Buscar

A INVENÇÃO DA CULINARIA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ç1
1. A
INVEN
cÁO
DA
CULINARIA
S
T1
A
Pritheira
Revoluç&
o
P
c
ct1
“Urn
pao
de
fôrm
a”, disse
a
M
orsa,
“E
do
que
m
ais
precisam
os:
Alérn
disso, pim
enta
e
vinagre
Seriam
realm
ente
excelentes.
E
agora,
se
vocês
estão
prontas, queridas
o
stras,
Podernos
corneçar
a
corner.”Lewis Carroll, A
través
do
espeiho
Assirn
pode-se
ver
tudo,
a
co
m
ida
cru
a
e
a
quIrnica
do
fogo
—
o
que
n
ao
sO
silencia
as
reclarnacaes do
sanitarista,
corno
dá
m
ais
vivacidade
a
sala.
W
illiam
Sansom
, Blue
Skies, Brow
n
Studies
0
Fogo
Transform
ador
Essa
não
e
a
m
an
eira
co
rreta
de
corner
ostras. Você
observa
alguns
e
x
i
gentes frequentadores de
restaurantes brincando
corn
elasa
m
esa,
c
obrin
do-as
corn
suco
de
lim
ão
esprem
ido
em
guardanapos
de
m
u
sselina,
o
u
adicionando-Ihes pequenas doses de
vinagres de
sabores
exOticos,
o
u
pin-
20
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
A
IN
V
EN
cA
O
DA
CULINARIA
21
m
entados.
Isso
é
u
rna
provocaçao
deliberada,
destinada
a
refrescar
o
s
m
oluscos
antes
da
m
o
rte,
u
m
a
pequena
torrura
sob
aqual
as
vezes
epos
sIvel
v
er
as
vItim
as
se
retorcerern
ou
tentarem
se
esquivar.A
seguir,
o
c
o
m
ensal
m
anipula
a
coiher
e
retira
a
ostra,f-orçando-a
efazendo-a
esco
rregar
da
co
n
cha
para
a
cu
rv
a
de
prata
fria.A
m
edida
que
ele
leva
o
m
olusco
m
acjo
e
esco
rregadio
aoslábios,
alum
inosidade
da
criatura
co
ntrasta
corn
o
brilho
do
taiher.
E
assirn
que
a
m
aioria
daspessoasgosta
de
co
rn
er
o
stras.N
o
entanto,
isso
significa
perder
o
pleno
e
v
erdadeiro
m
o
m
ento
da
o
stra.Se
não
n
o
s
livrarm
os
dos
utensflios
e,jogando
a
cabeça
para
trás,levarm
os
a
m
eia
co
n
cha
aboca,
extraindo
a
criatura
da
toca
corn
n
o
sso
sdentes,provando
seu
suco
salgado
e
esprem
endo-a
ligeiram
ente
co
ntra
o
c
u
da
boca
antes
de
engoli-la
viva,
estarem
os
nos
privando
de
u
m
a
experiéncia
histórica.
D
urante
a
rn
aior
parte
da
histOria,
os
co
m
edores
de
o
stras
desfrutaram
aquele
cheiro
ligeirarnente
fétido
edesagradavel
ao
paladar
sern
cobri-lo
edisfarcá-lo
corn
m
oihos
de
ácidos
a
ro
m
tjcos.Essa
era
a
rn
an
eira
co
m
o
A
usónio
gostava
delas,
em
“seu
su
co
adocicado,
m
isturado
corn
u
m
a
se
n
sação
de
m
ar”.O
u,
naspalavrasde
urn
m
oderno
especialista
em
o
stras,
o
objetivo
e
receber
“algum
a
sen
sação
aguda
do
m
ar,
corn
todas
as
suas
a!
gas
ebrisas...Estam
os
co
rn
endo
o
m
ar,éisso,
so
que
a
sen
saçao
de
tornar
urn
gole
de
água
m
arinha
foi
elirninada
da
experiéncia
por
algum
tipo
de
bruxarja”l.
Pois,
no
repertO
rio
da
co
zinha
o
cidental
m
oderna,
a
o
stra
é
a
tinica
coisa
que
co
m
em
o
s
cru
a
e
ainda
viva.E
o
m
aisprOxirno
que
ternosde
urn
alirnento
“n
atural”
—
o
tnico
prato
que
m
erece
ser
cham
ado
de
“au
n
ature!”
sern
ironia.E
Obvio
que,quando
co
m
em
o
s
o
stras
em
urn
re
stau
rante,forarri-Ihes
retiradas
asbarbas
e
a
co
n
chajá
foi
abertas,
corn
toda
a
panOplia
da
civilizaçao
e
por
urn
profissional
especializado
que
utilizou
u
m
a
tecnologia
apropriada
em
urn
ritual
secreto
e,provavelm
enre,
urn
gesto
eleganre.A
o
stra,
antes
disso,foi
criada
debaixo
d’água,
sobre
te
Ihasde
pedra
ou
treliçasde
m
adeira,
arrebanhada
em
urn
can
reiro
de
o
s
tras,desenvolvida
durante
an
o
s
sob
olharesde
especialistas
e
coihida
por
m
ãos
experirnenradas
—
e
nao
ex
atam
ente
caprurada
em
urn
lago
n
atural
form
ado
por
recifes
co
m
o
se
fosse
urn
prêm
io
da
n
atureza.A
inda
assim
,
ela
ë
o
alim
ento
que
m
ais
nos
u
ne
a
todos
os
n
o
sso
s
antepassados
—
o
prato
que
co
n
su
m
irnos
em
u
m
a
form
a
que,
reco
nhecidam
ente, é
a
m
esm
a
em
que
a
co
m
ida
era
en
co
ntrada
pelos
sereshum
anos
desde
o
su
rgim
ento
de
n
o
ssa
espécie.
M
esm
o
que
você
seja
u
m
a
daquelas
pessoas
que
pensam
o
u
vir
o
grito
cia pêra
o
u
do
am
endoim
quando
são
m
astigados
cru
s, haverá
pouca
chance
de
você
en
co
ntrar
o
utro
alim
ento
na
co
zinha
m
oderna
o
cidental que
seja
tao
co
n
vincentem
ente
“n
atural”
co
m
o
a
ostra,posto
que,
corn
m
uito
p
o
u
cas
exceçöes
—
co
m
o
é
a
caso
de
algunsfungos
e das
algas
m
arinhas
—
,
a
s
frutas
e legum
esque
co
m
em
o
s
—
m
esm
o
afrutinha
selvagem
que
catam
os
em
seu
arbusto
—
são
o
resultado
de
geracöes
o
u
ate
de
eras
inteiras
de
c
riaço
seletiva
por parte
do
hom
em
;
a
o
stra
co
ntinua
a
ser
urn
produto
de
seleçao
n
atural pouco
m
odificada
e
varia
significativarnentede
urn
m
ar para
o
utro.Além
disso, é
ingerida
enquanto
ainda
viva.E
v
erdade
que
o
utras
culturastern
rnais
alim
entosdeste
tip
o
. Os
aborigines
au
stralianos devoram
larvasde
witjuti,
apanhadasdas
seringueiras,
ainda
rechonchudas
par
c
a
u
sa
da
polpa
da
m
adeira
m
aldigerida
em
seus
estom
agos.O
s
n
en
ets
m
a
sti
gam
ruidosam
ente,
“co
m
o
se
fossem
balas”,
ospiolhos
vivos que
tiram
do
I
prOprio
c
o
rpo”.
2
Dizem
que
os
arn
antes
n
uerdem
onstram
o
afeto
m
ütuo
alirnentando
urn
ao
o
utro
corn
ospiolhosque
cataram
n
a
cabeça. Os
m
asais
bebem
o
sangue
esprernido
das feridasdo
gado
vivo.O
s
etfopes gostam
dos
favosde
m
el
corn
as larvasjovens
ainda
vivas
em
suas
câm
aras. E
nOs tem
os
as
ostras.
“H
a
u
m
a
solenidade
terrIvel”
no
ato
de
co
m
e-las,
co
m
o
observou
Som
ersetM
augham
,que
“u
m
a
im
aginação
pouco
ativa
não
co
n
segue
cap-
tar”,
3
e que
certam
ente
faria
a M
orsa
chorar
sem
hipocrisia.A
lém
disso,
as
ostras
são
co
m
pletarnente
incornuns
entre
os
alim
entos
cru
s
porque
geral
m
ente
elas
tern
o
sabor
arruinado
corn
o
co
zim
ento.
Colocar
as
o
stras
em
u
m
a
torta
de
cam
e
e
rins
o
u
prepará-las
e
n
rola
das
em
bacon
em
churrasquinhos,
co
m
o
fazem
as ingleses,
o
u
afoga-las
em
vários
tipos
de
m
olho
de
queijo,
co
m
o
n
o
s
pratos
cham
ados
de
O
stras
Rockefeller
e OstrasM
usgrave,
o
u
rechear
corn
elas
u
m
a
o
m
elete,
co
m
o
n
o
p
rato
tIpico
cia
cozinha
regionalda
provIncia
chinesa
de
X
iam
en,
ou
cotta-
las
em
pedacinhos
para
rechear
urn
pedaco
de
vitela
o
uu
rn
peixe
grande,
tudo
isso
significa
ocultar-ihes
o
sabor.As
vezes,
receitas
inovadoras
podem
ter
urn
pouco
m
ais de
sucesso:
u
m
a
vez
com
i
urn
prato
esplêndido
de
ostras
no
A
thenaeum
,
em
Londres,ligeiram
ente
passadas
em
vinagre
de
vinho
e
22
CO
M
IDA:
UM
A
H
ISTORIA
pinceladas
corn
urn
m
oiho
branco
corn
saborde
espinafre.Esse
tipo
de
experim
ento
ejustificável
co
m
a diversão,
m
as
rararnente
expande
asfron
teirasda
gastronom
ia.
A
o
stra
e
urn
caso
extrerno,
m
as
todos
as
alirnentos
crus
são
fascinan
tesporque
são
anôm
alos
—
urn
aparente
retrocesso
a
urn
m
u
ndo
pré-ci.z1
vilizado
e
m
esm
o
a
urna
fase
pré-hum
ana
da
ev
olucão.
Cozinhar
os
alim
entos
e
urna
das
poucas
práticas
estranhas
que
são
peculiarm
ente
hum
anas
—
estranha
em
term
osda
natureza,tendo
em
vista
os
padröes
m
ais
cornunsde
abordagens
ao
alim
ento
dernonstrados
pela
m
aioriadas
espécies.Um
adas buscas
m
ais prolongadas
e
m
alsucedidasdahistória
e
a
buscapela
esséncia dahum
anidade,aquela
caracterIstica
tfpicaquefaz
seres
hum
anos
serem
hum
anos
e
as distingue
coletivam
eñtedos
o
utros
anim
ais.
Os
esforços
n
aa
chegaram
alugar
algum
,
e
a
i’inico
fato
provávelqueSe
para
nossa
espécie
das
outras
eque
n
ao
podem
os
acasalar
corn
elas
corn
êxito.M
uitas
das
outras
caracterIsticas
norm
alm
ente
alegadas
são
m
ad
m
issIveis
ou
pouco
canvincentes.Algurnas
são
plausIveis,
m
as
parciais.
