representam a expressão da vontade social. Logo, o Direito não está à disposição de conceitos eternos, imutáveis. Ao revés, tem de se adaptar aos avanços da sociedade."
Em recente julgado do STF fixou no julgamento do RE 898.060, ocorrido em setembro de 2016, em ação com repercussão geral, cujo relator foi o ministro Luiz Fux, o entendimento de que uma pessoa pode ter, em seu documento de identificação, o registro de seu pai biológico e também o do pai socioafetivo, ou seja, o STF entendeu pela coexistência da filiaçãobiológica e da socioafetiva.
Na sessão, os ministros sustentaram que "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais."
MUDANÇA NO MODELO DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO
O CNJ, por meio dos Provimentos de 2 e 3, de 27/4/09 e 17/11/09, respectivamente, procurou adequar a certidão de nascimento à nova realidade da sociedade brasileira, visando esse objetivo, aboliu expressões que, indubitavelmente, restringiam essa evolução ou representavam algum tipo de discriminação.
Na minha ótica, as alterações mais expressivas são aquelas que determinam a substituição das palavras "pai e mãe" para filiação, substituindo, igualmente, os termos "avós maternos e paternos", para simplesmente avós, bem como a supressão da referência à cor do filho.
CONCLUSÃO
Agora, voltando ao assunto da união poliafetiva. Dentro desse novo panorama em que estamos vivendo, em que o reconhecimento e a equiparação da filiação socioafetiva com a filiação biológica é uma realidade, agora, depois da decisão do STF, indiscutível, do registro homoparental diretamente no Registro Civil, do registro multiparental, não entendo o motivo de criarmos tanta dificuldade em aceitar esse novo formato de família.
Qual seria a novidade? Ou melhor, qual seria a dificuldade?
Enfim, espero que essas atuais discussões sobre o reconhecimento ou não da união poliafetiva como um novo modelo de família, do registro homoparental (essa discussão teve fim após a publicação do Provimento 52, do CNJ), do registro multiparental, fiquem em pouco tempo obsoletas e, definitivamente, sedimentadas na estrada do tempo, tal qual ocorreu com o divórcio, a chefia da sociedade conjugal, o voto feminino, a própria discussão sobre a tutela do filho de Cássia Eller, entre outras.
E que efetivamente possamos ser uma sociedade livre, justa e solidária, que promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e que sejamos todos felizes.
Pois a felicidade é, indubitavelmente, o maior bem perseguido por todos nós seres humanos!
*Fernanda de Freitas Leitão é tabeliã do 15 Ofício de Notas da Comarca da Capital do Rio de Janeiro.
1. DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 CONCEITO DE DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Tendo como parâmetro os institutos tratados pelo CC/2002, o Direito de Família pode ser conceituado como sendo o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo o estudo dos seguintes institutos: a) casamento; b) união estável; c) relações de parentesco; d) filiação; e) alimentos; f) bem de família; g) tutela, curatela e guarda. Além desse conteúdo, acrescente-se a investigação das novas manifestações familiares. O Direito de Família contemporâneo pode ser dividido em dois grandes livros, o que consta do CC/2002:
DIREITO EXISTENCIAL – CENTRADO NA PESSOA HUMANA (NORMAS DE ORDEM PÚBLICA)
DIREITO DE FAMÍLIA
DIREITO PATRIMONIAL – CENTRADO NO PATRIMÔNIO (NORMAS DE ORDEM PRIVADA)
Pelo diagrama, o Direito Existencial de Família está baseado na pessoa humana, sendo as normas correlatas de ordem pública ou cogentes. Tais normas não podem ser contrariadas por convenção entre as partes, sob pena de nulidade absoluta da convenção, por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do CC). 
Por outra via, o Direito Patrimonial de Família tem o seu cerne principal no patrimônio, relacionado a normas de ordem privada ou dispositivas. Tais normas, por óbvio, admitem livremente previsão em contrário pelas partes. 
Para ilustrar, é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união estável, eis que a parte renuncia por meio desse contrato e de forma indireta a alguns direitos essencialmente pessoais, como é o caso do direito a alimentos. Por outra via, é válido o contrato de convivência, aquele que consagra outro regime para a união estável que não seja o da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). 
