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PRINCÍPIOS PROCESSUAIS FORA DO PROCESSO Revista de Processo | vol. 147 | p. 307 | Mai / 2007 Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 1 | p. 323 | Out / 2011 DTR\2007\325 Ada Pellegrini Grinover Professora Titular da Faculdade de Direito da USP. Área do Direito: Civil Sumário: - 1.Exercício do poder e garantia do contraditório - 2.Contraditório e direito à prova - 3.A observância do contraditório pelo órgão que preside a produção da prova: exame da ilicitude da prova - 4.Entidades que integram o sistema nacional de defesa do consumidor: identificação de exercício de poder e submissão à exigência constitucional do contraditório (e respectivos desdobramentos) - 5.O exame da situação retratada na consulta - IV. Respostas aos quesitos I. A consulta Honram-me os ilustres advogados Drs. Cássia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira e Paulo Nicolellis Jr. encaminhando consulta, acompanhada de documentos, com pedido de parecer em nome de ABIA - Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação. Relata a Consulente que a Associação de Defesa do Consumidor - Pro Teste, organização não-governamental sediada no Rio de Janeiro, realizou em junho de 2006 "testes comparativos" com 30 marcas de molhos de tomate existentes no mercado, tendo efetuado, para tanto, a aquisição de amostras de cada uma das referidas marcas em supermercados, bem como submetido tais amostras a exames laboratoriais, sem que, por outro lado, os respectivos fabricantes das marcas de molho de tomate fossem previamente informados da realização dos aludidos "testes comparativos", das datas e locais em que as amostras seriam colhidas, dos nomes dos laboratórios aos quais tais amostras seriam encaminhadas, do número identificador dos lotes cujas amostras foram coletadas, da possibilidade ou não de acompanhamento - por assistentes técnicos nomeados pelos fabricantes - dos procedimentos de coleta e de análise das amostras coletadas ou de obtenção de amostras do mesmo lote para a realização paralela de contraprova e da possibilidade ou não de apresentação de defesa e de contraprova. Tais circunstâncias, de acordo com a Consulente, estariam em desconformidade com a legislação específica que regula a matéria (art. 33 do Dec.-lei 986/1969, art. 27 da Lei 6.437/1977 e art. 5.4 da Res. RDC 12/2001 da Anvisa), que exigem, para a coleta de amostras de produtos alimentícios com a finalidade de inspeção: (i) a arrecadação de 3 amostras representativas de cada produto a ser analisado; (ii) a entrega de uma das amostras ao respectivo fabricante para viabilização de produção de futura contraprova; (iii) a lacração das amostras na presença do fabricante ou de quem o represente; (iv) a remessa de cópia do laudo técnico com os resultados da análise ao fabricante; e (v) a possibilidade expressa de apresentação de defesa e de recurso à autoridade administrativa, bem como de solicitação da realização de contraprova. Além disso, segundo a Consulente, encerrados os referidos testes, os fabricantes também não foram cientificados dos resultados das análises e do inteiro teor dos laudos técnicos lavrados, tendo a Pro Teste se limitado a encaminhar, em 29.06.2006, correspondência na qual se transmitiu breve síntese do laudo laboratorial produzido para cada amostra analisada, concedendo-se naquela ocasião prazo de uma semana para eventual interesse dos fabricantes das marcas envolvidas em se pronunciar sobre os resultados informados. Contudo, aduz a Consulente que o prazo concedido para manifestação restou não observado, uma vez que - além de haver ignorado a circunstância de que a realização, pelos fabricantes, de eventual contraprova em laboratórios credenciados pela Anvisa demandaria período de tempo de 25 a 30 dias - a Pro Teste: (i) em 28.06.2006 aforou diversas ações judiciais em face de empresas que fabricam e comercializam os produtos submetidos ao "teste comparativo"; (ii) em 29.07.2006 publicou o resultado dos testes em periódico mensal intitulado "Pro Teste"; (iii) nas primeiras semanas de julho Princípios processuais fora do processo Página 1 de 2006 veiculou notícias sobre os resultados dos testes pela imprensa e pela internet. Dessa maneira, alega a Consulente que as empresas fabricantes das marcas submetidas aos "testes comparativos" promovidos pela Pro Teste não tiveram a oportunidade de participar das análises, de se manifestar sobre os resultados apurados, de confirmar a autenticidade das amostras e dos procedimentos técnicos adequados na realização dos testes e nem mesmo de ter pleno conhecimento dos testes realizados para que se lhe possibilitasse contra prova, em contraditório posterior. Sujeitaram-se elas imediatamente à inegável repercussão dos resultados na mídia, foram compelidas a aforar medidas judiciais contra a Pro Teste com a finalidade de obstar à já iniciada divulgação dos testes e, recentemente, ainda foram notificadas pela Anvisa para prestar esclarecimentos relativos à qualidade do processo de fabricação de seus produtos e às medidas adotadas em relação às questões apontadas pela Pro Teste nos testes por ela efetuados. Assim sumariamente relatada a questão, a Consulente formula os quesitos que seguem, que versam sobre as questões processuais postas nos autos. II. Quesitos 1 - Qual a atribuição (competência legal) conferida às entidades privadas de defesa do consumidor, como é o caso da Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor? Elas integram o Sistema de Defesa do Consumidor e se submetem às regras do Dec.-lei 986/69 e da Lei 6.437/77? 2 - É correto afirmar que os testes realizados pela Pro Teste - principalmente análises microbiológicas de alimentos por laboratórios - que possam apontar eventual desconformidade dos produtos com a legislação ou com as normas da Anvisa - deverão obedecer ao devido processo legal, ao contraditório - inclusive o contraditório técnico - e à ampla defesa, notadamente em relação aos procedimentos estabelecidos pelo Dec.-lei 986/69 e pelas normas-padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)? 3 - Em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, é correto afirmar que os procedimentos de testes conduzidos sem a obediência ao devido processo legal e sem possibilitar o contraditório e a ampla defesa, bem como os resultados obtidos seriam técnica e juridicamente questionáveis, configurando resultados nulos e prova ilícita e inadmissível? 4 - A divulgação pública de resultados de testes conduzidos em afronta aos princípios constitucionais acima mencionados, antes de as empresas se manifestarem e possam contrariar tais resultados, configura atitude temerária, negligente e imprudente da Pro Teste? Bem examinada a questão, inclusive pelos documentos que a instruem, passo a proferir meu parecer. III. Parecer 1. Exercício do poder e garantia do contraditório Um primeiro tema a ser enfrentado para que se dê adequada resposta às indagações da Consulente diz com a relação que existe, de um lado, entre a garantia constitucional do contraditório - que integra a cláusula do devido processo legal - e o exercício do poder, em suas diferentes expressões e, portanto, não apenas estatais, de outro lado. Consoante autorizadas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, tomado o poder em sua acepção mais ampla e vaga, ele "é a capacidade de produzir os efeitos pretendidos (ou simplesmente de alterar a probabilidade de obter esses efeitos), seja sobre a matéria ou sobre as pessoas". A nação, vista como realidade social, disse aquele processualista, "dispõe de meios integrados para a consecução de seus objetivos, sintetizados no bem comum. Todas as instituições sociais (família, grupos religiosos, culturais ou recreativos) econômicas (empresa, sindicatos) ou mesmo políticas despregadas da estrutura estatal (partidos políticos) constituem pólos de poder e, na sua esfera, reputam-se responsáveis pela promoção do bem comum, de tal maneira que "o poder nacional encontra-se'disseminado' por todas as moléculas da sociedade"1 (grifamos). Princípios processuais fora do processo Página 2 Ainda na lição de Dinamarco, "Mede-se o poder nacional pela expressão somada de todos esses aspectos setoriais, sabendo-se que existem muitas e variadas fontes de poder". A noção de poder pode ser traduzida na "capacidade de decidir imperativamente e impor decisões", na qual está presente uma "implícita alusão ao elemento sanção"2 (grifei). E é precisamente nesse contexto que se insere a garantia de participação dos destinatários dos atos de poder, como elemento a lhes conferir legitimidade, mais do que simples legalidade. Ainda nas palavras de Dinamarco, "Sabe-se que no Estado-de-direito tem-se por indispensável fator legitimante das decisões in fieri a participação dos seus futuros destinatários, a que se assegura a observância do procedimento adequado e capaz de oferecer-lhes reais oportunidades de influir efetivamente e de modo equilibrado no teor do ato imperativo que virá. Tal é o primeiro significado da exigência