A
rrogam
o-nos
“consciência”
sem
saberbern
o
que
ela
e
ou
se
autras
c
ri
aturas
apossuem
. Reivindicam
ospara
nós
m
esm
os
o poderdalinguagern
—
m
as,
sepudéssem
os
nos
com
unicar
corn
eles,
o
utros
anim
aispoderiam
argum
entar
co
ntra
isso.Som
os
relativam
ente
engenhososquando
se
trata
da
soluçâo
de
problem
as,
relativam
ente
adaptáveis
em
nossa
capacidade
de
habitar
am
bientes
distintos,
relativam
ente
hábeis
em
nossa
utilizacao
de
ferram
entas
—
em
especial,de
mIsseis.Sam
os
tam
béin
relativam
ente
am
biciosos
em
nossas
obras
de
arte
e
na
concretização
fisica
de
nossa
im
aginação.Em
alguns
aspectos,
nessas
relacoes,
aslacunas
entre
o
co
rn
portam
ento
hum
ano
e
odas
outras
espécies
são
tao
gigantescasquepode
riam
ser
definidas,
talvez,
co
m
a
diferenças
de
qualidade.
Söm
os
genuinam
ente
ünicos
na
explaracao
do
fogo:
em
bora
alguns
m
acacostam
bern
possarn
aprender
a
usa-b
para
aplicacoeslim
itadas,tais
com
o
acen
der
urn
cigarro,liberar
aperfum
ede
urn
incenso
ou
ate
m
esm
opara
m
anter
u
rn
a
fagueira
acesa,isso
so
o
co
rre
sob
instruçao
hum
ana
e
apenas
as
ho
m
en
s
foram
capazes
de
tom
ar
a
iniciativa
de
utilizar
a
cham
a.
4
0
ato
de
cozinharpode
ser
considerado
urn diferencialda
espéciehum
ana
—
exceto
par
u
m
a
séria
qualificacao:
no
v
asto
espaço
de
tem
po
da
história
hum
a
A
INvENcA0
DA
CULINARIA
23
na,
a
culinária é
u
rna
n
o
vidade
recente. N
ão
ha
qualquer
evidência
possI
velde
que
tenha
m
ais de
m
eio
m
ilhãa
de
an
o
s,
n
em
evidências
absoluta
m
ente
co
n
vincentes
de
m
ais de
cerca
150
m
u
an
o
s.
—
E
clara,
tudo
isso
depende
do
quc
querem
os
dizer
corn
culinária.
0
cultivo,
para
algum
as
pessoas,
e
u
m
a
form
a
de
culinária
“terram
ex
coquere”,
co
m
a
VirgIlio
a
cham
ava
—
,
expando
os
torröes
de
terra
ao
sal
ardente, fazendo
da
terra
urn
forno
para
as
sem
entes.
5
A
nim
ais
co
rn
estôm
agas
apropriadam
ente
fortes
preparam
a
cam
ida
ru
m
inando:
par
que
issa
nao
poderia
ser
classificado
co
m
a
culinária?
Em
culturas de
c
aça
dares,
as hom
ens que
m
atam
a
caça
castum
arn
se dar
co
m
a
prêm
io
u
m
a
refeiçao
do
conteiido
parcialrnente digerida
do
estOm
ago
da presa:
substi
tuicãa instantânea da
energia gasta
na
caçada. Esta
e
a
tIp ica protaculinária
n
atural
—
a
exem
plo
m
ais
antigo
que
co
nhecem
os de
alim
ento
processa
do.
M
uitas
espécies, inclusive
a
nassa,
tornarn
a
alim
ento
m
ais
fácil
de
corner para
as bebés
ou
as pessoas
doentes
m
astigando-o
prim
eiro
e
de
pois
regurgitando-o.
A
quecido
n
a
boca,
atacado
pelos
su
co
s
gástricos,
am
assado
pela
m
astigação,
ele
adquire
algum
as
das
propriedades
da
c
a
rnida
pracessada
pela
aplicacao
do
calor. N
o
m
o
m
enta
em
que
e
m
purra
m
as
a
alim
ento
corn
água
—
co
m
a
alguns
rnacacos fazern
cam
alguns
tipas
de
nozes
—
,ja
com
eçam
as
a pracessá-bo. Existem
pessoas
tao
obcecadas
par
co
m
ida
cru
a
que
gostarn
ate
de
deixar
a
sujeira
n
o
alim
ento. C
om
o
a
Fazendeiro
O
ak
em
Farfrom
the
M
adding
Crowd,
elas
“não
dão
m
uita
im
portância
a
sujeira
em
seu
estado
puro”.
N
o
m
o
m
enta
em
que
esprem
ernos
a
su
co
do
lim
ão
em
n
a
ssa
o
stra
cam
eçam
as
a
rn
adificá-la,
a
efetuar
m
udanças que
irãa
afetar-Ihe
a
c
o
n
s
tituição
e
a
gasta:
em
urna
definicaa
m
ais
am
pla, isso
poderia
ser
cham
a
do
de
culinária. U
m
a
vinha-d’alho,
se
u
sada
par
m
uito
tem
po, pode
ter
efeitos
tao
transform
adares
quanta
aplicacoes
de
calor
o
u
de
fum
aca.
Pendurar
a
cam
e
para dar-ihe
urn
sabor de
caça,
au
sim
plesm
ente
deixá
la
aa
relenta
para
apadrecer
urn
pouca, e
u
m
a
m
an
eira de processá-la
para
m
adificar
a
constituiçãa
e
a digestibilidade:
esta,
abviam
ente, é
u
m
a
téc
nicam
ais
antiga
que
cazinhar
corn
fogo. A
secagem
ao
v
e
nto, que
é
u
m
a
forrna
especializada de
pendurar
a
alim
ento, produz
urna
m
udanca
bioquf
mica
profunda
em
alguns
alim
entos. 0
m
esm
a
aco
rre
quando
as
e
n
terra
m
os
—
um
a
técnica para provacar ferm
entação
que já foi bastante
cam
u
m
,
24
A
IN
vEN
çA
O
DA
CULINARIA
25
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
m
as
que
e
pouco
utilizada
n
a
culinária
o
cidental
m
oderna,
em
bora
c
ele
brada
co
rn
o
n
o
m
e
de
graviax:
literalm
ente,
“salm
ão
de
sepultura”.A
aplicaçao
qulm
ica
de
u
m
a
tintura
escu
ra
em
certos
tipos
de
queijo
que
antes
eram
preservados
na
terra
tam
bém
e
u
m
a
form
a
de
quase-culinaria,
parecida
co
rn
enterrar
o
alim
ento.
Entre
alguns
cav
aleiros
nôm
ades,
os
co
rtesde
cam
e
tornarn-se
m
ais
co
m
estIveisdepoisde
colocados
sob
a
sela
para
que,durante
a
longa
cav
algada,fiquem
aquecidos
e
prensados
no
su
o
rdo
cav
alo(vejaapágina
127).Bater
o
leite
é
urn
processo
quase
que
de
m
agia
alquIrnica:
o
lIquido
vira
sólido,
o
branco
vira
dourado.A
fer
m
entação
e
ainda
m
ais
m
ágica,porque
pode
transform
ar
urn
grão
co
m
u
m
e
sem
graca
em
u
m
a
pocao
que
pode
m
odificar
o
co
rnportarnento,
supri
m
ir
as
inibicaes,provocar
visöes
e
rev
elar
m
u
ndàs
irnaginários.Porque,
entre
todas
essas
forrnas
su
rpreendentes
de
transform
ar
o
alim
ento,ha
v
erlarnos
de
privilegiar
o
co
zirnento
a
cham
a
aberta?
A
resposta,
seéque
existe
u
m
a,
está
n
o
s
efeitos
sociaisdo
alim
ento
c
o
zido
ao
fogoO
ato
de
co
zinhar
m
erece
seu
lugar
co
m
o
urna
dasgrandes
n
o
vidades
rev
olucionáriasda
história
n
ao
pela
m
an
eira
co
m
o
transform
a
a
com
ida
—
ha
m
uitas
o
utras
m
an
eirasdefaze-b
—
,
rnas
sirn
pelo
m
odo
co
m
o;
transform
ou
a
so
ciedade.A
cultura
co
m
eçou
quando
o
que
era
cru
foi
c
o
ido.A
fogueira
n
o
cam
po
passa
a
ser
urn
localde
co
m
u
nhão
quando
as
essoas
co
m
em
ao
seu
redor.0
ato
de
co
zinhar
nao
é
apenas
urnaform
ade
reparar
0
alim
ento,
m
as
tam
bém
u
rna
m
an
eira
de
o
rganizar
a
so
ciedade
m
tom
b
de
refeiçoes
em
co
njunto
e de
horáriosde
co
rn
erprevisIveis.Ele
ntroduz
n
o
v
asfuncoes
especializadas
eprazeres
e
responsabilidades
c
o
rn
,artilhados.E
rnais
criativo
e
co
n
strói
m
ais
laços
sociais
do
que
o
rnero
:om
erjunto.Pode
ate
rnesrno
substituir
o
co
rn
erjunto
co
m
o
urn
ritualde
Ldesão
so
cial.
Urna
das
cerim
ônias
que
m
ais
irnpressionou
Bronislaw
vlalinowski,
a
antropologo
pioneiro
das
ilhas
do
PacIfico,quando
traba
hava
nas
ilhas
Trobriand,foi
o
festival
an
u
alda
coiheita
da
m
andioca
em
iriw
ina,
n
o
qual
a
m
ajorparte
das
cerim
ônias
adotava
a
form
a
de
distri
uição
de
alirnentos.A
com
panhadosportam
bores
edanças,
os
nativospre
arav
am
pilhasde
co
m
ida,que
eram
então
levadaspara
os
váriosdorniculios
ara
serem
co
n
su
m
idas
em
privacidade.A
refeição
em
si
—
o
clim
ax
do
ue
na
m
áiorja
das
culturas
e
co
n
siderado
urna
festa
—
“
niinc
r
I
ir
1
Em
algum
as
culturas,
o
ato
de
co
zinhar passa
a
ser
u
m
a
m
etáfora
para
as
transform
açôes
da
vida:
tribos
califom
nianas, por
ex
em
plo,
c
o
stum
a
yarn
colocar
m
eninas
pCiberes
ou
m
uiheresque
tinham
acabado
de
dar
a
1w
em
fornos
cav
ados
n
o
solo,
cobertos
co
rn
tapetes
e
pedras
quentes.
7
Em
o
utras,
a
guarnicão
da
co
m
ida
se
transform
a
em
urn
ritual
sagrado,
que
não
so
o
rganiza
a
so
ciedade,
co
rn
o
alim
enta
as
céus
corn
as
ernissöes
sacrificiais de
fum
aça
e
v
apor.Os povosdaA
m
azônia
que
co
n
sideram
“as
operaçöes
culinárias
co
m
o
atividades
rn
ediadoras
entre
o
céu
e
a
terra,
a
vida
e
a
m
o
rte,
a
n
atureza
e
a
so
ciedade”
8
estão,
n
a
v
erdade, generalizan
do
urn
co
n
ceito
que
a
m
aioria
das
so
ciedades
utiliza
corn
relacao
a
pelo
m
en
o
s
alguns
atos
de
co
zinhar.