Destaque-se que a própria organização do CC/2002, no tocante à família, demonstra essa divisão. Primeiramente, os arts. 1.511 a 1.638 tratam do direito pessoal ou existencial. Por conseguinte, nos arts. 1.639 a 1.722, o código privado regulamenta o direito patrimonial e conceitos correlatos. É correto afirmar, na verdade, que essa divisão entre direito patrimonial e direito existencial atinge todo o Direito Privado. Tal organização ainda remete à tendência de personalização do Direito Civil, ao lado da sua despatrimonialização, uma vez que a pessoa é tratada antes do patrimônio. Perde o patrimônio o papel de ator principal e se torna mero coadjuvante. 
O Direito de Família Brasileiro passou por profundas alterações estruturais e funcionais nos últimos anos. Essas transformações podem ser sentidas pelo estudo de seus princípios, muitos deles com previsão na CF/1988, tema que será abordado a partir deste momento. 
Anote-se, de início, que muitas das novas ideias expostas na presente obra são capitaneadas pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família. O IBDFAM foi fundado em 1997 por um grupo de estudiosos brasileiros que acreditavam na busca de novas vertentes para o estudo e a compreensão da família brasileira. Como se verá por este capítulo, a contribuição do IBDFAM é marcante para todas as alterações pelas quais passaram os institutos familiares.
1.2 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988)
Prevê o art. 1.º, inc. III, da CF/1988, que o Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Trata-se do que se denomina princípio máximo, ou superprincípio, ou macro princípio, ou princípio dos princípios. Diante desse regramento inafastável de proteção da pessoa humana é que está em voga, atualmente, falar em personalização, repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado.2
Vale relembrar, a propósito, que o Código de Processo Civil de 2015 traz norma valorizadora da dignidade humana como norte principiológico da aplicação do Direito pelo julgador. Conforme o seu notável art. 8.º, tão citado neste livro, ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Ora, não há ramo do Direito Privado em que a dignidade da pessoa humana tem maior ingerência ou atuação do que o Direito de Família. Por certo que é difícil a conceituação exata do que seja o princípio da dignidade da pessoa humana, por tratar-se de uma cláusula geral, de um conceito legal indeterminado, com variantes de interpretações. Entre muitas construções, é interessante a desenvolvida pelos juristas portugueses Jorge Miranda e Rui de Medeiros:
“A dignidade humana é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubsistente e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege”.
Em suma, a dignidade humana deve ser analisada a partir da realidade do ser humano em seu contexto social. Ilustrando, pela vivência nacional, o direito à casa própria parece ter relação direta com a proteção da pessoa humana. Isso gera interpretações extensivas para o amparo da moradia. Cite-se o entendimento consolidado do STJ no sentido de que o imóvel em que reside pessoa solteira, separada ou viúva constitui bem de família, sendo, portanto, impenhorável (Súmula 364 do STJ). Firmou-se a premissa que o almejado pela Lei 8.009/1990 é a proteção da pessoa e não de um grupo de pessoas. Ampara-se a própria dignidade humana e o direito constitucional à moradia, direito social e fundamental (art. 6.º da CF/1988).
Como outro exemplo concreto de incidência da dignidade humana nas relações familiares, destaque-se a tese do abandono paterno-filial ou abandono afetivo (teoriado desamor). Em mais de um julgado, a jurisprudência pátria condenou pais a pagarem indenização aos filhos, pelo abandono afetivo, por clara lesão à dignidade humana. O julgado mais notório é do extinto Tribunal de Alçada Civil de Minas Gerais, no caso Alexandre Fortes, cuja ementa é a seguir transcrita:
“Indenização danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana” (TAMG, Apelação Cível 408.555-5, 7.ª Câmara de Direito Privado, decisão 01.04.2004, Rel. Unias Silva, v.u.).
Naquela ocasião, reformando a decisão de primeira instância, o pai foi condenado a pagar indenização de duzentos salários mínimos ao filho por tê-lo abandonado afetivamente. Isso porque, após a separação em relação à mãe do autor da ação, o seu novo casamento e o nascimento da filha advinda da nova união, o pai passou a privar o filho da sua convivência. Entretanto, o pai continuou arcando com os alimentos para sustento do filho, abandonando-o somente no plano do afeto, da convivência. Contudo, a decisão foi reformada pelo STJ, em 29 de novembro de 2005, que afastou a condenação por danos morais, nos seguintes termos:
“Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, votou vencido o Min. Barros Monteiro, que dele não conhecia. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro relator. Brasília, 29 de novembro de 2005 – data de julgamento).