democrática do contraditório; e trata-se de postulado que invade todo e qualquer processo, por força de suprema garantia constitucional (não somente o de jurisdição)". A exigência do contraditório "constitui conseqüência de tratar-se de procedimentos celebrados em preparação a algum provimento, qualquer que seja a natureza deste; provimento é ato de poder, imperativo por natureza e destinação, donde a necessária legitimação mediante o procedimento participativo"3 (grifei). Como já afirmei em sede doutrinária, o contraditório se desdobra em dois momentos: a informação e a possibilidade de reação".4 Ainda anotei ser "Clássico, entre nós, o conceito de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, no sentido de constituir o contraditório expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariá-los", lembrando que, na Itália, La China também viu no contraditório, de um lado, "a necessária informação às partes e, de outro, a possível reação aos atos desfavoráveis. Informação necessária, reação possível"5 (grifei). Segundo Nelson Nery Junior, "Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis"6 (grifei). Nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, impõe-se que o contraditório opere "não apenas formalmente, mas substancialmente", isto é, que sejam levadas em conta as possibilidades que cada parte terá, in concreto, de exercer os direitos inerentes ao contraditório, e que ao juiz se impõe assegurar, na realização dos atos instrutórios, as condições mais favoráveis, em princípio, à participação eficaz dos litigantes"7 (grifei). Posta nesses termos (e considerando ainda apenas o âmbito estatal), tem-se que a garantia do contraditório é exigida não apenas para legitimar as decisões de cunho jurisdicional, mas também aquelas proferidas em sede administrativa. Conforme já dissemos, "As garantias do contraditório e da ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, passa o processo penal e para o não-penal; b) no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as pessoas objeto da acusação; c) no processo administrativo sempre que haja litigantes"8 (grifei). No campo administrativo, dá-se grande ênfase à concepção da "processualidade", seja para transpor para a atuação administrativa os princípios do 'devido processo legal', seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da administração. Assim, "o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à concepção dos arcana imperii dominantes nos governos absolutos e lembrados por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder". Assim, "entre as linhas fundamentais dos procedimentos administrativos, contém-se "a) a publicidade dos procedimentos; b) o direito de acesso aos autos administrativos; c) a condenação do silêncio, com sanções aos responsáveis; d) a obrigação de motivar; e) a obrigatoriedade de contraditório, e defesa na formação de atos puntuais restritivos de direitos e de atos compositores de conflitos de interesses"9 (grifei). A propósito, Odete Medauar também observou que, no âmbito administrativo, vigora o direito à "informação geral", isto é, "direito de obter conhecimento adequado dos fatos que estão na base da formação do processo, e de todos os demais fatos, dados, documentos e provas que vierem à luz no curso do processo. Daí resultam as exigências impostas à Administração no tocante à comunicação aos sujeitos de elementos do processo em todos os seus momentos. Como é evidente, a comunicação deve abranger todos os integrantes da relação processual administrativa. Vincula-se, igualmente à informação ampla, o direito de acesso a documentos que a Administração detém ou a Princípios processuais fora do processo Página 3 documentos juntados por sujeitos contrapostos. E a vedação ao uso de elementos que não constam do expediente formal, porque deles não tiveram ciência prévia os sujeitos, tornando-se impossível eventual reação a tais elementos"10 (grifei). Segundo referida jurista, "Sob o ângulo técnico, evidencia-se a finalidade instrutória, de busca da verdade, de conhecimento mais preciso dos fatos, de coleta de informações para a decisão correta. O confronto entre a autoridade administrativa e as partes envolvidas no processo contribui para fornecer ao órgão chamado a decidir um panorama completo da situação de fato, de direito e dos interesses envolvidos, de modo que a decisão poderá ser mais ponderada e mais aderente à realidade". Assim, prossegue, "No perfil colaborativo, sobressai o objetivo de propiciar a impessoalidade, pela igual oportunidade, dada aos sujeitos entre si, e a sujeitos ante a Administração, de apresentar alegações, provas, pontos de vista, etc. Expostos, às claras, todos os elementos de uma situação, torna-se mais fácil a tomada de decisões objetivas, sem conotações pessoais; caso estas predominem, o cotejo dos dados expostos permitirá que sejam detectadas com mais nitidez". E mais: "Com isso se amplia a transparência administrativa. O contraditório não pode realizar-se em regime de 'despotismo administrativo' que pressupõe e impõe o segredo de ofício. Daí estar o contraditório vinculado à exigência de democracia administrativa, sob o ângulo da visibilidade dos momentos que antecederam à decisão."11 (grifei) Mas, se é certo, como acima indicado, que o exercício do poder não se limita ao Estado (Judiciário ou Administração), na medida em que também outras "moléculas da sociedade" têm aquela capacidade de editar decisões que repercutem na esfera jurídica de outras pessoas, então é rigorosamente certo que a garantia do contraditório há que ser exercida e observada igualmente fora dos limites estatais, sempre que se tratar de ato que, de direito ou mesmo de fato, se imponha a certas pessoas, com aptidão a interferir em sua esfera jurídica ou patrimonial. É que, como já dissemos, "A garantia do contraditório não tem apenas como objetivo a defesa entendida em sentido negativo - como oposição ou resistência -, mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva, como 'influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado' de um dado processo"12 (grifei). Em reforço disso, lembrem-se as aqui palavras de Jessé Torres Pereira Júnior, o conceito dos "acusados em geral", aludida pela Constituição (art. 5.º, LV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), "não está associado ao processo e é referido de modo indeterminado". O que se quer é "pôr o cidadão a recato também quando defrontadocom o arbítrio de outras instâncias de poder, cujos atos sejam dotados de cogência suficiente para submetê-los unilateralmente a seus desígnios"13 (grifei). Considerações análogas foram feitas por Ivani Contini Bramente, para quem "O direito a defesa não é mais restrito ao processo judicial em geral, mas, também, é aplicável ao processo administrativo em geral, alcunhado de processo administrativo inominado; ao processo administrativo disciplinar; e ainda, a qualquer procedimento no âmbito particular estatutário ou contratual de que resulte uma instância decisória que venha, de qualquer modo, imiscuir-se na esfera jurídica da pessoa".14 Nas relações estatutárias, na seara do Direito Privado, prosseguiu referida autora, "também há campo para a operatividade do direito constitucional a defesa, já que as relações dessa índole resultam nas chamadas normas estatutárias". Como lembra, "Trata-se da aplicação do pensamento doutrinário germânico, conhecido por Drittwirkung - que significa a eficácia dos direitos fundamentais frente a terceiros - incluído aí a incidência imediata do princípio constitucional do direito de defesa sobre o direito privado. Este direcionamento eficacial adquire um alcance decisivo, seja como garantia da afirmação e da subsistência dos direitos constitucionais fundamentais, seja como impulsora do seu desenvolvimento". E mais: "Posto isso, não se descarta, antes confirma, a existência de uma modalidade de processo não estatal e não jurisdicional, no qual é perfeitamente possível a imposição de reprimendas, devendo, nesse caso, imperar a observância direta e imediata dos direitos fundamentais constitucionais em tais relações, incluído o direito a defesa, sob pena de nulidade do ato. Concluindo o presente enfoque, o princípio do contraditório e da ampla defesa decorre do princípio jurídico, cujo conceito retrata a garantia da bilateralidade da audiência, abrangente, não só das relações do processo penal, civil, administrativo, mas, inclusive, das relações estatutárias de direito privado com estrutura de processo decisório."15 (grifei.) Princípios processuais fora do processo Página 4 2. Contraditório e direito à prova Conforme indicado no tópico precedente, as garantias da defesa e do contraditório estão à base da regularidade do processo - e da justiça das decisões que, mesmo fora do âmbito propriamente estatal, possam de alguma forma impor gravames ou repercussão relevante na esfera jurídica e patrimonial das pessoas, destinatários dos atos de poder. Como disse Antonio Magalhães Gomes Filho, é justamente o antagonismo entre as falas dos interessados no