0
term
o
co
rn
u
m
japonés
para
u
m
a
refeicao
significa
literairnente
“honorável
arro
z
co
zido”,
u
rn
reflexo
não
so
do
lugar
ubIquo
e
essen
cial
que
o
arro
z
o
cupa
n
o
Japão,
m
as
tam
bém
da
n
atureza
so
cial
—
n
a
v
e
rda
de,do
status
—
da
alim
entacao.A
vida
e
m
edida
em
refeicOes
rituais.
Quando
n
asce
u
rna
crianca,
o
s pais
recebem
presentes
de
arro
z
v
erm
eiho
o
u
de
arro
z
co
rn
feijão
v
erm
elho
de
farniliares
e
vizinhos;
n
o
seu
prim
eiro
aniversário,
a
crianca
e levada
a pisar
em
urn
bob
de
arro
z
cujas
m
igaihas
são
depoisdistribuIdas.Quando
se
co
n
strói
u
m
a
casa
n
o
v
a,
são
sa
c
rifica
dos
dois
peixes
e,
ao
inaugurá-la,prepara-se
u
rn
a
refeiçao
para
o
s
vizi
nhos.
Com
o
talism
ã
para
a
longevidade,
os
co
n
vivas
de
u
rn
casam
ento
levam
para
casa
parte
da
co
m
ida
da
recepcão
co
m
o
presente
—
bolos
de
arro
z
representando
cegonhas
o
u
tartarugas
o
u
u
m
a
pasta
de
peixe
m
o
delada
nessas
m
esm
asform
as.O
utras
refeicOes
celebram
a
co
m
u
nhão
co
rn
os
m
o
rtos
e
o
aniversário
da
m
o
rte
deles.
9
N
a
so
ciedade
hindu,
as
regras
relacionadas
corn
a
com
ida
são
extrem
am
ente
im
portantes para
m
arcar
e
m
anter
as fronteiras
edistinçoes
sociais.As
castas
são
categori
zadas
em
term
osde
pureza,
e isso
se
reflete
nos
tiposde
com
ida
que
po
dem
ou
nao
ser
com
partilhados
corn
outras
castas...
A
com
ida
cru
a
pode
sertransferida
entre
todas
as
castas,
ao
passo
que
a
m
esm
o
não
o
co
rre
no
caso
de
alim
entos
cozidos,jI que
eles podem
influenciar
o
estado
de
pu
rezadas
castas
envolvidas.
26
CO
M
ID
A
:
UM
A
H
ISTORIA
27
Com
idas
co
zidas
são
ainda
divididas
segundo
o
utras
classificacoes.As
co
zidas
em
água
sedistinguem
dasque
são
fritas
em
m
anteiga
clarificada:
estas
ültim
as
podem
serbarganhadas
entre
urn
n
m
e
ro
m
uito
m
ajorde
grupos
do
que
as
prim
eiras.Além
das
regras
que
determ
inam
que
c
o
m
i
das
podem
ser
co
rnpartilhadas
ou
trocadas,
existem
tam
bém
hábitos
au
m
entares
eprescriçaes
de
dietas
especificas
para
grupos
de
certos
status.
0
v
egetarianism
o,por
ex
em
plo,
e
próprio
das
castas
superiores
e
“m
ais
puras”,
“eriquanto
o
co
n
su
m
o
da
cam
e
ede
bebidas
alcoólicas
está
a
sso
ciado
as
m
en
o
sput-as.Certas
castasintocávejs
são
caracterjzadas
m
ais
cia
ram
ente
pelo
hábjto
de
co
rn
er
cam
e
bovina”.bO
Os
Tharu,
a
terceira
categoria
em
D
ang,
no
N
epal,
n
u
n
ca
trocam
co
rnida
corn
as
castasinferio
res
ou
as
alim
entam
em
suas
casas,
m
as
co
m
ern
cam
e
de
porco
e
rato.A
co
m
plexidade
dos
tabus
dasilhas
Fijifez
corn
que
elas
se
popularizassem
co
m
o
objetos
de
estudo
de
antropólogos.Em
Fiji,quando
tipos
especIfi
cos
de
grupos
co
m
em
juntos,
tern
de
se
lim
itar
a
alim
entos
m
utuam
ente
co
m
plem
entares.N
a
presença
de
guerreiros,
os
chefes
co
m
em
osporcos
que
foram
capturados,
m
as
não
peixe
nem
coco,já
que
estes
ltirnos
são
reserv
ados
para
osguerreiros.”
I1oje,
nas
culturasque
se
co
n
sideram
m
odernas,
a
m
aloria
dos
alim
en
tosque
cham
am
osde
crus
vem
cuidadosam
entepreparada
para
a
m
esa.E
im
portante
especificar
“alim
entos
que
cham
am
osde
cru
s”
porque
o
co
n
.
ceito
de
cru
e
culturalm
ente
co
n
struido
o
u
,
pelo
m
en
o
s,
m
odificado.
Em
bora
co
m
am
o
s
m
uitas
frutas
e
alguns
legum
es
corn
urn
m
inim
o
de
preparaçao,
acham
os
n
aturalque
estejarn
cru
sporque
isso
e
culturalm
en.
te
n
o
rm
al.N
inguem
fala
de
m
açãs
cru
as
ou
alface
cru
a.SO
nos
casos
em
que
o
alirnento
em
questão
n
o
rm
alm
ente
e
co
zido,
m
as
aceitável
cm
,éque
especificam
os,
u
sando
a
palavra
cru
co
m
o
no
caso
da
cen
o
u
ra
cru
a,da
cebola
cru
a
e
assim
por
diante.N
o
O
cidente,quando
a
cam
e
e
o
peixe
são
servidos
crus,
essa
cru
eza
é
tao
ex
cepcional
que
adquire
cOnotaçoes
extras
de
subversão
e
risco,de
barbarism
o
eprim
itivism
o.H
istoricam
en.
te,
os
chjneses
classjfjcavam
as
tribos
bárbaras
em
“cru
a”
e
“co
zida”,Se
gundo
o
grau
de
civilizaçao
que
observavarn
nelas;
e
urna
classificação
m
ental
sem
elhante
do
rn
u
ndo
surge
facilm
ente
no
O
cidente,
o
nde
a
tra
diçao
literárja
ha
m
uito
equiparou
a
luxOria
por
cat-ne
cru
a
corn
selvage
n
a,
sede
de
sangue
e
a
fOria
de
im
paciêncja
gástrica.
A
IN
vE
N
cA
0
DA
CULINARJA
0
prato
clássico
de
cam
e
cru
a
n
a
co
zinha
o
cidentale
o
bife
tártaro.0
n
o
m
e
alude
a
reputacao
m
edieval
de
ferocidade
dos
m
o
ngóis,
tam
bém
co
nhecidos
co
m
o
tártarOs, gracas
ao
n
o
m
e
especffico
de
u
rn
grupo
de
tn
bos
m
ongOis.A
palavra
lem
brava
O
s
etnografos
m
edievais
de
Tártaro,
n
o
inferno
clássico,
e
fazia
co
rn
que
parecesse
particularm
ente
apropriado
dem
onizar
seusinirnigos.’
2
D
a
m
an
eira
co
rn
o
é
co
nhecido
hoje,
n
o
e
n
tan
to,
o
prato
é
sujeito
a
u
rna
supercO
m
pensacão
civilizada.A
c
a
m
e
é
m
oida
em
pedacinhos
m
acios,
en
ro
scados,
v
erm
iform
es,
em
v
erm
eiho
vivo.Com
o
para
co
m
pensar
o
fato
de
estar
cru
a,
a preparacão
n
o
rm
aim
ente
se
tran
s
form
a
em
urn
ritual
na
m
esa
lateral,a
vista
do
freguês,
em
que
o
garcom
,
co
m
o
em
urn
cerim
onial,
vai
colocando,
urn
a
urn,
os
ingredientes
que
increm
entam
o
sabor,
os
quais
podem
incluir
tem
peros,
erv
as
frescas,
cebolinha
ebrotosde
cebola,
alcaparras,pedacinhos
de
an
chova, pim
enta
em
grão
em
conserva,
azeitonas
e
ovo.A
v
odca
é
u
m
a
adiçäo
pouco
o
rtodo
xa,
m
asque
m
eihora
bastante
o
sabom.Os
o
utros
pratosde
c
a
m
e
o
u
peixe
crus
autorizados
pela
civilização
estão
igualm
ente
distantes
da
n
atureza
—
a
cru
eza
altam
ente
disfarcada,
a
selvageria
san
eada
pela
preparacão
elaborada.
0
dito
presunto
“cru
”
é
m
uito
bern
tratado
e
defum
ado.
0
carpaccio
e
co
rtado,
corn
u
m
a
fineza
co
rtesã,
em
lascas
finissirnas,
e
n
m
guém
pensa
em
co
m
e-las
ate
que
estejam
bern
borm
ifadas
co
rn
azeite
de
oliva
e
enfeitadas
corn
pim
enta
equeijo
parm
esao.0
graviax,
em
borajá
n
ao
seja
enterrado,e
coberto
corn
cam
adas
de
sal,
an
et
e
pim
enta
e,
rega
do
corn
seu
prOprio
suco,eferm
entado
por
váriosdias
ate
que
esteja
pronto
para
set-
co
n
su
m
ido.
“Se
n
o
s
s
o
s
antepassados
rem
otos
co
m
iam
a
cam
e
se
m
pre
cru
a”,
escrev
eu
Brillat-Savarin,
em
u
m
a
obra
de
1826
que
ainda
e
a
biblia
do
gourm
et
e
a
apologia
do
gourm
and,
“nOs
prO
prios
não
perde
m
os
o
hábito
inteiram
ente.Ospaladares
m
aisdelicados
re
sponderão
m
uito
bern
as
salsichasde
Aries
e
Bolonha,
ao
bife
defum
ado
de
H
am
burgo,
as
an
chpvas,
aos
arenques
salgados
n
ahora
e
a
o
utras
coisas
sem
n
eihantes que
n
u
n
cafomam
sujeitas
ao
fogo,
m
asque,
apesardisso,
estim
ulani
o
apetite.”
1
3
0
sushi,que
hoje
e
urn
acessOrio
de
m
oda
obrigatOmio
n
o
O
cidente,
en
v
olve
peixe
cru
sO
ligeiram
ente
ternperado
—
e
as
v
ezes
n
ern
isso
—
corn
vinagre
e
gengibme;
m
as
o
co
m
ponente
principaldo
prato
e
o
arro
z
co
zido,
as
vezes
co
m
plem
entado
pot-
alga
m
arinha
tort-ada.
0
sashim
i é
u
m
a
v
olta
a
urn
estado
rnaisdrástico
de
cru
eza,
m
as
o
c
uidado
ao
prepam
á
28
CO
M
ID
A
:
114’4A
HISTORIA
A (NvENçA0
DA
CU
LIN
A
RIA
29
lo
nao
e
m
enor.Asfatiasdo
peixe
devem
serde
um
a
finura
transparente,
“barbeadas”
corn
um
a
navaiha
de
aco
bern
tem
perado,
e
a
apresentaçao
deve
ser
surnam
ente
elegante
—
para
que
o
estado
de
crueza
da
com
ida
intensifique
a
sensaçao
do
com
ensalde
estarparticipando
do
processo
civilizador.A
guarniço
deve
serpicada,
rem
exida
e
co
rtada
em
tiras
em
urna
arnpla
variedade
de
m
aneiras,
e
urngrupo
de
m
oihosbern
arquiteta
dosdeve
ser
servido.Osdinam
arquesesgostam
dagem
a
crua
com
o
guar
nicão
ou
m
oiho,
m
as
ate
neste
caso
ela
e
servida
separada
da
clara.Nos
“inárneros
banquetesde
cam
e
crua”
corn
que
obsequiararn
Laurens
van
der
Post
na
Etiópia,
em
bora
a
preparaçao
fosse
m
inim
a,
a
form
alidade
das
cerim
ônjas
era
detaihada.