Em suma, entendeu-se, neste primeiro julgado superior, que não se pode falar em dever de indenizar, pois o pai não está obrigado a conviver com o filho, não havendo ato ilícito no caso descrito. Essa decisão anterior gerou insatisfação em parte considerável da doutrina, caso de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, uma das precursoras da tese pela possibilidade da indenização.4 Anote-se que a questão do abandono afetivo é uma das mais controvertidas do Direito de Família Contemporâneo.
Demonstrando evolução quanto ao assunto, surgiu, no ano de 2012, outra decisão do Superior Tribunal de Justiça em revisão ao acórdão anterior, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo (caso Luciane Souza). A ementa foi assim publicada por aquele Tribunal Superior (Informativo n. 496 da Corte):
“Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1.159.242/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.04.2012, DJe 10.05.2012).
Em sua relatoria, a Ministra Nancy Andrighi ressalta, de início, ser admissível aplicar o conceito de dano moral nas relações familiares, sendo despiciendo qualquer tipo de discussão a esse respeito, pelos naturais diálogos entre livros diferentes do Código Civil de 2002. Para ela, tal dano moral estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, Nancy Andrighi deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: “amar é faculdade, cuidar é dever”. Concluindo pelo nexo causal entre a conduta do pai que não reconheceu voluntariamente a paternidade de filha havida fora do casamento e o dano a ela causado pelo abandono, a magistrada entendeu por reduzir o quantum reparatório que foi fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais) para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Como último exemplo de aplicação da dignidade humana às relações familiares, cite-se o direito à busca pela felicidade, citado como paradigma contemporâneo na impactante decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a igualdade entre a paternidade socioafetiva e a biológica, bem como possibilidade de multiparentalidade, com vínculo concomitante (STF, RE 898.060/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no seu Informativo n. 840).
Nos termos do voto do Ministro Relator:
“A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobre princípio da dignidade humana (art. 1.º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobre princípio da dignidade humana. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1.º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei”.
Em repercussão geral, foi fixada a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro não impede o reconhecimento do vínculo de filiaçãoconcomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. O acórdão é revolucionário, trazendo uma nova forma de se pensar o Direito de Família e das Sucessões, como se verá em outros trechos deste estudo.
1.3 Princípio da solidariedade familiar (art. 3.º, I, da CF/1988)
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3.º, inc. I, da CF/1988, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, eis que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais.
Ser solidário significa responder pelo outro, o que remonta à ideia de solidariedade do direito das obrigações. Quer dizer, ainda, preocupar-se com a outra pessoa. Desse modo, a solidariedade familiar deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e sexual.
No que concerne à solidariedade patrimonial, essa foi incrementada pelo CC/2002. Isso porque mesmo o cônjuge culpado pelo fim do relacionamento pode pleitear os alimentos necessários – indispensáveis à sobrevivência –, do cônjuge inocente (art. 1.694, § 2.º, do CC). Isso, desde que o cônjuge culpado não tenha condições para o trabalho, nem parentes em condições de prestar os alimentos (art. 1.704, parágrafo único, do CC).
Críticas à parte – por ter o atual Código Civil afastado um suposto “direito de vingança” –, as normas merecem elogios, ampliando as responsabilidades que decorrem da escolha do outro consorte. De toda sorte, anote-se que para muitos juristas tais dispositivos não têm mais aplicação, diante da Emenda do Divórcio (EC 66/2010) que ao retirar a separação judicial do sistema jurídico também baniu a discussão da culpa em relação aos alimentos. O tema ainda será aprofundado no presente capítulo, especialmente tendo em vista o Novo Código de Processo Civil que, infelizmente, tratou do instituto da separação judicial.
1.4 Princípio da igualdade entre filhos (art. 227, § 6.º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC)
Determina o art. 227, § 6.º, da CF/1988 que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Complementando, o art. 1.596 do CC tem a mesma redação, consagrando ambos os dispositivos o princípio da igualdade entre filhos. Esses comandos legais regulamentam especificamente na ordem familiar a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5.º, caput, da CF/1988, um dos princípios do Direito Civil Constitucional.