provimento final (contra dicere) que garante a imparcialidade de quem decide, donde surgir o contraditório como "uma espécie de direito natural". Sem que o diálogo entre as partes anteceda o ato de poder, disse Magalhães, "a decisão corre o risco de ser unilateral, ilegítima e injusta; poderá ser um ato de autoridade, jamais de verdadeira justiça"16 (grifei). Nesse contexto é que se insere o direito à prova que, à evidência, nada mais é do que uma resultante do contraditório. A esse propósito, já tive a oportunidade de escrever: "Não pode ficar imune a tais garantias o direito à prova, que nada mais é do que uma resultante do contraditório: o direito de contradizer provando. E assim como o contraditório representa o momento da verificação concreta e da síntese dos valores expressos pelo sistema de garantias constitucionais, o modelo processual informado nos princípios inspiradores da Constituição não pode abrir mão de um procedimento probatório que se desenvolva no pleno respeito do contraditório"17 (grifei). Na relação entre contraditório e prova, aquele emerge como verdadeira condição de eficácia desta. Conforme já tive a oportunidade de assinalar, tanto será viciada a prova colhida sem a presença do juiz, quanto aquela colhida sem a presença das partes. Daí, inclusive, poder afirmar-se que, ao menos em princípio, não têm eficácia probatória os elementos informativos se a respectiva colheita não contar com a possibilidade real e efetiva de participação dos interessados, em relação aos quais se pretende editar provimento de caráter vinculante e cuja esfera jurídica possa vir a ser atingida.18 Tomo a liberdade de voltar a invocar minha anterior manifestação: "E é importante salientar que o princípio da ineficácia das provas que não sejam colhidas em contraditório não significa apenas que a parte possa defender-se em relação às provas contra ela apresentadas: exige-se, isso sim, que seja posta em condições de participar, assistindo à produção das mesmas enquanto ela se desenvolve."19 (grifei.) Nessa mesma linha, já tive oportunidade de destacar a relevância do contraditório, "entendido como participação das partes no momento da produção das provas. Trata-se, agora, das atividades dirigidas à constituição do material probatório que vai ser utilizado pelo órgão jurisdicional na formação de seu convencimento". Lembramos, então, que a relevância de tais atividades tem sido posta em destaque pela doutrina universal, de que é ilustração o pensamento de Franco Cordero segundo quem "il contraddittorio (seriamente inteso come participazione dei contendenti alla formazione delle prove) è condizione di ogni atto di formazione della prova porque non sono prove quelle formate fuori del contraddittorio" (grifei). Ou, ainda, a lição de Luigi Paolo Comoglio, para quem "L'accertamento e la valutazione dei fatti dedotti in giudizio a fondamento di una pretesa devono scaturire dal contraddittorio dinanzi all'organo giudicante"20 (grifei). Também já dissemos que "a exigência do contraditório, na formação e produção das provas, vem desdobrada, na experiência jurisprudencial e na lição doutrinária de diferentes países, em diversos aspectos, assim resumidos por Giuseppe Tarzia: a) a proibição de utilização de fatos que não tenham sido previamente introduzidos pelo juiz no processo e submetidos a debate pelas partes; b) a proibição de utilizar provas formadas fora do processo ou de qualquer modo colhidas na ausência das partes; c) a obrigação do juiz, que disponha de poderes de ofício para a admissão de um meio de prova, de permitir às partes, antes da sua produção, apresentar os meios de prova que pareçam necessários em relação aos primeiros; d) a obrigação de permitir a participação dos interessados na produção das provas.21 E mais: "Também nesse ponto é expresso o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) alemão, ao estatuir, nos §§ 357 e 397, que às partes assiste o direito de participar da produção da prova. A esse fundamental princípio, doutrina e jurisprudência alemã dão o nome de Parteioffentlichkeit, reconhecendo-o como uma das garantias fundamentais do processo em geral e extraindo de sua inobservância a proibição de utilização das provas produzidas. Princípios processuais fora do processo Página 5 (...) Foi salientado, aliás, que a garantia não significa apenas que a parte possa defender-se contra as provas apresentadas contra si, exigindo-se, ainda, que seja colocada em condições de participar, assistindo às que forem colhidas de ofício pelo juiz. É que tudo que for utilizado sem prévia intervenção e participação das partes acaba sendo reduzido a conhecimento privado do juiz. Expresso, nesse sentido, Trocker (...), com referências às copiosas doutrina e jurisprudência alemã e italiana."22 (grifei.) Na doutrina sul-americana, Hernando Devis Echandía destacou que "la parte contra quien se opone una prueba debe gozar de oportunidad procesal para conocerla y discutirla, incluyendo en esto el ejercicio de su derecho de contraprobar, es decir, que debe llevarse a la causa con conocimiento y audiencia de todas las partes; se relaciona con los principios de la unidad y la comunidad de la prueba, ya que si las partes pueden utilizar a su favor los medios suministrados por el adversario, es apenas natural que gocen de oportunidad paraintervenir en su práctica, y con el de la lealtad en la prueba, pues ésta no puede existir sin la oportunidad de contradecirla".23 Ainda nas palavras desse prestigioso processualista, "Este principio rechaza la prueba secreta practicada a espaldas de las partes o de una de ellas y el conocimiento privado del juez sobre hechos que no constan en el proceso ni gozan de notoriedad general, e implica el deber de colaboración de las partes con el juez en la etapa investigativa del proceso. Es tan importante, que debe negársele valor a la prueba practicada con su desconocimiento, como sería la que no fue previamente decretada en el procedimiento escrito, e inclusive, el dictamen de peritos oportunamente ordenado, o al menos simultáneamente en el oral, pero que no fue puesto en conocimiento de las partes para que éstas ejercitaran su derecho de solicitar aclaraciones o ampliaciones. Los autores exigen generalmente la contradicción de la prueba como requisito esencial para su validez y autoridad".24 Echandía também ressaltou a importância do princípio da publicidade da prova. Segundo asseverou, ele é "consecuencia de su unidad y comunidad, de la lealtad, la contradicción y la igualdad de oportunidades que respecto a ella se exigen. Significa que debe permitirse a las partes conocerlas, intervenir en su práctica, objetarlas si es el caso, discutirlas y luego analizarlas para poner de presente ante el juez el valor que tienen, en alegaciones oportunas; pero también significa que el examen y las conclusiones del juez sobre la prueba deben ser conocidas de las partes y estar al alcance de cualquier persona que se interese en ello, cumpliendo así la función social que les corresponde y adquiriendo el 'carácter social' de que habla Framarino dei Malatesta"25 (grifei). Entre nós, esse último aspecto foi bem examinado por Antonio Carlos de Araújo Cintra, para quem "O princípio da publicidade tende a garantir a tranqüilidade das partes, afastando as dúvidas e desconfianças que geralmente cercam as atividades secretas, senão furtivas, propiciadoras de ilegalidade e quebras da honestidade ou do decoro. De outro lado, a publicidade enseja o controle social do desempenho, pelos juízes, de suas atribuições. Nessa perspectiva é de recordar a lição de Hélio Tornaghi no sentido de que 'o contraste da atividade judicial pela opinião pública é uma garantia: para o jurisdicionado, contra a prepotência e o arbítrio; para o juiz, contra a suspeita e a maledicência'. Ou seja, 'o sistema da publicidade dos atos processuais situa-se entre as maiores garantias de independência, imparcialidade, autoridade e responsabilidade do juiz'."26 (grifamos) Ainda na doutrina nacional, Antonio Magalhães Gomes Filho mais uma vez bem observou que: "Se num primeiro momento o respeito ao contraditório, como expressão dos direitos de ação e de defesa, impõe o reconhecimento a cada uma das partes de um direito à introdução da prova, e também, inversamente, à parte contrária, de um direito de exclusão, no sentido de só ver admitidas as provas lícitas, pertinentes e relevantes, essa mesma garantia do contraditório deve ser observada quanto aos modos de admissão, introdução e valoração das provas no processo"27 (grifei). A introdução contraditória da prova "significa que, admitida uma prova por decisão judicial, a participação dos interessados nos procedimentos de sua produção deve ser ativa e efetiva. Assim, se se tratar de provas preconstituídas, suficiente será a possibilidade de manifestação sobre a legalidade ou idoneidade do material probatório introduzido; mas, no caso de provas que se formam no próprio procedimento, as partes devem ter oportunidade de acesso a todos os atos de sua elaboração, formulando questões às testemunhas