A
cam
e
crua
era
passada,
sangrando
e
ainda
corn
o
calordo
animal
em
vida,de
urn
convidado
para
o
utro.Cada
homern
prendia
a
extremidade
da
cam
efirmemente
entre
osdentes
e
e
ntão,
c
o
rtando
para
cirna
co
rn
um
a
faca
afiada,
retirava
urnpedaçopara
si
m
esrrio
—
e
nessa
tarefaporpouco
não
arrancava
apeledo
prâprio
n
a
riz.’
4
Asfatias
nao
eram
cornidas
secas,
m
as
rapidam
ente
im
ersas
no
berebere,
urn
m
olho
tao
apim
entado
que
“dava
a
im
pressão
de
serquente
o
sufi
ciente
para
co
zinhar
a
cam
e”
eque
tam
bém
pode
transform
ar
urn
cozido
em
u
m
a
m
istura
“tao
forte
que
praticam
ente
faz
sangrar
os
o
u
vidos”.
1
5
De
vez
em
quando,
um
a
fatia
de
cam
e
era
passadapor
cim
ado
om
bro
de
urn
hom
em
para
as
m
uiheres
e
crianças
que
estavam
de
pé,
em
silêncio,
atrás
dos
com
ensais.Na
verdade,
todas
essas
com
idas
são
cruas
apenas
em
u
m
a
definiçao
bastante
restrita.
Estão
tao
diferentes
de
seu
estado
n
atural
—
seja
ele
qualfor
—
que
seriam
praticarnente
irreconhecIveis,
presum
e-se,pelos
antepassados
horninIdeos
que
im
aginarnos
para
nós
m
esm
os,
osque,
supostam
ente,
com
iam
qualquer
coisa
que
Ihes
chegasseas
m
acs.D
epos
da
invenção
do
cozimnento,parece
que,
na
m
aiorparte
do
m
u
ndo,
ate
a
crueza
se
tornou
refinada.
N
a
rnaioria
das
culturas,
as
o
rigens
do
co
zim
ento
rem
o
ntam
a
urn
presente
divino,
o
fogo
de
Prom
eteu,
ou
a
so
rte
de
urn
herói
cultural.
Para
osgregos
antigos,
o
fogo
foi
urn
segredo
rev
elado
rraicoeiram
ente
por
urn
dissidente
do
Olim
po.N
a
Persia
antiga,
ele
foi
extraido
do
com
a-
ção
de
um
a
rocha
pelo
projétil
m
al direcionado
de
urn
caçador.Para
os
Indios dacotas,
o
fogo
foi descoberto
n
o
solo
pelas garrasde
urn
deusja
guar. Para
os
astecas,
o
prim
eiro
fogo
foi
o
sd,
alim
entado
pelos
deuses
na
escuridão
prim
eva.Foi trazido
para
as
ilhas Cook
porM
aui,depoisde
sua
descida
as profundezas
da
terra.U
rn
aborigine
au
straliano
e
n
c
o
ntrou
o
fogo
esco
ndido
n
o
penis
de
urn
anim
al
totém
ico,
enquanto
para
u
m
a
o
utra
tribo
foi
u
m
a
invenção
das
m
uiheres,que
co
zinhavam
co
rn
ele
d
u
rante
a
au
sência
dos
hom
ens,
em
cacadas,
e
depois
o
esco
ndiam
n
a
v
ul
v
a
.
1
6
“Todostern
seu
prOprio
Prom
eteu”,
e
o
m
esm
o
o
co
rre
corn
quase
todas
as
c
ulturas)
7
As
verdadeiras
origensda
dom
esticacao
do
fogo
são
desconhecidas)
8
Todas
as
teorias
sobre
isso
parecem
ter
su
rgido
corno
o
fogo
do
silex,por
urna
siibitaidéia ilum
inada.N
enhum
a
o
co
rreu
de form
a
m
ais
m
em
o
rável
ou
resistiu
tao
tenazm
ente
ao
tem
po
co
m
o
ado
“pai da
m
oderna
paleon
tologia”,
o
abade
H
enri
Breuil.
Em
1930,
urn
pupilo
de
Breuil,Pierre
Teilhard
de
Chardin,
o
antropologojesuita
que, por
sua
vez,
se
transfor
m
aria
em
u
m
adas figuras
m
ais poderosasdahistóriaintelecrualdo
século
X
X
,
estava
trabaihando
na
China,
co
m
binando
trabaihos
cientIficos
co
rn
obras
m
issionárias,
na
rnelhor
tradicaojesufta.Escavava
a
c
a
v
e
rn
a
-m
o
ra
diado
“H
om
em
de
Pequim
”
—
urn
hom
inIdeo
que
viveu
ha
m
eio
m
ilhao
de
anos;
supostam
ente
antesde
o
hom
em
fazerferramnentas
o
u
acender
o
fogo. Teilhard
rnostrou
aBreuil
o
chifre
de
urn
veado
epediu
sua
opiniao
sobre
ele.
“Quando
ainda
estava
fresco”,
respondeu
Breuil,
“esse
chifre
foi
exposto
ao
fogo
e
foi
trabaihado
co
rn
urn
im
plernento
ri.istico
de
pe
dra, provavelm
ente
não
de
silex,
m
as
algum
tipo
de
ferram
enta
prim
itiva
para
co
rtar
agolpes.”
“M
asisso
e im
possIvel”,
respondeu
Teilhard.
“Vem
de Chou
Kou-tien.”
“Não
m
e im
portade
o
nde
venha”,insistiu
seu
m
entor,
“foi
trabaihado
por
urn
hom
em
que
co
nhecia
a
utilidade
do
fogo.”
1
9
Com
o
no
caso
de
todas
as
o
utras
teorias
sobre
adatada dom
esticacão
do
fogo, düvidas
vêm
se
acu
m
ulando
n
o
s
ültim
os
anos.
Breuil,
n
o
e
n
tanto,
ergueu
nas
pilhas
de
cinzas
escav
adas
em
Chou
K
ou-tien
u
m
a
reco
n
struçao
sedutora,
em
bora
fantasiosa,da
sofisticaçao
hom
inidea.
Em
seu
retrato
im
aginário
da
vida
n
aquele
local,
urna
m
ulhem
prepara
lascas de
silex,
enquanto
“urn
H
om
em
de
Pequim
corta
o
chifre
de
u
rn
veado”
e
urn
casal porperto
acende
o
fogo.0
hom
em
prim
eiro
produz
30
CO
M
ID
A
:
U
M
A
H
ISTORIA
A
NvENçA0
DA
CULINARIA
3
I
u
m
a
faIsca
por
fricçao,
enquanto
a
m
uiher
segura
u
rn
punhado
de
capim
e
foihas
secas
para
pegar
a
faIsca.
“A
seguir
ela
o
levará
para
a
futura
fo
gueira,
rodeada
de
pequenas
pedras,que
está
entre
os
dois.Atrás
deles
o
utra
fogueira
arde
alegrernente
co
zinhando
urn
pedaço
de
porco
selva
gem
.
“20N
a
v
erdade,
n
a
o
haqualquer
evidéncia
de
m
an
ufatura
de
sliex
o
u
de
preparação
do
fogo
por
centenasde
rnilharesde
an
o
s
após
a
data
dos
restos
referentes
a
esse
texto.
Podem
os
supor
que
o
co
zim
ento
su
rgiu
co
m
o
u
rn
a
extensão
inevitá
ye!da
dornesticaçao
do
fogo.N
o
O
cidente
m
oderno,
o
rnito
m
ais
c
o
m
u
m
é
representado
pelo
relato
irnaginário
das
origensda
culinária
em
A
D
isser
tation
Upon
RoastPig(Uma
dissertaçdo
sobre
porco
assado),de
Charles
Lam
b.
Urn
pastor
de
porcos
acidentairnente
sacrificou
urna
ninhada
de
porquinhos
em
urn
incêndio
cau
sado
por
sua
negligencia.
Enquanto
pensava
noquedizer
ao
pai,
esfregando
as
m
ãos
sobre
o
s
re
stos
esfum
aradosde
urnadas
vItimasprem
aturas,
urn
cheiro
penetrou
por
suas
narinas,diferentedequalquer
outro.odorque
elejá
tinha
sentido.(...) Ao
m
esm
o
ternpo,
urna
urnidade
prernonitória
derram
ou-se
sobre
seu
lábio
inferior.Ele
nao
sabia
oquepensar.Abaixou-se,
então,para
tocar
oporco
e
ver
se
ainda
havia
sinaisde
vida
nele.Queirnou
o
sdedos
e,para
resfriá
los,
colocou-os,
corn
seujeito
m
eio
abobaihado,
na
boca.Algumas
das
migaihasdepele
torrada
tinham
se
agarrado
em
seusdedos
e,pelaprim
eira
vez
na
vida(na
vidado
m
undo,
alias,porque
antesdele
nenhunihom
em
tinha
conhecido
aquilo),
eleprovou
—
torresm
o!
2’
“A
coisa
decolou”
ate
que
“o
co
stum
e
de
atearfogo
as
casas”foi
superado
pela
intervençao
de
urn
sábio,
“que
descobriu
que
a
cam
e
do
porco,bern
co
rn
o
de
qualquer
o
utro
anim
al,poderia
ser
co
zida(qucimada,
co
m
o
eles
diziam)
sem
a
n
ecessidade
de
co
n
su
m
ir
u
m
a
casa
inteira
para
guarnecê
la”.
2-2
E
cu
rioso
que
Lam
b
tenha
rastreado
as
o
rigens
dessa
im
portante
tecnologia
ate
a
China,que,
n
a
v
erdade,
foi
o
pals
m
ais
engenhoso
do
m
u
ndo
em
toda
a
história
registrada,
sem
que
isso
seja
n
o
rm
alm
ente
re
co
nhecido
no
O
cidente.
M
ais
co
m
u
m
é
a
prem
issa
de
Lam
b
de
que
o
co
zim
ento
deve
ter
sido
inventado
por
acidente.Alias,
o
acidente
foi
re
centem
ente
reabjljtado
na
literatura
histórica,porque,
n
o
m
u
ndo
aleató
rio
rev
elado
pela
fIsica
quântica
e
pela
teoria
do
cao
s,
co
n
seqQéncias
im
prvisIveis
parecern
resultarde
cau
sas
indeterm
inadas.0
hariz
de
C
leó
patra
se
parece
corn
u
m
a
asa
de
borboleta:
esta
iiltim
a
pode
provocar
u
m
a
tem
pestade;
rnas,
se
não
fosse
pelos
poucos
c
e
ntIm
etros
de
elegancia
for
tuita
do
prim
eiro,é
possIvelque
n
u
n
ca
tivesse
havido
o
Im
pério
R
orna
no.