Está superada antiga discriminação de filhos que constava no art. 332 do CC/1916, cuja lamentável redação era a seguinte: “O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção”. Esse dispositivo já havia sido revogado pela Lei 8.560/1992, que regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange os filhos adotivos, os filhos socioafetivos e os havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as odiosas expressões filho adulterino, filho incestuoso, filho ilegítimo, filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para fins didáticos utiliza-se o termo filho havido fora do casamento, eis que, juridicamente, todos são iguais.
1.5 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5.º, da CF/1988 e art. 1.511 do CC)
Assim como há a igualdade entre filhos, como outra forma de especialização da isonomia constitucional a lei reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal ou convivencial formada pelo casamento ou pela união estável (art. 226, § 3.º, e art. 5.º, inc. I, da CF/1988). Enuncia o art. 1.511 do CC/2002 que “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Por óbvio, essa igualdade deve estar presente na união estável, também reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, § 3.º, da CF/1988.
Diante do reconhecimento dessa igualdade, como exemplo prático, o marido ou companheiro pode pleitear alimentos da mulher ou companheira, ou mesmo vice-versa. Além disso, um pode utilizar o nome do outro livremente, conforme convenção das partes (art. 1.565, § 1.º, do CC).
Como outra decorrência do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, surge a igualdade na chefia familiar, que pode ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime democrático de colaboração, podendo inclusive os filhos opinar (conceito de família democrática). Substitui-se uma hierarquia por uma diarquia. Utiliza-se a expressão despatriarcalização do Direito de Família, eis que a figura paterna não exerce o poder de dominação do passado. O regime é de companheirismo, não de hierarquia, desaparecendo a ditatorial figura do pai de família (paterfamilias), não podendo sequer se utilizar a expressão pátrio poder, substituída por poder familiar.
No Código Civil de 2002, a igualdade de chefia pode ser notada pelo art. 1.631, ao enunciar que durante o casamento ou união estável compete o poder familiar aos pais. Na falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá esse poder com exclusividade. Em caso de eventual divergência dos pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer um deles recorrer ao juiz para a solução do desacordo.
1.6 Princípio da não intervenção ou da liberdade (art. 1.513 do CC)
Dispõe o art. 1.513 do Código Civil Brasileiro que “é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Trata-se de consagração do princípio da liberdade ou da não intervenção na ótica do Direito de Família. O princípio é reforçado pelo art. 1.565, § 2.º, da mesma codificação material, pelo qual o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção por parte de instituições privadas ou públicas em relação a esse direito. Segundo o Enunciado n. 99 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, o último dispositivo deve ser aplicado às pessoas que vivem em união estável, o que é óbvio.
Por certo que o princípio em questão mantém relação direta com o princípio da autonomia privada, que deve existir no âmbito do Direito de Família. O fundamento constitucional da autonomia privada é a liberdade, um dos principais atributos do ser humano (art. 1.º, III, da CF/1988).
1.7 Princípio do maior interesse da criança e do adolescente (art. 227, caput, da CF/1988 e arts. 1.583 e 1.584 do CC)
Enuncia o art. 227, caput, da CF/1988, com redação dada pela Emenda Constitucional 65, de 13 de julho de 2010, que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Essa proteção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), que considera criança a pessoa com idade entre zero e 12 anos incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade. Quanto ao jovem, foi promulgada, depois de longa tramitação, a Lei 12.852/2013, conhecida como Estatuto da Juventude, e que reconhece amplos direitos às pessoas com idade entre 15 e 29 anos de idade, tidas como jovens.
Em reforço, o art. 3.º do próprio ECA determina que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fimde lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Ainda complementando o que consta do Texto Maior, o art. 4.º do ECA preconiza que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Cite-se, em continuidade, e também com vistas à mencionada proteção, a recente Lei 13.257/2016, que trata das políticas públicas para a proteção da primeira infância. O art. 2.º dessa norma reconhece como primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança. A lei estabelece, ainda, que a prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e do art. 4.º do ECA, implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando garantir seu desenvolvimento integral (art. 3.º).
1.8 Princípio da afetividade
O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana e da solidariedade. Por isso é que, para fins didáticos, destaca-se o princípio em questão, como fazem Maria Berenice Dias7 e Paulo Lôbo. Merecem também destaque as palavras da juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga, para quem, “O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade”.