ou peritos, obtendo e contestando informações e, ainda, podendo oferecer a contraprova"28 (grifei). Princípios processuais fora do processo Página 6 Além disso, prosseguiu Magalhães, "manifesta-se também o contraditório no momento da valoração das provas, envolvendo não somente o seu momento argumentativo anterior, com a oportunidade que devem ter as partes de criticar os resultados dos procedimentos probatórios - seja nas alegações finais, seja posteriormente, sempre que novas provas venham aos autos -, mas principalmente a efetiva apreciação, pelo juiz, das provas introduzidas em observância ao direito a prova e, em contrapartida, a não consideração, para fins de decisão, das provas inadmissíveis ou daquelas introduzidas sem respeito ao contraditório"29 (grifei). De forma correta e abrangente, referido processualista também observou que "casos há em que a violação do contraditório representa somente um aspecto do quomodo da prova, ou seja, trata-se de irregularidade relacionada apenas à forma com que se realizaram os atos procedimentais probatórios; em outras situações, ao contrário, o desrespeito à contraditoriedade atinge a própria essência da prova considerada na decisão; aqui não se tem uma prova simplesmente irregular, mas, na verdade, uma não-prova, ato sem a mínima aptidão para fundar o raciocínio judicial". E mais: "Se se tratar de uma infringência ao contraditório que atinge a própria natureza do ato tido como probatório, sua própria existência, a solução deve ser a mesma reservada para as provas inadmissíveis, que jamais podem ser utilizadas pela sentença. Pense-se, como exemplo dessa categoria, na utilização de dados colhidos no inquérito policial, que não podem fundar o convencimento judicial porque não obtidos sob o contraditório; ou ainda, naquela situação já mencionada, em que o Ministério Público pretende juntar aos autos, como prova, testemunho colhido irregularmente, em seu gabinete; aqui a impossibilidade de consideração da prova é absoluta, uma vez que uma renovação do ato, com observância do contraditório, é simplesmente inviável."30 Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, vigora perante a Administração o chamado princípio "da ampla instrução probatória, o qual significa, como muitas vezes observam os autores, não apenas o direito de oferecer e produzir provas, mas também o de, muitas vezes, fiscalizar a produção de provas da Administração, isto é, o de estar presente, se necessário, a fim de verificar se efetivamente se efetuaram com correção ou adequação técnica devidas"31 (grifei). Tudo isso, como dito, afigura-se válido não apenas para o processo jurisdicional, conforme anteriormente já anotado a propósito da extensão da garantia do contraditório para o âmbito administrativo e mesmo para fora dos limites estatais. 3. A observância do contraditório pelo órgão que preside a produção da prova: exame da ilicitude da prova A prova, entendida como demonstração da veracidade de certas alegações de fato, normalmente está a cargo das partes interessadas. Isso não afasta, por óbvio, que o órgão presidente de certo procedimento - estatal ou não, conforme considerações supra - possa ele próprio determinar a providência de instrução. Tal poder não infirma a garantia constitucional do contraditório e, pelo contrário, somente reforça a preocupação com a atuação da referida garantia, impedindo-se pronunciamentos que surpreendam as partes. Trata-se de questão da qual tem se ocupado a doutrina mais recente e, dentro dela, tem destaque o pensamento de Luigi Paolo Comoglio que, tratando especificamente do tema, observou que "occorre indubbiamente considerare - nel panorama delle tendenze processuali moderne - la progressiva emersione del ruolo del giudice nella direzione del processo, nonchè la derivata esigenza di una protezione sempre più efficace delle garanzie del contraddittorio proprio in quei modelli di processo inquisitorio, nei quali sia più decisiva (seppur con gli oppotuni correttivi e controlli, a salvaguardia dell'imparzialità) la presenza di poteri d'ufficio del giudice"32 (grifei). Da mesma forma, na doutrina italiana recentíssima, colhe-se a lição de Giulio Ubertis: "Uno degli ambitiin cui maggiormente assume rilievo il principio del contraddittorio è, come accennato, quello probatorio, segnatamente per quanto concerne l'esercizio del diritto alla prova. Questo implica (quando il suo titolare lo faccia espressamente valere attraverso apposite richieste agli organi giudiziari almeno sommariamente motivate) non solo il diritto all'ammissione di un esperimento probatorio rilevante su un oggeto di prova verosimile e pertinente - e quindi il dovere per il giudice di motivare sul rigetto dell'istanza di parte -, ma anche quelli alla sua effettiva assunzione in Princípios processuais fora do processo Página 7 contraddittorio e alla valutazione dei suoi esiti."33 (grifei) Significativa a respeito, como fonte de inspiração para outros ordenamentos, é a disposição contida no art. 16 do novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5) francês que, alinhado às mais modernas tendências de dar efetividade às garantias constitucionais do processo, estabelece que "Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer e observer lui-même le principe de la contradiction", de tal sorte que "Il ne peut fonder sa décision sur le moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations". Na doutrina nacional, Luiz Guilherme Marinoni bem observou que: "O direito de produzir prova engloba o direito à adequada oportunidade de requerer a sua produção, o direito de participar da sua realização e o direito de falar sobre os seus resultados. No caso de prova determinada de ofício vale o mesmo, pois a parte não só tem o direito de sobre ela se pronunciar, mas também o direito de participar da sua realização. Quando o juiz determina a prova de ofício, ele se encontra, em respeito à exigência do contraditório, na mesma posição da parte. Evocando a proibição de fazer uso da ciência privada, poder-se-ia dizer que, à luz do contraditório, configura-se como ciência privada tudo o que for utilizado sem a prévia participação das partes"34 (grifei). Daí porque, consoante já tivemos oportunidade de registrar, "quando o juiz introduz a prova de ofício, encontra-se, perante a exigência do contraditório, na mesma situação da parte, e a intervenção e participação dos sujeitos do processo há de ser prévia"35 (grifei). A partir das considerações precedentes chega-se ao tema da ilicitude das provas produzidas em violação a direitos e garantias estabelecidas pela Constituição; e, a partir dele, é necessário determinar as conseqüências, em um dado processo, de nele se introduzirem elementos de tal forma viciados. Conforme já tive oportunidade de asseverar, "No conceito de inconstitucionalidade da prova se subsumem os dois momentos, o da ilicitude material e o da ilegitimidade processual: quando uma prova ilícita é produzida no processo, está sendo infringido, em última análise, o princípio constitucional da igualdade; e se a própria Constituição estabelece que os direitos fundamentais somente podem ser limitados pela lei, e esta não existe, ou é infringida ao colher-se a prova, a própria prova acaba sendo inconstitucional e sujeita à sanção, que por isso a fulmina. A prova inconstitucional é atípica frente à Constituição, e para o processo é configurada como viciada de atipicidade derivada". E mais: "Assim, a medida e o limite da prova ilícita devem ser estabelecidos sempre com vistas à Constituição. Se a colheita de prova importar em infringência a um direito ou a um princípio de caráter constitucional, a prova deverá ser afastada, ainda que com isso, vez ou outra, se corra o risco da impunidade do culpado."36 (grifei) A propósito, também observei que "o rito probatório não configura formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em escopo a ser visado, em uma exigência ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A legalidade na disciplina da prova não indica um retorno ao sistema de prova legal, mas assinala a defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos". Dessa forma, "Ao prescrever expressamente a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, a Constituição brasileira considera a prova materialmente ilícita também processualmente ilegítima, estabelecendo desde logo uma sanção processual (a inadmissibilidade) para a ilicitude material"37 (grifei). Lembrei ainda que "a atipicidade constitucional, com relação às normas de garantia, acarreta, em regra, como conseqüência a sanção de nulidade absoluta. O menos que se poderia dizer, portanto, é que o ingresso da prova ilícita no processo, contra constitutionem, importa na nulidade absoluta dessas provas, que não podem ser tomadas como fundamento por nenhuma decisão judicial. Mas aqui o fenômeno toma outra dimensão: as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tidas como provas. Trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria da inexistência jurídica. Elas simplesmente não existem como provas; não têm aptidão para surgirem como provas. Daí sua total ineficácia"38 (grifei). Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, "Consideram-se incluídas no quadro do devido processo legal as garantias de inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos (art. 5.º, LVI, da CF/1988 (LGL\1988\3)), da inviolabilidade do domicílio (art. 5.º, XI, da CF/1988 (LGL\1988\3)), do Princípios processuais fora do processo Página 8 sigilo das comunicações e dados (art. 5.º, XII, da CF/1988 (LGL\1988\3)), etc.; e, se alguma disposição infraconstitucional for emitida ou alguma decisão judiciária proferida, sem infração a qualquer dessas garantias assim tipificadas mas violando as premissas do Estado liberal democrático, ela será violadora da garantia ampla e vaga do due process of law - e por isso carecerá de legitimidade constitucional"39 (grifei). Nessa mesma direção, Ovídio Baptista da Silva, lembrando que "a parte contra quem se produz a prova, tem direito de conhecê-la antes que o juiz a utilize como elemento de convicção em sua sentença, e deve ter igualmente o direito de impugná-la e produzir contraprova, se puder, por este meio, invalidá-la", concluiu que "carece de legitimidade a prova secreta produzida sem o prévio conhecimento da outra parte e sem o indispensável contraditório processual"40 (grifei). De forma análoga, João Batista Lopes - também lembrando que "o contraditório abrange (a) o direito de ser ouvido; (b) o direito de acompanhar os atos processuais; (c) o direito de produzir provas; (d) o direito de ser informado regularmente dos atos praticados no processo; (e) o direito à motivação da sentença; (f) o direito de impugnar as decisões"41 - conclui que "Em linha de máxima, as provas ilícitas, ilegítimas, ilegais ou clandestinas não devem ser admitidas"42 (grifei). Contudo, a efetiva prevalência da garantia constitucional não termina aí. O problema não reside apenas na necessária exclusão, de um dado processo, de provas obtidas em violação a garantias constitucionais, mas envolve também a questão da influência que a prova ilícita - mesmo que posteriormente excluída por inadmissível - tenha sobre o ânimo de quem julga. E, nesse particular, tem-se como correto que não apenas deve ser excluída dos autos a prova ilícita, mas também deve ser impedido de julgar todo aquele que tenha travado contato com os elementos produzidos com violação a normas e garantias constitucionais. Com efeito, tal é o que resulta da constatação de como se forma o convencimento. Se é certo que se pode retirar dos autos a materialidade do ilícito, o mesmo, infelizmente, não pode ser dito em relação à marca que fica no espírito de quem julga. Como já se disse em doutrina, "Una vez adquirida la prueba por el juzgador, no podrán nunca descartarse los efectos de una convicción psicológica por encima de toda inferencia lógica"43 (grifei). Não basta, em suma, excluir materialmente a prova ilícita dos autos, sendo imperativo - para que a garantia nãoreste uma mera e vazia promessa - reconhecer-se o impedimento para julgar de todo aquele que travou contato com a prova obtida de forma ilegítima. Em página clássica da doutrina, Sentis Melendo observou que: "Tales elementos probatorios, aunque hayan llegado a entrar en los autos, no deben quedar incorporados a ellos, no deben ser adquiridos por el proceso. Así cuando se trate de pruebas obtenidas en violación de derechos constitucionalmente, o aun legalmente, garantizados. El problema presenta toda su gravedad en aquellos casos en los que, como derivación de una prueba obtenida ilegalmente, se ha practicado otra que, considerada aisladamente, es una prueba lícita. Cuál es el procedimiento a seguir? Radiar de los autos esos elementos probatorios? Pero cuáles? Sólo los ilícitos o también todos los que, siendo lícitos por sí, se descubrieron a consecuencia del empleo de medios ilícitos? Sería necesario prescindir de todo lo obtenido como consecuencia. Pero de esas pruebas surgen elementos de convicción para quien ha de juzgar. Será suficiente tachar o eliminar de los autos todas esas pruebas?". E a resposta é esta: "No lo creo. La única manera correcta me parece que será eliminar del proceso al juez, separarlo de los autos en que tales elementos figuran y que él no ha podido por menos de haber conocido. Eliminar todas esas pruebas y dejar como juzgador a quien ha tomado conocimiento de ellas no parece una solución aceptable. La solución drástica sería anular todo lo actuado y separar al juez que ha intervenido hasta entonces, para que su sucesor, sin conocimiento de esos elementos probatorios, pueda juzgar con absoluta imparcialidad."44 (grifei) Não se limitando ao plano exclusivamente doutrinário, tal postulado constou de projeto de Reforma do Código de Processo Penal (LGL\1941\8), relativamente à disciplina legal da prova ilícita. Conforme tive oportunidade de relatar, a respeito, "O anteprojeto disciplina as provas obtidas por meios ilícitos, cuja admissibilidade é vedada pelo art. 5.º, LVI, da CF/1988 (LGL\1988\3). Com base na doutrina e na jurisprudência, conceituam-se elas como as colhidas em violação a princípios e normas constitucionais e se determina seu desentranhamento do processo e arquivamento sigiloso em cartório, caso venham a ser introduzidas nos autos. Também se impede que o juiz que delas Princípios processuais fora do processo Página 9 tenha tido conhecimento profira a sentença"45 (grifei). Nessa mesma direção, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, a propósito do Projeto em questão, observou que "A comissão de reforma optou por uma construção legal extremamente feliz, com as chamadas cláusulas gerais, de porção aberta. Deu às provas ilícitas o referencial de violação a princípio e normas constitucionais. Quando afirmamos que a expressão disposta à prova ilícita alcança a satisfação jurídica, é porque entendemos que o dispositivo jamais poderia ser efetivo, caso viesse abranger as ocorrências de proibição. Correria o risco, no modelo taxativo, de não alcançar situações que, não previstas pelo legislador, tocariam de igual modo os princípios ou as normas constitucionais". E mais: "Mas o texto foi mais além quando, em brilhante e fundamental decisão progressiva, impôs um impedimento na ordem de que, caso o magistrado tenha qualquer contato com a prova ilícita, ficará impedido, pela prevalência do princípio da não contaminação, de proferir a sentença que naturalmente o vinculará. Esta direção de política criminal brinda a postura que se quer acusatória, fulminando qualquer hipótese de vícios na atividade mais importante dentro do processo: a probatória. "Convém registrar ainda que a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, de cariz americano, ultimou qualquer dúvida a este respeito. Não só a sua adoção, mas também os elementos de sua composição, vinculando o efeito a situações de causalidade bem distribuída no art. 157, § 1.º, do Projeto de Reforma."46 (grifei) Alinhando-se a tais considerações, Ricardo Baroneze asseverou que "as conseqüências da admissão da prova ilícita em uma relação processual civil podem ser mais gravosas do que no processo penal, apesar de se tratar de tutelas, de bens da vida, diversos. A afirmação se explica: no processo penal, a admissão da prova ilícita pro reo é largamente admitida pela doutrina, como aplicação do próprio princípio da proporcionalidade. Já no processo civil, tal assunção levaria diretamente à contradição do princípio da igualdade processual, desequilibrando a paridade de armas que deve haver entre as partes. Nem há de se falar que a prova pode ser contraditada pela outra parte, vez que já foi produzida, na sua origem, por meio ilícito, em contraposição às normas de direito constitucional". Assim, prosseguiu referido autor, "ao aproveitar o magistrado, na formação de sua convicção e conseqüente motivação de qualquer ato decisório, em especial na sentença, qualquer fato demonstrado por intermédio de prova ilicitamente obtida, agirá com patente erro de procedimento (error in procedendo), que poderá ocasionar a nulidade dos atos praticados, salvo aqueles que não tiverem estreita relação com a prova ilícita". E mais: "Por outro lado, além de garantir o arquivamento sigiloso das provas obtidas ilicitamente, após o trânsito em julgado da decisão que determina seu desentranhamento, prevê o anteprojeto a vedação de o magistrado proferir sentença se teve conhecimento do conteúdo da prova declarada ilícita. Na verdade, cria o dispositivo uma nova forma de impedimento do órgão julgador, ao lado de outras hipóteses previstas pelo art. 252 do CPP (LGL\1941\8), considerado como causa objetiva geradora de presunção absoluta de parcialidade do magistrado pelo simples fato de ter conhecimento prévio da prova obtida ilicitamente, não havendo razão para questionar-se a sua análise subjetiva ou intenção em julgar a causa com parcialidade. Preserva-se, assim, a incolumidade do restante do conjunto probatório, propiciando ao juiz substituinte a análise imparcial dos fatos sem a