H
istoriadores
“virtuais”
estão
sernpre
n
o
s
dizendo
que,
se
não
fosse
por
esse
ou
aquele
acidente,todo
o
cu
rso
da
história
seria
diferente
eque
reinossão
perdidos
porfalta
de
urn
prego. M
as,
n
a
v
erdade,
os
acidentes
só
são
passIveis de
observacão
n
o
s
registros
históricos
se
eles
co
nfirm
am
a
m
an
eira
co
m
o
as
coisasjá
estão
aco
ntecendo.0
a
cidente
é
n
o
sso
m
ode
lo
para
explicar
rn
udança
nas
so
ciedades
“prirnitivas”, que
nós
v
ulgarm
ente
supom
os
estáticas
e
ignorantes.N
o
entanto,
as
invençöes
so
m
uito
ra
ra
m
e
n
te
—
e
pode
ate
ser
que
n
u
n
ca
—
são
provocadas
por
urn
acidente
v
erdadeiro:
ha
sernpre
u
rn
a
im
aginacão
que
Ihes
dá
forrna
o
u
u
rn
o
b
ser
v
ador
pratico
por
perto.
E
possIvel
que
algum
tipo
de
culinária
tivesse
sido
praticado
antes
m
esm
o
da
dornesticaçao
do
fogo.
M
uitos
anirnais
são
atraldos
pelas
bra
sasque
o
co
rrern
n
aturairnenre
nasfogueiras,
o
nde
eles
rern
ex
em
para
e
n
co
ntrar
sem
entes
tostadas
C
u
grãos
que
se
tornaram
co
m
estIveis
depois
de
queirnados.
H
oje
podem
os
observar
chirnpanzés
selvagens
pondo
em
prática
u
rn
a
técnica
que
pode
ser
atribulda,
co
rn
bastante
seguranca, por
an
alogia,
aosforrageadores
hom
inIdeos.
3
Para
u
rn
a
c
riatura
co
rn
u
rn
cé
rebro
suficienternente
poderoso
e
corn
habilidade,
algum
as
das
c
a
ra
cte
risticas de
bosquesincendiados, tais
co
m
o
m
o
ntesde
cinzas
e
troncos
rn
eio
queirnados de
árvores
caldas,podem
terparecido
fornos
n
aturais,
a
rden
do
co
rn
u
rn
fogo
adrninistrável,
n
o
qua!
sem
entes
de
cascas
duras, graos
de
plantaslegurninosasde
pele
grossa,legum
esdifIceisde
m
astigar
o
u
cam
e
cartilaginosa
poderiam
serprocessados.
A
culinária
foi
a
prim
eira
qulm
ica.A
rev
oluçao
do
co
zirnento
foi
a
prirneira
rev
oluçao
cientIfica:
adescoberta,por
experim
entacão
e
obser
v
ação,das
m
udanças
bioquIrnicas
que
transform
am
o
sabor
e
ajudarn
a
digestao.A
cam
e
—
apesar
de
rejeitada
pelos
n
utricionistas
m
odernos,
que
n
o
s
am
eacam
corn
asgorduras
saturadas
—
e
u
m
a
fonte
incom
pará
ye!de
n
utriçao
para
o
co
rpo
hum
ano,
m
ase
cheia
de
fibras
e
m
üsculos.0
c
o
zim
ento
faz
c
o
rn
que
a
s
protelnas
n
as
fibras
m
u
s
c
ulosas
se
fu
n
d
am
,
tra
n
s
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
lorm
ando
colágeno
em
gelatina. Sc Ihe
aplicam
os
o
fogo
diretam
ente,com
o
provávelque
o
co
rresse
nas
técnicasdos
prim
eiros
co
zinheiros,
a
super
fIcie
da
cam
e
sofre
urn
tipo
de
caram
elizaçao
a
m
edida
que
O
s
SU
CO
S
s
e
:o
n
centram
:
pois
as
proteInas
se
co
agulam
quando
aquecidas
e
o
co
rre
a
re
ação
de
M
aillard”
entre
os
am
inoácidos
sobre
u
m
a
cadeia
protéica
e
lguns
dos
ac(icares
n
aturais
na
gordura.0
am
ido
é
u
m
a
fonte
de
en
ergia
iue
tern
estado
disponIvelpara
a
m
aioriadaspessoasdurante
a
m
ajorparte
da
histOria
registrada,
m
as
e
ineficiente
antes
de
ser
co
zido.
0
calor
o
desintegra,liberando
o
açücarque
todo
am
ido
co
ntém
.Ao
m
esm
o
tem
po,
o
calor
seco
faz
corn
que
as dextrinas
n
o
am
ido
fiquem
m
arro
n
s,pro
duzindo
aquela
aparéncia
reco
nfortante
que
asso
ciam
osa
co
rnida
cozida.
‘Ja
m
ajorparte
das
culturas,
e durante
quase
toda
ahistória,
a
alternativa
rnais
co
m
u
m
ao
calor
seco
é
a
im
ersão
em
água
quente:
isso
am
acia
as
Fibras
m
u
sculosasda
cam
e
e
faz
co
rn
que
asparticulasde
carboidrato
in-
them
.A
cerca
de
80°C,
essas partIculas
se
ro
m
pem
epenetram
n
a
m
istu
a.E
por
esta
razão
que
os
m
oihos
engrossarn.0
calor
m
uda
a
textura
de
utras
co
m
idas,fazendo
corn
que
possam
ser
m
astigadas
o
u
dissecadas
Tianualm
ente
—
“u
m
a
arran
cada
prim
ária
n
a
divilizaçao
dos
hábitos
de
:o
m
er,
m
uito
anteriora
introducao
de
pauzinhosjaponeses
o
u
de
garfos
facas”.
2
4
Com
o
o
co
zim
ento
torna
a
co
m
ida
m
ais
digestIvel,podem
os
;om
er
m
ais:
cinquenta
toneladas
em
u
m
a
vida
m
oderna.0
resultado,
ate
:erto
ponto,é
m
ais
eficiênciahum
ana.Um
a
o
utra
co
n
seqüência
é
a
opor
u
nidade
de
ex
cesso
s,
corn
efeitos
para
a
so
ciedade
que
abordarem
os
n
o
levido
m
o
m
ento(veja
a
página
161).
Além
de
au
rn
entar
o
co
n
su
m
o
de
produtos
co
m
estIveis,
o
co
zim
ento
ode
fazerfuncionar
u
m
a
m
agia
ainda
m
ais
ex
citante
ao
tornar
apetitosas
:oisasque
scm
dc
seriam
v
en
en
o
sas.0
fogo
destrói
o
v
en
en
o
de
alguns
lim
entos
potenciais.
A
m
agia
que
torna
plantas
tOxicas
co
m
estIveis
é
articularm
ente
valiosapara
os
sereshurnanos,porque
co
rnidas
v
en
en
o
sas
odem
ser
arm
azen
adas
sem
o
tem
orde
saquespor
criaturas
rivais
e
m
ais
arde
podem
sertransform
adas
em
atóxicaspara
o
co
n
su
m
o
hum
ano:
estaé
v
antagem
culturalqucfazda
rn
andioca-am
arga
u
m
a
co
m
idabásica
n
aA
m
a
ônia
e
das
sem
entes
de
n
ardo
urn
alim
ento
apreciado
entre
os
aborigines
A
N
vE
N
cA
o
DA
CULINARIA
33
que
co
m
a
u
m
a
porção
n
o
rm
al. N
o
entanto,
o
v
en
en
o
pode
ser
elim
inado
por
m
eio
de
processos
utilizados
para
prepará-la:
so
car
o
u
ralar
a
raiz,
deixã-la de
m
oiho
por
algum
tem
po
e depois
aquec-la. Urn
problem
a
fas
cinante,
em
bora
insolüvel, é
saber
co
m
o
foi quc
os
prim
eiros
indios
que
cultivaram
cssa
planta,
e
dcpois
passaram
a
depender
dela, descobriram
suas propriedades
e
specificas. A
m
aioria das infestaçöes perniciosaS
pode
ser
n
eutralizada pelo
co
zim
ento. A
c
a
m
e
de
porco
e
n
o
rm
alm
ente infectada
por
u
rn
v
erm
e
que
cau
sa
triquinose
quando
ingerido
por
seres hurnanos:
urn
co
zim
ento
profundo
torna-o
inofensivo. As
sairnonelas
são
m
o
rtas
por
urn
co
zim
ento
rápido,
m
as
total,
e
as
listérias, pelo
calor
intenso.
U
m
a
ex
ceção
pouco
co
m
u
m
é
o
Clostridium
botulinum
,
u
rn
a bacteria
m
ais
le
tal, que
não
e
afetada
pela
m
aior parte
dos
processos
de
co
zim
entO
e
s
o
brevive
a
tem
peratura
atingida
em
todas
as
culinárias tradicionaiS,
e
rnbora
receitas
co
rn
u
rn
alto
co
nteüdo
ácido
possarn
paralisar
o
seu
desenvolV
i
m
entO.
Assim
que
o
s
efeitos do
calor
n
a
co
rnida
co
m
ecaram
a
se
desdobrar
diante
dos
olhos dos hornens,
o
futuro
da
culinária já
estava
prenuflCia
do. Literal
o
u
o
riginalm
ente,
a
palavra
“foco”significa
“lareira”. A
ssim
que
o
fogo
passou
a
ser
adm
inistrável,
d
c
logo
u
niu
as
c
o
m
u
nidades, já
que
para
cuidar
das
charnas
cram
n
ecessários
divisão
de
trabaiho
e
e
s
forços
co
m
partilhados. 0
fogo
funcionava
co
m
o
u
rn
foco, presum
im
O
S
antes
m
esm
o
o
u
alérn
de
su
a
adaptacao
para
o
co
zim
ento
de
alim
entO
S,
graças
as
o
utras funcOes que
fazern
co
rn
que
as pessoas
se
reünam
a
o
se
u
redor:
luz
e
calor, protecão
co
ntra
pragas
e
predadores.
0
c
o
zim
eflto
aperfeicoou
o
poder de
m
agnetism
o
so
cial do
fogo
ao
a
c
re
sc
e
ntar
u
m
a
n
utrição
m
eihor
a
estas
funcO
es.
Ele
so
cializou
o
ato
de
c
o
rn
e
r
a
o
transform
á-lo
em
u
m
a
atividade
praticada
em
local
e
m
o
rn
e
nto
deter
m
inados, por
u
rn
a
co
m
u
nidade
de
co
rn
en
sais. Parece
bastante
segurO
d
e
duzir
que,
antes
disso,
havia
pouco
incentivo
para
que
a
s
pessoaS
co
m
essem
juntas. A
lim
entos
coletados
podiam
ser
c
o
n
su
m
idos
n
o
m
o
m
ento
m
esm
o
da
coleta
o
u
guardados
para
serem
co
m
idos
a
v
o
ntade.
Ernbora
possarnos
im
aginar
horninIdeos
reu
nindo-se
ao
redor
de
u
m
a
carcaca
cru
a
n
ara
urn
banquete
co
m
u
nitário,
co
m
o
ayes
de
rapina
e
m
/
1
34
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
A
IN
vEN
cA
0
DA
CULlN
A
RIA
E
bern
v
erdade
que
iniciativas
co
rnpartilhadas,
tais
co
rn
o
a
caça,
a
m
a
Xança
e
a
o
rganizaçao
da
segurança
coletiva,
revitalizavam
o
grupo,
rnas
o
s
fragm
entos
dos
anim
ais
que
tinham
sido
caçados
o
u
en
co
ntrados
rn
o
rtos
podiam
serdesm
em
brados
ou
distribuidos
para
serem
co
rnidos
separadam
ente.Quando
o
fogo
e
a
co
m
ida
se
co
m
binaram
,porém
,foi
criado
urn
foco
quase
irresistIvelpara
a
vida
co
m
u
nitária.