Do mesmo modo, concluindo que o afeto tem valor jurídico, aponta a Ministra Nancy Andrighi, em brilhante julgado de sua lavra:
“A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes. Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito. A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso” (STJ, REsp 1.026.981/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.02.2010, DJe 23.02.2010).
1.9 Princípio da função social da família (art. 226, caput, da CF/1988)
Há algum tempo se afirmava, nas antigas aulas de educação moral e cívica, que a família é a “célula mater” da sociedade. Apesar de as aulas serem herança do período militar ditatorial, a frase destacada ainda serve como luva no atual contexto, até porque o art. 226, caput, da CF/1988, dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado.
Na doutrina contemporânea, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que “a principal função da família e a sua característica de meio para a realização dos nossos anseios e pretensões. Não é mais a família um fim em sim mesmo, conforme já afirmamos, mas, sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro”.
Desse modo, as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. A socialidade deve ser aplicada aos institutos de Direito de Família, assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil. A título de exemplo, a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva. Pode servir também para a conclusão de que há outras entidades familiares, caso da união homoafetiva. Isso tudo porque a sociedade muda, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas transformações. 
Em suma, não reconhecer função social à família e à interpretação do ramo jurídico que a estuda é como não reconhecer função social à própria sociedade, premissa que fecha o estudo dos princípios do Direito de Família Contemporâneo.
1.10 Princípio da boa-fé objetiva
Após muita reflexão e estudo do tema, resolvemos incluir nesta obra o princípio da boa-fé objetiva como um dos baluartes do Direito de Família brasileiro.
O Código Civil de 2002 foi construído a partir de três princípios fundamentais: a eticidade, a socialidade e a operabilidade. A eticidade representa a valorização do comportamento ético-socializante, notadamente pela boa-fé objetiva. A socialidade tem relação direta com a função social dos institutos privados, caso da família, o que já foi estudado no tópico anterior. Por fim, a operabilidade tem dois sentidos. O primeiro é de facilitação ou simplicidade dos institutos civis, o que pode ser percebido de várias passagens da codificação. O segundo sentido é de efetividade, o que foi buscado pelo sistema de cláusulas gerais adotado pelo CC/2002, sendo essas janelas ou molduras abertas deixadas pelo legislador, para preenchimento pelo aplicador do Direito, caso a caso.13
Como é notório, o Novo Código de Processo Civil também valorizou a boa-fé em vários de seus comandos. Como determina o seu art. 5.º, aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Além disso, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6.º do CPC/2015). A boa-fé objetiva demonstrada pelas partes no curso do processo também passa a ser elemento integrador da sentença, pois, conforme o art. 489, § 3.º, do Novo CPC, a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. Acreditamos que tais normas, especialmente a última, trarão grande impacto não só para o Direito Processual, mas também para o direito material brasileiro, nos próximos anos.
A boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito de boa-fé, que saiu do plano da mera intenção – boa-fé subjetiva – para o plano da conduta de lealdade das partes. O Enunciado n. 26, aprovado na I Jornada de Direito Civil, define a boa-fé objetiva como a exigência de comportamento leal das partes. Como estudado no Capítulo 5 desta obra, diante de seu desenvolvimento no Direito Alemão, notadamente por autores como Karl Larenz, a boa-fé objetiva está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial.14 Reafirme-se que são considerados deveres anexos, entre outros: o dever de cuidado e de respeito, o dever de informar, o dever de agir conforme a confiança depositada, o dever de lealdade e probidade, o dever de colaboração ou cooperação, o dever de agir com honestidade.
2. CONCEPÇÃO CONSTITUCIONALDE FAMÍLIA
A Constituição Federal de 1988 tem um capítulo próprio que trata da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso (Capítulo VII, do Título VIII – Da Ordem Social). Interpretando-se um dos dispositivos constantes desse capítulo, o art. 226 do Texto Maior, pode-se dizer que a família é decorrente dos seguintes institutos:
a) Casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito civil o casamento religioso, nos termos da lei (art. 226, §§ 1.º e 2.º). 
b) União estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (art. 226, § 3.º). 
c) Família monoparental, comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4.º).