influência perniciosa da prova obtida por meio ilícito, em nítida preservação da própria integridade da tutela jurisdicional."47 (grifei) Se é verdade que as garantias do contraditório e da ampla defesa (integrantes do devido processo legal) aplicam-se a todas as formas de exercício de poder, da qual possam resultar decisões passíveis de interferir na esfera jurídica ou patrimonial de determinadas pessoas, então é certo que o impedimento a que se aludiu no item imediatamente precedente não deve se limitar à prova ilicitamente produzida no âmbito judicial. Vale dizer: no exercício de poder - no âmbito estatal e no dos demais pólos existentes na sociedade - há que se exigir, se não imparcialidade, quando menos o atributo da impessoalidade, para que o resultado da atividade estatal não acabe resultando em desvio de poder e de finalidade. Falando do tema em relação à Administração, Celso Antonio Bandeira de Mello ensinou que nesse princípio "se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem Princípios processuais fora do processo Página 10 discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia"48 (grifei). Assim também Odete Medauar, para quem "Impessoalidade, imparcialidade, objetividade envolvem tanto a idéia de funcionários que atuam em nome do órgão, não para atender objetivos pessoais, como de igualdade dos administrados e atuação norteada por fins de interesse público. Trata-se de ângulos diversos do intuito essencial de impedir que fatores pessoais, subjetivos, sejam os verdadeiros móveis e fins das decisões administrativas. Como princípio da impessoalidade, a Constituição visa a obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, 'trocos', nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em concursos públicos, licitações, processos disciplinares, exercício do poder de polícia. Busca, desse modo, fazer predominar o sentido de função, isto é, o caráter objetivo nas atuações dos agentes, pois, sob tal enfoque, os poderes atribuídos não se destinam a atender interesses e móveis subjetivos e pessoais; finalizam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais". E conclui: "Em situações que dizem respeito a interesses coletivos, ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, para evitar decisões movidas por preconceitos e radicalismos ideológicos ou pela busca de benesses de tipos diversos."49 (grifei) Vê-se, dessa maneira, que, ao final, se entrelaçam as garantias examinadas: do magistrado, do administrador e de quem, enfim, exerce poder, exige-se que observe e que faça observar a garantia do contraditório, porque, dentre outros, essa garantia é fator assecuratório de imparcialidade, da impessoalidade, além de garantir a validade e a eficácia da prova. Violando-se, na colheita da prova, o contraditório e outros postulados que integram a cláusula do devido processo legal, compromete-se a isenção e a impessoalidade de quem produz a prova. 4. Entidades que integram o sistema nacional de defesa do consumidor: identificação de exercício de poder e submissão à exigência constitucional do contraditório (e respectivos desdobramentos) As considerações precedentes permitem que se passe agora ao exame das entidades que integram o sistema de defesa do consumidor e, a partir do modo pelo qual atuam, que se determine se e em que medida elas se sujeitam à exigência constitucional do contraditório e da ampla defesa, com todos os desdobramentos anteriormente examinados. Segundo a regra do art. 105 do CDC (LGL\1990\40), integram o chamado "Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC", os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor (grifei). Consoante observou Daniel Roberto Fink, referido sistema "é a conjugação de esforços do Estado, nas diversas unidades da federação, e da sociedade civil, para a implementação efetiva dos direitos do consumidor e para o respeito da pessoa humana na relação de consumo. Quis o Código que o esforço fosse nacional, integrando os mais diversos segmentos que têm contribuído para a evolução da defesa do consumidor no Brasil50" (grifei). Nas palavras de Bruno Miragem, "O espírito do Código é o de integração da atuação dos diversos órgãos públicos e entidades privadas na atividade de promoção da defesa do consumidor. E isso é percebido desde logo pelos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, expressos no art. 4.º, que relaciona, entre outros, a ação governamental no sentido de dar efetiva proteção do consumidor, por iniciativa direta, incentivo à criação e desenvolvimento de associações representativas, assim como pela presença do Estado nas atividades de regulação e fiscalização do mercado de consumo"51 (grifei). Ainda nas palavras desse mesmo autor, "O direito do consumidor, ao lado de outros denominados novos direitos típicos da pós-modernidade, como o direito ambiental, guarda uma característica extremamente louvável e que, em boa medida, é uma das razões de sua crescente efetividade, tanto entre nós, quanto na experiência do direito europeu, de influência marcante no Brasil. Trata-se do papel ativo que reserva às diversas organizações da sociedade civil, a qual é expressamente Princípios processuais fora do processo Página 11 estimulada pelo Código. Este estímulo à auto-organização dos consumidores é perceptível na legitimação das associações para interposição de ação coletiva, assim como na sua participação no SNDC, o que lhes determina a atuação e coordenação na formulação de políticas públicas, mobilização da sociedade, educação para consumo e colaboração com órgãos públicos na repressão às infrações aos direitos dos consumidores".52 Sobre o tema, Eduardo Gabriel Saad assinalou que: "A ação governamental para proteção do consumidor é realizável direta ou indiretamente. No primeiro caso, o poder público organiza-se para atender aos interessados e dar sustentação às atividades fiscalizadoras conducentes a sanções administrativas, penais e civis. No segundo, estimula a criação de associações representativas dos consumidores" (grifei). Dessa forma, prosseguiu: "O Código, arrimado na Constituição Federal (LGL\1988\3), abre campo para múltiplas atividades das associações que representam os consumidores. Credenciam-nas a representar os consumidores nas esferas administrativa e judicial, o que as torna respeitadas - senão temidas - pelos fornecedores em geral"53 (grifei). De forma realista, mas sem generalizações, referido autor observou que "Poderia o poder público criar centros de treinamento e capacitação dos administradores de tais sociedades, o que aumentaria consideravelmente as probabilidades de sucesso dos programas por ela adotados. O despreparo dos dirigentes de tais organismos é, na maioria das vezes, a causa determinante de seu fechamento ou - o que é pior - do desvirtuamento de suas finalidades"54 (grifei). Na literatura jurídica portuguesa, Carlos Ferreira de Almeida indicou como funções e atividades das instituições privadas ou mistas, com participação dos consumidores, dentre outras, a de - "intervenção" "quer de natureza jurídica, pelo direito que, em alguns países e em certas circunstâncias, lhes é reconhecido para a representação judiciária dos consumidores; quer de natureza político-administrativa, pela atribuição de funções e direitos de intervenção e informação junto dos órgãos de decisão ou consulta; quer ainda de natureza sócio-econômica, através de sua função porventura mais eficiente de informação e educação, e também pela utilização de processos de pressão de diversos graus de eficácia, incluindo aqueles que são inspirados pelas acções reivindicativas dos sindicatos", falando também dos "meios mais radicais de pressão (a contra-publicidade e o boicote)" e de outros "que usam a persuasão por diligências directas junto das empresas, quando tenha havido lesão dos interesses dos consumidores"55 (grifei). Disso tudo decorre, com relativa facilidade, a verificação de que tais entidades, ainda que privadas, exercem inequívoca forma de poder. Com efeito, seu funcionamento e suas atividades têm origem no Estado e, como visto, não deixam de ser forma indireta de atuação estatal. Em certa medida, há aí uma forma, ainda que atenuada, de delegação. Na experiência nacional e internacional, tais entidades são, de alguma forma, "credenciadas" a atuar e a elas se atribui papel social relevante, dentre outros, de fiscalização e mesmo de "pressão" sobre os fornecedores. Sua intervenção, tendo em vista a respectiva origem, resulta em inequívoca forma de poder porque o resultado de suas atividades é destinado ao conhecimento dos consumidores e tem o explícito escopo de influir sobre o respectivo comportamento; donde resulta também inegável aptidão de interferência na esfera jurídica e patrimonial dos fornecedores, circunstância, aliás, reconhecida a partir do verdadeiro "temor" de que acima se cogitou. É, portanto, típica forma de capacidade de decidir e de - ainda que por formas coativas indiretas ou sutis - impor suas decisões, se não a vincular os destinatários a influenciá-los decisivamente. A propósito, vêm