Corner
to
r
n
o
u
-se
u
rn
ato
so
cialde
u
m
a
forrna
ünica:
co
m
u
nitárjo,porém
nao-co-.
operativo.A
v
alorizacao
que
o
co
zirnento
dá
a
co
rnida
transform
a.a
em
algo
m
ais
que
m
era
n
utriçao
e
faz
corn
que
sejam
descortinadas
n
o
v
as
possibilidades
im
aginativas:
as
refeiçoes
podern
se
tornar
sacrificios
re-/
alizados
em
co
rn
u
rn
,
celebracoesdo
am
o
r,
atos
rituais,
o
casiöes
para
as
transform
acoes
m
ágicasproduzidaspelo
fogo
—
u
m
a
dasquaisé
a
trans
form
acao
de
co
m
petjdores
em
u
m
a
co
m
u
njdade
N
o
m
u
ndo
m
oderno
—
o
u
,pelo
m
en
o
s,
recente
—
,
ainda
vern
sendo
possIvel
recapturar
o
u
experim
entar
u
rna
vëz
m
ais
aquela
sen
saçao
pri
m
itiva
do
poderdessa
co
rnbinacao.Isso
su
rge
naslem
brançasda
infância
do
“filósofo
cam
pones”
da
década
de
1930,G
aston
Bachelard:
/
o
fogo
e
urn
ser
m
ais
socialdo
que
natural.(...) Eu
cornia
o
fogo,
eu
C
o.
m
ia
o
seu
o
u
ro
,
o
cheiro
e
ate
o
crepitar,
enquanto
obiscoito
ainda
fum
e
gante
ía
se
ndo
e
sm
igaihado
e
ntre
m
eu
s
dentes.E
é
sernpre
assirn,
co
rn
u
m
a
e
spécie
de
prazer
se
n
su
al...
que
o
fogo
prova
a
su
a
hum
anidade.
Ele
não
so
c
o
zinha,
c
o
m
o
faz
o
biscoito
c
ro
c
a
nte
e
dourado.
Ele
dá
u
m
a
form
a
m
aterialpara
asfestividadeshum
anas.Por
m
aislongequeformos
em
nossa
consulta
ao
passado,
o
valorgastronornjc
da
com
ida
sem
pre
supera
seu
valor
alirnentar,
eé
na
alegria,
e
nâo
na
dor,que
o
hom
ern
encontra
seu
espIrito...Dosdentesda
corrente
pendia
o
caldeirão
negro.A
panela
de
trêspernas
estava
sobre
as
cinzasquentes.M
inha
avó
enchia
asbochechas
de
ar
e
soprava
por
urn
tubo
de
aço
para
reanim
ar
a
chama
adorrnecjda.
Tudo
ia
sendo
cozido
ao
m
esm
o
tem
po:
asbatataspara
osporcos,
asbata
tas
m
eihorespara
afamilia.Para
mim
haveria
urn
o
v
o
fresquinho
sendo
cozido
sob
as
cinzas.
2
6
Prim
eiras
Tecnologias
da
C
om
ida
D
a dom
esticacão
do
fogo
ainvençao
da
culinária,houve
u
rn
a
lacuna
prá
-
.
-
-
ica
e
co
n
ceitual
a
serpreenchidaporim
aginacO
es
engenhosas.Em
alguns
clim
as,
o
fogo
pode
ser
adestrado
corn
rapidez.
Em
o
utros
lugares,
o
nde
agm
entos
apropriados
de
sliex
e gravetos
são
fáceisde
en
co
ntrar,
tam
bern
é possIvel
acendé-lo
corn
relativa
seguranca.N
a
A
ntiguidade
m
uito
re
m
o
ta,
n
o
e
n
tan
to
,
a
m
aioria
das
so
ciedades
não
desfrutava
dessas
c
o
n
diçoes
ideais
para
fazerfogo.Este
era
guardado
e
preservado,
u
rn
pouco
co
m
o
a
cham
a
sagrada,que,
m
esm
o
nas
so
ciedades
m
odernas,
as
v
ezes
m
antem
os
acesa
em
m
em
ória,digam
os,de
n
o
sso
s
m
o
rtos
im
portantes
o
u
em
co
m
em
o
ração
ao
n
o
sso
“ideal
olim
pico”.
N
a
m
ajor
parte
do
n
o
sso
passado,
e
n
a
m
aioria
dos
lugares,
era
m
ais
fácil
e
m
ais
co
nfiável
m
a
nter
o
fogo
aceso
e
levá-lo
de
urn
lado
para
o
utro
do
que
tentar
acendê-lo
quando
fosse
preciso.A
lgum
aspessoas perderam
o
u
talvez
n
u
n
ca
tenham
tido
as
técnicas para
acendé-lo
—
o
u
talvez
sim
plesm
ente
co
n
siderassem
o
fogo
dem
asiado
sagrado
para
serfeito
por
elas.
D
izem
que
e
por
isso
que
algum
as
tribos
da
Tasm
ania,das
ilhasA
ndarnã
eda
N
ova
G
uiné
via-
jam
para
pedirfogo
aos
vizinhos
se
o
deles
se
extingue,
sem
tentar
c
o
m
e
c
a
r
u
r
n
n
o
v
o
fo
g
o
p
o
r
co
nta
própria.N
a
cerim
ônia
da
luz
da
Páscoa,
co
rn
aqual
co
m
eca
a
m
issade
VigIlia,
n
a
escu
ridao,
n
asigrejas
católicas
e
o
rto
doxas,
a
tradicao
cristã
preserva
u
m
a
m
em
ória
antiga
de
quão
grave
pode
serpara
u
m
a
so
ciedade
perder
o
fogo
e
terde
reacendé-lo
do
princ!pio.
M
as
m
esm
o
quando
existe
a
possibilidade
de
obter
o
fogo
sem
pre
que
se
queira,
não
é
assim
tao
fácil
aplicá-lo
ao
co
zim
ento
dos
alim
entos.
2
7
Tostados
pela
cham
a
viva,
su
spensos
sobre
a
fum
aça
o
u
assados
n
as
bra
sasde
u
m
afogueira,
alguns
alim
entospodem
ser
co
zidos
satisfatoriam
en
te.Este
e
urn
m
étodo
co
n
v
eniente
se
o
fogo
estiver
sendo
m
a
ntido
aceso
para
algum
o
utro
propósito:digam
os,
co
m
o
u
m
a
fogueira
de
alerta,
co
m
o
fonte
de
calor
o
u
para
m
anterpredadores
o
u
dem
ônios
a
distância.
E
m
bora
irnpossIvelquando
não
se
usa
co
m
bustIvel
sólido,
einconveniente
m
esm
o
n
a
co
zinha
m
oderna
m
ais
bern
equipada
e
corn
alta
tecnologia,
esse
e
urn
tipo
de
co
zim
ento
capaz
de
gerar
pratos
de
alta
sofisticaçao. 35
/
COMIDA:UMA
HISTORIA
A
INvENcA0
DA
CUUNARIA
37
has
fiquem
pretas
e
co
rn
ecern
a fum
egar.
2
8
Cozinhar
n
a
cham
a
vivapare
:e
fácil,
m
as
o
m
étodo
pode
se
tornar
m
ais
v
ersátil
corn
o
uso
de
pastas
e
vinha-d’alhos
para
co
ndicionar
os
alim
entos
antes
de
colocá-los
n
a
cha
n
a
o
u
regando-os
corn
licores
o
u
m
oihosbern
selecionados.Se
esta
foi
a
rim
eira
form
a
de
culinária,
ela
ainda
co
ntinua
sendo
u
rn
adas
m
ais
ape
:itosas
e
certam
ente
u
m
adas
m
ais praticadas.Um
a
tradiçao
inabalável
u
n
e
)
churrasquinho
suburbano
o
u
o
co
nforto
de
fazer
torradas
n
a
lareira
a
irnadas
co
m
ilancas
m
aisfam
osas da
literatura
o
cidental:
o
banquete
corn
qual N
estor,
o
co
cheiro, hom
enageou
A
tena
n
a
Odisséia.
o
m
achado
co
rtou
ostendöesdo
pescoco
da bezerra
e
ela
caiu.Corn isso,
as
m
uiheres
alçaram
seus gritos
com
em
orativos...Quando
o
sangue
escu
ro
tinhajorrado
e
a
vida
abandonado
o
corpo
da bezerra,
eles
rapidam
en
tedesm
em
braram
a
carcaça,cortando
os
ossosdas
coxas
com
ode
costum
e,
envolveram
-nos
em
cam
adasdegordura
e
colocaram
cam
e
crua
sobre
elas.
o
venerávelRei
as
queim
ou
na
lenha,borrifando
vinho
tiiito
sobre
as
chamas,enquanto
osjovensjuntavam-se a
volta,corngarfosde
cincopontas
nas
m
ãos.Quando
as
coxas
estavam
queim
adas
e
elesjá
tinharn
provado
das
partes
internas,
cortaram
o
resto
em
pedacos
pequenos,
colocararn
nos
em
espetos
e
seguraram
aspontas
destes
sobre
o
fogo
ate
que
tudo
estivesse
a
ssado.
2
9
o
entanto,
este
m
étodo,que,
su
speita-se, deve
ser
a
tecnologia
culinária
nais
prim
itiva,
tern
desvantagens
óbvias.Perm
ite
apenas
u
m
a
v
ariedade
ulinária
lim
itada;
n
ao
pode
resolver
o
problem
ade
alim
entosque
reque
em
fogo
lento;
exige
que
as
carcacas
sejarn
co
rtadas
cru
as,
corn
urn
gasto
esn
ecessário
de
en
ergia,
e
co
n
so
rn
e
u
m
a
grande
quantidade
de
co
m
bus
rye!.Além
disso,tern
co
n
otacoesinequlvocasde
selvageria, principalm
ente
e
a
cam
e
tiver
sido
co
rtada
de
u
rna
m
an
eira
rudim
entar
antesde
ser
as-
ida.Urn
italiano
que
visitou
os
pam
pas
em
1910
ficou
chocado
corn
a
a
n
eira
“totalm
ente
prim
itiva”
pela
qualOs gauchos
co
zinhavam
a
cam
e
inda
n
o
co
u
ro
,
“para
que
ela
co
n
serv
e
seus
sucos
sangrentos”,
e
a
c
o
iiam
co
rn
n
av
aihas,
sentados
em
troncos
de
árvores.
0
pedras
quentes.