Tem prevalecido, na doutrina e na jurisprudência, especialmente na superior (STF e STJ), o entendimento pelo qual o rol constitucional familiar é exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus). Assim sendo, são admitidas outras manifestações familiares, caso das categorias a seguir:
d) Família anaparental, expressão criada por Sérgio Resende de Barros, que quer dizer família sem pais. Ilustrando a aplicação do conceito, o STJ entendeu que o imóvel em que residem duas irmãs solteiras constitui bem de família, pelo fato delas formarem uma família (STJ, REsp 57.606/MG, 4.ª Turma, Rel. Min. Fontes de Alencar, j. 11.04.1995, DJ 15.05.1995, p. 13.410). 
e) Família homoafetiva, constituída por pessoas do mesmo sexo, tendo sido a expressão união homoafetiva criada e difundida por Maria Berenice Dias.21 Como é notório, decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, do dia 5 de maio de 2011, reconheceu por unanimidade a união homoafetiva como entidade familiar, o que representou uma grande revolução no sistema jurídico nacional (ver publicação no Informativo n. 625, julgamento da ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF). A decisão compara a união homoafetiva à união estável, para todos os fins jurídicos, tendo efeito vinculante e erga omnes. O tema ainda será aprofundado no presente capítulo da obra. 
f) Família mosaico ou pluriparental, aquela decorrente de vários casamentos, uniões estáveis ou mesmo simples relacionamentos afetivos de seus membros. Utiliza-se o símbolo do mosaico, diante de suas várias cores, que representam as várias origens. Ilustrando, A já foi casado por três vezes, tendo um filho do primeiro casamento, dois do segundo e um do terceiro. A, dissolvida a última união, passa a viver em união estável com B, que tem cinco filhos: dois do primeiro casamento, um do segundo, um do terceiro e um de união estável também já dissolvida.
Essa ampliação faz que seja inconstitucional qualquer projeto de lei que procure restringir o conceito de família, caso do Estatuto da Família, no singular, em trâmite no Congresso Nacional. Por essa proposição, somente constituiriam famílias as entidades formadas por pessoas de sexos distintos que sejam casadas ou vivam em união estável e seus filhos. 
Na esteira do entendimento de inclusão e alargamento de proteção, leis específicas trazem conceitos ampliados de família, havendo séria dúvida se tais construções devem ser utilizadas apenas nos limites das próprias legislações ou para todos os efeitos jurídicos. Vejamos:
– A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) dispõe no seu art. 5.º, II, que se deve entender como família a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. 
– A antes denominada Nova Lei da Adoção (Lei 12.010/2009) consagra o conceito de família extensa ou ampliada, que vem a ser aquela que se estende para além da unidade de pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (alteração do art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990).
Como se pode notar, as novas categorias legais valorizam o afeto, a interação existente entre as pessoas no âmbito familiar. Destaque-se que a tendência é a de que tais construções sejam utilizadas em todos os âmbitos, em um sentido de complementaridade com as outras leis. Ambos os conceitos legais podem servir perfeitamente para conceituar a família contemporânea.
3. DO CASAMENTO (ARTS. 1.511 A 1.590 DO CC)
3.1 Conceito, natureza jurídica e princípios
O casamento pode ser conceituado como a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto. Vejamos outros três conceitos da doutrina contemporânea:
– Maria Helena Diniz – “O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais, para obter o auxílio mútuo e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica, e a constituição de uma família”.
– Paulo Lôbo – “O casamento é um ato jurídico negocial, solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família por livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.
– Guilherme Calmon Nogueira da Gama – “união formal entre um homem e uma mulher desimpedidos, como vínculo formador e mantenedor de família, constituída mediante negócio jurídico solene e complexo, em conformidade com a ordem jurídica, estabelecendo comunhão plena de vida, além de efeitos pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, com reflexos em outras pessoas”.
Apesar da menção aos sexos distintos, retirada do conceito clássico de casamento, o Brasil admite, na atualidade, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No âmbito doutrinário, na VII Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal em 2015, aprovou-se enunciado segundo o qual é existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Enunciado n. 601). Cabe pontuar que desse evento participaram juristas com as mais variadas visões sobre o Direito de Família e, mesmo assim, a proposta aprovada conseguiu ampla maioria, o que demonstra uma sedimentação doutrinária a respeito do tema no País.