bem a calhar as palavras de Helena Najjar Abdo ao destacar a importância da informação no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista "(i) a sua relevância para a formação da opinião, (ii) a influência que exerce sobre a capacidade de discernimento e o comportamentodos sujeitos receptores da mensagem e, por fim, (iii) o grande poder de persuasão exercido pela sua reiteração"56 (grifei). Tratando-se de "moléculas da sociedade" aptas ao exercício de poder, elas necessariamente estão adstritas à rigorosa observância da garantia do contraditório e, mais do que isso, de todas as demais que, como examinado, dali decorrem, particularmente em relação aos elementos de convicção que sejam aptas a gerar. Em relação à demonstração de fatos que tais entidades pretendam realizar, a não observância rigorosa do contraditório, com informação e oportunidade de reação dos fornecedores, compromete o resultado da "prova" produzida e apresentada a consumidores, como ainda põe em xeque a própria credibilidade - imparcialidade e impessoalidade - de tais entidades, comprometendo, portanto, o próprio sistema de defesa do consumidor que integram. Princípios processuais fora do processo Página 12 Em suma, aplicam-se a tais entidades, todas as considerações desenvolvidas nos itens precedentes, o que, aliás, é confirmado por um exame da legislação que, mais particularmente, rege a matéria. Com efeito, o Dec. 2.181, de 20.03.1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078, de 11.09.1990. Em seu art. 42 do Dec. 2.181/1977, tal ato legislativo estabelece que: "A autoridade competente expedirá notificação ao infrator, fixando o prazo de dez dias, a contar da data de seu recebimento, para apresentar defesa, na forma do art. 44 do Dec. 2.181/1977", podendo apresentar "as razões de fato e de direito que fundamentam a impugnação" e, naturalmente, "as provas que lhe dão suporte" (art. 44, III e IV, do Dec. 2.181/1977). Especificamente no campo dos alimentos, o art. 33 do Dec.-lei 986/1969, que instituiu normas básicas sobre alimentos, dispõe que: "A interdição de alimento para análise fiscal será iniciada com a lavratura de termo de apreensão assinado pela autoridade fiscalizadora competente e pelo possuidor ou detentor da mercadoria ou, na sua ausência, por duas testemunhas, onde se especifique a natureza, tipo, marca, procedência, nome do fabricante e do detentor do alimento". Após prever o procedimento que terá lugar em tal situação, referido diploma dispõe que: "Se a análise fiscal concluir pela condenação do alimento a autoridade fiscalizadora competente notificará o interessado para, no prazo máximo de 10 (dez) dias, apresentar defesa escrita", de tal sorte que: "Caso discorde do resultado do laudo de análise fiscal, o interessado poderá requerer, no mesmo prazo do parágrafo anterior, perícia de contraprova, apresentando a amostra em seu poder e indicando o seu perito" (art. 34, §§ 1.º e 2.º, do Dec.-lei 986/1969; grifei). Ainda nessa particular seara, o art. 27 da Lei 6.437/1977 prevê que: "A apreensão do produto ou substância constituirá na colheita de amostra representativa do estoque existente, a qual, dividida em três partes, será tornada inviolável, para que se assegurem as características de conservação e autenticidade, sendo uma delas entregue ao detentor ou responsável, a fim de servir como contraprova, e a duas imediatamente encaminhadas ao laboratório oficial, para realização das análises indispensáveis". Também após prever procedimento atento à garantia do contraditório estatui que se houver discordância do resultado condenatório da análise, o interessado "poderá, em separado ou juntamente com o pedido de revisão da decisão recorrida, requerer perícia de contraprova, apresentando a amostra em seu poder e indicando seu próprio perito" (art. 27, § 4.º, da Lei 6.437/1977), inclusive com a possibilidade de recurso (art. 27, § 8.º, da Lei 6.437/1977); o que, de resto, é ratificado pelos termos da Resolução RDC 12 da Anvisa, de 02.01.2001, segundo a qual "As amostras colhidas para fins de análise de controle e fiscal devem atender aos procedimentos administrativos estabelecidos em legislação específica" (5.4) (grifei). Para além de tais aspectos, enfatize-se a circunstância de que tais entidades, na medida em que sejam responsáveis pela divulgação de informação ao consumidor e à sociedade de um modo geral, devem necessariamente pautar-se pela chamada regra de objetividade. Assim, conforme ressaltou uma vez ainda Helena Najjar Abdo, "Para que uma mensagem seja considerada objetiva, ela tem de ser, em primeiro lugar, verídica". Além disso, "precisa respeitar alguns elementos, tais como a eqüidistância, a isenção, a imparcialidade, a clareza, e a 'verificabilidade' ou 'checabilidade'."57 (grifei) Aliás, referida autora bem destacou que, ao classificar um determinado dado como informação, digna de ser divulgada ao público, o profissional encarregado da tarefa "deverá cercar-se de cautelas suficientes para referendar essa sua classificação, tais como (i) consultar uma pluralidade de fontes sobre cada fato narrado, (ii) atribuir corretamente as informações às fontes consultadas, (iii) respeitar o contraditório quando existirem posições ou pontos-de-vista conflitantes, (iv) manter a imparcialidade ao narrar esses diferentes pontos-de-vista ou versões eventualmente conflitantes etc." 58 (grifei). Tudo isso, conforme destacou referida autora, liga-se ao dever de "completude" da informação: "O fundamento desse dever de completude está não só no respeito à objetividade, como acima defendido, mas também na circunstância de que o fato omitido poderá comprometer de tal forma a narração, a ponto de torná-la inverídica. Portanto, a superficialidade, a simplificação excessiva e a omissão de fatos relevantes não só comprometem a objetividade, como também podem incidir em inverdade." (Grifei.) 5. O exame da situação retratada na consulta - IV. Respostas aos quesitos Princípios processuais fora do processo Página 13 Diante das considerações precedentes, o exame da situação posta pela Consulente fica consideravelmente facilitado na medida em que o quanto já foi exposto adianta, em boa medida, as conclusões que agora serão ratificadas. Não há dúvida de que a Pro Teste pode ser considerada como entidade que integra o assim denominado Sistema de Defesa do Consumidor. Suas origens e suas atividades confirmam tratar-se de organismo inserido no contexto já examinado, do esforço de integração da atuação de órgãos públicos e privados para promoção da defesa do consumidor. Sua forma de intervenção envolve fiscalização e informação, com conseqüente e relevante influência sobre o mercado consumidor, gerando o que, como visto acima, constituem-se em verdadeiros "processos de pressão". Portanto, na linha das considerações precedentes, a Pro Teste, ao lidar com o exame de produtos e disseminação de informações acerca da respectiva qualidade, maneja importante instrumento que, a exemplo de decisões estatais (ou quiçá até com maior intensidade), influenciando o comportamento dos consumidores, afeta diretamente a esfera jurídica, moral e patrimonial dos fornecedores. Seu poder é inequívoco e, em um Estado Democrático, precisa ser rigorosamente regrado como o são as formas de poder exercidos diretamente pelo Estado. Sendo assim, a realização de testes e a correspondente divulgação de seus resultados, sem a observância do prévio e efetivo contraditório dos fornecedores envolvidos, representam grave violação à citada garantia e, portanto, à do devido processo legal. Mais do que isso, a "prova" assim produzida - entendida como as conclusões e resultados dos testes realizados pela Pro Teste - padece de visceral ilicitude. Sendo assim, tais elementos não podem, em hipótese alguma, servir de fundamento para qualquer medida ou decisão judicial pelas quais se pretenda, eventualmente, a retirada de determinado de produto de circulação. Na realidade, a divulgação de tais resultados - equiparáveis à prova porque se propõe, como esta, à demonstração da verdade de certo fato - deve serimpedida a todo custo porque, como visto, uma vez que a prova ilícita chega ao conhecimento de quem deva tomar decisões - no caso, o consumidor - a situação se torna irreversível. A realização dos testes, de forma secreta, viola, como conseqüência, o direito à prova dos fornecedores, direito que não apenas decorre da Constituição Federal (LGL\1988\3), como amplamente demonstrado, mas que, na situação particular dos alimentos, é garantido também pela legislação que disciplina a matéria; preceitos aos quais evidentemente a Pro Teste está adstrita como órgão integrante do sistema de defesa do consumidor que é. Ademais, disso, a realização a sorrelfa dos testes compromete a isenção da entidade, dando margem a questionamento quanto a sua imparcialidade e impessoalidade, tudo na linha da exposição anteriormente realizada. Sugestão disso está no fato - portanto, circunstância objetiva - de que referida entidade teria tido seu credenciamento cassado perante o governo