3
1
Este
m
étodo
e
particularm
ente
eficiente
para
co
m
idas
que já
vêm
en
v
olvidas
em
coberturas
que
retêm
a
u
m
idade
e
nquanto
e
s
tao
sendo
atravessadas pelo
calor
—
m
oluscos
em
suas
co
n
chas, por
e
x
e
m
plo,
o
u
alguns
tipos
de
fruta
o
u
de
grãos
selvagens
em
cascas
grossas
o
u
co
rn
fibras
espessas. A
lternativarnente,
a
co
rnida
pode
ser
e
n
v
olta
em
fo
ihas,
co
rn
o
no
caso
do
co
zim
ento
corn
brasas. N
este
estilo
culinário, p0-
dem
-se
em
pilhar
as pedras para
en
v
olver
o
alim
ento
n
o
calor,
e
m
bora
isso
n
ao
signifique
que
as pedras quentes
tenham
o
m
esrn
o
re
sultado
das
bra
sas:
se
fizerem
pressão
sobre
a
co
m
ida,
seu
peso
pode
afetá-lo. Se
forem
criadas
cavidades
para
evitar isso,
estas
podern
form
ar bolsas
de
am
e
di
m
inuir
o
efeito
geral do
calor. O
s
m
étodos
co
m
provados pelo
tem
po
para
evitar
esses
problem
as
en
v
olvem
a
utilizacão
de
foihas
apropriadas,
c
a
pim
,
relva
o
u
peles de
anim
ais
co
m
o
cam
adas
superiores
isolantes. N
ão
é
difIcil para
urn
viajante
que
tenha
urn
espIrito
m
odestam
ente
a
v
e
ntureiro
en
co
ntrar
esse
estilo
de
culinária hoje. H
a
u
n
s poucos
an
o
s,
nas ilhas Cook,
H
ugo
D
unn-M
eynell
experim
entou
em
bruihos
de
m
andioca,
fruta-pão,
inham
e, polvo, batata-doce, leitão, bodião
e galinha
en
v
olvidos
e
m
foihas,
que
tinham
sido
deixados de
m
oiho
em
su
co
de
goiaba
e
c
o
zidos
em
pe
dras-pom
es
aquecidas
sobre
co
v
as
cobertas
de
paiha
de
co
co
.
A
lgum
as
fam
Ilias
u
sav
am
covas de
m
ais de
150
an
o
s. A
paiha
era
acesa
e
sfregando
se
pauzinhos de
bananeira
u
rn
n
o
o
u
tro
.
3
2
N
a
civilizacao
co
nternporânea,
o
u
pelo
m
en
o
s
ate
re
c
e
ntem
ente,
0
co
ntexto
m
ais provável para
se
experim
entar
u
m
a
vez
m
ais
a
c
ulinária das
pedras quentes
seria
a
m
ariscada
am
ericana
cham
ada
clam
bake. N
a
N
ova
Inglaterra,
no
fim
do
século
X
IX
e
co
rn
eço
do
século
X
X
,
as
m
ariscadas
cram
genuinarnente
co
m
u
nitárias
o
u
iniciativas
cIvicas, perpetuando
o
s
co
stum
es que
os prim
eiros
colonos
aprenderam
co
rn
o
s
Indios. 0
passeio
de
toda
a
populacao
da
cidade
representado
em
Carrossel, de
R
ogers
e
H
am
m
erstein,
o
nde
“aquela foi
seguram
ente
u
m
a boa
m
ariscacia”
e
o
s
m
a
drugadores
“realm
ente
se
divertiram
m
uito”,
co
n
segue
c
apturar
o
r
o
m
antism
o,
ingênuo
o
u
inocente,
co
rn
o
qual
essas
m
a
riscadas
são
relem
bradas. 0
m
esm
o
o
co
rre
co
rn
a
co
n
centracão
intensa
e
preocupa
cia
corn
a
o
u
al
os
co
m
en
sais
da
m
ariscada
se
debm
ucam
sobre
su
a
tarefa
38
-
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
A
INvENcA0
DA
CULINARIA
39
gravetos
e
algas.
Com
o
as
co
n
chas
dos
m
ariscos
abrem
corn
o
calor,
os
isolantes
superiores
tinham
de
ser
im
perm
eáveis,pois,do
co
ntrário,
os
su
co
s
n
aturaisdos
m
oluscos
ev
aporariam
,
corn
efeitosperniciosos
para
o
saborda
co
m
ida.
Urn
requinte
de
grande
im
portncia
na
história
da
culinária
sobre
pe
dras
quentes
foi
o
buraco
de
co
zirnento.Esta
n
o
vidade
exigiu
u
m
a
certa
engenl-iosidade
para
serinventada,
m
as
n
enhum
a
ferram
enta
—
a
n
ao
ser
algum
a
coisa
para
ajudar
a
cav
ar
—
para
ex
ecutá-la.Um
á
co
v
a
seca
pode
ser
aquecida
corn
pedras
para
criar
urn
forno.
Um
a
co
v
a
cav
ada
abaixo
do
lençolfreático,
aquecida
da
m
esm
a
m
an
eira,pode
servirpara
ferver
ou
escaldar
alim
entos.Isso
representou
u
m
ainovaçao
de
en
o
rm
e
im
portân
cia
—
que
n
u
n
ca
foi
superada
porqualquero
utra
inovaçao
técnica
subse
qüente
n
a
histórja
da
culinárja
ate
n
o
sso
sdias;
eta
facilitou
a
fervura,
urn
n
o
v
o
m
étodo
de
co
zinhar
o
u
,pelo
m
en
o
s,
urn
rnétodo
do
qual
antes
so
se
podia
aproxim
ar
u
sando
u
m
a
tripa
o
u
u
m
a
pete
cheia
de
água
su
spensa
sobre
o
fogo,que
atuava
co
m
o
u
rnapanda.Exem
plos
tardios,
m
as
repre
sentativos,foram
descobertos
naIrlanda,
em
Ballyvourney,Cork,
em
1952.
Urn
buraco
tinha
sido
aberto
em
u
m
a
turfeira
n
o
segundo
m
ilnio
antes
de
Cristo
e
forrado
corn
m
adeira,
o
nde
o
lençolfreático
era
suficiente
m
ente
alto
para
m
anter
agua
sem
que
esta
se
infiltrasse.N
asproxim
ida
des,
tinha
sido
co
n
struldo
urn
forno
em
solo
seco
em
pilhado
cav
ando-se
urn
buraco
e
forrando-o
corn
pedras.
3
3
Existem
pelo
m
en
o
s
quatro
m
it
lugares
co
rn
o
esse
sO
na
Irlanda.
3
4
Experim
entoslevados
a
cabo
nosprOprios
locaisdem
onstraram
que
pedaçosgrandesde
cam
e
podiam
ser
co
zidos
s
a
tisfatoriam
ente
em
u
m
as
poucas
horas
se
aspedras
quentes
fossem
substi
tuldas
de
rn
odo
regular
sob
u
m
a
tam
pa
de
relva.Corn
esse
m
étodo,perto
de
setenta
galoes
de
água
podiam
chegar
ao
ponto
de
fervura
em
cerca
de
m
eia
hora.Em
solosde
argila,
o
forro
interiorda
co
v
a
n
o
rm
alm
ente
c
o
zi
nhava,
transform
ando.se
em
cerârnica
e
fazendo
corn
que
as
paredes
do
Porno
ficassem
irnperm
eáveis
o
suficiente
paraque
fossepossfveljogarágua
nas
covas
o
nde
essa
não
o
co
rrja
n
aturalm
ente.D
e
o
utro
m
odo,
o
interior
le
qualquer
cova
podia
serforrado
corn
argila
equeim
ado
ate
endurecer.
A
lirnenros
co
zidos
em
co
v
as
não
s
o
en
co
ntrados
corn
fc
Id
d
e
cub
X
X
, Jam
es
H
.Cook
sentia
urn
prazer
especial
em
desfrutar
u
m
a
c
a
beça de
porco
“n
o
estilo
Indio”:
enterrada
em
carvão
aceso
durante
várias
horas
em
u
m
a
covade
u
n
s
n
o
v
enta
centim
etros de
profundidade. Ela
“saIa
do
buraco
parecendo
urn
pedaço
de
carvão,
m
as
o
sabor
tinha
u
rn
apelo
especial para
aquelesgastronornos do
m
ato
que
n
o
rm
alm
ente
se
banque
teavam
corn
ela”.
3
5
Covas para
co
zinhar
ainda
são
preferidaspor
c
o
zinhei
ros
tradicionais
em
bocalidades
ru
rais
em
m
uitas
areasdo
PacIfico
e partes
do
o
cean
o
fndico. E
preciso
adm
itir,
n
o
entanto, que
a
civilizaçao
tende
a
abandoná-las. Sua grande
desvantagem
é
que, a
ex
ceção
de
alguns
pratos
pequenos
o
u
sim
ples, que
exigern
pouco
calor,
na
m
aioria
dos
caso
s
é
n
e
cessário
—
m
esm
o
para
o
co
zim
ento
scm
água
—
acender
u
m
a
fogueira
fora
da
co
v
a
e
aquecé-la
transferindo
pedras
quentes
para
cia. N
o
e
n
tan
to,
u
rn
efeito
sem
eihante
o
u
idêntico
ao
de
co
zinhar
em
co
v
as
pode
ser
obtido
u
sando-se
o
forno
de
argila
n
o
rm
alm
ente
charnado
de
tandoor,
o
u
urn
n
o
m
e
sem
elhante,
na
fndia
e
n
o
O
riente
M
édio. A
co
zinha
tandoori
certam
ente é
urna
evoluçao
do
co
zim
ento
em
covas. Em
essência,
o
tandoor
é
u
rn
a
co
v
apara
co
zinhar,
m
as
acim
a
do
chão.0
fogo
e
aceso
dentro
dela:
a
abertura
n
a
parte
superior
tern
de
ser
am
pla
o
bastante
para
m
a
nter
o
fogo
alim
entado
corn
o
xigênio,
m
as
estreita
o
suficiente
para
ser
c
o
n
v
e
ni
eritem
ente
selada
co
m
u
m
a
tam
pa
pesada
sern
m
uita
perda
de
tem
peratu
ra
quando
se
perm
itir
que
o
fogo
apague.
Enquanto
a
e
strutura
e
stá
esquentando,é
possIvel bater pedacos
de
m
assa
co
ntra
as
paredes
e
x
ter
n
as
para
fazer pao. D
epois que
o
fogo
se
apaga,
as
propriedades
que
aju
dam
o
forno
a
m
anter
o
calor
fazem
co
rn
que
seja
possivel
usa-b
para
assar
cam
e, peixe
e’legum
es
o
u
preparar
en
sopadinhos.
Todas
essas
tecnologias
—
co
zirnento
co
m
brasas,
co
rn
charnas
vivas
o
u
co
rn
pedras
aquecidas
em
co
v
as
o
u
em
foguciras
—
c
e
rtam
ente
são
anterioresaoutensulios de
co
zinha
especializados. Em
bora
as
co
n
chas
pos
sam
ter
servido
co
m
o
rescaldeiros
n
a
A
ntiguidade, ha
poucos
lugares
n
o
m
u
ndo
corn
co
n
chas grandes
o
suficiente
para
co
zinhar de
m
an
eira
eficien
te.A
penas
as
carapacas
de
tartarugas
o
u
anim
ais
sern
elhantes
podem
ter
substituIdo
o
recipiente
rn
an
ufaturado.
E,
n
o
entanto,
alega-se
que
o
c
rcinientes
—
m
esm
o
os
taihados
em
m
adeira
—
são
invencO
es
relati
F
N/
/
40
COM
IDA:
UM
A
HISTORIA
u
m
a
tecnologia
m
ais
sim
plesdedom
inar
e
se
os
tipos
apropriadosdeplanta
estão
disponIveis,
podem
ser
produzidos
recipientes
totalm
ente
im
per
m
e
v
eis,
tais
co
m
o
osque
ainda
estão
em
uso
entre
ospovosdo
n
o
ro
este
am
ericano.Um
a
explicaçao
levantada
corn
frequencia
para
ainvençaodos
recipientes
de
cerâm
ica
na
A
ntiguidade
rem
ota
é
que
os
vasos
de
vim
e
foram
cobertos
corn
u
m
a
cam
ada
de
argila
para
isolá-los
e
perm
itirque
fossem
su
spensos
sobre
o
fogo.