Frise-se que não houve ainda qualquer alteração legislativa no sentido de admissão da nova entidade familiar, o que não deve ser considerado como óbice para o seu amplo reconhecimento, pois cabe à doutrina e à jurisprudência a tarefa de adequar a norma ao fato social, o que vem ocorrendo. Confirmada a premissa de inclusão, todas as regras pessoais e patrimoniais do casamento entre pessoas de sexos distintos incidem para o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Substancialmente três são as correntes que procuram apontar a natureza jurídica do casamento:
–Teoria institucionalista: o casamento é uma instituição, tese sustentada, entre outros, por Maria Helena Diniz e Rubens Limongi França. Há nessa corrente uma forte carga moral e religiosa. 
–Teoria contratualista: o casamento é um contrato de natureza especial, e com regras próprias de formação, corrente encabeçada por Silvio Rodrigues. Essa visão é adotada pelo Código Civil português, no seu art. 1.577. “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”. 
–Teoria mista ou eclética: o casamento é uma instituição quanto ao conteúdo e um contrato especial quanto à formação. Essa visão é seguida por doutrinadores como Eduardo de Oliveira Leite, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Flávio Augusto Monteiro de Barros e Roberto Senise Lisboa.
Das três correntes expostas, filia-se à terceira. Na verdade, as duas últimas correntes até parecem se confundir, eis que há na segunda visão um contrato especial. O que não se pode admitir é a afirmação de existir no casamento um contrato puro, pois, como visto, a ideia de contrato que ainda prevalece o relaciona a um conteúdo patrimonial (vide o art. 1.321 do Código Civil Italiano). Como é cediço, não há no casamento a busca da patrimonialidade, mas, muito mais do que isso, de uma comunhão plena de vida (art. 1.511 do CC).
Por isso, é mais pertinente afirmar que o casamento constituium negócio jurídico especial, com regras próprias de constituição e princípios específicos que, a priori, não existem no campo contratual:
–Princípio da monogamia – pode ser retirado do art. 1.521, VI, do CC, uma vez que não podem casar as pessoas casadas; o que constitui um impedimento matrimonial a gerar a nulidade absoluta do casamento (art. 1.548, II, do CC). Na opinião deste autor, tal princípio continua tendo aplicação para o casamento. 
–Princípio da liberdade de escolha, como exercício da autonomia privada – salvo os impedimentos matrimoniais, há livre escolha da pessoa do outro cônjuge como manifestação da liberdade individual, princípio esse retirado do art. 1.513 do CC. 
–Princípio da comunhão plena de vida, regido pela igualdade entre os cônjuges – Retirado do art. 1.511 do CC/2002, segundo o qual “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Tal regramento pode ainda ser retirado do art. 1.565 do CC, ao enunciar que “pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.
3.2 Capacidade para o casamento, impedimentos matrimoniais e causas suspensivas do casamento
Como bem se afirma doutrinariamente, não se pode confundir a incapacidade para o casamento com os impedimentos matrimoniais. Isso porque a incapacidade é geral, impedindo que a pessoa se case com qualquer um que seja. Já os impedimentos matrimoniais atingem determinadas pessoas, em situações específicas. Em outras palavras, os impedimentos envolvem a legitimação, que é a capacidade especial para celebrar determinado ato ou negócio jurídico.
3.2.1 A lei 13.811/2019 e o casamento do menor de 16 anos - Primeiras reflexões
No último dia 12 de março de 2019 foi promulgada – e já está em vigor no país – a lei 13.811, que alterou o art. 1.520 do Código Civil brasileiro, conforme a seguinte tabela, elaborada para os devidos fins de esclarecimento dos conteúdos das normas:
	Texto anterior
	Texto atual
	"Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez".
	Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 13.811, de 2019)
Como primeiro aspecto a ser destacado, a norma anterior, que excepcionava a possibilidade do casamento do menor de 16 anos, recebia abrandamentos por três leis penais que surgiram sucessivamente à codificação material, a lei 11.106/2005, a lei 12.015/2009 e a lei 13.718/2018.
A verdade é que o casamento do menor de 16 anos – denominado por parcela da doutrina como casamento infantil – já era proibido pelo nosso sistema jurídico, mesmo antes da mudança e como premissa geral, havendo apenas duas exceções previstas no anterior art. 1.520 do Código Civil que tinham sido sobremaneira mitigadas, a saber: a) para evitar a imposição e o cumprimento de pena criminal; e b) em caso de gravidez.