italiano. Além disso, a violação ao contraditório impede que se atenda à exigência de objetividade na divulgação das informações. Sem a possibilidade de oitiva dos interessados, a informação transmitida aos consumidores corre o sério risco de ser incompleta. Omitindo dados relevantes, tal informação pode se revelar inverídica e isso, ao invés de tutelar o direito dos consumidores, acaba, em última análise, por prejudicá-los. Nem se diga que o contraditório estaria, no caso, satisfeito com o debate em juízo da prova, isto é, dos testes realizados pela citada entidade. Quando o tema chega em juízo, ao que mostra a realidade trazida pela Consulente, as informações já foram divulgadas e, então, eventual e posterior retratação de muito pouco valerá. Tampouco se diga que a Pro Teste estaria dispensada de proporcionar o contraditório aos interessados por merecer, ela própria, tratamento de consumidor. Sobre isso, não se coloca em dúvida que tal entidade integra o sistema oficial de defesa do consumidor, tendo por objetivo a tutela de seus direitos. E, justamente porque é responsável pela divulgação de informações para aos consumidores, e porque tais informações têm papel relevante na formação de sua opinião, tem a entidade o dever de conferir objetividade às informações que divulga. E tal objetividade, como visto, só pode ser atendida se o contraditório for estabelecido. IV. Respostas aos quesitos 1 - Qual a atribuição (competência legal) conferida às entidades privadas de defesa do consumidor, Princípios processuais fora do processo Página 14 como é o caso da Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor? Elas integram o Sistema de Defesa do Consumidor e se submetem às regras do Dec.-lei 986/69 e da Lei 6.437/77? R. - Referidas entidades - dentre as quais a chamada Pro Teste se inclui - integram o chamado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, compondo forma pela qual o Estado, indiretamente, busca preservar os direitos do consumidor. Elas, portanto, se submetem, sim, não apenas às referidas normas legais mas, antes e principalmente, à exigência constitucional de preservação do contraditório e da ampla defesa, na medida em que sua atuação configura inequívoca forma de exercício de poder. 2 - É correto afirmar que os testes realizados pela Pro Teste - principalmente análises microbiológicas de alimentos por laboratórios - que possam apontar eventual desconformidade dos produtos com a legislação ou com as normas da Anvisa deverão obedecer ao devido processo legal, ao contraditório - inclusive o contraditório técnico - e à ampla defesa, notadamente em relação aos procedimentos estabelecidos pelo Dec.-lei 986/69 e pelas normas-padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)? R. - Sim, conforme amplamente demonstrado no corpo do parecer. 3 - Em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, é correto afirmar que os procedimentos de testes conduzidos sem a obediência ao devido processo legal e sem possibilitar o contraditório e a ampla defesa, bem como os resultados obtidos seriam técnica e juridicamente questionáveis, configurando resultados nulos e prova ilícita inadmissível? R. - Sim. Os resultados dos testes não podem ser considerados porque, sendo fruto de violação ao contraditório e a princípios constitucionais daí decorrentes, são marcados pela ilicitude. A prova assim produzida não pode ser considerada em juízo e, mais do que isso, não pode ser divulgada aos consumidores. 4 - A divulgação pública de resultados de testes conduzidos em afronta aos princípios constitucionais acima mencionados, antes de as empresas se manifestarem e possam contrariar tais resultados, configura atitude temerária, negligente e imprudente da Pro Teste? R. - Sim, conforme razões expendidas no corpo do parecer. É o parecer. São Paulo, 28 de agosto de 2006. 1. Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 85. 2. Idem, p. 87-88. 3. Idem, p. 133. 4. Ada Pellegrini Grinover. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 4. 5. Idem, ibidem. 6. Nelson Nery Junior. Princípios do processo civil na Constituição Federal (LGL\1988\3). 3. ed. São Paulo: RT, 1996, p. 133. 7. José Carlos Barbosa Moreira. A garantia do contraditório na atividade de instrução. Temas de direito processual civil. 3.ª série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 68. 8. Ada Pellegrini Grinover. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 81-84. Princípios processuais fora do processo Página 15 9. Idem, ibidem, p. 333. 10. Odete Medauar. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993, p. 104. 11. Odete Medauar. A processualidade no direito administrativo, cit., p. 103. 12. Grinover-Scarance-Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 146-147. 13. Jessé Torres Pereira Júnior. O direito à defesa na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 36-37. 14. Ivani Contini Bramante. Eficácia do contraditório e ampla defesa nas relações interprivadas. Revista LTr, v. LXIV, 2000, p. 1.010. 15. Idem, p. 1.011. 16. Antonio Magalhães Gomes Filho. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 169-170. 17. Ada Pellegrini Grinover. O processo em evolução, cit., p. 54. 18. Nesse sentido, meu trabalho O conteúdo da garantia do contraditório. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, esp. n. 3.1 e 3.2, p. 22-25. 19. Idem, ibidem, p. 24. 20. Ada Pellegrini Grinover. O conteúdo da garantia do contraditório, cit., p. 25. 21. Ada Pellegrini Grinover. O conteúdo da garantia do contraditório, cit., p. 21-22, com indicação das fontes doutrinárias citadas. 22. Idem, p. 24. 23. Hernando Devis Echandía. Teoria general de la prueba judicial. 6. ed. Buenos Aires: Zavalia, 1988, t. I, p. 123. 24. Idem, ibidem. 25. Hernando Devis Echandía. Teoria general de la prueba judicial, cit., p. 124-125. 26. Antonio Carlos de Araújo Cintra. Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). v. 4 (arts. 332 a 475). Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 244. 27. Antonio Magalhães Gomes Filho. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 169-170. 28. Idem, ibidem. 29. Antonio Magalhães Gomes Filho. Direito à prova no processo penal, cit., p. 147-148. 30. Idem, ibidem, p. 169-170. 31. Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 283. 32. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezione sul processo civile. Bologna: Il Mulino, 1995, p. 70-71. 33. Cf. Giulio Ubertis. Il contraddittorio nella formazione della prova penale. Estudos e homenagens a Princípios processuais fora do processo Página 16 Ada Pellegrini Grinover. Coord. Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: DPJ, 2005, p. 333-334.34. Luiz Guilherme Marinoni. Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 153. 35. Grinover-Scarance-Magalhães. As nulidades no processo penal, cit., p. 146-147. 36. Ada Pellegrini Grinover. Provas ilícitas. O processo em sua unidadeII. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 177-178. 37. Idem, ibidem. 38. Ada Pellegrini Grinover. Provas ilícitas, cit., 1984, p. 177-178. 39. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 245. 40. Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1987, v. 1, p. 283-284. 41. João Batista Lopes. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005, v. 1, p. 42. 42. Idem, p. 50. 43. Kielmanovich Jorge L. Teoría de la prueba y medios probatorio. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1996, p. 58. 44. Sentís Melendo. La prueba - los grandes temas del derecho probatorio. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1978, p. 228-229. 45. Ada Pellegrini Grinover. O processo - estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 284. 46. Oswaldo Trigueiro do Valle Filho. A ilicitude da prova. São Paulo: RT, 2004, p. 351-353. 47. Ricardo Raboneze. Provas obtidas por meios ilícitos. 3. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 72-73. 48. Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 96. 49. Odete Medauar. A processualidade no direito administrativo, cit., p. 89-90. 50. Daniel Roberto Fink. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 872. 51. Bruno Miragem. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 1.143. 52. Bruno Miragem. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 1.161. 53. Cf. Eduardo Gabriel Saad. Comentários ao Código de Defesa Consumidor. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 127. 54. Idem, ibidem. 55. Cf. Carlos Ferreira de Almeida. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982, p. 200-201. 56. Helena Najjar Abdo. Observância da regra da objetividade na publicidade do processo realizada pelos meios de comunicação social. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 115. Princípios processuais fora do processo Página 17 57. Helena Najjar Abdo. Observância da regra da objetividade na publicidade do processo realizada pelos meios de comunicação social, cit., p. 114. 58. Idem, p. 119. Princípios processuais fora do processo Página 18
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