Por
causada
n
aturezaperecIveldas
cesras,éim
possIvel
estabelecer
u
m
a
data
para
a
o
rigem
do
co
zim
ento
em
recipientes
m
an
ufaturados.
Urna
opção
m
ais
sim
ples,
no
entanto,foiposta
em
prática
antes
disso:
en
cherl
peles,
tripas,ãm
nios
ou
estâm
agos
de
anim
als
corn
água
para
utilizá-los
co
m
o
recipientes.
A
pele
da
m
aioria
das
espécies
tern
u
m
a
utilidade
restrita
co
m
o
irnperm
eabjljzante
e
m
uitas
vezesé
m
ais
valiosa
se
for
reti
rada
da
carcaça
antesde
esta
ser
co
zida
edepoisfor
cu
rtida
para
a
produ
çao
de
ro
upas,
bolsas
e
toldos.
Os
órgãos
internos,
no
entanto,
são
os
recipientes
de
co
zinha
da
n
atureza
—
co
nfiavelm
ente
im
perm
eáveis
e
bastante
elásticos,
na
m
ajorparte
dos
quadrilpedes,para
co
nter
todas
as
o
utras
partes
co
rn
estiveis
do
anirnal
e
m
ais
ainda.
Com
o
o
espaço
pode
ser
co
m
pletado
corn
água,
eles
podern
funcionar
co
m
o
recipientes
para
fervura
e
se,digam
os,
urn
pequeno
intestino
e
recheado
e
colocado
dentro
de
urn
o
utro
m
ajor
—
podem
ser
m
uito
citeis
para
banho-m
aria,
co
ntanto
que
o
co
zinheiro
tenha
algum
rnétodo
para
protege-los
dosda
nos
cau
sadospelo
calordireto
excessivo.N
osdiasdehoje,
resquIciosdesses
prirneiros
estilos
culinárjospodem
ser
en
co
ntrados
ate
rnesm
o
nas
co
zi
nhas
m
ais
sofisticadas.As
m
eihores
salsichas
são
produzidas
recheando
se
tripas
eintestinosde
anim
als.Nenhurna
m
orcelaque
sepreze
vem
dentro
de
qualquer
o
utra
coisa
que
nao
seja
urn
pedaço
de
intestino.Em
m
uitas
:
sobrem
esas,
u
sam
o
s
urn
pedaco
de
m
u
sselina(para
m
anter
osingredien
tesjuntos
enquanto
estão
cozinhando)
para
realizar
a
tarefa
de
proteção
externa
que
urn
estôm
ago
ou
bexigade
anim
alfornecia
antigarnente.Pra
tospreparados
cm
sacos
orgânicos
são
um
a
m
aneirade
conservar
o
s
m
iii-
dos
ou
—
em
pratos
sem
elbantes
—
o
s
a
n
g
u
e
que
pereccria
corn
rapidez
se
nao
fosse
cozido.Por
essa
razão
eles
em
geral
ocorrern
na
cozinha
de
pastores
nôm
ades.0
haggis,
o
ilder
“dessa
raça
de
pratos”,é
urn
ex
em
plo
facilm
ente
en
co
ntrado
hoje
em
todas
as
regiöes
atingidas
pela
diaspora
A
IN
vEN
cA
0
DA
CULINARIA
4’
escocesa.A
receita
n
ao
chega
a
ev
o
car
u
rn
a
época
prim
itiva
porque
exige
u
m
a
boa
adicão
de
aveia,que
é
urn
alirnento
do
cultivador
sedentário.
M
as
os
o
utros
ingredientes
—
pulm
öes,fIgado
e
co
raçao
picados
—
são
caracterIsticos.N
a
co
m
ida
m
ais
tIpica
do
pastor,
o
sangue
e
a gordura
p
o
dem
en
cher
as
cavidades,que,
no
caso
do
haggis,
são
recheadas
co
rn
fan
nha
de
aveia.
Corno
a
vida
nôm
ade
se
co
m
plicania
co
rn
batteriesde
cuisine,e,por
tanto,
entre
os
nôm
ades
que
esperam
os
en
co
ntrar
ex
em
plos
duradouros
da
utilizacao
daspartesinternas
dos
anim
ais
co
m
o
recipientes
culinários.
N
a
co
zinha
nôm
ade,
as
panelas
m
an
ufaturadas
n
u
n
ca
co
n
seguirarn
subs
tituir
totairnente
seus
antecessores
prim
itivos,
em
bora
Os
nôm
ades
pare
cam
apreciar
recipientesde
m
etal,desde
que
estespossarn
ser transportados
corn
facilidade:
a
v
ariedade
culinária
é,
corn
lim
ites,
u
m
a
form
a
de
luxo
apreciada
quase
u
niversalm
ente
e,de
qualquer
form
a,
u
m
a
panela
e
u
rn
recipiente
co
n
v
eniente
para
co
zinhar
u
rn
a
tripa
o
u
u
rn
estôm
ago
re
chea
dos.Os
povos
turcos
tern
u
m
a
estranha
v
ariedade
de
utensflios
de
c
o
zi
nha:
oqazan, por
ex
em
plo,quc
literalm
ente
significa
“objeto
escav
ado”,
e
urn
recipiente
am
plo
de
lata
que
possuipés
e
pode
ser
atado
a
u
rn
c
a
v
a
lo.O
s
turcos
tam
bém
co
n
siderarn
indispensável
carregar
u
m
a
grade
para
co
zinharbolinhosde
m
assa
ao
v
apor
sobre
u
rn
a
fogueira.0
antigo
u
so
de
escudos
co
m
o
bandejas
culináriaséperpetuado
n
o
prato
raso
sem
elhante
a
urn
escudo,
co
nhecido
co
m
o
saj.A
lança
pode
se
transforrnar
em
u
rn
garfo
para
preparar
torradas.
Ern
algum
as
culturas,
e
tentador
im
aginar
que
abrochete
foi
u
rna
ev
olução
do
u
so
de
pedacos
de
pau
co
rn
o
espetos.
N
a
rn
aiorparte
das
estepes
eu
rasianas
n
ao
existem
árvores
e, portanto,
os
gravetos
são
çoisas
raras
e
valiosas.E
bastante
provávelque,
n
a
A
ntigui
dade,
o
shish
kebab
—
aquele
presente
u
niversalque
n
o
s
foi legado
pela
co
zinha
da
Asia
Central
—
fosse
co
zido
em
u
rn
punhal.
3’
N
os
banquetes
m
ais
form
ais,
n
o
entanto,
a
m
ajor
parte
dos
povos
n
o
rm
alm
ente
com
e
seus pratos
rnais
tradicionais,
e
entre
os
nôrnades
das
estepes
isso
significa
v
oltar
a
culinária
feita
em
peles,
estôm
agos
e
tripas
de
anirnais.Sharon
H
udgins
escrev
eu
alguns
dos
relatos
m
ais
vIvidos
s
o
bre
expcriênciasde
refeicOes
nas
estepes.Em
1994,
cm
urn
banquete
buriat,
servirarn-ihe
a
cabeca
de
urn
carn
eiro
n
o
co
u
ro
,
a
Ia
ainda
intata.
Feliz
m
ente
n
ao
exigiram
que
seu
m
arido
cantasse
a
canção
da
cabeca
de
car-
A
IN
V
EN
cA
O
DA
CU
LIN
A
RIA
43
42
CO
M
ID
A
:
U
M
A
H
ISTORIA
n
eiro
—
u
rn
a
relIquia
do
ritual propiciatório
que
parece
inseparável das
refeiçoes
form
ais
n
a
m
aioria
das
tradiçOes.Copos
de
vinho
eram
derra
m
ados
e pedacos
de
gordura jogados
no
fogo.Osbrindes,que
os buriats
gostam
de
fazer
corn
u
m
a
bebida
de
cereais
im
portada
de
seus
vizinhos
sedentários,
erarn
aco
m
panhadas
dë
cançöes.
0
prato
seguinte
foi
urn
estôm
ago
de
carn
eiro
cheio
de
leite
de
vaca,
sangue
de
carn
eiro,
aiho
e
cebolinha,
atado
corn
tripas.
Todos
os buriats
ao
redor da
m
esa
esperavarn
corn
ansiedade
que
eu
c
o
rnesse
o prim
eiro
pedaco. M
as
eu
não
sabiapor
onde
com
ecar.Finalm
en
te
nossa
anfitriã
debruçou-se
sobre
mirn
e
cortou
a
parte
superior
do
estôm
ago
do
animal.0
conteüdo
não
estava
totalm
ente
cozido,
e
o
san
gue
esguichou
no
m
euprato.
Corn
um
a
coiher
de
sopa,
ela
raspou
urn
pouco
daquela
m
assa
sem
icoagulada
e
m
epassou
a
coiher.(...) Os
outros
cOnvidados
esperavam
que
eu
fizesse
o
proxim
o
gesto.De
repente
tive
um
a
inspiração:
passar
o
prato
adiante. Era
exatarnente
isso
o
que
eles
queriam
.
3
7
Irracionalm
ente,
algunspratosque
envolvern
rechear intestinos
ainda
tern
urn
certo
prestIgio
na
gastronom
ia
o
cidental,
enquanto
os
doces
cozidos
em
estom
agos
são
co
n
siderados
inapropriados
para
os gourm
ets
—
pra
tos
rüsticos
que
dem
onstram
sua
o
rigern
prim
itiva.
Em
algum
as
versöes
de
andouilles
e
andouillettes,
o
intestino
grosso
de
urn
porco
é
recheado
principalm
ente
co
rn
pedacinhos
do
intestino
delgado,
sem
que
seja
sacrificada
sua
autenticidade.Boudins blancs
são
tira-gostos
m
uito
finos.
E
possfvel
que
urn
gourm
et
se
delicie
corn
urna
m
o
rcela
que
se
derrete,
m
as,
ao
m
esm
o
tem
po,
ache
que
o
intestino
de
urn
bode
—
corno
aquele
assado
e
recheado
corn
sangue
e
gordura
corn
que
Ulisses
foi prerniado
por
sua
pericia
n
a
luta
co
rpo
a
co
rpo
—
seja
algo
obsceno.
3
2
Levi-Strauss
estava
certo
quando
supos
que
a
fervura
“exige
o
uso
de
urn
receptáculo,
urn
objeto
c
ultural”,
3
9
já
que
apele
ou
tripa
u
sada
corno
recipiente
para
afervura
na
v
erdade
foitransform
ada
em
urn
artefato
pela
im
aginaçao
hum
ana
e
urna
cova
para
fervura
e
u
m
a
invenção
co
m
plica
da,que
precisa
ser
escav
ada
e forrada. N
o
entanto,
se
u
sarm
o
s
esse
a
rgu
m
ento,
os
vários
tipos
de
espeto
e
ate
m
esm
o
o
fogo
aceso
tarnbérn
são
objetos
culturais
e,
n
a
o

Continue navegando