Tal afirmação é retirada da dicção do art. 1.517 da codificação material, que não sofreu modificação pela norma emergente, segundo o qual "o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil". Em suma, por este último preceito, a capacidade específica para o casamento é atingida aos 16 anos, sendo essa a idade núbil para todos os gêneros.
Sobre as citadas leis penais que mitigaram as exceções de autorização judicial do casamento do menor de 16 anos, de início, a lei 11.106/2005 afastou a extinção da punibilidade nos casos do então estupro presumido (art. 107, incs. VII e VIII, do Código Penal), ou seja, na hipótese de alguém manter relação sexual com uma criança ou adolescente com idade inferior a 14 anos, e depois se casar com ela.
Como não havia que se falar mais em extinção da punibilidade, muitos passaram a entender que o art. 1.520 do CC/2002 estaria revogado na parte que tratava da extinção da pena criminal. Todavia, nessa realidade legislativa, existia manifestação em sentido contrário, ou seja, ainda pela possibilidade do casamento, havendo o anterior estupro presumido. Segundo os que assim entendiam, não se poderia falar em revogação da norma civil, pois o menor poderia sim, em alguns casos, exercer a opção de se casar com aquele que praticara o crime contra os costumes. Como a ação penal, no caso do crime em questão, ainda era considerada de natureza privada, estávamos diante de um caso de renúncia ou perdão tácito, que decorreria de fato incompatível com a pretensão de ver o agente punido, no caso, com a celebração do casamento. Em casos tais e naquele sistema anterior, se a menor de idade quisesse se casar, a sua vontade poderia ser considerada relevante para tal finalidade, conforme o Enunciado n. 138 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil ("A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto").
Com base nesse enunciado doutrinário, o magistrado poderia assim autorizar o casamento se a menor declarasse querer viver com o pai da criança e desde que demonstrasse discernimento bastante para tanto, o que seria provado por perícia psicológica. Além desse argumento penal, poderia ser utilizado um argumento civil. Como a família deve ser analisada de acordo com o contexto social, o casamento com o autor do crime poderia ser tido como uma forma de abrandar o problema de uma gravidez indesejada. Ou melhor, seria adequado enviar o criminoso, pai dessa criança que ainda vai nascer, para a cadeia?
Alguns doutrinadores respondiam negativamente, naquela realidade anterior. Argumentava-se que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, o último caminho a ser percorrido, ao contrário do Direito de Família, que busca a pacificação social, a vida conjunta em harmonia. Em reforço, anteriormente, poderia ser citado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (best interest of the child), bem como a função social da família. Ilustrava-se com a hipótese fática de uma menina de 13 anos que teve relacionamento sexual com um homem de 18 anos e dele ficou grávida. O pai da criança não tem qualquer antecedente criminal e a menor quer casar com o "criminoso" a qualquer custo. Ambos se amam. Se entendêssemos simplesmente pela derrogação do dispositivo, esse casamento não poderia ser realizado. Como conclusão, o pai da criança iria para a cadeia e a menor ficaria em situação de desamparo. Aliás, na prática, possivelmente ela constituiria uma união estável com o pai da criança, passando a visitá-lo na prisão.
Acreditava-se, ainda naquele sistema anterior, que o casamento e a consequente extinção da punibilidade do agente eram a melhor solução para esse caso descrito. E justamente por poder ser aplicado a casos como esse é que o art. 1.520 do CC/2002 deveria permanecer incólume. Por esse entendimento, o Direito de Família acabaria prevalecendo sobre o Direito Penal.
De toda sorte, mesmo nessa realidade jurídica, entre os anos de 2005 e 2009, alguns juristas já defendiam a revogação parcial do art. 1.520 do CC. O meu entendimento era de uma abordagem casuística àquela época. Assim, a título de ilustração, no caso do relacionamento de uma criança de nove anos de idade com um homem adulto – conforme foi julgado pelo STF no passado (STF, RE 418.376/MS, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 09.02.2006) –, dever-se-ia entender que o casamento não poderia ser realizado. Isso porque a manifestação da vontade da menor não seria juridicamente relevante para tanto. No caso em questão, o art. 1.520 do CC, em sua redação originária, não teria incidência.
A minha conclusão anterior, em suma, era justamente na linha de se analisar caso

Outros materiais